Vizinhos de silos nucleares nos EUA voltam a temer um conflito atômico com a Rússia


Força aérea americana instalou bases em Montana durante a Guerra Fria; agora, proprietários de terras discutem possibilidade de mísseis serem disparados

Por Eli Saslow
Atualização:

THE WASHINGTON POST - Ed Butcher, de 78 anos, amarrou seu cavalo, tirou a lama das botas de cowboy e entrou em casa para jantar. Ele havia trabalhado na fazenda durante a maior parte do dia, a quilômetros de distância da cobertura de telefonia celular. “Perdi alguma coisa?”, perguntou para sua mulher, Pam, enquanto ligava a TV a cabo no noticiário. “Que parte do mundo está desabando hoje?”

“A agressão da Rússia passou de temerária para aterradora”, afirmou o comentarista da TV, enquanto Pam tirava do forno o jantar do casal.

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“Estamos falando de uma guerra que envolve uma potência nuclear muito instável”, afirmou o comentarista, enquanto os Butchers baixavam o olhar diante do guisado de carne de cervo, para fazer sua oração.

“Pode haver uma escalada”, afirmou o comentarista. “A coisa poderia extrapolar nossas mais delirantes fantasias.”

Ed desligou a TV e olhou através da janela, para quilômetros de amplas pradarias onde o vento sacode o celeiro da fazenda e assopra nuvens de poeira sobre a Butcher Road. A família de Ed está nesta terra desde que os avós dele se assentaram por aqui, em 1913, mas em raras ocasiões a vida rural pareceu tão precária. Sua terra se ressecou em consequência de secas recorde, foi negligenciada em razão da escassez de mão de obra durante a pandemia, sofreu incêndios recentemente e agora também se conectou de maneira singular a uma guerra que ocorre do outro lado do mundo. “Às vezes me pergunto o que mais poderia ter dado errado”, afirmou Ed, olhando para uma colina no oeste de sua fazenda, onde um míssil nuclear ativo do governo dos EUA está enterrado logo abaixo do pasto.

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“Você acha que algum dia eles vão dispará-lo?”, perguntou Pam.

“Eu costumava dizer, ‘De jeito nenhum’”, afirmou Ed. “Agora, penso mais em algo do tipo, ‘Por favor, Deus, não nos deixe viver para testemunhar isso’.”

Ed Butcher verifica o arame da cerca que protege o silo nuclear em sua propriedade em Fergus, Montana Foto: Demetrius Freeman
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O míssil foi batizado de Minuteman III, e sua plataforma de lançamento foi instalada na propriedade dos Butchers na época da Guerra Fria, quando a Força Aérea pagou US$ 150 por 4 mil metros quadrados da terra da família enquanto instalava armas nucleares por todo o Oeste rural. Cerca de 400 daqueles mísseis continuam ativos e prontos para serem lançados em poucos segundos a partir de Montana, Wyoming, Dakota do Norte, Colorado e Nebraska. Os armamentos estão instalados em áreas de conservação de bisões e reservas indígenas. Ficam em localidades como uma floresta nacional, atrás de um estádio de rodeio, na mesma rua de uma pequena escola e dentro de dezenas de fazendas privadas, com a dos Butchers, que há 60 anos têm como vizinho mais próximo um míssil nuclear.

O armamento está enterrado em um local cercado por cercas metálicas, sob uma comporta de 110 toneladas feita de concreto e aço. O míssil tem 18,3 metros de comprimento. Pesa 36.029 quilos. Possui uma força ao menos 20 vezes maior do que a da bomba atômica que matou 140 mil pessoas em Hiroshima. Uma equipe da Força Aérea fica estacionada num bunker subterrâneo a poucos quilômetros de lá, pronta para disparar o míssil no momento que a ordem chegar. O projétil levaria cerca de 3,4 segundos para deixar o silo e cortar o céu da fazenda a 3.048 metros por segundo. Foi projetado para atingir uma altura de 112,7 quilômetros, voar para o outro lado do mundo em 25 minutos e explodir a poucos metros de seu alvo. A bola de fogo resultante é capaz de vaporizar todos os seres humanos e estruturas do local da explosão num raio de 800 metros. A explosão arruinaria edifícios num raio de 8 quilômetros. Incêndios secundários e doses fatais de radiação se espalhariam por dezenas de quilômetros quadrados, resultando no que especialistas militares americanos qualificam como “aniquilação nuclear total”.

“Aposto que ele passaria bem em cima da nossa sala de estar”, afirmou Ed. “Acho que nem conseguiríamos ver.”

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“Ouviríamos bem, sentiríamos o abalo provocado por ele”, afirmou Pam. “A casa inteira tremeria.”

“E se estivéssemos disparando os mísseis, você pode apostar que outros estariam vindo em nossa direção”, afirmou Ed.

