Opinião|Volta de Donald Trump teria efeito devastador na relação entre China e América Latina


Outro mandato de Trump ocasionaria um escrutínio maior às relações da América Latina com a China; e incertezas em outras partes

Por Juan Gabriel Tokatlian

Se Donald Trump vencer em novembro, a América Latina deverá se preparar para mais uma ressurreição da Doutrina Monroe — com um impacto real sobre todos os campos, de investimentos e tecnologias às relações da região com a China.

A Doutrina Monroe foi declarada morta muitas vezes nos últimos 201 anos, desde que o quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, declarou que o Hemisfério Ocidental deveria ser livre de interesses de potências externas. A doutrina evoluiu e virou pretexto para a tutela dos EUA e as repetidas intervenções diplomáticas e militares de Washington na região, especialmente no século 20. Não se trata de uma ideia que em geral abre portas na América Latina de hoje, onde líderes de esquerda, centro e direita tendem a enfatizar cada vez mais a soberania nacional e o direito de determinar suas próprias alianças comerciais e diplomáticas.

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No entanto, Trump adotou explicitamente esse conceito ao longo de seu primeiro mandato. Em seu discurso de setembro de 2018 às Nações Unidas, ele declarou ao mundo: “Tem sido a política formal do nosso país desde o (ex-)presidente Monroe rejeitarmos a interferência de nações estrangeiras neste Hemisfério (Ocidental) e nos nossos interesses”. Seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu secretário de Estado, Rex Tillerson, também defendiam a doutrina, ainda que frivolamente.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa, em Nova York  Foto: Alex Brandon/AP

O que soava anacrônico para muitos ouvidos latino-americanos era na realidade bastante consistente com as políticas de Trump e sua visão de mundo em geral. Desde sua primeira campanha, ele só mencionava a América Latina como parte de uma “agenda negativa”: uma fonte destrutiva de instabilidade, tráfico de drogas, migração e criminalidade prejudicial para os EUA — e pouco relevante em termos econômicos.

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Trump também declarou que as ameaças críticas para os EUA não derivam de sua baixa competitividade econômica, crescente polarização, profundo descontentamento social, desigualdade acentuada e preocupante erosão social, mas que a principal causa das agruras domésticas era a China. Ele respondeu com ações intransigentes e coercivas sob a premissa de preservar a qualquer custo o poderio global (em erosão) de Washington — incluindo nas Américas.

O Trump de 2024 não parece ter mudado nenhuma vírgula dessa cartilha. E de fato o restante do Partido Republicano tem adotado cada vez mais suas narrativas e ideias. Dois competidores derrotados por Trump nas primárias republicanas, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário Vivek Ramaswany, evocaram assertivamente o valor da doutrina durante suas campanhas.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa por videoconferência de um evento da coalizão judaica republicana em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Steve Marcus/AP
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Em outubro de 2023, 11 legisladores republicanos apresentaram uma resolução ao Senado comemorando a promulgação da doutrina e reafirmando sua validade para “se opor a alguma potência estrangeira que amplie sua influência maligna” na América Latina. Dois meses depois, 19 legisladores republicanos apresentaram uma resolução idêntica à Câmara dos Deputados. A pré-candidata derrotada nas primárias, Nikki Haley, e vários legisladores republicanos de diferentes Estados propuseram enviar forças dos EUA para combater o crime organizado no México. Em agosto de 2023, Trump afirmou que o Canal do Panamá é controlado pela China: “Nós que construímos o Canal do Panamá, nós nunca deveríamos ter entregado (sua administração) para o Panamá”.

Em um ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs, Hal Brands sublinha que, mesmo comedidamente, uma versão atualizada da política “EUA em Primeiro Lugar” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E mais recentemente, num artigo (“Uma nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”) publicado em julho, o pesquisador James Jay Carafano, da Heritage Foundation, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”.

