Violência explode no Equador com avanço de investimentos do tráfico


Produção recorde de cocaína no mundo devasta Guayaquil e converte nação em campo de batalha

Por Julie Turkewitz
Atualização:

GUAYAQUIL, THE NEW YORK TIMES - Um total de 210 toneladas de drogas apreendidas em um ano —um recorde no Equador. Pelo menos 4.500 homicídios no ano passado. Crianças recrutadas por quadrilhas. Presídios que atuam como centros de criminalidade. Bairros consumidos por vendetas entre organizações criminosas. E todo esse caos sendo financiado por estrangeiros poderosos com muito dinheiro e experiência de sobra no tráfico global de drogas.

O Equador tornou-se em poucos anos o país da “corrida ao ouro” do narcotráfico. Grandes cartéis de lugares tão distantes quanto México e Albânia estão unindo forças com quadrilhas dos presídios e das ruas, desencadeando uma onda de violência diferente de qualquer coisa vista na história recente do país.

O que alimenta essa turbulência é a crescente demanda global por cocaína. Enquanto muitos políticos e legisladores têm enfocado especialmente a epidemia de opioides, que mata dezenas de milhares de americanos a cada ano, a produção da droga tem subido para níveis recordes, fenômeno que agora está devastando a sociedade equatoriana e convertendo uma nação antes pacífica em um campo de batalha.

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Uma fita da polícia diz "Perigo" em uma cena de crime onde policiais foram mortos em resposta a transferências de prisioneiros de prisões superlotadas, levando o presidente Guillermo Lasso a declarar estado de emergência em duas províncias, em Guayaquil, Equador em novembro de 2022 Foto: Santiago Arcos / Reuters

“As pessoas consomem a droga em outros países, mas não entendem as consequências que acontecem aqui”, afirmou o major Edison Núñez, oficial de inteligência da polícia nacional equatoriana.

Cocaína

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Não que o Equador seja novato no ramo das drogas. Situado entre os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia e Peru, há anos o país exerce o papel de ponto de exportação de produtos ilícitos para a América do Norte e a Europa.

Mas um boom na Colômbia no cultivo da folha de coca, o ingrediente de base da cocaína, aumentou a produção da droga, enquanto anos de policiamento fraco do narcotráfico no Equador converteram o país em uma base cada vez mais atraente para a manufatura e a distribuição de drogas.

A violência ligada às drogas começou a crescer por volta de 2018, quando grupos criminosos locais disputavam posições melhores no tráfico. Em um primeiro momento, a violência se limitou sobretudo aos presídios, cuja população havia crescido após um endurecimento das penas ligadas às drogas e ao uso crescente da prisão preventiva.

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Um soldado em patrulha perto de uma escola em Guayaquil, Equador, em 31 de maio de 2023. Grupos locais ligados ao narcotráfico recrutam crianças para se tornarem membros de gangues locais Foto: Victor Moriyama / NYT

O governo, então, acabou perdendo o controle do sistema carcerário. Detentos coagem outros presos, obrigando-os a pagar por camas, serviços e segurança e chegando a tomar as chaves de seus blocos nos presídios. Em pouco tempo, segundo especialistas no Equador, as penitenciárias viraram bases operacionais do narcotráfico.

O crime organizado internacional enxergou nisso uma oportunidade lucrativa para ampliar suas operações. Hoje, os mais poderosos cartéis mexicanos, Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, atuam como financiadores do tráfico no Equador, ao lado de um grupo dos Bálcãs que a polícia chama de máfia albanesa.

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Quadrilhas de penitenciárias e das ruas, com nomes como Los Choneros e Los Tiguerones, trabalham com os grupos internacionais, coordenando a armazenagem, o transporte e outras atividades, segundo a polícia.

A cocaína ou sua precursora, a pasta-base, chegam ao Equador vindas da Colômbia ou do Peru e geralmente deixam o país por via marítima. Segundo Núñez, as autoridades só conseguem revistar 20% dos cerca de 300 mil contêineres que partem a cada mês de uma das cidades mais populosas do país, Guayaquil –um dos portos mais movimentados da América do Sul.