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Ao menos sete pessoas morreram e 11 ficaram feridas em ataques russos em Lviv, no oeste da Ucrânia, autoridades denunciaram que alvos civis foram atingidos

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Ao longo dos anos, os Butchers enfrentaram todas as ameaças concebíveis contra sua terra. A seca esgotou os nutrientes do solo. O granizo destruiu colheitas inteiras. Lobos e leões da montanha se alimentaram do gado. Águias atacaram as ovelhas. Crânios de animais se espalharam pela mesma pradaria em que dezenas de crias nasciam a cada primavera. O primogênito do casal morreu subitamente na fazenda, durante um ataque de asma. Um bisneto nasceu no barracão, a sexta geração de Butchers a nascer dentro da propriedade. Uma das coisas que Ed gostava a respeito da vida na fazenda é que ela o aproximava dos ciclos naturais de vida e morte, o que tornava a ideia de uma destruição nuclear em massa, provocava pelo homem, algo ainda mais inimaginável.

“Acho que iríamos para o armazém”, afirmou Ed.

“Faríamos alguns telefonemas de despedida”, disse Pam. “Daríamos as mãos. Rezaríamos.”

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Ed se levantou da mesa para lavar seu prato. “Menos mal que tudo isso não passa de hipótese. Esses mísseis existem apenas para dissuasão, jamais explodirão realmente.”

“Você está certo”, afirmou Pam. “Isso não vai acontecer. Tenho quase certeza que não.”

Mesmo que tenha sido instalado dentro de sua fazenda, os Butchers jamais foram autorizados a conhecer o silo subterrâneo por dentro. Certas vezes, eles viram comboios de veículos militares e caminhões de carga pesada passando pelas estradas de terra de sua propriedade na direção do campo de lançamento, e uma vez Ed viu parte do Minuteman III quando o míssil era baixado para o subterrâneo, com sua ogiva pintada de preto e branco e seu propulsor. Mas os desdobramentos exatos em torno do míssil instalado em sua terra permaneceram secretos. O bunker de 24,4 metros de profundidade foi objeto principalmente de sua imaginação.

O local é conhecido pelo governo como Plataforma de Lançamento E05, um dos 52 silos de mísseis nucleares instalados nas tradicionais fazendas do Condado de Fergus. O governo escolheu transformar as desoladas pradarias de Montana em centro de atividades nucleares nos anos 50, em razão do que foi descrito como uma relativa proximidade à Rússia e também porque a região poderia atuar como o que especialistas chamavam de “esponja nuclear sacrificial”, no caso de uma guerra atômica. A teoria era que, em vez de despejar todos os seus mísseis em grandes cidades americanas, um inimigo usaria, em vez disso, alguns de seus mísseis para atacar os silos espalhados por Winifred, Montana, lar de 35 mil cabeças de gado e 189 moradores, cujos aniversários de nascimento e casamento são impressos no calendário oficial do município.

Winifred foi a cidade em que os Butchers frequentaram a igreja aos domingos e iam buscar suas correspondências no correio às quartas-feiras, mas eles passaram a maior parte do tempo com seus filhos e netos na fazenda. Eles possuem 4,8 mil hectares para administrar e nunca mantiveram empregados fixos, então, duas décadas depois de se aposentar, Ed ainda ajuda a consertar cercas e conferir o gado.

“Você vai sair a cavalo hoje?”, perguntou-lhe Pam certa manhã, sabendo que ele ocasionalmente gosta de cavalgar mais de 30 quilômetros num dia.

“Que nada, está frio demais”, afirmou ele. “Não sou mais aquele cowboy que enfrenta qualquer clima. Vou de jipe.”

Ed vestiu suas luvas de trabalho e dirigiu pela fazenda, atravessando campos de artemísias e riachos secos enquanto desviava do silo e se aproximava da floresta de pinheiros ponderosa no sul da propriedade. Ele passou pelo antigo barracão de seu avô, pela primeira cabine de caça de seu pai e por uma dezena de colinas e marcos batizados com nomes de amigos da família e bichos de estimação mortos. Vários cavalos avistaram o jipe e correram para cumprimentá-lo. “Nada de petisco hoje, pessoal”, afirmou ele, continuando o caminho para o pasto dos bovinos, onde a primeira bezerra da temporada tinha nascido na noite anterior. Ele viu a bezerra com dificuldade para ficar de pé e caindo no chão. “Vamos lá, garota, você consegue”, disse ele, que desligou o motor do veículo e ficou por lá até que a bezerra conseguisse ficar de pé novamente.

Ed se afastou da fazenda somente quando foi cursar faculdade em Billings e posteriormente iniciou carreira como professor, na Dakota do Norte. Ele estava a caminho de um doutorado em história americana até seu pai sofrer um ataque cardíaco, em 1971, e sua mãe lhe dizer pelo telefone que planejava vender a fazenda, a não ser que ele voltasse para Montana. Ed era filho único. Os Butchers davam nome à estrada, assim como os Wickens, os Wallings, os Stulcs e todas as outras famílias que se assentaram originalmente na região. Apesar de amar o ofício de lecionar, Ed voltou para Montana com Pam, para assumir a propriedade.