Tudo isso aprofundaria uma política anti-China iniciada no segundo mandato de Barack Obama com a estratégia pivô para a Ásia anunciada em 2011, intensificada pelo governo Trump e evidentemente reforçada pelo governo Biden. Um possível Trump 2 pode fortalecê-la ainda mais.

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Na realidade, há diversas maneiras pelas quais uma Doutrina Monroe renovada poderia tomar forma a partir de 2025. Além de assuntos de defesa, preocupações sobre o papel da China na América Latina poderiam se ampliar incluindo uma variedade de temas envolvendo tecnologia, investimento, comércio, drogas e diplomacia. Trump poderia muito bem apelar para uma política de intimidação com base em pressões, sanções e retaliações com objetivo de tentar persuadir governos a se afastar de Pequim — apesar de que, se a história recente puder servir de guia, Washington dificilmente ofereceria uma alternativa relevante em relação a investimentos ou ajuda com infraestrutura.

A pegada do Irã na região também deverá chamar mais atenção, especialmente em razão das alianças de longa data de Teerã com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Dado o abandono anterior de Trump ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, em seu primeiro mandato, o Irã poderá deixar de ser visto como um mero incômodo na região e passar a ser considerado “maligno” mais abertamente — um adversário a ser enfrentado com uma política mais contundente no Oriente Médio e na América Latina.

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O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um debate contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Gerald Herbert/AP

Mas as mudanças maiores poderão ocorrer no tratamento de Washington aos próprios governos latino-americanos. O último secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, em seu livro “A Sacred Oath” (Um juramento sagrado), pinta um quadro vívido da obsessão de Trump com México, Cuba e Venezuela. Por exemplo, ele propôs lançar mísseis ao México para aniquilar infraestruturas do narcotráfico, impor um bloqueio a Cuba e acionar as Forças Armadas contra a Venezuela. Um segundo mandato de Trump na Casa Branca pode muito bem prescindir das vozes mais racionais que evitaram ações mais precipitadas em sua primeira passagem. E com Nicolás Maduro continuando a apelar para violência e repressão para subjugar a oposição política na Venezuela, a tentação para intervir só pode crescer.

Finalmente, de acordo com o New York Times, os planos de Trump para imigração em 2025 incluem operações policiais generalizadas e deportações massivas. Os indivíduos mais afetados por esse prospecto de política brutal são os latino-americanos. Uma política linha-dura contra migrantes, incluindo acionamentos militares no Caribe, não deve ser descartada, nem um papel expandido do Comando Sul dos EUA no combate ao narcotráfico e ao crime organizado em grandes faixas da região.

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A Doutrina Monroe é uma ideia antiga. Mas ainda não foi jogada na lata de lixo da história. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Se Donald Trump vencer em novembro, a América Latina deverá se preparar para mais uma ressurreição da Doutrina Monroe — com um impacto real sobre todos os campos, de investimentos e tecnologias às relações da região com a China.

A Doutrina Monroe foi declarada morta muitas vezes nos últimos 201 anos, desde que o quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, declarou que o Hemisfério Ocidental deveria ser livre de interesses de potências externas. A doutrina evoluiu e virou pretexto para a tutela dos EUA e as repetidas intervenções diplomáticas e militares de Washington na região, especialmente no século 20. Não se trata de uma ideia que em geral abre portas na América Latina de hoje, onde líderes de esquerda, centro e direita tendem a enfatizar cada vez mais a soberania nacional e o direito de determinar suas próprias alianças comerciais e diplomáticas.

No entanto, Trump adotou explicitamente esse conceito ao longo de seu primeiro mandato. Em seu discurso de setembro de 2018 às Nações Unidas, ele declarou ao mundo: “Tem sido a política formal do nosso país desde o (ex-)presidente Monroe rejeitarmos a interferência de nações estrangeiras neste Hemisfério (Ocidental) e nos nossos interesses”. Seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu secretário de Estado, Rex Tillerson, também defendiam a doutrina, ainda que frivolamente.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa, em Nova York  Foto: Alex Brandon/AP

O que soava anacrônico para muitos ouvidos latino-americanos era na realidade bastante consistente com as políticas de Trump e sua visão de mundo em geral. Desde sua primeira campanha, ele só mencionava a América Latina como parte de uma “agenda negativa”: uma fonte destrutiva de instabilidade, tráfico de drogas, migração e criminalidade prejudicial para os EUA — e pouco relevante em termos econômicos.

