Vitória de Javier Milei nas primárias embaralha eleição presidencial na Argentina


Empate técnico entre a coalizão de Milei, peronistas e oposição deixa cenário eleitoral ainda mais incerto, com votos de ausentes e do derrotado Horacio Larreta entrando em disputa

Por Carolina Marins
Atualização:

O que parecia uma disputa indefinida entre peronismo e oposição para as eleições presidenciais na Argentina, ganhou um terceiro elemento neste domingo, 13, com a vitória surpreendente de Javier Milei nas primárias partidárias. Tecnicamente empatado entre as três principais coalizões rivais, o cenário para as eleições gerais de outubro fica ainda mais aberto, com o libertário tendo chances reais de ir a um segundo turno em novembro.

O cenário eleitoral argentino já se redesenhou em diversos momentos, com Milei saindo de uma posição de desconhecido para um outsider viável no pleito, caindo em desgraça por escândalos de venda de candidaturas e novamente despontando entre o eleitorado desencantado nas PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). Enquanto isso, seus rivais Patricia Bullrich e Sergio Massa amargam um resultado primário tímido e se veem na inesperada posição de lutar por uma vaga no segundo turno.

O presidente da coalizão A Liberdade Avança recebeu 30,04% dos votos, à frente da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança (28,27%), que definiu Patricia Bullrich como sua candidata, e da coalizão de esquerda União Pela Pátria (27,27%), encabeçada por Sergio Massa. Os números são considerados um empate técnico.

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Seguidores de Javier Milei celebram seu sucesso eleitoral nas eleições primárias deste domingo Foto: Mario De Fina/AP

“É um cenário inesperado e as pesquisas novamente erraram”, afirma Facundo Galván, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires. “É quase um triplo empate de praticamente um ponto entre eles. E há muita gente que não foi votar agora e que vai votar nas gerais, e não sabemos por quem vão votar. Tudo indica que um dos que tem a passagem garantida para o segundo turno, se nada mudar, é Milei.”

As pesquisas de intenções de voto apontavam nas últimas semanas que Milei havia batido em um teto eleitoral e devia ficar abaixo dos 20%. Enquanto isso, Patricia Bullrich aparecia crescendo e derrotando seu adversário na coalizão, Horacio Rodríguez Larreta - o que de fato aconteceu, mas em proporção muito menor que a prevista. Já Massa surpreendia como sendo o nome mais votado. No fim, Milei aparecia apenas como uma terceira força.

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Não foi o cenário de ontem. “A vitória de Milei foi uma surpresa em partes, porque havia pesquisas que mostravam que essa poderia ser uma boa eleição para ele, mas continua sendo uma surpresa porque essas mesmas pesquisas subestimaram Milei e superestimaram Bullrich”, aponta Facundo Cruz, cientista político e analista de dados do Centro de Investigação para a Qualidade Democrática (CICad, na sigla em espanhol), um think tank para promoção da participação eleitoral. “Essa vitória de Milei alterou a ordem das candidaturas. Primeiro temos Milei, segundo Massa e em terceiro a Bullrich.”

Mesmo analistas que esperavam um bom cenário eleitoral para Milei nessas PASO em forma do chamado voto de protesto, se surpreenderam com os 30% do libertário. A previsão de que ele teria sucesso nas PASO para morrer nas gerais, no momento, parece ter se diluído. “Se falou muito disso, de um voto de castigo a classe política nas primárias, muita gente que poderia votar em Milei nas PASO para causar um susto e depois fazer um voto mais ‘racional’. Mas tudo mudou agora, é algo novo que não estava previsto. Ele ganhou em lugares e províncias que não deveríamos ver um voto renovador”, alerta Galván.

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Ao todo, Milei venceu em 16 dos 24 distritos argentinos, com exceção da Cidade de Buenos Aires e algumas outras províncias. O libertário venceu mesmo em províncias onde seus candidatos de coalizão perderam, e levou departamentos importantes que aglutinam enorme eleitorado, como Córdoba, Santa Fé e Mendoza.

“Precisamos começar a interpretar o cenário argentino com outras lentes, talvez até com um olhar mais ‘latinoamericanizado’. Quem sabe Argentina vive um processo similar ao do Brasil antes [na eleição em que venceu Jair Bolsonaro]. Não é só raiva, é trazer uma nova liderança, escutar novas propostas e tratar de trazer soluções de gente que nunca as aplicou, porque já não creem mais nos que aplicaram soluções até agora”, completa o professor da UBA.