O solo da fazenda era normalmente seco demais para o cultivo de grãos, e criar gado quase não dava lucro. Não havia como ficar rico, mas, ao longo dos anos, Ed aprendeu por conta própria e ensinou para os três filhos como “enriquecer com a paisagem”, afirmou ele. Agora, enquanto dirigia, ele assistia a neve derreter nas Montanhas Judith e os cúmulo-nimbos chegando do Canadá. Um rebanho de antílopes-americanos corria pela da pradaria, e um porco-espinho atravessava desajeitadamente a estrada diante dele.

“A coisa não mudou muito por aqui nos cem anos mais recentes”, afirmou ele, rumando para a colina que abriga o silo, localizada a poucos quilômetros de sua casa. O ressequido capim amarelo que cobre os 4 mil metros quadrados do governo se confunde com a paisagem do restante da fazenda dos Butchers, mas a Força Aérea instalou uma cerca de alambrado e um banheiro químico. Atrás da cerca, há alguns postes telefônicos, um pequeno círculo de concreto sobre o chão e uma tampa de bueiro metálica que dá acesso ao bunker. “Entrada proibida”, diz uma pequena placa. “Autorizado o uso de força letal.”

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O presidente Volodimir Zelenski disse em uma entrevista transmitida neste domingo nos Estados Unidos que as forças russas estão cometendo 'genocídio' na Ucrânia

Quando os militares construíram a plataforma de lançamento, durante a adolescência de Ed, ele considerava a instalação principalmente como uma potencial intrusão, um símbolo do exagero do governo, que ele qualificava como uma “insanidade da corrida nuclear armamentista”. Ele nasceu enquanto a guerra atômica surgia, e mesmo que o historiador que existe nele acreditasse que as bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram necessárias para pôr fim à 2.ª Guerra, ele esperava nunca mais voltar a testemunhar esse tipo de devastação durante sua vida. Quando era professor de faculdade, ele dirigia uma kombi com o símbolo da paz pintado na janela traseira, e Pam compareceu a um pequeno protesto contra os mísseis Minuteman diante de um prédio do governo federal na região rural da Dakota do Norte. Eles se mudaram para a fazenda achando que poderiam testemunhar dramas nucleares dos quais haviam escutado falar a respeito de outros silos: vazamentos de lixo tóxico, acidentes que quase causaram explosões, espiões russos ou grupos de freiras se acorrentando às cercas do silo em atos de protesto.

Mas, em vez disso, toda vez que Ed passou pelo silo para ver o que acontecia por lá, não se deparou com nada além do vento e da paisagem — e ocasionalmente com alguma vaca enroscada na cerca. A Força Aérea substituiu o míssil Minuteman original por um Minuteman II e depois por um Minuteman III. Equipes de soldados construíram estradas de terra melhores na fazenda dos Butchers. No inverno, os militares passam a máquina para retirar neve das vias. E empregaram eletricistas e empreiteiros do Condado de Fergus, que trabalharam no campo de lançamento principalmente na calada da noite e, até onde Ed pode dizer, nunca aconteceu nada de excepcional por lá. O míssil nunca foi lançado. O apocalipse nuclear nunca ocorreu. Depois de um tempo, o silo passou a parecer para Ed mais uma parte da paisagem, em vez de uma ameaça — como se fosse uma relíquia benigna da Guerra Fria. Eram 4 mil metros quadrados em meio a mais de 48 milhões de metros quadrados. Pelo menos era isso que Ed pensava até o fim de fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o presidente Vladimir Putin colocou suas armas nucleares em alerta máximo.

“Aposto que os satélites russos estão contando até quantos fios de cabelo ainda cobrem minha cabeça neste exato momento”, afirmou Ed.

Ele olhou para o céu e depois puxou a aba de seu chapéu para baixo, na direção dos olhos, deu as costas para o silo e voltou a conferir seu gado. “Eu gostava mais quando esse lugar parecia um pedaço da história”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Ed Butcher, de 78 anos, amarrou seu cavalo, tirou a lama das botas de cowboy e entrou em casa para jantar. Ele havia trabalhado na fazenda durante a maior parte do dia, a quilômetros de distância da cobertura de telefonia celular. “Perdi alguma coisa?”, perguntou para sua mulher, Pam, enquanto ligava a TV a cabo no noticiário. “Que parte do mundo está desabando hoje?”

“A agressão da Rússia passou de temerária para aterradora”, afirmou o comentarista da TV, enquanto Pam tirava do forno o jantar do casal.

“Estamos falando de uma guerra que envolve uma potência nuclear muito instável”, afirmou o comentarista, enquanto os Butchers baixavam o olhar diante do guisado de carne de cervo, para fazer sua oração.

“Pode haver uma escalada”, afirmou o comentarista. “A coisa poderia extrapolar nossas mais delirantes fantasias.”

Ed desligou a TV e olhou através da janela, para quilômetros de amplas pradarias onde o vento sacode o celeiro da fazenda e assopra nuvens de poeira sobre a Butcher Road. A família de Ed está nesta terra desde que os avós dele se assentaram por aqui, em 1913, mas em raras ocasiões a vida rural pareceu tão precária. Sua terra se ressecou em consequência de secas recorde, foi negligenciada em razão da escassez de mão de obra durante a pandemia, sofreu incêndios recentemente e agora também se conectou de maneira singular a uma guerra que ocorre do outro lado do mundo. “Às vezes me pergunto o que mais poderia ter dado errado”, afirmou Ed, olhando para uma colina no oeste de sua fazenda, onde um míssil nuclear ativo do governo dos EUA está enterrado logo abaixo do pasto.