Trump também declarou que as ameaças críticas para os EUA não derivam de sua baixa competitividade econômica, crescente polarização, profundo descontentamento social, desigualdade acentuada e preocupante erosão social, mas que a principal causa das agruras domésticas era a China. Ele respondeu com ações intransigentes e coercivas sob a premissa de preservar a qualquer custo o poderio global (em erosão) de Washington — incluindo nas Américas.

O Trump de 2024 não parece ter mudado nenhuma vírgula dessa cartilha. E de fato o restante do Partido Republicano tem adotado cada vez mais suas narrativas e ideias. Dois competidores derrotados por Trump nas primárias republicanas, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário Vivek Ramaswany, evocaram assertivamente o valor da doutrina durante suas campanhas.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa por videoconferência de um evento da coalizão judaica republicana em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Steve Marcus/AP

Em outubro de 2023, 11 legisladores republicanos apresentaram uma resolução ao Senado comemorando a promulgação da doutrina e reafirmando sua validade para “se opor a alguma potência estrangeira que amplie sua influência maligna” na América Latina. Dois meses depois, 19 legisladores republicanos apresentaram uma resolução idêntica à Câmara dos Deputados. A pré-candidata derrotada nas primárias, Nikki Haley, e vários legisladores republicanos de diferentes Estados propuseram enviar forças dos EUA para combater o crime organizado no México. Em agosto de 2023, Trump afirmou que o Canal do Panamá é controlado pela China: “Nós que construímos o Canal do Panamá, nós nunca deveríamos ter entregado (sua administração) para o Panamá”.

Em um ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs, Hal Brands sublinha que, mesmo comedidamente, uma versão atualizada da política “EUA em Primeiro Lugar” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E mais recentemente, num artigo (“Uma nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”) publicado em julho, o pesquisador James Jay Carafano, da Heritage Foundation, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”.

Tudo isso aprofundaria uma política anti-China iniciada no segundo mandato de Barack Obama com a estratégia pivô para a Ásia anunciada em 2011, intensificada pelo governo Trump e evidentemente reforçada pelo governo Biden. Um possível Trump 2 pode fortalecê-la ainda mais.

Na realidade, há diversas maneiras pelas quais uma Doutrina Monroe renovada poderia tomar forma a partir de 2025. Além de assuntos de defesa, preocupações sobre o papel da China na América Latina poderiam se ampliar incluindo uma variedade de temas envolvendo tecnologia, investimento, comércio, drogas e diplomacia. Trump poderia muito bem apelar para uma política de intimidação com base em pressões, sanções e retaliações com objetivo de tentar persuadir governos a se afastar de Pequim — apesar de que, se a história recente puder servir de guia, Washington dificilmente ofereceria uma alternativa relevante em relação a investimentos ou ajuda com infraestrutura.

A pegada do Irã na região também deverá chamar mais atenção, especialmente em razão das alianças de longa data de Teerã com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Dado o abandono anterior de Trump ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, em seu primeiro mandato, o Irã poderá deixar de ser visto como um mero incômodo na região e passar a ser considerado “maligno” mais abertamente — um adversário a ser enfrentado com uma política mais contundente no Oriente Médio e na América Latina.

O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um debate contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Gerald Herbert/AP

Mas as mudanças maiores poderão ocorrer no tratamento de Washington aos próprios governos latino-americanos. O último secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, em seu livro “A Sacred Oath” (Um juramento sagrado), pinta um quadro vívido da obsessão de Trump com México, Cuba e Venezuela. Por exemplo, ele propôs lançar mísseis ao México para aniquilar infraestruturas do narcotráfico, impor um bloqueio a Cuba e acionar as Forças Armadas contra a Venezuela. Um segundo mandato de Trump na Casa Branca pode muito bem prescindir das vozes mais racionais que evitaram ações mais precipitadas em sua primeira passagem. E com Nicolás Maduro continuando a apelar para violência e repressão para subjugar a oposição política na Venezuela, a tentação para intervir só pode crescer.