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“Agora é muito importante observar como vai se movimentar Javier Milei, e seu desafio é tentar sustentar esses 30%”, afirma María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina. “Agora que ele foi o ganhador, pode ser que o cenário mude, não sabemos, mas também é possível que ele consiga ainda mais votos. O seu próprio discurso de ontem foi bem moderado, não foi de um louco”.

O candidato a presidência pela coalizão A Liberdade Avança, Javier Milei, com sua irmã Karina, celebram os resultados eleitorais das PASO Foto: Natacha Pisarenko/AP
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Abstenções e os votos de Larreta

Outro dado relevante para avaliar o cenário eleitoral argentino é o número de abstenções. Com a ausência crescendo nas eleições provinciais, a autoridade eleitoral argentina estava em alerta para uma abstenção recorde nessas PASO. O que de fato aconteceu. Cerca de 31% dos argentinos não foram votar, uma proporção maior do que os votos de Milei.

“Não estamos falando de um cenário de terços eleitorais, divididos entre libertários, oposicionistas e peronistas, mas sim, se consideramos todas as fatias eleitorais, temos um cenário de quartos, em que as abstenções também são um ator”, afirma Cruz. “Essa soma de votos ausentes e os votos de Milei mostra um descontentamento generalizado com a situação econômica atual.”

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A questão é para quem esse voto ausente deve ir nas próximas eleições. Historicamente as PASO têm participação menor, sendo as primárias de 2021 as que guardavam o recorde de abstenções - em parte por causa da pandemia. Já as gerais tendem a ter até cinco pontos a mais de participação, justamente por serem eleições que definem cargos.

Além disso, outra dúvida é quem deve herdar os votos de Horacio Larreta. Embora ele e Bullrich sejam da mesma coalizão - e seria lógico os votos de um ir para o outro - ambos se colocaram como muito opostos na campanha, com Larreta jogando com uma direita mais moderada, enquanto Bullrich apostou no discurso linha-dura. Na prática, Bullrich disputa esse eleitorado linha-dura com Milei e pode não capturar os centristas de direita.

“Em termos gerais, temos que ver como vai ficar a economia [até outubro], mas é possível que Milei capture votos de Bullrich e capture votos de ausentes” afirma Carlos De Angelis, professor de sociologia da opinião pública da Faculdade de Buenos Aires. “O que acontece com os votos de Larreta? Se o voto da extrema direita aumentar, esses votos mais centristas poderiam ir para Massa. Tudo é muito confuso”.

“A chave para avançar para o segundo turno está em dois pontos: quem vai conseguir capturar esse voto mais centrista de Larreta; e segundo quem vai apontar seus canhões para esses mais de 30% que não foram votar. Creio que quem apostar nesses dois nichos conseguirá se manter competitivo e chegar ao segundo turno”, concorda Facundo Cruz.

Os analistas observam que o Juntos pela Mudança mostra uma derrota ao não conseguir unir seu eleitorado e capturar os descontentes com o peronismo. Se no início do ano parecia certa uma vitória da oposição, hoje é Patricia quem se mostra em pior cenário, tendo que escolher entre radicalizar o discurso para capturar o eleitorado descontente ou moderar para não perder o centro. A questão vai ser observar como vai se comportar o líder da coalizão, o ex-presidente Mauricio Macri.

A candidato presidencial Patricia Bullrich, ao centro, com Mauricio Macri (esquerda) e Horacio Rodríguez Larreta (direita) Foto: Daniel Jayo/AP

“O eleitor que é mais militante do Juntos Pela Mudança deve votar em Bullrich porque ela é do partido. Mas creio que quem votou em Larreta tenha medo de Milei e desse discurso mais radical, então é possível que parte desse voto de Larreta vá para Massa. Vai depender de como Massa vai se comportar nos próximos dias”, concorda Puente.

E completa: “O Juntos pela Mudança precisa descobrir como se apresentar como o diferente. Porque o diferente por enquanto se apresenta em Milei. Esse é um pouco do desafio que tem o JxC, que fez tudo errado até agora e foi punido, porque tinha tudo para ganhar essa eleição, mas não soube lidar com isso”.