“Você acha que algum dia eles vão dispará-lo?”, perguntou Pam.

“Eu costumava dizer, ‘De jeito nenhum’”, afirmou Ed. “Agora, penso mais em algo do tipo, ‘Por favor, Deus, não nos deixe viver para testemunhar isso’.”

Ed Butcher verifica o arame da cerca que protege o silo nuclear em sua propriedade em Fergus, Montana Foto: Demetrius Freeman

O míssil foi batizado de Minuteman III, e sua plataforma de lançamento foi instalada na propriedade dos Butchers na época da Guerra Fria, quando a Força Aérea pagou US$ 150 por 4 mil metros quadrados da terra da família enquanto instalava armas nucleares por todo o Oeste rural. Cerca de 400 daqueles mísseis continuam ativos e prontos para serem lançados em poucos segundos a partir de Montana, Wyoming, Dakota do Norte, Colorado e Nebraska. Os armamentos estão instalados em áreas de conservação de bisões e reservas indígenas. Ficam em localidades como uma floresta nacional, atrás de um estádio de rodeio, na mesma rua de uma pequena escola e dentro de dezenas de fazendas privadas, com a dos Butchers, que há 60 anos têm como vizinho mais próximo um míssil nuclear.

O armamento está enterrado em um local cercado por cercas metálicas, sob uma comporta de 110 toneladas feita de concreto e aço. O míssil tem 18,3 metros de comprimento. Pesa 36.029 quilos. Possui uma força ao menos 20 vezes maior do que a da bomba atômica que matou 140 mil pessoas em Hiroshima. Uma equipe da Força Aérea fica estacionada num bunker subterrâneo a poucos quilômetros de lá, pronta para disparar o míssil no momento que a ordem chegar. O projétil levaria cerca de 3,4 segundos para deixar o silo e cortar o céu da fazenda a 3.048 metros por segundo. Foi projetado para atingir uma altura de 112,7 quilômetros, voar para o outro lado do mundo em 25 minutos e explodir a poucos metros de seu alvo. A bola de fogo resultante é capaz de vaporizar todos os seres humanos e estruturas do local da explosão num raio de 800 metros. A explosão arruinaria edifícios num raio de 8 quilômetros. Incêndios secundários e doses fatais de radiação se espalhariam por dezenas de quilômetros quadrados, resultando no que especialistas militares americanos qualificam como “aniquilação nuclear total”.

“Aposto que ele passaria bem em cima da nossa sala de estar”, afirmou Ed. “Acho que nem conseguiríamos ver.”

“Ouviríamos bem, sentiríamos o abalo provocado por ele”, afirmou Pam. “A casa inteira tremeria.”

“E se estivéssemos disparando os mísseis, você pode apostar que outros estariam vindo em nossa direção”, afirmou Ed.

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Ao menos sete pessoas morreram e 11 ficaram feridas em ataques russos em Lviv, no oeste da Ucrânia, autoridades denunciaram que alvos civis foram atingidos

Ao longo dos anos, os Butchers enfrentaram todas as ameaças concebíveis contra sua terra. A seca esgotou os nutrientes do solo. O granizo destruiu colheitas inteiras. Lobos e leões da montanha se alimentaram do gado. Águias atacaram as ovelhas. Crânios de animais se espalharam pela mesma pradaria em que dezenas de crias nasciam a cada primavera. O primogênito do casal morreu subitamente na fazenda, durante um ataque de asma. Um bisneto nasceu no barracão, a sexta geração de Butchers a nascer dentro da propriedade. Uma das coisas que Ed gostava a respeito da vida na fazenda é que ela o aproximava dos ciclos naturais de vida e morte, o que tornava a ideia de uma destruição nuclear em massa, provocava pelo homem, algo ainda mais inimaginável.

“Acho que iríamos para o armazém”, afirmou Ed.

“Faríamos alguns telefonemas de despedida”, disse Pam. “Daríamos as mãos. Rezaríamos.”

Ed se levantou da mesa para lavar seu prato. “Menos mal que tudo isso não passa de hipótese. Esses mísseis existem apenas para dissuasão, jamais explodirão realmente.”

“Você está certo”, afirmou Pam. “Isso não vai acontecer. Tenho quase certeza que não.”

Mesmo que tenha sido instalado dentro de sua fazenda, os Butchers jamais foram autorizados a conhecer o silo subterrâneo por dentro. Certas vezes, eles viram comboios de veículos militares e caminhões de carga pesada passando pelas estradas de terra de sua propriedade na direção do campo de lançamento, e uma vez Ed viu parte do Minuteman III quando o míssil era baixado para o subterrâneo, com sua ogiva pintada de preto e branco e seu propulsor. Mas os desdobramentos exatos em torno do míssil instalado em sua terra permaneceram secretos. O bunker de 24,4 metros de profundidade foi objeto principalmente de sua imaginação.