O porto de Guayaquil, um movimentado centro de tráfico internacional de drogas no Equador, em 30 de maio de 2023. As autoridades podem inspecionar apenas uma pequena fração das mercadorias que saem do porto Foto: Victor Moriyama / NYT
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As drogas saem dos portos equatorianos escondidas sob pisos reconstruídos, em caixotes de bananas, paletes de madeira e de cacau, para mais tarde chegar a festas nas cidades universitárias dos EUA e boates de cidades europeias.

Rivalidades

Em Guayaquil, cidade de clima úmido cercada de colinas verdes, com 3,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana, as rivalidades entre grupos criminosos já transbordaram para as ruas. Produzem um estilo de violência aterradora e pública que tem a intenção evidente de induzir o medo e exercer controle.

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As emissoras de TV divulgam notícias frequentes sobre decapitações, carros-bomba, assassinatos de policiais, rapazes pendurados em pontes e crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas.

“É doloroso demais”, comentou um líder comunitário que pediu para não ser identificado. Ele disse que seu bairro mudou completamente nos últimos anos e que crianças de apenas 13 anos são recrutadas à força para trabalhar para as quadrilhas. “São ameaçadas. Dizem a elas: ‘Você não quer participar? Então vamos matar sua família’”, contou.

Em resposta, o presidente equatoriano, o conservador Guillermo Lasso, já declarou vários estados de emergência. Ele enviou militares às ruas para vigiar escolas e estabelecimentos comerciais.

Mais recentemente, a Los Choneros e outras gangues encontraram ainda outra fonte de renda: extorsão. Lojistas, lideranças comunitárias e até mesmo provedores de água, lixeiros e escolas são obrigados a pagar uma taxa às organizações criminosas em troca de sua segurança.

Nas penitenciárias, a extorsão é praticada comumente há anos. Numa manhã recente em Guayaquil, Katarine, 30 anos, mãe de três filhos, estava sentada no meio-fio diante da maior penitenciária do país. Contou que seu marido, produtor de bananas, fora detido cinco dias antes, depois de uma briga de rua.

O marido lhe telefonou da prisão, pedindo que ela transferisse dinheiro a uma conta bancária pertencente a uma gangue. Se não pagasse, ele seria espancado.

Katarine, que pediu para que fosse usado apenas seu primeiro nome, acabou transferindo US$ 263 (R$ 1.260), o equivalente a um mês de seu salário. Para conseguir o dinheiro, teve que penhorar seus pertences.

“Eu estava mais que desesperada”, explicou, questionando por que as autoridades não estão fazendo mais para controlar essa prática. Segundo ela, cada pessoa que é posta na prisão representa mais uma que vai pagar taxas às quadrilhas.

Um centro de vigilância e monitoramento policial em Durán, nos arredores de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023 Foto: Victor Moriyama/ NYT

Entre 2005 e 2015 o Equador viveu uma transformação extraordinária. Milhões de pessoas saíram da pobreza na onda de um boom petrolífero cujos lucros o então presidente Rafael Correa, esquerdista, injetou na educação, saúde e outros programas sociais.

Com isso, empregadas domésticas e pedreiros começaram a acreditar que seus filhos poderiam concluir o ensino médio, qualificar-se e viver vidas totalmente diferentes das suas. Hoje esses mesmos equatorianos estão vendo seus bairros deteriorarem em meio a criminalidade, drogas e violência.

O declínio do país também foi aprofundado pela pandemia, que atingiu a economia fortemente, como aconteceu em outras partes do mundo. Hoje, segundo dados do governo, apenas 34% dos equatorianos têm um emprego adequado, parcela que uma década atrás chegava a quase 50%.

A crise penetrou o próprio governo, no qual alguns funcionários são acusados de terem sido cooptados por grupos criminosos. Jornalistas abandonaram o país, promotores foram assassinados e ativistas de direitos humanos têm sido silenciados por investigar ou denunciar crimes ou corrupção.

O índice de aprovação do presidente Guillermo Lasso é baixo, segundo pesquisas, e em maio, diante da possibilidade de impeachment por acusações de corrupção, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições.