Facundo Galván ressalta que todo o cenário desenhado nas últimas horas pode mudar radicalmente até outubro, como já aconteceu em meses anteriores. “O cenário de hoje é curto prazo. A Argentina é um país hoje e na semana que vem é outro. Se alguém vier do futuro me dizendo que Massa ganhou as eleições, eu acredito. Não é algo impossível.”

O que parecia uma disputa indefinida entre peronismo e oposição para as eleições presidenciais na Argentina, ganhou um terceiro elemento neste domingo, 13, com a vitória surpreendente de Javier Milei nas primárias partidárias. Tecnicamente empatado entre as três principais coalizões rivais, o cenário para as eleições gerais de outubro fica ainda mais aberto, com o libertário tendo chances reais de ir a um segundo turno em novembro.

O cenário eleitoral argentino já se redesenhou em diversos momentos, com Milei saindo de uma posição de desconhecido para um outsider viável no pleito, caindo em desgraça por escândalos de venda de candidaturas e novamente despontando entre o eleitorado desencantado nas PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). Enquanto isso, seus rivais Patricia Bullrich e Sergio Massa amargam um resultado primário tímido e se veem na inesperada posição de lutar por uma vaga no segundo turno.

O presidente da coalizão A Liberdade Avança recebeu 30,04% dos votos, à frente da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança (28,27%), que definiu Patricia Bullrich como sua candidata, e da coalizão de esquerda União Pela Pátria (27,27%), encabeçada por Sergio Massa. Os números são considerados um empate técnico.

Seguidores de Javier Milei celebram seu sucesso eleitoral nas eleições primárias deste domingo Foto: Mario De Fina/AP

“É um cenário inesperado e as pesquisas novamente erraram”, afirma Facundo Galván, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires. “É quase um triplo empate de praticamente um ponto entre eles. E há muita gente que não foi votar agora e que vai votar nas gerais, e não sabemos por quem vão votar. Tudo indica que um dos que tem a passagem garantida para o segundo turno, se nada mudar, é Milei.”

As pesquisas de intenções de voto apontavam nas últimas semanas que Milei havia batido em um teto eleitoral e devia ficar abaixo dos 20%. Enquanto isso, Patricia Bullrich aparecia crescendo e derrotando seu adversário na coalizão, Horacio Rodríguez Larreta - o que de fato aconteceu, mas em proporção muito menor que a prevista. Já Massa surpreendia como sendo o nome mais votado. No fim, Milei aparecia apenas como uma terceira força.

Não foi o cenário de ontem. “A vitória de Milei foi uma surpresa em partes, porque havia pesquisas que mostravam que essa poderia ser uma boa eleição para ele, mas continua sendo uma surpresa porque essas mesmas pesquisas subestimaram Milei e superestimaram Bullrich”, aponta Facundo Cruz, cientista político e analista de dados do Centro de Investigação para a Qualidade Democrática (CICad, na sigla em espanhol), um think tank para promoção da participação eleitoral. “Essa vitória de Milei alterou a ordem das candidaturas. Primeiro temos Milei, segundo Massa e em terceiro a Bullrich.”

Mesmo analistas que esperavam um bom cenário eleitoral para Milei nessas PASO em forma do chamado voto de protesto, se surpreenderam com os 30% do libertário. A previsão de que ele teria sucesso nas PASO para morrer nas gerais, no momento, parece ter se diluído. “Se falou muito disso, de um voto de castigo a classe política nas primárias, muita gente que poderia votar em Milei nas PASO para causar um susto e depois fazer um voto mais ‘racional’. Mas tudo mudou agora, é algo novo que não estava previsto. Ele ganhou em lugares e províncias que não deveríamos ver um voto renovador”, alerta Galván.

Ao todo, Milei venceu em 16 dos 24 distritos argentinos, com exceção da Cidade de Buenos Aires e algumas outras províncias. O libertário venceu mesmo em províncias onde seus candidatos de coalizão perderam, e levou departamentos importantes que aglutinam enorme eleitorado, como Córdoba, Santa Fé e Mendoza.

“Precisamos começar a interpretar o cenário argentino com outras lentes, talvez até com um olhar mais ‘latinoamericanizado’. Quem sabe Argentina vive um processo similar ao do Brasil antes [na eleição em que venceu Jair Bolsonaro]. Não é só raiva, é trazer uma nova liderança, escutar novas propostas e tratar de trazer soluções de gente que nunca as aplicou, porque já não creem mais nos que aplicaram soluções até agora”, completa o professor da UBA.

