Virou clichê dizer que toda eleição é a mais importante da vida, mas a iminente disputa entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump realmente é. Será um referendo, não apenas sobre o futuro da democracia americana, mas também sobre o futuro do papel dos Estados Unidos no mundo.
Desde a 2ª Guerra, os EUA desempenharam um papel vital, realmente indispensável, na liderança mundial. Continuam a desempenhar esse papel hoje. Você pode ver isso na ação militar dos EUA, em cooperação com aliados, no Iêmen para proteger o transporte pelo Estreito de Bab al-Mandab - um ponto marítimo estratégico por onde passa um terço do tráfego de navios porta-contêineres do mundo - de mísseis e drones Houthis. Outras tropas dos Estados Unidos estão de prontidão da Polônia à Coreia do Sul para proteger aliados contra agressores. Ao todo, há cerca de 171.000 militares americanos em 750 bases em pelo menos 80 países. Não obstante a trágica perda de três soldados no ataque a drone em uma base na Jordânia no domingo, a maioria desses destacamentos mantém a paz sem incorrer em quaisquer baixas.
Além de ser o policial do mundo, os Estados Unidos também são o principal diplomata mundial, liderando esforços para abordar preocupações vitais como saúde pública, mudanças climáticas e direitos humanos. Todo presidente, exceto um desde Franklin D. Roosevelt, acreditou que os Estados Unidos deveriam exercer influência internacional preeminente para seu próprio bem e para bem do mundo. Trump é a única exceção. Ele está comprometido com uma agenda de “América Primeiro” - o mesmo rótulo abraçado pelos simpatizantes nazistas e isolacionistas do período pré-Pearl Harbor. Ele só tem desprezo pelos dois pilares da política externa dos EUA no pós-guerra: acordos de livre comércio e alianças de segurança.
No primeiro mandato de Trump, ele não conseguiu reverter mais de 70 anos de liderança global americana, mas certamente a minou. Ele saiu dos Acordos Climáticos de Paris, da Parceria Transpacífico e do acordo nuclear com o Irã. Ele tentou retirar todas as forças dos EUA da Síria e cerca de um terço delas da Alemanha. Ele bloqueou temporariamente entregas de armas para a Ucrânia para coagir o presidente Volodmir Zelenski a ajudá-lo politicamente. Ele lançou uma guerra comercial sem sentido com a China que infligiu custos consideráveis à economia dos EUA.
O registro da política externa de Trump teve alguns sucessos isolados - por exemplo, os Acordos de Abraão no Oriente Médio - mas, no geral, ele oscilou de um erro para outro. Lidando com a Coreia do Norte, ele passou de beligerância com “fogo e fúria” para trocar “cartas de amor” com Kim Jong Un. Trump certamente teria sido mais destrutivo ainda se não tivesse sido contido pelos “adultos na sala”, como os secretários de Defesa Jim Mattis e Mark T. Esper e os conselheiros de segurança nacional H.R. McMaster e John Bolton. Mas é uma aposta segura que Trump não estará nomeando moderados na próxima vez. Ele prometeu se livrar de servidores civis apolíticos - também conhecidos como “Comunistas, Marxistas, Racistas e Baderneiros Radicais de Esquerda”. A Heritage Foundation está compilando longas listas de leais ao MAGA (movimento Make America Great Again) para integrar um governo Trump.
Assim, haveria pouco - além de sua própria confusão mental - para impedir Trump de realizar sua agenda isolacionista. Segundo Thierry Breton, alto funcionário da União Europeia, Trump disse em 2020 aos líderes do bloco “que se a Europa estiver sob ataque, nunca iremos ajudá-los e apoiá-los” e “a Otan está morta, e nós vamos sair, vamos abandonar a Otan”. O Congresso recentemente aprovou legislação para evitar que um presidente saia da Otan sem aprovação do Legislativo, mas Trump ainda poderia tornar a aliança letra morta caso se recusasse a honrar a obrigação do Artigo 5 de defender membros sob ataque.
Trump quase certamente cortaria a ajuda dos EUA à Ucrânia - como seus seguidores no Congresso já estão tentando fazer, a seu pedido. Ele diz que acabaria com a guerra na Ucrânia “em um dia” dizendo a Zelenski que a Ucrânia teria “que fazer um acordo”. Presumivelmente, esse acordo entregaria pelo menos 20 por cento do território da Ucrânia à ocupação russa enquanto o ditador Vladimir Putin preparava suas forças para tomar o resto. Zelenski chamou o discurso de Trump de “muito perigoso”, mas Trump está muito mais interessado em cortejar Putin do que Zelenski. (“Eu era a menina dos olhos dele”, vangloriou-se Trump recentemente sobre seu camarada do Kremlin.)
Você poderia esperar que, enquanto cedesse à Rússia, Trump adotaria uma linha mais dura contra a China. E é verdade que ele promete revogar o status de nação mais favorecida da China e impor tarifas de até 60 por cento sobre produtos chineses - ações que poderiam levar ao colapso do sistema de comércio global. Mas ele também diz que pode não vir em defesa de Taiwan porque “levou todo o nosso negócio de chips”. Então, de forma bizarra, ele parece mais preocupado com a China negociando com outras nações do que invadindo-as.
Os líderes de alguns países - por exemplo, Rússia, Coreia do Norte, Hungria, Arábia Saudita - podem estar entusiasmados com o retorno de Trump ao poder, mas é uma aposta segura que o México, principal parceiro comercial dos Estados Unidos, não será um deles. Trump prometeu “realizar a maior operação de deportação doméstica na história americana”, com a maioria desses migrantes presumivelmente sendo enviados para o sul da fronteira contra a oposição do governo mexicano. Trump, que falou no cargo sobre lançar mísseis em laboratórios de drogas no México, também está desenvolvendo planos para usar unilateralmente a força militar contra cartéis de drogas mexicanos - uma ação que nenhuma nação soberana poderia tolerar.
É claro que é totalmente possível que muito do que Trump diz seja apenas bravata e que ele faria algo totalmente diferente no cargo. Como John Bolton escreveu em agosto passado no Hill, “a abordagem de Trump para tomar decisões beira a incoerência”: ele “despreza o conhecimento”, ouve “a última pessoa que entra pela porta” e vê todos os relacionamentos dos EUA “como questões de personalidade” - então ele é favorável aos líderes estrangeiros que o bajulam. Talvez os líderes democráticos possam agradar Trump deixando-o ganhar no golfe - ou ficando em seus hotéis.
Mas não acho que Bolton esteja totalmente certo de que Trump “não tem nem filosofia nem políticas”. Por décadas, Trump defendeu consistentemente visões protecionistas e isolacionistas. Ele não teve tanto sucesso quanto esperava em implementar sua filosofia da primeira vez. O perigo é que ele seria mais eficaz em seu segundo mandato. (Sua campanha já está melhor organizada do que em 2016 ou 2020.) O resultado poderia ser o fim da Pax Americana. Entraríamos então em um mundo pós-americano caótico onde Estados rebeldes cometeriam agressões com impunidade, democracias se encolheriam e laços comerciais se desgastariam. Vias marítimas transformando-se em galerias de tiro se tornariam a norma, não a exceção, com a economia dos EUA pagando o preço.
A sabedoria convencional é que a política externa não decide as eleições americanas, mas a escolha raramente foi tão assustadora ou clara. A eleição de novembro decidirá se os EUA continuaram sua política externa internacionalista pós-1945 - ou arriscam um retorno à política de isolacionismo pré-Pearl Harbor. Como isso funcionou?
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