Os equatorianos vão eleger um novo presidente e nova Assembleia Nacional em agosto, com um possível segundo turno em outubro. Enquanto isso, o país está numa encruzilhada política e a violência se intensifica.

GUAYAQUIL, THE NEW YORK TIMES - Um total de 210 toneladas de drogas apreendidas em um ano —um recorde no Equador. Pelo menos 4.500 homicídios no ano passado. Crianças recrutadas por quadrilhas. Presídios que atuam como centros de criminalidade. Bairros consumidos por vendetas entre organizações criminosas. E todo esse caos sendo financiado por estrangeiros poderosos com muito dinheiro e experiência de sobra no tráfico global de drogas.

O Equador tornou-se em poucos anos o país da “corrida ao ouro” do narcotráfico. Grandes cartéis de lugares tão distantes quanto México e Albânia estão unindo forças com quadrilhas dos presídios e das ruas, desencadeando uma onda de violência diferente de qualquer coisa vista na história recente do país.

O que alimenta essa turbulência é a crescente demanda global por cocaína. Enquanto muitos políticos e legisladores têm enfocado especialmente a epidemia de opioides, que mata dezenas de milhares de americanos a cada ano, a produção da droga tem subido para níveis recordes, fenômeno que agora está devastando a sociedade equatoriana e convertendo uma nação antes pacífica em um campo de batalha.

Uma fita da polícia diz "Perigo" em uma cena de crime onde policiais foram mortos em resposta a transferências de prisioneiros de prisões superlotadas, levando o presidente Guillermo Lasso a declarar estado de emergência em duas províncias, em Guayaquil, Equador em novembro de 2022 Foto: Santiago Arcos / Reuters

“As pessoas consomem a droga em outros países, mas não entendem as consequências que acontecem aqui”, afirmou o major Edison Núñez, oficial de inteligência da polícia nacional equatoriana.

Cocaína

Não que o Equador seja novato no ramo das drogas. Situado entre os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia e Peru, há anos o país exerce o papel de ponto de exportação de produtos ilícitos para a América do Norte e a Europa.

Mas um boom na Colômbia no cultivo da folha de coca, o ingrediente de base da cocaína, aumentou a produção da droga, enquanto anos de policiamento fraco do narcotráfico no Equador converteram o país em uma base cada vez mais atraente para a manufatura e a distribuição de drogas.

A violência ligada às drogas começou a crescer por volta de 2018, quando grupos criminosos locais disputavam posições melhores no tráfico. Em um primeiro momento, a violência se limitou sobretudo aos presídios, cuja população havia crescido após um endurecimento das penas ligadas às drogas e ao uso crescente da prisão preventiva.

Um soldado em patrulha perto de uma escola em Guayaquil, Equador, em 31 de maio de 2023. Grupos locais ligados ao narcotráfico recrutam crianças para se tornarem membros de gangues locais Foto: Victor Moriyama / NYT

O governo, então, acabou perdendo o controle do sistema carcerário. Detentos coagem outros presos, obrigando-os a pagar por camas, serviços e segurança e chegando a tomar as chaves de seus blocos nos presídios. Em pouco tempo, segundo especialistas no Equador, as penitenciárias viraram bases operacionais do narcotráfico.

O crime organizado internacional enxergou nisso uma oportunidade lucrativa para ampliar suas operações. Hoje, os mais poderosos cartéis mexicanos, Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, atuam como financiadores do tráfico no Equador, ao lado de um grupo dos Bálcãs que a polícia chama de máfia albanesa.

Quadrilhas de penitenciárias e das ruas, com nomes como Los Choneros e Los Tiguerones, trabalham com os grupos internacionais, coordenando a armazenagem, o transporte e outras atividades, segundo a polícia.

A cocaína ou sua precursora, a pasta-base, chegam ao Equador vindas da Colômbia ou do Peru e geralmente deixam o país por via marítima. Segundo Núñez, as autoridades só conseguem revistar 20% dos cerca de 300 mil contêineres que partem a cada mês de uma das cidades mais populosas do país, Guayaquil –um dos portos mais movimentados da América do Sul.

