Xi Jinping não admite dúvidas sobre política de zero-covid na China


Enquanto o lockdown de Xangai e os surtos em Pequim e outros lugares prejudicam a economia, o líder da China mantém distância da questão carregada de implicações políticas

Por Chris Buckley

O líder da China, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com vigor. Fez reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas houve uma lacuna reveladora no movimentado itinerário de Xi no mês passado, expondo a situação que a covid está criando em um ano politicamente crucial, quando o líder chinês pretende estender seu poder: ele se limitou aos bastidores quando o assunto era o maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

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Ao longo do mês de abril, Xi não fez discursos públicos sobre os surtos na China, enquanto sua maior cidade, Xangai, era fechada para tentar conter as infecções. Pouco depois, Pequim entrou em alerta após uma explosão de casos. Xi tampouco se dirigiu diretamente aos 25 milhões de habitantes de Xangai que receberam ordens de isolamento por semanas, apesar de suas queixas de comida escassa, hospitais sobrecarregados e regras de quarentena confusas.

Enfrentando resistência interna, Xi Jinping mantém apoio a política de tolerância zero ao covid.  Foto: Huang Jingwen/Xinhua via AP

“Ele quer deliberadamente manter certa distância em relação a Xangai”, disse Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora vive nos Estados Unidos. “Sem dúvida, está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que ele não quer ser arrastado para a bagunça de Xangai”.

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Em vez disso, as ordens de Xi vêm sendo passadas por subordinados ou atas de reuniões, que reforçam sua exigência de manter uma meta de “covid zero dinâmico”: em essência, garantir que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de pessoas, por meio de testes em massa e rigorosos protocolos de isolamento de infecções ou contatos próximos. Na sexta-feira, o Politburo do Partido Comunista - um conselho de 25 líderes, entre os quais o próprio Xi - renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da covid e da guerra na Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e autoridade de Xi meses antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer garantir que o governo seja dominado por autoridades que irão defendê-lo e fazer cumprir sua agenda.

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Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia de covid zero vinha sendo uma conquista marcante: uma promessa eficaz e, em geral, popular (ainda que dispendiosa) de que a China evitaria doenças e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista minimizaram o vírus no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia enquanto os Estados Unidos sofriam com quase 1 milhão de mortes por covid-19.

Agora não existe jeito fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi está tão empenhada em mostrar que a China pode lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a introdução de vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas no exterior, as quais geralmente são mais eficazes do que as vacinas chinesas. A vacinação dos idosos na China também ficou para trás.

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Sem as defesas necessárias, o país pode enfrentar casos crescentes que, mesmo com a menor virulência da Ômicron, podem sobrecarregar os hospitais, alertam autoridades. Mas, se os surtos de Ômicron continuarem ocasionando medidas que fecham cidades inteiras, o objetivo da China de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa, sem fim à vista.

Profissional de saúde é fotografado em durante lockdown no distrito de Jing'an, em Xangai. Foto: Hector Retamal/ AFP

“Esta política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar do povo chinês em primeiro lugar”, disse Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda a política e a sociedade chinesas. “Mas está virando uma história muito mais difícil para Xi Jinping contar”.

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Os fechamentos, as exigências de verificações e a vigilância constante, especialmente em Xangai, provocaram frustração pública, esgotaram as autoridades e os profissionais da saúde locais e minaram o ímpeto econômico.

Os chineses já vinham se queixando de restrições draconianas sob os lockdowns anteriores, mas desta vez há mais críticos e mais ousados, entre eles economistas e executivos argumentando que a política de covid zero se tornou insustentável diante da nova variante.

“A covid não é a única doença que ameaça a vida da população”, escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, uma grande empresa de viagens chinesa, em um artigo recente no Chinese Enterprise News. “Sacrificar tudo em prol de medidas extremas de ‘choque’ não é a vitória de que realmente precisamos”.

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Moradora de Xangai adere a panelaço contra o lockdown na sexta-feira, 29. Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

Ainda é extremamente improvável que as turbulências inesperadas de 2022 - além do posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia - impeçam um terceiro mandato de Xi. Ele é o líder mais poderoso da China em décadas, e a ira em Xangai não mostra sinais de que irá se transformar em um questionamento ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

“Estávamos fazendo testes de ácido nucleico todos os dias, então não acho que a vida tenha mudado com o surto em Pequim nos últimos dias”, disse Zhou Yunhong, açougueiro de carne suína em um mercado de alimentos frescos de Pequim, que disse que o testes diários vinham ocorrendo desde janeiro.

“Não estou preocupado com o surto de Pequim”, disse Li Kun, vendedor de ovos no mesmo mercado. “Aqui é a capital. Como eles podem deixar pessoas comuns daqui com fome?”