O local é conhecido pelo governo como Plataforma de Lançamento E05, um dos 52 silos de mísseis nucleares instalados nas tradicionais fazendas do Condado de Fergus. O governo escolheu transformar as desoladas pradarias de Montana em centro de atividades nucleares nos anos 50, em razão do que foi descrito como uma relativa proximidade à Rússia e também porque a região poderia atuar como o que especialistas chamavam de “esponja nuclear sacrificial”, no caso de uma guerra atômica. A teoria era que, em vez de despejar todos os seus mísseis em grandes cidades americanas, um inimigo usaria, em vez disso, alguns de seus mísseis para atacar os silos espalhados por Winifred, Montana, lar de 35 mil cabeças de gado e 189 moradores, cujos aniversários de nascimento e casamento são impressos no calendário oficial do município.

Winifred foi a cidade em que os Butchers frequentaram a igreja aos domingos e iam buscar suas correspondências no correio às quartas-feiras, mas eles passaram a maior parte do tempo com seus filhos e netos na fazenda. Eles possuem 4,8 mil hectares para administrar e nunca mantiveram empregados fixos, então, duas décadas depois de se aposentar, Ed ainda ajuda a consertar cercas e conferir o gado.

“Você vai sair a cavalo hoje?”, perguntou-lhe Pam certa manhã, sabendo que ele ocasionalmente gosta de cavalgar mais de 30 quilômetros num dia.

“Que nada, está frio demais”, afirmou ele. “Não sou mais aquele cowboy que enfrenta qualquer clima. Vou de jipe.”

Ed vestiu suas luvas de trabalho e dirigiu pela fazenda, atravessando campos de artemísias e riachos secos enquanto desviava do silo e se aproximava da floresta de pinheiros ponderosa no sul da propriedade. Ele passou pelo antigo barracão de seu avô, pela primeira cabine de caça de seu pai e por uma dezena de colinas e marcos batizados com nomes de amigos da família e bichos de estimação mortos. Vários cavalos avistaram o jipe e correram para cumprimentá-lo. “Nada de petisco hoje, pessoal”, afirmou ele, continuando o caminho para o pasto dos bovinos, onde a primeira bezerra da temporada tinha nascido na noite anterior. Ele viu a bezerra com dificuldade para ficar de pé e caindo no chão. “Vamos lá, garota, você consegue”, disse ele, que desligou o motor do veículo e ficou por lá até que a bezerra conseguisse ficar de pé novamente.

Ed se afastou da fazenda somente quando foi cursar faculdade em Billings e posteriormente iniciou carreira como professor, na Dakota do Norte. Ele estava a caminho de um doutorado em história americana até seu pai sofrer um ataque cardíaco, em 1971, e sua mãe lhe dizer pelo telefone que planejava vender a fazenda, a não ser que ele voltasse para Montana. Ed era filho único. Os Butchers davam nome à estrada, assim como os Wickens, os Wallings, os Stulcs e todas as outras famílias que se assentaram originalmente na região. Apesar de amar o ofício de lecionar, Ed voltou para Montana com Pam, para assumir a propriedade.

O solo da fazenda era normalmente seco demais para o cultivo de grãos, e criar gado quase não dava lucro. Não havia como ficar rico, mas, ao longo dos anos, Ed aprendeu por conta própria e ensinou para os três filhos como “enriquecer com a paisagem”, afirmou ele. Agora, enquanto dirigia, ele assistia a neve derreter nas Montanhas Judith e os cúmulo-nimbos chegando do Canadá. Um rebanho de antílopes-americanos corria pela da pradaria, e um porco-espinho atravessava desajeitadamente a estrada diante dele.

“A coisa não mudou muito por aqui nos cem anos mais recentes”, afirmou ele, rumando para a colina que abriga o silo, localizada a poucos quilômetros de sua casa. O ressequido capim amarelo que cobre os 4 mil metros quadrados do governo se confunde com a paisagem do restante da fazenda dos Butchers, mas a Força Aérea instalou uma cerca de alambrado e um banheiro químico. Atrás da cerca, há alguns postes telefônicos, um pequeno círculo de concreto sobre o chão e uma tampa de bueiro metálica que dá acesso ao bunker. “Entrada proibida”, diz uma pequena placa. “Autorizado o uso de força letal.”

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O presidente Volodimir Zelenski disse em uma entrevista transmitida neste domingo nos Estados Unidos que as forças russas estão cometendo 'genocídio' na Ucrânia

Quando os militares construíram a plataforma de lançamento, durante a adolescência de Ed, ele considerava a instalação principalmente como uma potencial intrusão, um símbolo do exagero do governo, que ele qualificava como uma “insanidade da corrida nuclear armamentista”. Ele nasceu enquanto a guerra atômica surgia, e mesmo que o historiador que existe nele acreditasse que as bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram necessárias para pôr fim à 2.ª Guerra, ele esperava nunca mais voltar a testemunhar esse tipo de devastação durante sua vida. Quando era professor de faculdade, ele dirigia uma kombi com o símbolo da paz pintado na janela traseira, e Pam compareceu a um pequeno protesto contra os mísseis Minuteman diante de um prédio do governo federal na região rural da Dakota do Norte. Eles se mudaram para a fazenda achando que poderiam testemunhar dramas nucleares dos quais haviam escutado falar a respeito de outros silos: vazamentos de lixo tóxico, acidentes que quase causaram explosões, espiões russos ou grupos de freiras se acorrentando às cercas do silo em atos de protesto.

