Viktor Orbán enfrenta sua maior crise na Hungria por indulto em caso de pedofilia


Crise foi causada por perdão presidencial a homem condenado por envolvimento em um caso de abuso sexual de menores e levou à renúncia da presidente do país

Por João Scheller

Hoje nas manchetes por ter abrigado o ex-presidente Jair Bolsonaro em sua embaixada em Brasília logo depois de ele ter o passaporte confiscado pela Polícia Federal, o governo de Viktor Orbán, na Hungria, enfrenta sua maior crise desde que ele chegou ao poder, em 2010.

Há pouco mais de um mês, um advogado do interior da se preparava para mais uma rotina de trabalho, com a leitura de atas e decisões judiciais. Mal sabia ele que estava prestes a desencadear a maior crise já enfrentada pelo primeiro-ministro húngaro.

O advogado, que permanece anônimo, descobriu que um homem, condenado como cúmplice de abuso sexual de menores em um orfanato estatal, havia recebido um perdão presidencial meses antes. A informação, obtida por ele lendo atas de decisões judiciais da Suprema Corte húngara, foi enviada para a imprensa e publicada por um portal investigativo.

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A notícia chacoalhou a opinião pública do país e trouxe uma grande onda de criticismo à decisão do governo. A crise levou à renúncia da presidente Katalin Novák e da ministra de justiça Judit Varga – que referendou o perdão concedido pela presidente. Além disso, a decisão levou a diversos protestos no país convocados por influenciadores digitais em defesa dos direitos das crianças e contra o abuso infantil.

Cartaz da oposição húngara com críticas a Orbán em Budapeste  Foto: ATTILA KISBENEDEK / AFP

Aliados em desgraça

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Posteriormente Zoltán Balog, líder da Igreja Reformada da Hungria - a segunda maior do país - e aliado de Orbán também renunciou ao cargo por ter feito lobby para a concessão do perdão presidencial ao homem, que é identificado na imprensa húngara como Endre K.

O caso é ainda mais emblemático por conta das políticas classificadas como pró-família implementadas pelo governo Orbán, que, segundo críticos, servem como cortina de fumaça para atacar direitos civis. Uma lei aprovada em 2021, por exemplo, previa o aumento de sentenças para casos de crimes sexuais contra crianças, mas vem sendo utilizada para restringir conteúdos com menção à comunidade LGBT+.

Apesar de não ser a primeira vez que o partido de Orbán se envolve em escândalos desta natureza, nunca antes elas desencadearam tamanha repercussão no governo, com a renúncia de figuras proeminentes. Novák e Varga eram amplamente conhecidas e alguns dos poucos rostos femininos em um governo dominado por homens. A última, inclusive, era a principal pré-candidata do Fidesz para as eleições do parlamento europeu que ocorrerão este ano.

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A crise também parece ter levado a desentendimentos dentro do próprio partido. Figura próxima de caciques do Fidesz, o ex-marido de Varga, Péter Magyar, foi a público acusar diferentes figuras do partido de corrupção, algo incomum nos últimos 14 anos de hegemonia do Fidesz.

A questão agora se concentra na habilidade do primeiro ministro de distanciar seu partido do caso e se a frequência dos protestos no país irá fazer com que eles se espalhem para além da capital Budapeste, historicamente crítica ao governo.

Peter Magyar, ex-aliado de Orbán, pede sua renúncia em Budapeste Foto: Bernadett Szabo/Reuters
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Medidas insuficientes contra protestos

Logo que o escândalo se tornou público, o governo tentou abafar o caso. Os principais canais de televisão e jornais do país, controlados pelo governo ou por empresários simpáticos a ele, ignoraram o tema por alguns dias, mas o desgaste não pôde ser evitado.

Neste período, os primeiros protestos começaram a surgir, pedindo inicialmente a renúncia da então presidente. Frente à onda de criticismo, o primeiro-ministro húngaro propôs uma emenda constitucional para proibir perdões concedidos a condenados em casos envolvendo exploração infantil, esperando diminuir o impacto do caso na opinião pública.

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Após a renúncia de Novák e Varga, o primeiro-ministro se manifestou sobre o caso tentando distanciar seu partido da decisão. “O que aconteceu foi o que tinha que acontecer em uma situação como essa. Boas pessoas também cometem erros”, afirmou Orbán.

Mesmo assim, os protestos se mantiveram na capital húngara, reunindo mais de 50 mil pessoas em um dos dias, um marco importante para um país com pouco menos de 10 milhões de habitantes.