O porto de Guayaquil, um movimentado centro de tráfico internacional de drogas no Equador, em 30 de maio de 2023. As autoridades podem inspecionar apenas uma pequena fração das mercadorias que saem do porto Foto: Victor Moriyama / NYT

As drogas saem dos portos equatorianos escondidas sob pisos reconstruídos, em caixotes de bananas, paletes de madeira e de cacau, para mais tarde chegar a festas nas cidades universitárias dos EUA e boates de cidades europeias.

Rivalidades

Em Guayaquil, cidade de clima úmido cercada de colinas verdes, com 3,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana, as rivalidades entre grupos criminosos já transbordaram para as ruas. Produzem um estilo de violência aterradora e pública que tem a intenção evidente de induzir o medo e exercer controle.

As emissoras de TV divulgam notícias frequentes sobre decapitações, carros-bomba, assassinatos de policiais, rapazes pendurados em pontes e crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas.

“É doloroso demais”, comentou um líder comunitário que pediu para não ser identificado. Ele disse que seu bairro mudou completamente nos últimos anos e que crianças de apenas 13 anos são recrutadas à força para trabalhar para as quadrilhas. “São ameaçadas. Dizem a elas: ‘Você não quer participar? Então vamos matar sua família’”, contou.

Em resposta, o presidente equatoriano, o conservador Guillermo Lasso, já declarou vários estados de emergência. Ele enviou militares às ruas para vigiar escolas e estabelecimentos comerciais.

Mais recentemente, a Los Choneros e outras gangues encontraram ainda outra fonte de renda: extorsão. Lojistas, lideranças comunitárias e até mesmo provedores de água, lixeiros e escolas são obrigados a pagar uma taxa às organizações criminosas em troca de sua segurança.

Nas penitenciárias, a extorsão é praticada comumente há anos. Numa manhã recente em Guayaquil, Katarine, 30 anos, mãe de três filhos, estava sentada no meio-fio diante da maior penitenciária do país. Contou que seu marido, produtor de bananas, fora detido cinco dias antes, depois de uma briga de rua.

O marido lhe telefonou da prisão, pedindo que ela transferisse dinheiro a uma conta bancária pertencente a uma gangue. Se não pagasse, ele seria espancado.

Katarine, que pediu para que fosse usado apenas seu primeiro nome, acabou transferindo US$ 263 (R$ 1.260), o equivalente a um mês de seu salário. Para conseguir o dinheiro, teve que penhorar seus pertences.

“Eu estava mais que desesperada”, explicou, questionando por que as autoridades não estão fazendo mais para controlar essa prática. Segundo ela, cada pessoa que é posta na prisão representa mais uma que vai pagar taxas às quadrilhas.

Um centro de vigilância e monitoramento policial em Durán, nos arredores de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023 Foto: Victor Moriyama/ NYT

Entre 2005 e 2015 o Equador viveu uma transformação extraordinária. Milhões de pessoas saíram da pobreza na onda de um boom petrolífero cujos lucros o então presidente Rafael Correa, esquerdista, injetou na educação, saúde e outros programas sociais.

Com isso, empregadas domésticas e pedreiros começaram a acreditar que seus filhos poderiam concluir o ensino médio, qualificar-se e viver vidas totalmente diferentes das suas. Hoje esses mesmos equatorianos estão vendo seus bairros deteriorarem em meio a criminalidade, drogas e violência.

O declínio do país também foi aprofundado pela pandemia, que atingiu a economia fortemente, como aconteceu em outras partes do mundo. Hoje, segundo dados do governo, apenas 34% dos equatorianos têm um emprego adequado, parcela que uma década atrás chegava a quase 50%.

A crise penetrou o próprio governo, no qual alguns funcionários são acusados de terem sido cooptados por grupos criminosos. Jornalistas abandonaram o país, promotores foram assassinados e ativistas de direitos humanos têm sido silenciados por investigar ou denunciar crimes ou corrupção.

O índice de aprovação do presidente Guillermo Lasso é baixo, segundo pesquisas, e em maio, diante da possibilidade de impeachment por acusações de corrupção, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições.

Os equatorianos vão eleger um novo presidente e nova Assembleia Nacional em agosto, com um possível segundo turno em outubro. Enquanto isso, o país está numa encruzilhada política e a violência se intensifica.