Mas, em vez disso, toda vez que Ed passou pelo silo para ver o que acontecia por lá, não se deparou com nada além do vento e da paisagem — e ocasionalmente com alguma vaca enroscada na cerca. A Força Aérea substituiu o míssil Minuteman original por um Minuteman II e depois por um Minuteman III. Equipes de soldados construíram estradas de terra melhores na fazenda dos Butchers. No inverno, os militares passam a máquina para retirar neve das vias. E empregaram eletricistas e empreiteiros do Condado de Fergus, que trabalharam no campo de lançamento principalmente na calada da noite e, até onde Ed pode dizer, nunca aconteceu nada de excepcional por lá. O míssil nunca foi lançado. O apocalipse nuclear nunca ocorreu. Depois de um tempo, o silo passou a parecer para Ed mais uma parte da paisagem, em vez de uma ameaça — como se fosse uma relíquia benigna da Guerra Fria. Eram 4 mil metros quadrados em meio a mais de 48 milhões de metros quadrados. Pelo menos era isso que Ed pensava até o fim de fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o presidente Vladimir Putin colocou suas armas nucleares em alerta máximo.

“Aposto que os satélites russos estão contando até quantos fios de cabelo ainda cobrem minha cabeça neste exato momento”, afirmou Ed.

Ele olhou para o céu e depois puxou a aba de seu chapéu para baixo, na direção dos olhos, deu as costas para o silo e voltou a conferir seu gado. “Eu gostava mais quando esse lugar parecia um pedaço da história”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Ed Butcher, de 78 anos, amarrou seu cavalo, tirou a lama das botas de cowboy e entrou em casa para jantar. Ele havia trabalhado na fazenda durante a maior parte do dia, a quilômetros de distância da cobertura de telefonia celular. “Perdi alguma coisa?”, perguntou para sua mulher, Pam, enquanto ligava a TV a cabo no noticiário. “Que parte do mundo está desabando hoje?”

“A agressão da Rússia passou de temerária para aterradora”, afirmou o comentarista da TV, enquanto Pam tirava do forno o jantar do casal.

“Estamos falando de uma guerra que envolve uma potência nuclear muito instável”, afirmou o comentarista, enquanto os Butchers baixavam o olhar diante do guisado de carne de cervo, para fazer sua oração.

“Pode haver uma escalada”, afirmou o comentarista. “A coisa poderia extrapolar nossas mais delirantes fantasias.”

Ed desligou a TV e olhou através da janela, para quilômetros de amplas pradarias onde o vento sacode o celeiro da fazenda e assopra nuvens de poeira sobre a Butcher Road. A família de Ed está nesta terra desde que os avós dele se assentaram por aqui, em 1913, mas em raras ocasiões a vida rural pareceu tão precária. Sua terra se ressecou em consequência de secas recorde, foi negligenciada em razão da escassez de mão de obra durante a pandemia, sofreu incêndios recentemente e agora também se conectou de maneira singular a uma guerra que ocorre do outro lado do mundo. “Às vezes me pergunto o que mais poderia ter dado errado”, afirmou Ed, olhando para uma colina no oeste de sua fazenda, onde um míssil nuclear ativo do governo dos EUA está enterrado logo abaixo do pasto.

“Você acha que algum dia eles vão dispará-lo?”, perguntou Pam.

“Eu costumava dizer, ‘De jeito nenhum’”, afirmou Ed. “Agora, penso mais em algo do tipo, ‘Por favor, Deus, não nos deixe viver para testemunhar isso’.”

Ed Butcher verifica o arame da cerca que protege o silo nuclear em sua propriedade em Fergus, Montana Foto: Demetrius Freeman

O míssil foi batizado de Minuteman III, e sua plataforma de lançamento foi instalada na propriedade dos Butchers na época da Guerra Fria, quando a Força Aérea pagou US$ 150 por 4 mil metros quadrados da terra da família enquanto instalava armas nucleares por todo o Oeste rural. Cerca de 400 daqueles mísseis continuam ativos e prontos para serem lançados em poucos segundos a partir de Montana, Wyoming, Dakota do Norte, Colorado e Nebraska. Os armamentos estão instalados em áreas de conservação de bisões e reservas indígenas. Ficam em localidades como uma floresta nacional, atrás de um estádio de rodeio, na mesma rua de uma pequena escola e dentro de dezenas de fazendas privadas, com a dos Butchers, que há 60 anos têm como vizinho mais próximo um míssil nuclear.