“Essas pessoas não estão necessariamente filiadas a partidos de oposição. Os protestos são únicos porque eles mostram uma mobilização que deixa o ambiente virtual e se organiza para pedir uma maior proteção das crianças”, diz a coordenadora do Departamento de Política e Direitos Humanos da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, Alíz Nagy.

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Ato pela renúncia de Orbán em budapeste na terça-feira, 26 Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Descontentamento contra Orbán

A opinião é compartilhada pelo think tank húngaro Political Capital, que pesquisa os governos do leste e centro da Europa. Em relatório publicado dias após a renúncia de Novák, o instituto pontua que as razões para o perdão presidencial permanecessem desconhecidas e que para as declarações críticas de Péter Magyar mostram que há descontentamento em diferentes níveis do governo Orbán. “Por enquanto, o escândalo não parece estar próximo do fim”, afirmam.

Apesar das características únicas dos protestos, há ceticismo por parte de especialistas de que o episódio possa causar mudanças substanciais no país, já dominado pela hegemonia política do Fidesz. O governo húngaro é acusado de minar a democracia, atacar a liberdade de imprensa e aprovar medidas constitucionais que dificultam o acesso da oposição ao poder.

“Se este fosse um governo de credenciais democráticas, muito provavelmente teria caído com essa crise”, afirma David Magalhães, professor de relações internacionais da FAAP e coordenador do Observatório da Extrema Direita. A Hungria já chegou a ser classificado pelo parlamento europeu como uma autocracia eleitoral e vem caindo em rankings internacionais de monitoramento de níveis democráticos.

“As pessoas queriam mudanças e o governo introduziu uma emenda sobre o assunto. Talvez não os que estavam protestando, mas os eleitores mais conservadores estão parcialmente satisfeitos”, afirma Ákos Kopper, pesquisador húngaro do Centro de Estudos do Leste Europeu e Internacionais de Berlim.

Para ele, o controle que o governo Orbán tem exercido na política húngara e a natureza do episódio fazem com que a oposição tenha dificuldade de se aproveitar da atual crise para crescer politicamente.

“É desconfortável para o governo ter várias pessoas indo às ruas da capital em protesto, mas há milhões de pessoas morando no interior e em vilarejos que nem ficam sabendo sobre estes movimentos”, complementa Kopper.

O domínio do partido de Orbán pôde ser confirmado esta semana, quando o parlamento aprovou a indicação do ex-juiz Tamas Sulyok, que tem o apoio do governo, como novo presidente do país.

Modelo para direita radical

O governo de Viktor Orbán tem sido visto como um dos principais representantes da direita radical ao redor do planeta, ao defender políticas conservadoras e atacar medidas vistas como liberais, em especial de países do oeste do continente.

“O Orbán é uma figura que exerce certo fascínio nesse circuito da direita radical populista”, afirma Magalhães, citando que o governo do país é visto por lideranças da direita como um case de sucesso.

O primeiro-ministro húngaro manteve boas relações com o ex-presidente americano Donald Trump e com o presidente russo Vladimir Putin, tendo sido refratário, inclusive, às sanções impostas aos russos por conta da invasão à Ucrânia.

Orbán também é próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a chamar o líder húngaro de “irmão” durante visita ao país em 2022, citando que ambos compartilhavam de valores em comum.

Nesta semana, ao responder sobre o porquê de sua estadia na embaixada húngara, Bolsonaro disse que estava ali para tratar de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador.

Hoje nas manchetes por ter abrigado o ex-presidente Jair Bolsonaro em sua embaixada em Brasília logo depois de ele ter o passaporte confiscado pela Polícia Federal, o governo de Viktor Orbán, na Hungria, enfrenta sua maior crise desde que ele chegou ao poder, em 2010.

Há pouco mais de um mês, um advogado do interior da se preparava para mais uma rotina de trabalho, com a leitura de atas e decisões judiciais. Mal sabia ele que estava prestes a desencadear a maior crise já enfrentada pelo primeiro-ministro húngaro.

O advogado, que permanece anônimo, descobriu que um homem, condenado como cúmplice de abuso sexual de menores em um orfanato estatal, havia recebido um perdão presidencial meses antes. A informação, obtida por ele lendo atas de decisões judiciais da Suprema Corte húngara, foi enviada para a imprensa e publicada por um portal investigativo.

A notícia chacoalhou a opinião pública do país e trouxe uma grande onda de criticismo à decisão do governo. A crise levou à renúncia da presidente Katalin Novák e da ministra de justiça Judit Varga – que referendou o perdão concedido pela presidente. Além disso, a decisão levou a diversos protestos no país convocados por influenciadores digitais em defesa dos direitos das crianças e contra o abuso infantil.