Mas os prolongados danos econômicos e as tensões sociais de longas paralisações podem minar o poder de Xi em atrair o apoio da elite para suas escolhas no próximo mandato, disse Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda política chinesa. Xi provavelmente continuará dominante, não importa o que aconteça, mas o domínio pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes.

“A diferença em relação à política de covid zero é que agora os custos estão visíveis”, disse o professor Pei. “Não dá para passar por cima deles”.

Entregadores coletam pedidos em um banco do lado de fora de um shopping nesta segunda-feira, 2, em Pequim, após proibição de atendimento presencial durante feriado. Foto: AP Photo/Ng Han Guan

Xi parecia em apuros mesmo antes da crise de Xangai. Autoridades recentemente sugeriram que criticar a política de covid equivale a deslealdade a Xi e caracterizaram a eliminação de casos como “um dever político que tem precedência sobre todo o resto”.

“Incontáveis fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa quando mostramos o espírito de bravos guerreiros derrotando nossos inimigos cara a cara, ousando lutar, dominando a luta”, disse Xi aos funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, Xi prometeu impulsionar o crescimento da China com um influxo de gastos com infraestrutura e, na sexta-feira, o Politburo disse que o governo estabilizará a economia ao mesmo tempo em que extingue os casos de covid.

“Persistir com a política de covid zero, protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, reduzindo ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social”, dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de curar. A incerteza crônica sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir em negócios prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas.

Policiais fazem posto de controle em rua durante lockdown em Xangai nesta segunda-feira. Foto: Hector Retamal/ AFP

A solução, argumentam eles, é acelerar a aplicação de mais vacinas e tratamentos e garantir que os idosos e outros grupos vulneráveis sejam vacinados - permitindo mais flexibilidade diante dos surtos de infecções.

“A política de covid zero que estamos aplicando está cada vez mais cara e cada vez mais ineficaz”, disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em um discurso no mês passado que foi amplamente compartilhado nas redes sociais chinesas.

“Depois que mais e mais pessoas entenderem que os custos econômicos são altos demais e insustentáveis, a mudança virá mais fácil”, disse Lu em entrevista por telefone. Afrouxar a política de covid zero pode ser mais difícil em termos políticos do que alguns críticos supõem.

Xi fez das relativamente poucas mortes por covid na China - quase 5 mil, sobretudo nos primeiros meses da pandemia - um núcleo de seu argumento de que o governo do Partido Comunista é mais eficaz do que qualquer democracia liberal.

Mas pouco mais da metade dos chineses com 80 anos ou mais tomou duas doses das vacinas e menos de 20% das pessoas nessa faixa etária receberam a dose de reforço, disse Zeng Yixin, vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde, no mês passado.

Pessoas usando máscaras faciais aproveitam o clima ao ar livre em um parque durante feriado do Dia do Trabalho em Pequim. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Dependendo da taxa de mortalidade usada nos cálculos, as mortes por uma disseminação irrestrita de Ômicron na China poderiam estar entre 100 mil e 840 mil, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Council on Foreign Relations. Mesmo mortes em menor escala poderiam inflamar a ira da população.

“Eles não querem viver com o vírus, mas precisam viver com as políticas que têm”, disse Huang em entrevista por telefone. “É um verdadeiro dilema”.

Xi parece estar apostando que conseguirá derrotar as infecções em Xangai e manter a China na política de covid zero até depois do congresso do partido, quando alguma flexibilização poderá ser possível. Por enquanto, as autoridades estão cobrindo Xi de uma propaganda efusiva.

Durante uma recente visita à Universidade Renmin em Pequim, a televisão estatal chinesa concentrou as atenções nas centenas de estudantes aplaudindo. Antes de anunciar que Xi seria um de seus delegados no congresso do partido, a região de Guangxi, no sul da China, divulgou relatórios de que os aldeões estavam recebendo pequenos livros vermelhos dos pensamentos de Xi - um eco do “livrinho vermelho” de Mao Tsé-Tung.

“Com Xi Jinping no comando, ele aumentará ainda mais o poder majestoso desta era”, dizia o relatório da agência de notícias estatal Xinhua sobre a escolha de Xi. Não houve menção à covid. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O líder da China, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com vigor. Fez reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas houve uma lacuna reveladora no movimentado itinerário de Xi no mês passado, expondo a situação que a covid está criando em um ano politicamente crucial, quando o líder chinês pretende estender seu poder: ele se limitou aos bastidores quando o assunto era o maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

Ao longo do mês de abril, Xi não fez discursos públicos sobre os surtos na China, enquanto sua maior cidade, Xangai, era fechada para tentar conter as infecções. Pouco depois, Pequim entrou em alerta após uma explosão de casos. Xi tampouco se dirigiu diretamente aos 25 milhões de habitantes de Xangai que receberam ordens de isolamento por semanas, apesar de suas queixas de comida escassa, hospitais sobrecarregados e regras de quarentena confusas.