GUAYAQUIL, THE NEW YORK TIMES - Um total de 210 toneladas de drogas apreendidas em um ano —um recorde no Equador. Pelo menos 4.500 homicídios no ano passado. Crianças recrutadas por quadrilhas. Presídios que atuam como centros de criminalidade. Bairros consumidos por vendetas entre organizações criminosas. E todo esse caos sendo financiado por estrangeiros poderosos com muito dinheiro e experiência de sobra no tráfico global de drogas.

O Equador tornou-se em poucos anos o país da “corrida ao ouro” do narcotráfico. Grandes cartéis de lugares tão distantes quanto México e Albânia estão unindo forças com quadrilhas dos presídios e das ruas, desencadeando uma onda de violência diferente de qualquer coisa vista na história recente do país.

O que alimenta essa turbulência é a crescente demanda global por cocaína. Enquanto muitos políticos e legisladores têm enfocado especialmente a epidemia de opioides, que mata dezenas de milhares de americanos a cada ano, a produção da droga tem subido para níveis recordes, fenômeno que agora está devastando a sociedade equatoriana e convertendo uma nação antes pacífica em um campo de batalha.

Uma fita da polícia diz "Perigo" em uma cena de crime onde policiais foram mortos em resposta a transferências de prisioneiros de prisões superlotadas, levando o presidente Guillermo Lasso a declarar estado de emergência em duas províncias, em Guayaquil, Equador em novembro de 2022 Foto: Santiago Arcos / Reuters

“As pessoas consomem a droga em outros países, mas não entendem as consequências que acontecem aqui”, afirmou o major Edison Núñez, oficial de inteligência da polícia nacional equatoriana.

Cocaína

Não que o Equador seja novato no ramo das drogas. Situado entre os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia e Peru, há anos o país exerce o papel de ponto de exportação de produtos ilícitos para a América do Norte e a Europa.

Mas um boom na Colômbia no cultivo da folha de coca, o ingrediente de base da cocaína, aumentou a produção da droga, enquanto anos de policiamento fraco do narcotráfico no Equador converteram o país em uma base cada vez mais atraente para a manufatura e a distribuição de drogas.

A violência ligada às drogas começou a crescer por volta de 2018, quando grupos criminosos locais disputavam posições melhores no tráfico. Em um primeiro momento, a violência se limitou sobretudo aos presídios, cuja população havia crescido após um endurecimento das penas ligadas às drogas e ao uso crescente da prisão preventiva.

Um soldado em patrulha perto de uma escola em Guayaquil, Equador, em 31 de maio de 2023. Grupos locais ligados ao narcotráfico recrutam crianças para se tornarem membros de gangues locais Foto: Victor Moriyama / NYT

O governo, então, acabou perdendo o controle do sistema carcerário. Detentos coagem outros presos, obrigando-os a pagar por camas, serviços e segurança e chegando a tomar as chaves de seus blocos nos presídios. Em pouco tempo, segundo especialistas no Equador, as penitenciárias viraram bases operacionais do narcotráfico.

O crime organizado internacional enxergou nisso uma oportunidade lucrativa para ampliar suas operações. Hoje, os mais poderosos cartéis mexicanos, Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, atuam como financiadores do tráfico no Equador, ao lado de um grupo dos Bálcãs que a polícia chama de máfia albanesa.

Quadrilhas de penitenciárias e das ruas, com nomes como Los Choneros e Los Tiguerones, trabalham com os grupos internacionais, coordenando a armazenagem, o transporte e outras atividades, segundo a polícia.

A cocaína ou sua precursora, a pasta-base, chegam ao Equador vindas da Colômbia ou do Peru e geralmente deixam o país por via marítima. Segundo Núñez, as autoridades só conseguem revistar 20% dos cerca de 300 mil contêineres que partem a cada mês de uma das cidades mais populosas do país, Guayaquil –um dos portos mais movimentados da América do Sul.