Cartaz da oposição húngara com críticas a Orbán em Budapeste  Foto: ATTILA KISBENEDEK / AFP

Aliados em desgraça

Posteriormente Zoltán Balog, líder da Igreja Reformada da Hungria - a segunda maior do país - e aliado de Orbán também renunciou ao cargo por ter feito lobby para a concessão do perdão presidencial ao homem, que é identificado na imprensa húngara como Endre K.

O caso é ainda mais emblemático por conta das políticas classificadas como pró-família implementadas pelo governo Orbán, que, segundo críticos, servem como cortina de fumaça para atacar direitos civis. Uma lei aprovada em 2021, por exemplo, previa o aumento de sentenças para casos de crimes sexuais contra crianças, mas vem sendo utilizada para restringir conteúdos com menção à comunidade LGBT+.

Apesar de não ser a primeira vez que o partido de Orbán se envolve em escândalos desta natureza, nunca antes elas desencadearam tamanha repercussão no governo, com a renúncia de figuras proeminentes. Novák e Varga eram amplamente conhecidas e alguns dos poucos rostos femininos em um governo dominado por homens. A última, inclusive, era a principal pré-candidata do Fidesz para as eleições do parlamento europeu que ocorrerão este ano.

A crise também parece ter levado a desentendimentos dentro do próprio partido. Figura próxima de caciques do Fidesz, o ex-marido de Varga, Péter Magyar, foi a público acusar diferentes figuras do partido de corrupção, algo incomum nos últimos 14 anos de hegemonia do Fidesz.

A questão agora se concentra na habilidade do primeiro ministro de distanciar seu partido do caso e se a frequência dos protestos no país irá fazer com que eles se espalhem para além da capital Budapeste, historicamente crítica ao governo.

Peter Magyar, ex-aliado de Orbán, pede sua renúncia em Budapeste Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Medidas insuficientes contra protestos

Logo que o escândalo se tornou público, o governo tentou abafar o caso. Os principais canais de televisão e jornais do país, controlados pelo governo ou por empresários simpáticos a ele, ignoraram o tema por alguns dias, mas o desgaste não pôde ser evitado.

Neste período, os primeiros protestos começaram a surgir, pedindo inicialmente a renúncia da então presidente. Frente à onda de criticismo, o primeiro-ministro húngaro propôs uma emenda constitucional para proibir perdões concedidos a condenados em casos envolvendo exploração infantil, esperando diminuir o impacto do caso na opinião pública.

Após a renúncia de Novák e Varga, o primeiro-ministro se manifestou sobre o caso tentando distanciar seu partido da decisão. “O que aconteceu foi o que tinha que acontecer em uma situação como essa. Boas pessoas também cometem erros”, afirmou Orbán.

Mesmo assim, os protestos se mantiveram na capital húngara, reunindo mais de 50 mil pessoas em um dos dias, um marco importante para um país com pouco menos de 10 milhões de habitantes.

“Essas pessoas não estão necessariamente filiadas a partidos de oposição. Os protestos são únicos porque eles mostram uma mobilização que deixa o ambiente virtual e se organiza para pedir uma maior proteção das crianças”, diz a coordenadora do Departamento de Política e Direitos Humanos da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, Alíz Nagy.

Ato pela renúncia de Orbán em budapeste na terça-feira, 26 Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Descontentamento contra Orbán

A opinião é compartilhada pelo think tank húngaro Political Capital, que pesquisa os governos do leste e centro da Europa. Em relatório publicado dias após a renúncia de Novák, o instituto pontua que as razões para o perdão presidencial permanecessem desconhecidas e que para as declarações críticas de Péter Magyar mostram que há descontentamento em diferentes níveis do governo Orbán. “Por enquanto, o escândalo não parece estar próximo do fim”, afirmam.

Apesar das características únicas dos protestos, há ceticismo por parte de especialistas de que o episódio possa causar mudanças substanciais no país, já dominado pela hegemonia política do Fidesz. O governo húngaro é acusado de minar a democracia, atacar a liberdade de imprensa e aprovar medidas constitucionais que dificultam o acesso da oposição ao poder.

“Se este fosse um governo de credenciais democráticas, muito provavelmente teria caído com essa crise”, afirma David Magalhães, professor de relações internacionais da FAAP e coordenador do Observatório da Extrema Direita. A Hungria já chegou a ser classificado pelo parlamento europeu como uma autocracia eleitoral e vem caindo em rankings internacionais de monitoramento de níveis democráticos.

“As pessoas queriam mudanças e o governo introduziu uma emenda sobre o assunto. Talvez não os que estavam protestando, mas os eleitores mais conservadores estão parcialmente satisfeitos”, afirma Ákos Kopper, pesquisador húngaro do Centro de Estudos do Leste Europeu e Internacionais de Berlim.