Finalmente, de acordo com o New York Times, os planos de Trump para imigração em 2025 incluem operações policiais generalizadas e deportações massivas. Os indivíduos mais afetados por esse prospecto de política brutal são os latino-americanos. Uma política linha-dura contra migrantes, incluindo acionamentos militares no Caribe, não deve ser descartada, nem um papel expandido do Comando Sul dos EUA no combate ao narcotráfico e ao crime organizado em grandes faixas da região.

A Doutrina Monroe é uma ideia antiga. Mas ainda não foi jogada na lata de lixo da história. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Se Donald Trump vencer em novembro, a América Latina deverá se preparar para mais uma ressurreição da Doutrina Monroe — com um impacto real sobre todos os campos, de investimentos e tecnologias às relações da região com a China.

A Doutrina Monroe foi declarada morta muitas vezes nos últimos 201 anos, desde que o quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, declarou que o Hemisfério Ocidental deveria ser livre de interesses de potências externas. A doutrina evoluiu e virou pretexto para a tutela dos EUA e as repetidas intervenções diplomáticas e militares de Washington na região, especialmente no século 20. Não se trata de uma ideia que em geral abre portas na América Latina de hoje, onde líderes de esquerda, centro e direita tendem a enfatizar cada vez mais a soberania nacional e o direito de determinar suas próprias alianças comerciais e diplomáticas.

No entanto, Trump adotou explicitamente esse conceito ao longo de seu primeiro mandato. Em seu discurso de setembro de 2018 às Nações Unidas, ele declarou ao mundo: “Tem sido a política formal do nosso país desde o (ex-)presidente Monroe rejeitarmos a interferência de nações estrangeiras neste Hemisfério (Ocidental) e nos nossos interesses”. Seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu secretário de Estado, Rex Tillerson, também defendiam a doutrina, ainda que frivolamente.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa, em Nova York  Foto: Alex Brandon/AP

O que soava anacrônico para muitos ouvidos latino-americanos era na realidade bastante consistente com as políticas de Trump e sua visão de mundo em geral. Desde sua primeira campanha, ele só mencionava a América Latina como parte de uma “agenda negativa”: uma fonte destrutiva de instabilidade, tráfico de drogas, migração e criminalidade prejudicial para os EUA — e pouco relevante em termos econômicos.

Trump também declarou que as ameaças críticas para os EUA não derivam de sua baixa competitividade econômica, crescente polarização, profundo descontentamento social, desigualdade acentuada e preocupante erosão social, mas que a principal causa das agruras domésticas era a China. Ele respondeu com ações intransigentes e coercivas sob a premissa de preservar a qualquer custo o poderio global (em erosão) de Washington — incluindo nas Américas.

O Trump de 2024 não parece ter mudado nenhuma vírgula dessa cartilha. E de fato o restante do Partido Republicano tem adotado cada vez mais suas narrativas e ideias. Dois competidores derrotados por Trump nas primárias republicanas, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário Vivek Ramaswany, evocaram assertivamente o valor da doutrina durante suas campanhas.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa por videoconferência de um evento da coalizão judaica republicana em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Steve Marcus/AP

Em outubro de 2023, 11 legisladores republicanos apresentaram uma resolução ao Senado comemorando a promulgação da doutrina e reafirmando sua validade para “se opor a alguma potência estrangeira que amplie sua influência maligna” na América Latina. Dois meses depois, 19 legisladores republicanos apresentaram uma resolução idêntica à Câmara dos Deputados. A pré-candidata derrotada nas primárias, Nikki Haley, e vários legisladores republicanos de diferentes Estados propuseram enviar forças dos EUA para combater o crime organizado no México. Em agosto de 2023, Trump afirmou que o Canal do Panamá é controlado pela China: “Nós que construímos o Canal do Panamá, nós nunca deveríamos ter entregado (sua administração) para o Panamá”.

