O líder da China, Xi Jinping, afirmou em um discurso aos comandantes militares chineses na semana passada que a modernização das Forças Armadas do país é uma das principais estratégias do governo nos próximos anos. A meta é que as Forças Armadas se modernizem até 2035 para se tornarem uma potência militar “capaz de lutar e vencer guerras” até 2049, disse Xi.
Nada representa melhor este objetivo chinês do que o lançamento do Fujian, o terceiro porta-aviões chinês. A embarcação, lançada em Xangai, em junho passado, é o navio de guerra mais avançado já construído na China e o terceiro maior porta-aviões da frota chinesa.
A intenção de Xi é elevar a defesa “aos padrões de nível mundial”, em um momento em que as tensões da China com os Estados Unidos e a ilha de Taiwan aumentam. Desde a ascensão de Xi ao comando das Forças Armadas, em 2012, os gastos militares do país praticamente dobraram, de R$ 746 bilhões em 2011 para R$ 1,4 trilhão em 2021.
Neste ano, a previsão no Orçamento da China para gastos militares chineses aumentou 7,2% com relação ao ano passado, o maior crescimento desde 2019. O objetivo de Xi é coerente com uma série de estratégias nacionais para integrar a economia civil e militar.
A meta é que as Forças Armadas se modernizem até 2035 para se tornarem uma potência militar “capaz de lutar e vencer guerras” até 2049, disse Xi em reuniões com a cúpula militar nos últimos anos.
Tecnologia de ponta
Com um sistema de lançamento de aeronaves eletromagnéticas, o Fujian representa um avanço significativo para a Marinha nacional por permitir que os aviões sejam implantados mais rapidamente. Ao contrário dos outros dois porta-aviões da frota, o Fujian foi projetado exclusivamente por engenheiros do país.
Nos últimos anos, o crescimento da China, tanto militar quanto econômico, passou a preocupar as autoridades dos Estados Unidos em virtude da maior presença da China na região Ásia-Pacífico, vista como estratégica pelos americanos desde a 2.ª Guerra.
“Os EUA estão muito preocupados porque a ascensão da China está transformando a ordem de segurança no Leste Asiático”, resumiu o analista político e professor associado da Universidade de Harvard, Robert Ross.
Entenda o avanço militar da China
Ascensão inevitável
A ascensão na região ficou evidente em 2014, quando a China ultrapassou os EUA em contingente militar naval e se tornou a maior marinha do mundo. Em paralelo, segundo a avaliação de Robert Ross, países asiáticos historicamente aliados dos americanos, como Coreia do Sul, Filipinas e Japão, passaram a ter uma relação mais equidistante para escapar das tensões entre as duas superpotências.
Desde a 2.ª Guerra, as alianças com esses países, que também contam com Austrália e Tailândia, são vistas como cruciais para a segurança e a influência americana.
“O sistema de alianças foi a pedra angular da segurança americana no Leste da Ásia desde a 2ª Guerra. Assim, os Estados Unidos resistem (ao aumento de influência da China); por outro lado, para a China, desafiar os EUA é essencial porque as bases americanas ao redor da China estão na Coréia do Sul, passando pelas Filipinas e Cingapura”, afirmou Ross. “Agora que a China é uma potência em ascensão, ela deseja reordenar o Leste Asiático para se tornar mais segura, o que torna mais fraca as alianças americanas e desafia a segurança naval americana”.
Atualmente, a China conta com um efetivo militar de 2 milhões de soldados, contra 247 mil do Japão, 163 mil de Taiwan, 599 mil da Coreia do Sul e 58 mil da Austrália. Os aliados americanos também contam com o apoio de 375 mil soldados dos EUA que estão no Indo-Pacífico, segundo o Comando Indo-Pacífico dos EUA.
Com as recentes declarações de Xi Jinping e um reposicionamento mais agressivo da diplomacia chinesa no último ano, as tensões têm aumentado. Um exemplo disso é o anúncio da parceria estratégica da China com a Rússia pouco antes da guerra na Ucrânia e aumentou as incursões militares no Estreito de Taiwan.
Os EUA acusam os chineses de ter a intenção de invadir a ilha, que fez parte da China até 1949, ano em que Mao Tsé-tung ascendeu ao poder com a Revolução Chinesa e destituiu o governo de duas décadas de Chiang Kai-shek, que se refugiou em Taiwan com aliados e declarou um governo autônomo com apoio americano.