O porto de Guayaquil, um movimentado centro de tráfico internacional de drogas no Equador, em 30 de maio de 2023. As autoridades podem inspecionar apenas uma pequena fração das mercadorias que saem do porto Foto: Victor Moriyama / NYT

As drogas saem dos portos equatorianos escondidas sob pisos reconstruídos, em caixotes de bananas, paletes de madeira e de cacau, para mais tarde chegar a festas nas cidades universitárias dos EUA e boates de cidades europeias.

Rivalidades

Em Guayaquil, cidade de clima úmido cercada de colinas verdes, com 3,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana, as rivalidades entre grupos criminosos já transbordaram para as ruas. Produzem um estilo de violência aterradora e pública que tem a intenção evidente de induzir o medo e exercer controle.

As emissoras de TV divulgam notícias frequentes sobre decapitações, carros-bomba, assassinatos de policiais, rapazes pendurados em pontes e crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas.

“É doloroso demais”, comentou um líder comunitário que pediu para não ser identificado. Ele disse que seu bairro mudou completamente nos últimos anos e que crianças de apenas 13 anos são recrutadas à força para trabalhar para as quadrilhas. “São ameaçadas. Dizem a elas: ‘Você não quer participar? Então vamos matar sua família’”, contou.

Em resposta, o presidente equatoriano, o conservador Guillermo Lasso, já declarou vários estados de emergência. Ele enviou militares às ruas para vigiar escolas e estabelecimentos comerciais.

Mais recentemente, a Los Choneros e outras gangues encontraram ainda outra fonte de renda: extorsão. Lojistas, lideranças comunitárias e até mesmo provedores de água, lixeiros e escolas são obrigados a pagar uma taxa às organizações criminosas em troca de sua segurança.

Nas penitenciárias, a extorsão é praticada comumente há anos. Numa manhã recente em Guayaquil, Katarine, 30 anos, mãe de três filhos, estava sentada no meio-fio diante da maior penitenciária do país. Contou que seu marido, produtor de bananas, fora detido cinco dias antes, depois de uma briga de rua.

O marido lhe telefonou da prisão, pedindo que ela transferisse dinheiro a uma conta bancária pertencente a uma gangue. Se não pagasse, ele seria espancado.

Katarine, que pediu para que fosse usado apenas seu primeiro nome, acabou transferindo US$ 263 (R$ 1.260), o equivalente a um mês de seu salário. Para conseguir o dinheiro, teve que penhorar seus pertences.

“Eu estava mais que desesperada”, explicou, questionando por que as autoridades não estão fazendo mais para controlar essa prática. Segundo ela, cada pessoa que é posta na prisão representa mais uma que vai pagar taxas às quadrilhas.

Um centro de vigilância e monitoramento policial em Durán, nos arredores de Guayaquil, Equador, em 30 de maio de 2023 Foto: Victor Moriyama/ NYT

Entre 2005 e 2015 o Equador viveu uma transformação extraordinária. Milhões de pessoas saíram da pobreza na onda de um boom petrolífero cujos lucros o então presidente Rafael Correa, esquerdista, injetou na educação, saúde e outros programas sociais.

Com isso, empregadas domésticas e pedreiros começaram a acreditar que seus filhos poderiam concluir o ensino médio, qualificar-se e viver vidas totalmente diferentes das suas. Hoje esses mesmos equatorianos estão vendo seus bairros deteriorarem em meio a criminalidade, drogas e violência.

O declínio do país também foi aprofundado pela pandemia, que atingiu a economia fortemente, como aconteceu em outras partes do mundo. Hoje, segundo dados do governo, apenas 34% dos equatorianos têm um emprego adequado, parcela que uma década atrás chegava a quase 50%.

A crise penetrou o próprio governo, no qual alguns funcionários são acusados de terem sido cooptados por grupos criminosos. Jornalistas abandonaram o país, promotores foram assassinados e ativistas de direitos humanos têm sido silenciados por investigar ou denunciar crimes ou corrupção.

O índice de aprovação do presidente Guillermo Lasso é baixo, segundo pesquisas, e em maio, diante da possibilidade de impeachment por acusações de corrupção, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições.

Os equatorianos vão eleger um novo presidente e nova Assembleia Nacional em agosto, com um possível segundo turno em outubro. Enquanto isso, o país está numa encruzilhada política e a violência se intensifica.

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