Em um ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs, Hal Brands sublinha que, mesmo comedidamente, uma versão atualizada da política “EUA em Primeiro Lugar” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E mais recentemente, num artigo (“Uma nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”) publicado em julho, o pesquisador James Jay Carafano, da Heritage Foundation, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”.

Tudo isso aprofundaria uma política anti-China iniciada no segundo mandato de Barack Obama com a estratégia pivô para a Ásia anunciada em 2011, intensificada pelo governo Trump e evidentemente reforçada pelo governo Biden. Um possível Trump 2 pode fortalecê-la ainda mais.

Na realidade, há diversas maneiras pelas quais uma Doutrina Monroe renovada poderia tomar forma a partir de 2025. Além de assuntos de defesa, preocupações sobre o papel da China na América Latina poderiam se ampliar incluindo uma variedade de temas envolvendo tecnologia, investimento, comércio, drogas e diplomacia. Trump poderia muito bem apelar para uma política de intimidação com base em pressões, sanções e retaliações com objetivo de tentar persuadir governos a se afastar de Pequim — apesar de que, se a história recente puder servir de guia, Washington dificilmente ofereceria uma alternativa relevante em relação a investimentos ou ajuda com infraestrutura.

A pegada do Irã na região também deverá chamar mais atenção, especialmente em razão das alianças de longa data de Teerã com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Dado o abandono anterior de Trump ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, em seu primeiro mandato, o Irã poderá deixar de ser visto como um mero incômodo na região e passar a ser considerado “maligno” mais abertamente — um adversário a ser enfrentado com uma política mais contundente no Oriente Médio e na América Latina.

O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um debate contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Gerald Herbert/AP

Mas as mudanças maiores poderão ocorrer no tratamento de Washington aos próprios governos latino-americanos. O último secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, em seu livro “A Sacred Oath” (Um juramento sagrado), pinta um quadro vívido da obsessão de Trump com México, Cuba e Venezuela. Por exemplo, ele propôs lançar mísseis ao México para aniquilar infraestruturas do narcotráfico, impor um bloqueio a Cuba e acionar as Forças Armadas contra a Venezuela. Um segundo mandato de Trump na Casa Branca pode muito bem prescindir das vozes mais racionais que evitaram ações mais precipitadas em sua primeira passagem. E com Nicolás Maduro continuando a apelar para violência e repressão para subjugar a oposição política na Venezuela, a tentação para intervir só pode crescer.

Finalmente, de acordo com o New York Times, os planos de Trump para imigração em 2025 incluem operações policiais generalizadas e deportações massivas. Os indivíduos mais afetados por esse prospecto de política brutal são os latino-americanos. Uma política linha-dura contra migrantes, incluindo acionamentos militares no Caribe, não deve ser descartada, nem um papel expandido do Comando Sul dos EUA no combate ao narcotráfico e ao crime organizado em grandes faixas da região.

A Doutrina Monroe é uma ideia antiga. Mas ainda não foi jogada na lata de lixo da história. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Se Donald Trump vencer em novembro, a América Latina deverá se preparar para mais uma ressurreição da Doutrina Monroe — com um impacto real sobre todos os campos, de investimentos e tecnologias às relações da região com a China.

A Doutrina Monroe foi declarada morta muitas vezes nos últimos 201 anos, desde que o quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, declarou que o Hemisfério Ocidental deveria ser livre de interesses de potências externas. A doutrina evoluiu e virou pretexto para a tutela dos EUA e as repetidas intervenções diplomáticas e militares de Washington na região, especialmente no século 20. Não se trata de uma ideia que em geral abre portas na América Latina de hoje, onde líderes de esquerda, centro e direita tendem a enfatizar cada vez mais a soberania nacional e o direito de determinar suas próprias alianças comerciais e diplomáticas.