O armamento está enterrado em um local cercado por cercas metálicas, sob uma comporta de 110 toneladas feita de concreto e aço. O míssil tem 18,3 metros de comprimento. Pesa 36.029 quilos. Possui uma força ao menos 20 vezes maior do que a da bomba atômica que matou 140 mil pessoas em Hiroshima. Uma equipe da Força Aérea fica estacionada num bunker subterrâneo a poucos quilômetros de lá, pronta para disparar o míssil no momento que a ordem chegar. O projétil levaria cerca de 3,4 segundos para deixar o silo e cortar o céu da fazenda a 3.048 metros por segundo. Foi projetado para atingir uma altura de 112,7 quilômetros, voar para o outro lado do mundo em 25 minutos e explodir a poucos metros de seu alvo. A bola de fogo resultante é capaz de vaporizar todos os seres humanos e estruturas do local da explosão num raio de 800 metros. A explosão arruinaria edifícios num raio de 8 quilômetros. Incêndios secundários e doses fatais de radiação se espalhariam por dezenas de quilômetros quadrados, resultando no que especialistas militares americanos qualificam como “aniquilação nuclear total”.

“Aposto que ele passaria bem em cima da nossa sala de estar”, afirmou Ed. “Acho que nem conseguiríamos ver.”

“Ouviríamos bem, sentiríamos o abalo provocado por ele”, afirmou Pam. “A casa inteira tremeria.”

“E se estivéssemos disparando os mísseis, você pode apostar que outros estariam vindo em nossa direção”, afirmou Ed.

Seu navegador não suporta esse video.

Ao menos sete pessoas morreram e 11 ficaram feridas em ataques russos em Lviv, no oeste da Ucrânia, autoridades denunciaram que alvos civis foram atingidos

Ao longo dos anos, os Butchers enfrentaram todas as ameaças concebíveis contra sua terra. A seca esgotou os nutrientes do solo. O granizo destruiu colheitas inteiras. Lobos e leões da montanha se alimentaram do gado. Águias atacaram as ovelhas. Crânios de animais se espalharam pela mesma pradaria em que dezenas de crias nasciam a cada primavera. O primogênito do casal morreu subitamente na fazenda, durante um ataque de asma. Um bisneto nasceu no barracão, a sexta geração de Butchers a nascer dentro da propriedade. Uma das coisas que Ed gostava a respeito da vida na fazenda é que ela o aproximava dos ciclos naturais de vida e morte, o que tornava a ideia de uma destruição nuclear em massa, provocava pelo homem, algo ainda mais inimaginável.

“Acho que iríamos para o armazém”, afirmou Ed.

“Faríamos alguns telefonemas de despedida”, disse Pam. “Daríamos as mãos. Rezaríamos.”

Ed se levantou da mesa para lavar seu prato. “Menos mal que tudo isso não passa de hipótese. Esses mísseis existem apenas para dissuasão, jamais explodirão realmente.”

“Você está certo”, afirmou Pam. “Isso não vai acontecer. Tenho quase certeza que não.”

Mesmo que tenha sido instalado dentro de sua fazenda, os Butchers jamais foram autorizados a conhecer o silo subterrâneo por dentro. Certas vezes, eles viram comboios de veículos militares e caminhões de carga pesada passando pelas estradas de terra de sua propriedade na direção do campo de lançamento, e uma vez Ed viu parte do Minuteman III quando o míssil era baixado para o subterrâneo, com sua ogiva pintada de preto e branco e seu propulsor. Mas os desdobramentos exatos em torno do míssil instalado em sua terra permaneceram secretos. O bunker de 24,4 metros de profundidade foi objeto principalmente de sua imaginação.

O local é conhecido pelo governo como Plataforma de Lançamento E05, um dos 52 silos de mísseis nucleares instalados nas tradicionais fazendas do Condado de Fergus. O governo escolheu transformar as desoladas pradarias de Montana em centro de atividades nucleares nos anos 50, em razão do que foi descrito como uma relativa proximidade à Rússia e também porque a região poderia atuar como o que especialistas chamavam de “esponja nuclear sacrificial”, no caso de uma guerra atômica. A teoria era que, em vez de despejar todos os seus mísseis em grandes cidades americanas, um inimigo usaria, em vez disso, alguns de seus mísseis para atacar os silos espalhados por Winifred, Montana, lar de 35 mil cabeças de gado e 189 moradores, cujos aniversários de nascimento e casamento são impressos no calendário oficial do município.

Winifred foi a cidade em que os Butchers frequentaram a igreja aos domingos e iam buscar suas correspondências no correio às quartas-feiras, mas eles passaram a maior parte do tempo com seus filhos e netos na fazenda. Eles possuem 4,8 mil hectares para administrar e nunca mantiveram empregados fixos, então, duas décadas depois de se aposentar, Ed ainda ajuda a consertar cercas e conferir o gado.

“Você vai sair a cavalo hoje?”, perguntou-lhe Pam certa manhã, sabendo que ele ocasionalmente gosta de cavalgar mais de 30 quilômetros num dia.

“Que nada, está frio demais”, afirmou ele. “Não sou mais aquele cowboy que enfrenta qualquer clima. Vou de jipe.”