Para ele, o controle que o governo Orbán tem exercido na política húngara e a natureza do episódio fazem com que a oposição tenha dificuldade de se aproveitar da atual crise para crescer politicamente.

“É desconfortável para o governo ter várias pessoas indo às ruas da capital em protesto, mas há milhões de pessoas morando no interior e em vilarejos que nem ficam sabendo sobre estes movimentos”, complementa Kopper.

O domínio do partido de Orbán pôde ser confirmado esta semana, quando o parlamento aprovou a indicação do ex-juiz Tamas Sulyok, que tem o apoio do governo, como novo presidente do país.

Modelo para direita radical

O governo de Viktor Orbán tem sido visto como um dos principais representantes da direita radical ao redor do planeta, ao defender políticas conservadoras e atacar medidas vistas como liberais, em especial de países do oeste do continente.

“O Orbán é uma figura que exerce certo fascínio nesse circuito da direita radical populista”, afirma Magalhães, citando que o governo do país é visto por lideranças da direita como um case de sucesso.

O primeiro-ministro húngaro manteve boas relações com o ex-presidente americano Donald Trump e com o presidente russo Vladimir Putin, tendo sido refratário, inclusive, às sanções impostas aos russos por conta da invasão à Ucrânia.

Orbán também é próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a chamar o líder húngaro de “irmão” durante visita ao país em 2022, citando que ambos compartilhavam de valores em comum.

Nesta semana, ao responder sobre o porquê de sua estadia na embaixada húngara, Bolsonaro disse que estava ali para tratar de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador.

Hoje nas manchetes por ter abrigado o ex-presidente Jair Bolsonaro em sua embaixada em Brasília logo depois de ele ter o passaporte confiscado pela Polícia Federal, o governo de Viktor Orbán, na Hungria, enfrenta sua maior crise desde que ele chegou ao poder, em 2010.

Há pouco mais de um mês, um advogado do interior da se preparava para mais uma rotina de trabalho, com a leitura de atas e decisões judiciais. Mal sabia ele que estava prestes a desencadear a maior crise já enfrentada pelo primeiro-ministro húngaro.

O advogado, que permanece anônimo, descobriu que um homem, condenado como cúmplice de abuso sexual de menores em um orfanato estatal, havia recebido um perdão presidencial meses antes. A informação, obtida por ele lendo atas de decisões judiciais da Suprema Corte húngara, foi enviada para a imprensa e publicada por um portal investigativo.

A notícia chacoalhou a opinião pública do país e trouxe uma grande onda de criticismo à decisão do governo. A crise levou à renúncia da presidente Katalin Novák e da ministra de justiça Judit Varga – que referendou o perdão concedido pela presidente. Além disso, a decisão levou a diversos protestos no país convocados por influenciadores digitais em defesa dos direitos das crianças e contra o abuso infantil.

Cartaz da oposição húngara com críticas a Orbán em Budapeste  Foto: ATTILA KISBENEDEK / AFP

Aliados em desgraça

Posteriormente Zoltán Balog, líder da Igreja Reformada da Hungria - a segunda maior do país - e aliado de Orbán também renunciou ao cargo por ter feito lobby para a concessão do perdão presidencial ao homem, que é identificado na imprensa húngara como Endre K.

O caso é ainda mais emblemático por conta das políticas classificadas como pró-família implementadas pelo governo Orbán, que, segundo críticos, servem como cortina de fumaça para atacar direitos civis. Uma lei aprovada em 2021, por exemplo, previa o aumento de sentenças para casos de crimes sexuais contra crianças, mas vem sendo utilizada para restringir conteúdos com menção à comunidade LGBT+.

Apesar de não ser a primeira vez que o partido de Orbán se envolve em escândalos desta natureza, nunca antes elas desencadearam tamanha repercussão no governo, com a renúncia de figuras proeminentes. Novák e Varga eram amplamente conhecidas e alguns dos poucos rostos femininos em um governo dominado por homens. A última, inclusive, era a principal pré-candidata do Fidesz para as eleições do parlamento europeu que ocorrerão este ano.

A crise também parece ter levado a desentendimentos dentro do próprio partido. Figura próxima de caciques do Fidesz, o ex-marido de Varga, Péter Magyar, foi a público acusar diferentes figuras do partido de corrupção, algo incomum nos últimos 14 anos de hegemonia do Fidesz.

A questão agora se concentra na habilidade do primeiro ministro de distanciar seu partido do caso e se a frequência dos protestos no país irá fazer com que eles se espalhem para além da capital Budapeste, historicamente crítica ao governo.