No entanto, Trump adotou explicitamente esse conceito ao longo de seu primeiro mandato. Em seu discurso de setembro de 2018 às Nações Unidas, ele declarou ao mundo: “Tem sido a política formal do nosso país desde o (ex-)presidente Monroe rejeitarmos a interferência de nações estrangeiras neste Hemisfério (Ocidental) e nos nossos interesses”. Seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu secretário de Estado, Rex Tillerson, também defendiam a doutrina, ainda que frivolamente.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa, em Nova York  Foto: Alex Brandon/AP

O que soava anacrônico para muitos ouvidos latino-americanos era na realidade bastante consistente com as políticas de Trump e sua visão de mundo em geral. Desde sua primeira campanha, ele só mencionava a América Latina como parte de uma “agenda negativa”: uma fonte destrutiva de instabilidade, tráfico de drogas, migração e criminalidade prejudicial para os EUA — e pouco relevante em termos econômicos.

Trump também declarou que as ameaças críticas para os EUA não derivam de sua baixa competitividade econômica, crescente polarização, profundo descontentamento social, desigualdade acentuada e preocupante erosão social, mas que a principal causa das agruras domésticas era a China. Ele respondeu com ações intransigentes e coercivas sob a premissa de preservar a qualquer custo o poderio global (em erosão) de Washington — incluindo nas Américas.

O Trump de 2024 não parece ter mudado nenhuma vírgula dessa cartilha. E de fato o restante do Partido Republicano tem adotado cada vez mais suas narrativas e ideias. Dois competidores derrotados por Trump nas primárias republicanas, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário Vivek Ramaswany, evocaram assertivamente o valor da doutrina durante suas campanhas.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa por videoconferência de um evento da coalizão judaica republicana em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Steve Marcus/AP

Em outubro de 2023, 11 legisladores republicanos apresentaram uma resolução ao Senado comemorando a promulgação da doutrina e reafirmando sua validade para “se opor a alguma potência estrangeira que amplie sua influência maligna” na América Latina. Dois meses depois, 19 legisladores republicanos apresentaram uma resolução idêntica à Câmara dos Deputados. A pré-candidata derrotada nas primárias, Nikki Haley, e vários legisladores republicanos de diferentes Estados propuseram enviar forças dos EUA para combater o crime organizado no México. Em agosto de 2023, Trump afirmou que o Canal do Panamá é controlado pela China: “Nós que construímos o Canal do Panamá, nós nunca deveríamos ter entregado (sua administração) para o Panamá”.

Em um ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs, Hal Brands sublinha que, mesmo comedidamente, uma versão atualizada da política “EUA em Primeiro Lugar” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E mais recentemente, num artigo (“Uma nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”) publicado em julho, o pesquisador James Jay Carafano, da Heritage Foundation, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”.

Tudo isso aprofundaria uma política anti-China iniciada no segundo mandato de Barack Obama com a estratégia pivô para a Ásia anunciada em 2011, intensificada pelo governo Trump e evidentemente reforçada pelo governo Biden. Um possível Trump 2 pode fortalecê-la ainda mais.

Na realidade, há diversas maneiras pelas quais uma Doutrina Monroe renovada poderia tomar forma a partir de 2025. Além de assuntos de defesa, preocupações sobre o papel da China na América Latina poderiam se ampliar incluindo uma variedade de temas envolvendo tecnologia, investimento, comércio, drogas e diplomacia. Trump poderia muito bem apelar para uma política de intimidação com base em pressões, sanções e retaliações com objetivo de tentar persuadir governos a se afastar de Pequim — apesar de que, se a história recente puder servir de guia, Washington dificilmente ofereceria uma alternativa relevante em relação a investimentos ou ajuda com infraestrutura.