Ed vestiu suas luvas de trabalho e dirigiu pela fazenda, atravessando campos de artemísias e riachos secos enquanto desviava do silo e se aproximava da floresta de pinheiros ponderosa no sul da propriedade. Ele passou pelo antigo barracão de seu avô, pela primeira cabine de caça de seu pai e por uma dezena de colinas e marcos batizados com nomes de amigos da família e bichos de estimação mortos. Vários cavalos avistaram o jipe e correram para cumprimentá-lo. “Nada de petisco hoje, pessoal”, afirmou ele, continuando o caminho para o pasto dos bovinos, onde a primeira bezerra da temporada tinha nascido na noite anterior. Ele viu a bezerra com dificuldade para ficar de pé e caindo no chão. “Vamos lá, garota, você consegue”, disse ele, que desligou o motor do veículo e ficou por lá até que a bezerra conseguisse ficar de pé novamente.

Ed se afastou da fazenda somente quando foi cursar faculdade em Billings e posteriormente iniciou carreira como professor, na Dakota do Norte. Ele estava a caminho de um doutorado em história americana até seu pai sofrer um ataque cardíaco, em 1971, e sua mãe lhe dizer pelo telefone que planejava vender a fazenda, a não ser que ele voltasse para Montana. Ed era filho único. Os Butchers davam nome à estrada, assim como os Wickens, os Wallings, os Stulcs e todas as outras famílias que se assentaram originalmente na região. Apesar de amar o ofício de lecionar, Ed voltou para Montana com Pam, para assumir a propriedade.

O solo da fazenda era normalmente seco demais para o cultivo de grãos, e criar gado quase não dava lucro. Não havia como ficar rico, mas, ao longo dos anos, Ed aprendeu por conta própria e ensinou para os três filhos como “enriquecer com a paisagem”, afirmou ele. Agora, enquanto dirigia, ele assistia a neve derreter nas Montanhas Judith e os cúmulo-nimbos chegando do Canadá. Um rebanho de antílopes-americanos corria pela da pradaria, e um porco-espinho atravessava desajeitadamente a estrada diante dele.

“A coisa não mudou muito por aqui nos cem anos mais recentes”, afirmou ele, rumando para a colina que abriga o silo, localizada a poucos quilômetros de sua casa. O ressequido capim amarelo que cobre os 4 mil metros quadrados do governo se confunde com a paisagem do restante da fazenda dos Butchers, mas a Força Aérea instalou uma cerca de alambrado e um banheiro químico. Atrás da cerca, há alguns postes telefônicos, um pequeno círculo de concreto sobre o chão e uma tampa de bueiro metálica que dá acesso ao bunker. “Entrada proibida”, diz uma pequena placa. “Autorizado o uso de força letal.”

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Quando os militares construíram a plataforma de lançamento, durante a adolescência de Ed, ele considerava a instalação principalmente como uma potencial intrusão, um símbolo do exagero do governo, que ele qualificava como uma “insanidade da corrida nuclear armamentista”. Ele nasceu enquanto a guerra atômica surgia, e mesmo que o historiador que existe nele acreditasse que as bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram necessárias para pôr fim à 2.ª Guerra, ele esperava nunca mais voltar a testemunhar esse tipo de devastação durante sua vida. Quando era professor de faculdade, ele dirigia uma kombi com o símbolo da paz pintado na janela traseira, e Pam compareceu a um pequeno protesto contra os mísseis Minuteman diante de um prédio do governo federal na região rural da Dakota do Norte. Eles se mudaram para a fazenda achando que poderiam testemunhar dramas nucleares dos quais haviam escutado falar a respeito de outros silos: vazamentos de lixo tóxico, acidentes que quase causaram explosões, espiões russos ou grupos de freiras se acorrentando às cercas do silo em atos de protesto.

Mas, em vez disso, toda vez que Ed passou pelo silo para ver o que acontecia por lá, não se deparou com nada além do vento e da paisagem — e ocasionalmente com alguma vaca enroscada na cerca. A Força Aérea substituiu o míssil Minuteman original por um Minuteman II e depois por um Minuteman III. Equipes de soldados construíram estradas de terra melhores na fazenda dos Butchers. No inverno, os militares passam a máquina para retirar neve das vias. E empregaram eletricistas e empreiteiros do Condado de Fergus, que trabalharam no campo de lançamento principalmente na calada da noite e, até onde Ed pode dizer, nunca aconteceu nada de excepcional por lá. O míssil nunca foi lançado. O apocalipse nuclear nunca ocorreu. Depois de um tempo, o silo passou a parecer para Ed mais uma parte da paisagem, em vez de uma ameaça — como se fosse uma relíquia benigna da Guerra Fria. Eram 4 mil metros quadrados em meio a mais de 48 milhões de metros quadrados. Pelo menos era isso que Ed pensava até o fim de fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o presidente Vladimir Putin colocou suas armas nucleares em alerta máximo.

“Aposto que os satélites russos estão contando até quantos fios de cabelo ainda cobrem minha cabeça neste exato momento”, afirmou Ed.

Ele olhou para o céu e depois puxou a aba de seu chapéu para baixo, na direção dos olhos, deu as costas para o silo e voltou a conferir seu gado. “Eu gostava mais quando esse lugar parecia um pedaço da história”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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