“Agora é muito importante observar como vai se movimentar Javier Milei, e seu desafio é tentar sustentar esses 30%”, afirma María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina. “Agora que ele foi o ganhador, pode ser que o cenário mude, não sabemos, mas também é possível que ele consiga ainda mais votos. O seu próprio discurso de ontem foi bem moderado, não foi de um louco”.

O candidato a presidência pela coalizão A Liberdade Avança, Javier Milei, com sua irmã Karina, celebram os resultados eleitorais das PASO Foto: Natacha Pisarenko/AP

Abstenções e os votos de Larreta

Outro dado relevante para avaliar o cenário eleitoral argentino é o número de abstenções. Com a ausência crescendo nas eleições provinciais, a autoridade eleitoral argentina estava em alerta para uma abstenção recorde nessas PASO. O que de fato aconteceu. Cerca de 31% dos argentinos não foram votar, uma proporção maior do que os votos de Milei.

“Não estamos falando de um cenário de terços eleitorais, divididos entre libertários, oposicionistas e peronistas, mas sim, se consideramos todas as fatias eleitorais, temos um cenário de quartos, em que as abstenções também são um ator”, afirma Cruz. “Essa soma de votos ausentes e os votos de Milei mostra um descontentamento generalizado com a situação econômica atual.”

A questão é para quem esse voto ausente deve ir nas próximas eleições. Historicamente as PASO têm participação menor, sendo as primárias de 2021 as que guardavam o recorde de abstenções - em parte por causa da pandemia. Já as gerais tendem a ter até cinco pontos a mais de participação, justamente por serem eleições que definem cargos.

Além disso, outra dúvida é quem deve herdar os votos de Horacio Larreta. Embora ele e Bullrich sejam da mesma coalizão - e seria lógico os votos de um ir para o outro - ambos se colocaram como muito opostos na campanha, com Larreta jogando com uma direita mais moderada, enquanto Bullrich apostou no discurso linha-dura. Na prática, Bullrich disputa esse eleitorado linha-dura com Milei e pode não capturar os centristas de direita.

“Em termos gerais, temos que ver como vai ficar a economia [até outubro], mas é possível que Milei capture votos de Bullrich e capture votos de ausentes” afirma Carlos De Angelis, professor de sociologia da opinião pública da Faculdade de Buenos Aires. “O que acontece com os votos de Larreta? Se o voto da extrema direita aumentar, esses votos mais centristas poderiam ir para Massa. Tudo é muito confuso”.

“A chave para avançar para o segundo turno está em dois pontos: quem vai conseguir capturar esse voto mais centrista de Larreta; e segundo quem vai apontar seus canhões para esses mais de 30% que não foram votar. Creio que quem apostar nesses dois nichos conseguirá se manter competitivo e chegar ao segundo turno”, concorda Facundo Cruz.

Os analistas observam que o Juntos pela Mudança mostra uma derrota ao não conseguir unir seu eleitorado e capturar os descontentes com o peronismo. Se no início do ano parecia certa uma vitória da oposição, hoje é Patricia quem se mostra em pior cenário, tendo que escolher entre radicalizar o discurso para capturar o eleitorado descontente ou moderar para não perder o centro. A questão vai ser observar como vai se comportar o líder da coalizão, o ex-presidente Mauricio Macri.

A candidato presidencial Patricia Bullrich, ao centro, com Mauricio Macri (esquerda) e Horacio Rodríguez Larreta (direita) Foto: Daniel Jayo/AP

“O eleitor que é mais militante do Juntos Pela Mudança deve votar em Bullrich porque ela é do partido. Mas creio que quem votou em Larreta tenha medo de Milei e desse discurso mais radical, então é possível que parte desse voto de Larreta vá para Massa. Vai depender de como Massa vai se comportar nos próximos dias”, concorda Puente.

E completa: “O Juntos pela Mudança precisa descobrir como se apresentar como o diferente. Porque o diferente por enquanto se apresenta em Milei. Esse é um pouco do desafio que tem o JxC, que fez tudo errado até agora e foi punido, porque tinha tudo para ganhar essa eleição, mas não soube lidar com isso”.

Facundo Galván ressalta que todo o cenário desenhado nas últimas horas pode mudar radicalmente até outubro, como já aconteceu em meses anteriores. “O cenário de hoje é curto prazo. A Argentina é um país hoje e na semana que vem é outro. Se alguém vier do futuro me dizendo que Massa ganhou as eleições, eu acredito. Não é algo impossível.”