A pegada do Irã na região também deverá chamar mais atenção, especialmente em razão das alianças de longa data de Teerã com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Dado o abandono anterior de Trump ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, em seu primeiro mandato, o Irã poderá deixar de ser visto como um mero incômodo na região e passar a ser considerado “maligno” mais abertamente — um adversário a ser enfrentado com uma política mais contundente no Oriente Médio e na América Latina.

O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um debate contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Gerald Herbert/AP

Mas as mudanças maiores poderão ocorrer no tratamento de Washington aos próprios governos latino-americanos. O último secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, em seu livro “A Sacred Oath” (Um juramento sagrado), pinta um quadro vívido da obsessão de Trump com México, Cuba e Venezuela. Por exemplo, ele propôs lançar mísseis ao México para aniquilar infraestruturas do narcotráfico, impor um bloqueio a Cuba e acionar as Forças Armadas contra a Venezuela. Um segundo mandato de Trump na Casa Branca pode muito bem prescindir das vozes mais racionais que evitaram ações mais precipitadas em sua primeira passagem. E com Nicolás Maduro continuando a apelar para violência e repressão para subjugar a oposição política na Venezuela, a tentação para intervir só pode crescer.

Finalmente, de acordo com o New York Times, os planos de Trump para imigração em 2025 incluem operações policiais generalizadas e deportações massivas. Os indivíduos mais afetados por esse prospecto de política brutal são os latino-americanos. Uma política linha-dura contra migrantes, incluindo acionamentos militares no Caribe, não deve ser descartada, nem um papel expandido do Comando Sul dos EUA no combate ao narcotráfico e ao crime organizado em grandes faixas da região.

A Doutrina Monroe é uma ideia antiga. Mas ainda não foi jogada na lata de lixo da história. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Se Donald Trump vencer em novembro, a América Latina deverá se preparar para mais uma ressurreição da Doutrina Monroe — com um impacto real sobre todos os campos, de investimentos e tecnologias às relações da região com a China.

A Doutrina Monroe foi declarada morta muitas vezes nos últimos 201 anos, desde que o quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, declarou que o Hemisfério Ocidental deveria ser livre de interesses de potências externas. A doutrina evoluiu e virou pretexto para a tutela dos EUA e as repetidas intervenções diplomáticas e militares de Washington na região, especialmente no século 20. Não se trata de uma ideia que em geral abre portas na América Latina de hoje, onde líderes de esquerda, centro e direita tendem a enfatizar cada vez mais a soberania nacional e o direito de determinar suas próprias alianças comerciais e diplomáticas.

No entanto, Trump adotou explicitamente esse conceito ao longo de seu primeiro mandato. Em seu discurso de setembro de 2018 às Nações Unidas, ele declarou ao mundo: “Tem sido a política formal do nosso país desde o (ex-)presidente Monroe rejeitarmos a interferência de nações estrangeiras neste Hemisfério (Ocidental) e nos nossos interesses”. Seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, e seu secretário de Estado, Rex Tillerson, também defendiam a doutrina, ainda que frivolamente.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa, em Nova York  Foto: Alex Brandon/AP

O que soava anacrônico para muitos ouvidos latino-americanos era na realidade bastante consistente com as políticas de Trump e sua visão de mundo em geral. Desde sua primeira campanha, ele só mencionava a América Latina como parte de uma “agenda negativa”: uma fonte destrutiva de instabilidade, tráfico de drogas, migração e criminalidade prejudicial para os EUA — e pouco relevante em termos econômicos.

Trump também declarou que as ameaças críticas para os EUA não derivam de sua baixa competitividade econômica, crescente polarização, profundo descontentamento social, desigualdade acentuada e preocupante erosão social, mas que a principal causa das agruras domésticas era a China. Ele respondeu com ações intransigentes e coercivas sob a premissa de preservar a qualquer custo o poderio global (em erosão) de Washington — incluindo nas Américas.