Peter Magyar, ex-aliado de Orbán, pede sua renúncia em Budapeste Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Medidas insuficientes contra protestos

Logo que o escândalo se tornou público, o governo tentou abafar o caso. Os principais canais de televisão e jornais do país, controlados pelo governo ou por empresários simpáticos a ele, ignoraram o tema por alguns dias, mas o desgaste não pôde ser evitado.

Neste período, os primeiros protestos começaram a surgir, pedindo inicialmente a renúncia da então presidente. Frente à onda de criticismo, o primeiro-ministro húngaro propôs uma emenda constitucional para proibir perdões concedidos a condenados em casos envolvendo exploração infantil, esperando diminuir o impacto do caso na opinião pública.

Após a renúncia de Novák e Varga, o primeiro-ministro se manifestou sobre o caso tentando distanciar seu partido da decisão. “O que aconteceu foi o que tinha que acontecer em uma situação como essa. Boas pessoas também cometem erros”, afirmou Orbán.

Mesmo assim, os protestos se mantiveram na capital húngara, reunindo mais de 50 mil pessoas em um dos dias, um marco importante para um país com pouco menos de 10 milhões de habitantes.

“Essas pessoas não estão necessariamente filiadas a partidos de oposição. Os protestos são únicos porque eles mostram uma mobilização que deixa o ambiente virtual e se organiza para pedir uma maior proteção das crianças”, diz a coordenadora do Departamento de Política e Direitos Humanos da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, Alíz Nagy.

Ato pela renúncia de Orbán em budapeste na terça-feira, 26 Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Descontentamento contra Orbán

A opinião é compartilhada pelo think tank húngaro Political Capital, que pesquisa os governos do leste e centro da Europa. Em relatório publicado dias após a renúncia de Novák, o instituto pontua que as razões para o perdão presidencial permanecessem desconhecidas e que para as declarações críticas de Péter Magyar mostram que há descontentamento em diferentes níveis do governo Orbán. “Por enquanto, o escândalo não parece estar próximo do fim”, afirmam.

Apesar das características únicas dos protestos, há ceticismo por parte de especialistas de que o episódio possa causar mudanças substanciais no país, já dominado pela hegemonia política do Fidesz. O governo húngaro é acusado de minar a democracia, atacar a liberdade de imprensa e aprovar medidas constitucionais que dificultam o acesso da oposição ao poder.

“Se este fosse um governo de credenciais democráticas, muito provavelmente teria caído com essa crise”, afirma David Magalhães, professor de relações internacionais da FAAP e coordenador do Observatório da Extrema Direita. A Hungria já chegou a ser classificado pelo parlamento europeu como uma autocracia eleitoral e vem caindo em rankings internacionais de monitoramento de níveis democráticos.

“As pessoas queriam mudanças e o governo introduziu uma emenda sobre o assunto. Talvez não os que estavam protestando, mas os eleitores mais conservadores estão parcialmente satisfeitos”, afirma Ákos Kopper, pesquisador húngaro do Centro de Estudos do Leste Europeu e Internacionais de Berlim.

Para ele, o controle que o governo Orbán tem exercido na política húngara e a natureza do episódio fazem com que a oposição tenha dificuldade de se aproveitar da atual crise para crescer politicamente.

“É desconfortável para o governo ter várias pessoas indo às ruas da capital em protesto, mas há milhões de pessoas morando no interior e em vilarejos que nem ficam sabendo sobre estes movimentos”, complementa Kopper.

O domínio do partido de Orbán pôde ser confirmado esta semana, quando o parlamento aprovou a indicação do ex-juiz Tamas Sulyok, que tem o apoio do governo, como novo presidente do país.

Modelo para direita radical

O governo de Viktor Orbán tem sido visto como um dos principais representantes da direita radical ao redor do planeta, ao defender políticas conservadoras e atacar medidas vistas como liberais, em especial de países do oeste do continente.

“O Orbán é uma figura que exerce certo fascínio nesse circuito da direita radical populista”, afirma Magalhães, citando que o governo do país é visto por lideranças da direita como um case de sucesso.

O primeiro-ministro húngaro manteve boas relações com o ex-presidente americano Donald Trump e com o presidente russo Vladimir Putin, tendo sido refratário, inclusive, às sanções impostas aos russos por conta da invasão à Ucrânia.

Orbán também é próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a chamar o líder húngaro de “irmão” durante visita ao país em 2022, citando que ambos compartilhavam de valores em comum.

Nesta semana, ao responder sobre o porquê de sua estadia na embaixada húngara, Bolsonaro disse que estava ali para tratar de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador.

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