O que parecia uma disputa indefinida entre peronismo e oposição para as eleições presidenciais na Argentina, ganhou um terceiro elemento neste domingo, 13, com a vitória surpreendente de Javier Milei nas primárias partidárias. Tecnicamente empatado entre as três principais coalizões rivais, o cenário para as eleições gerais de outubro fica ainda mais aberto, com o libertário tendo chances reais de ir a um segundo turno em novembro.

O cenário eleitoral argentino já se redesenhou em diversos momentos, com Milei saindo de uma posição de desconhecido para um outsider viável no pleito, caindo em desgraça por escândalos de venda de candidaturas e novamente despontando entre o eleitorado desencantado nas PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). Enquanto isso, seus rivais Patricia Bullrich e Sergio Massa amargam um resultado primário tímido e se veem na inesperada posição de lutar por uma vaga no segundo turno.

O presidente da coalizão A Liberdade Avança recebeu 30,04% dos votos, à frente da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança (28,27%), que definiu Patricia Bullrich como sua candidata, e da coalizão de esquerda União Pela Pátria (27,27%), encabeçada por Sergio Massa. Os números são considerados um empate técnico.

Seguidores de Javier Milei celebram seu sucesso eleitoral nas eleições primárias deste domingo Foto: Mario De Fina/AP

“É um cenário inesperado e as pesquisas novamente erraram”, afirma Facundo Galván, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires. “É quase um triplo empate de praticamente um ponto entre eles. E há muita gente que não foi votar agora e que vai votar nas gerais, e não sabemos por quem vão votar. Tudo indica que um dos que tem a passagem garantida para o segundo turno, se nada mudar, é Milei.”

As pesquisas de intenções de voto apontavam nas últimas semanas que Milei havia batido em um teto eleitoral e devia ficar abaixo dos 20%. Enquanto isso, Patricia Bullrich aparecia crescendo e derrotando seu adversário na coalizão, Horacio Rodríguez Larreta - o que de fato aconteceu, mas em proporção muito menor que a prevista. Já Massa surpreendia como sendo o nome mais votado. No fim, Milei aparecia apenas como uma terceira força.

Não foi o cenário de ontem. “A vitória de Milei foi uma surpresa em partes, porque havia pesquisas que mostravam que essa poderia ser uma boa eleição para ele, mas continua sendo uma surpresa porque essas mesmas pesquisas subestimaram Milei e superestimaram Bullrich”, aponta Facundo Cruz, cientista político e analista de dados do Centro de Investigação para a Qualidade Democrática (CICad, na sigla em espanhol), um think tank para promoção da participação eleitoral. “Essa vitória de Milei alterou a ordem das candidaturas. Primeiro temos Milei, segundo Massa e em terceiro a Bullrich.”

Mesmo analistas que esperavam um bom cenário eleitoral para Milei nessas PASO em forma do chamado voto de protesto, se surpreenderam com os 30% do libertário. A previsão de que ele teria sucesso nas PASO para morrer nas gerais, no momento, parece ter se diluído. “Se falou muito disso, de um voto de castigo a classe política nas primárias, muita gente que poderia votar em Milei nas PASO para causar um susto e depois fazer um voto mais ‘racional’. Mas tudo mudou agora, é algo novo que não estava previsto. Ele ganhou em lugares e províncias que não deveríamos ver um voto renovador”, alerta Galván.

Ao todo, Milei venceu em 16 dos 24 distritos argentinos, com exceção da Cidade de Buenos Aires e algumas outras províncias. O libertário venceu mesmo em províncias onde seus candidatos de coalizão perderam, e levou departamentos importantes que aglutinam enorme eleitorado, como Córdoba, Santa Fé e Mendoza.

“Precisamos começar a interpretar o cenário argentino com outras lentes, talvez até com um olhar mais ‘latinoamericanizado’. Quem sabe Argentina vive um processo similar ao do Brasil antes [na eleição em que venceu Jair Bolsonaro]. Não é só raiva, é trazer uma nova liderança, escutar novas propostas e tratar de trazer soluções de gente que nunca as aplicou, porque já não creem mais nos que aplicaram soluções até agora”, completa o professor da UBA.