Uma invasão da China em Taiwan significaria para os EUA o risco de perder ainda mais a influência e o domínio militar na região, além de um parceiro comercial importante na área dos semicondutores – crucial na corrida tecnológica das duas superpotências – e outras áreas importantes.
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No ano passado, com uma política mais ofensiva no estreito, os EUA reafirmaram o compromisso de defender a ilha, estabelecido desde o início do governo autônomo. Por outro lado, a China não deixa de considerar Taiwan uma província rebelde e acusa os EUA de tentar isolá-los com a ajuda da ilha para impedir seu desenvolvimento. Por isso, uma invasão significaria pôr as duas superpotências no centro do conflito.
Modernização militar da China
Os investimentos no campo militar da China levaram o país a ter o segundo maior gasto do mundo com sua defesa, atrás apenas dos EUA, que gastaram R$ 4 trilhões em 2021, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri). Os chineses ainda estão atrás de outros países em capacidades militares, mas deve ultrapassá-los entre 2035 e 2049 se seguirem o atual ritmo de crescimento.
Apesar da Marinha chinesa ter ultrapassado os EUA em números, por exemplo, os americanos ainda possuem uma capacidade naval maior, com 11 porta-aviões contra 3 da China e mais submarinos, cruzadores e destróieres. A longo prazo, no entanto, os chineses têm mais capacidade de investir. “A Marinha chinesa tem condições de crescer em um ritmo muito mais acelerado do que o dos EUA, que está em uma situação econômica mais desfavorável hoje”, disse Robert Ross.
Um relatório do Departamento de Defesa dos EUA indica que a modernização militar chinesa também almeja um novo tipo de guerra, baseado em identificar as fraquezas nos sistemas adversários e lançar ataques precisos, que podem ser físicos ou de outra ordem, para atingi-los. “Basicamente, é uma maneira de eles pensarem em procurar domínios para identificar vulnerabilidades no sistema de um adversário e, em seguida, explorá-las para causar o colapso”, afirmam as autoridades americanas.
A modernização também passa pelo desenvolvimento conjunto das capacidades nucleares, espaciais, cibernéticas, de guerra eletrônica e contraespaciais da China. O orçamento com o desenvolvimento destas outras áreas, no entanto, não estão incluídas nos US$ 270 milhões reservados para a Defesa, segundo o próprio governo chinês, e indicam um investimento total muito superior e desconhecido.
Segundo o Departamento de Defesa dos EUA, a China possui um estoque de mais de 400 ogivas nucleares operacionais e, se o ritmo atual continuar, pode chegar a 1,5 mil até 2035. A China ainda está muito abaixo do estoque dos EUA de 5.550 ogivas, mas o acúmulo nuclear é visto como uma das maiores ameaças à supremacia militar ocidental.
A China desenvolve mísseis hipersônicos com capacidade de viajar cinco vezes mais rápidos que a velocidade do som. São mísseis inferiores aos mísseis balísticos intercontinentais, mas são tão difíceis de detectar em voo que algumas defesas aéreas podem se tornar inúteis.
Em 2021, a China lançou aproximadamente 135 mísseis balísticos para teste e treinamento, segundo o relatório da Defesa americana. Isso representa mais do que o resto do mundo somado, excluindo o uso de mísseis balísticos em zonas de conflito. Entre os mísseis mais poderosos, estão alguns que podem viajar mais de 13 mil quilômetros até o alvo.
As modernizações nas diversas áreas são coerentes com o discurso de Xi Jinping no dia 8, divulgado pela mídia estatal chinesa. Segundo Xi, a China “precisa aderir à liderança centralizada e unificada do Comitê Central do Partido (Comunista Chinês) e fortalecer a integração estratégica das diversas partes, dos recursos estratégicos e das forças estratégias em vários campos, aumentando sistematicamente a força geral do país para lidar com riscos, salvaguardar interesses e alcançar objetivos”.
A imprensa oficial chinesa, porta-voz do governo, atribui o aumento nos gastos de defesa destes países, assim como na China, à guerra na Ucrânia. Eles citam o aumento nos gastos de defesa de outros países ocidentais, como Reino Unido e Alemanha, baseados no relatório do think tank britânico Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, que indica um aumento de 9,2% dos gastos militares globais no ano passado com relação a 2021, atingindo US$ 15,1 trilhão.