O Trump de 2024 não parece ter mudado nenhuma vírgula dessa cartilha. E de fato o restante do Partido Republicano tem adotado cada vez mais suas narrativas e ideias. Dois competidores derrotados por Trump nas primárias republicanas, o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário Vivek Ramaswany, evocaram assertivamente o valor da doutrina durante suas campanhas.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa por videoconferência de um evento da coalizão judaica republicana em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Steve Marcus/AP

Em outubro de 2023, 11 legisladores republicanos apresentaram uma resolução ao Senado comemorando a promulgação da doutrina e reafirmando sua validade para “se opor a alguma potência estrangeira que amplie sua influência maligna” na América Latina. Dois meses depois, 19 legisladores republicanos apresentaram uma resolução idêntica à Câmara dos Deputados. A pré-candidata derrotada nas primárias, Nikki Haley, e vários legisladores republicanos de diferentes Estados propuseram enviar forças dos EUA para combater o crime organizado no México. Em agosto de 2023, Trump afirmou que o Canal do Panamá é controlado pela China: “Nós que construímos o Canal do Panamá, nós nunca deveríamos ter entregado (sua administração) para o Panamá”.

Em um ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs, Hal Brands sublinha que, mesmo comedidamente, uma versão atualizada da política “EUA em Primeiro Lugar” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E mais recentemente, num artigo (“Uma nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”) publicado em julho, o pesquisador James Jay Carafano, da Heritage Foundation, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”.

Tudo isso aprofundaria uma política anti-China iniciada no segundo mandato de Barack Obama com a estratégia pivô para a Ásia anunciada em 2011, intensificada pelo governo Trump e evidentemente reforçada pelo governo Biden. Um possível Trump 2 pode fortalecê-la ainda mais.

Na realidade, há diversas maneiras pelas quais uma Doutrina Monroe renovada poderia tomar forma a partir de 2025. Além de assuntos de defesa, preocupações sobre o papel da China na América Latina poderiam se ampliar incluindo uma variedade de temas envolvendo tecnologia, investimento, comércio, drogas e diplomacia. Trump poderia muito bem apelar para uma política de intimidação com base em pressões, sanções e retaliações com objetivo de tentar persuadir governos a se afastar de Pequim — apesar de que, se a história recente puder servir de guia, Washington dificilmente ofereceria uma alternativa relevante em relação a investimentos ou ajuda com infraestrutura.

A pegada do Irã na região também deverá chamar mais atenção, especialmente em razão das alianças de longa data de Teerã com Venezuela, Cuba e Nicarágua. Dado o abandono anterior de Trump ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, em seu primeiro mandato, o Irã poderá deixar de ser visto como um mero incômodo na região e passar a ser considerado “maligno” mais abertamente — um adversário a ser enfrentado com uma política mais contundente no Oriente Médio e na América Latina.

O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um debate contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Gerald Herbert/AP

Mas as mudanças maiores poderão ocorrer no tratamento de Washington aos próprios governos latino-americanos. O último secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, em seu livro “A Sacred Oath” (Um juramento sagrado), pinta um quadro vívido da obsessão de Trump com México, Cuba e Venezuela. Por exemplo, ele propôs lançar mísseis ao México para aniquilar infraestruturas do narcotráfico, impor um bloqueio a Cuba e acionar as Forças Armadas contra a Venezuela. Um segundo mandato de Trump na Casa Branca pode muito bem prescindir das vozes mais racionais que evitaram ações mais precipitadas em sua primeira passagem. E com Nicolás Maduro continuando a apelar para violência e repressão para subjugar a oposição política na Venezuela, a tentação para intervir só pode crescer.

Finalmente, de acordo com o New York Times, os planos de Trump para imigração em 2025 incluem operações policiais generalizadas e deportações massivas. Os indivíduos mais afetados por esse prospecto de política brutal são os latino-americanos. Uma política linha-dura contra migrantes, incluindo acionamentos militares no Caribe, não deve ser descartada, nem um papel expandido do Comando Sul dos EUA no combate ao narcotráfico e ao crime organizado em grandes faixas da região.

A Doutrina Monroe é uma ideia antiga. Mas ainda não foi jogada na lata de lixo da história. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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