“Agora é muito importante observar como vai se movimentar Javier Milei, e seu desafio é tentar sustentar esses 30%”, afirma María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina. “Agora que ele foi o ganhador, pode ser que o cenário mude, não sabemos, mas também é possível que ele consiga ainda mais votos. O seu próprio discurso de ontem foi bem moderado, não foi de um louco”.

O candidato a presidência pela coalizão A Liberdade Avança, Javier Milei, com sua irmã Karina, celebram os resultados eleitorais das PASO Foto: Natacha Pisarenko/AP

Abstenções e os votos de Larreta

Outro dado relevante para avaliar o cenário eleitoral argentino é o número de abstenções. Com a ausência crescendo nas eleições provinciais, a autoridade eleitoral argentina estava em alerta para uma abstenção recorde nessas PASO. O que de fato aconteceu. Cerca de 31% dos argentinos não foram votar, uma proporção maior do que os votos de Milei.

“Não estamos falando de um cenário de terços eleitorais, divididos entre libertários, oposicionistas e peronistas, mas sim, se consideramos todas as fatias eleitorais, temos um cenário de quartos, em que as abstenções também são um ator”, afirma Cruz. “Essa soma de votos ausentes e os votos de Milei mostra um descontentamento generalizado com a situação econômica atual.”

A questão é para quem esse voto ausente deve ir nas próximas eleições. Historicamente as PASO têm participação menor, sendo as primárias de 2021 as que guardavam o recorde de abstenções - em parte por causa da pandemia. Já as gerais tendem a ter até cinco pontos a mais de participação, justamente por serem eleições que definem cargos.

Além disso, outra dúvida é quem deve herdar os votos de Horacio Larreta. Embora ele e Bullrich sejam da mesma coalizão - e seria lógico os votos de um ir para o outro - ambos se colocaram como muito opostos na campanha, com Larreta jogando com uma direita mais moderada, enquanto Bullrich apostou no discurso linha-dura. Na prática, Bullrich disputa esse eleitorado linha-dura com Milei e pode não capturar os centristas de direita.

“Em termos gerais, temos que ver como vai ficar a economia [até outubro], mas é possível que Milei capture votos de Bullrich e capture votos de ausentes” afirma Carlos De Angelis, professor de sociologia da opinião pública da Faculdade de Buenos Aires. “O que acontece com os votos de Larreta? Se o voto da extrema direita aumentar, esses votos mais centristas poderiam ir para Massa. Tudo é muito confuso”.

“A chave para avançar para o segundo turno está em dois pontos: quem vai conseguir capturar esse voto mais centrista de Larreta; e segundo quem vai apontar seus canhões para esses mais de 30% que não foram votar. Creio que quem apostar nesses dois nichos conseguirá se manter competitivo e chegar ao segundo turno”, concorda Facundo Cruz.

Os analistas observam que o Juntos pela Mudança mostra uma derrota ao não conseguir unir seu eleitorado e capturar os descontentes com o peronismo. Se no início do ano parecia certa uma vitória da oposição, hoje é Patricia quem se mostra em pior cenário, tendo que escolher entre radicalizar o discurso para capturar o eleitorado descontente ou moderar para não perder o centro. A questão vai ser observar como vai se comportar o líder da coalizão, o ex-presidente Mauricio Macri.

A candidato presidencial Patricia Bullrich, ao centro, com Mauricio Macri (esquerda) e Horacio Rodríguez Larreta (direita) Foto: Daniel Jayo/AP

“O eleitor que é mais militante do Juntos Pela Mudança deve votar em Bullrich porque ela é do partido. Mas creio que quem votou em Larreta tenha medo de Milei e desse discurso mais radical, então é possível que parte desse voto de Larreta vá para Massa. Vai depender de como Massa vai se comportar nos próximos dias”, concorda Puente.

E completa: “O Juntos pela Mudança precisa descobrir como se apresentar como o diferente. Porque o diferente por enquanto se apresenta em Milei. Esse é um pouco do desafio que tem o JxC, que fez tudo errado até agora e foi punido, porque tinha tudo para ganhar essa eleição, mas não soube lidar com isso”.

Facundo Galván ressalta que todo o cenário desenhado nas últimas horas pode mudar radicalmente até outubro, como já aconteceu em meses anteriores. “O cenário de hoje é curto prazo. A Argentina é um país hoje e na semana que vem é outro. Se alguém vier do futuro me dizendo que Massa ganhou as eleições, eu acredito. Não é algo impossível.”

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