Enfrentando resistência interna, Xi Jinping mantém apoio a política de tolerância zero ao covid.  Foto: Huang Jingwen/Xinhua via AP

“Ele quer deliberadamente manter certa distância em relação a Xangai”, disse Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora vive nos Estados Unidos. “Sem dúvida, está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que ele não quer ser arrastado para a bagunça de Xangai”.

Em vez disso, as ordens de Xi vêm sendo passadas por subordinados ou atas de reuniões, que reforçam sua exigência de manter uma meta de “covid zero dinâmico”: em essência, garantir que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de pessoas, por meio de testes em massa e rigorosos protocolos de isolamento de infecções ou contatos próximos. Na sexta-feira, o Politburo do Partido Comunista - um conselho de 25 líderes, entre os quais o próprio Xi - renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da covid e da guerra na Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e autoridade de Xi meses antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer garantir que o governo seja dominado por autoridades que irão defendê-lo e fazer cumprir sua agenda.

Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia de covid zero vinha sendo uma conquista marcante: uma promessa eficaz e, em geral, popular (ainda que dispendiosa) de que a China evitaria doenças e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista minimizaram o vírus no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia enquanto os Estados Unidos sofriam com quase 1 milhão de mortes por covid-19.

Agora não existe jeito fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi está tão empenhada em mostrar que a China pode lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a introdução de vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas no exterior, as quais geralmente são mais eficazes do que as vacinas chinesas. A vacinação dos idosos na China também ficou para trás.

Sem as defesas necessárias, o país pode enfrentar casos crescentes que, mesmo com a menor virulência da Ômicron, podem sobrecarregar os hospitais, alertam autoridades. Mas, se os surtos de Ômicron continuarem ocasionando medidas que fecham cidades inteiras, o objetivo da China de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa, sem fim à vista.

Profissional de saúde é fotografado em durante lockdown no distrito de Jing'an, em Xangai. Foto: Hector Retamal/ AFP

“Esta política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar do povo chinês em primeiro lugar”, disse Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda a política e a sociedade chinesas. “Mas está virando uma história muito mais difícil para Xi Jinping contar”.

Os fechamentos, as exigências de verificações e a vigilância constante, especialmente em Xangai, provocaram frustração pública, esgotaram as autoridades e os profissionais da saúde locais e minaram o ímpeto econômico.

Os chineses já vinham se queixando de restrições draconianas sob os lockdowns anteriores, mas desta vez há mais críticos e mais ousados, entre eles economistas e executivos argumentando que a política de covid zero se tornou insustentável diante da nova variante.

“A covid não é a única doença que ameaça a vida da população”, escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, uma grande empresa de viagens chinesa, em um artigo recente no Chinese Enterprise News. “Sacrificar tudo em prol de medidas extremas de ‘choque’ não é a vitória de que realmente precisamos”.

Moradora de Xangai adere a panelaço contra o lockdown na sexta-feira, 29. Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

Ainda é extremamente improvável que as turbulências inesperadas de 2022 - além do posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia - impeçam um terceiro mandato de Xi. Ele é o líder mais poderoso da China em décadas, e a ira em Xangai não mostra sinais de que irá se transformar em um questionamento ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

“Estávamos fazendo testes de ácido nucleico todos os dias, então não acho que a vida tenha mudado com o surto em Pequim nos últimos dias”, disse Zhou Yunhong, açougueiro de carne suína em um mercado de alimentos frescos de Pequim, que disse que o testes diários vinham ocorrendo desde janeiro.

“Não estou preocupado com o surto de Pequim”, disse Li Kun, vendedor de ovos no mesmo mercado. “Aqui é a capital. Como eles podem deixar pessoas comuns daqui com fome?”

Mas os prolongados danos econômicos e as tensões sociais de longas paralisações podem minar o poder de Xi em atrair o apoio da elite para suas escolhas no próximo mandato, disse Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda política chinesa. Xi provavelmente continuará dominante, não importa o que aconteça, mas o domínio pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes.

“A diferença em relação à política de covid zero é que agora os custos estão visíveis”, disse o professor Pei. “Não dá para passar por cima deles”.

Entregadores coletam pedidos em um banco do lado de fora de um shopping nesta segunda-feira, 2, em Pequim, após proibição de atendimento presencial durante feriado. Foto: AP Photo/Ng Han Guan

Xi parecia em apuros mesmo antes da crise de Xangai. Autoridades recentemente sugeriram que criticar a política de covid equivale a deslealdade a Xi e caracterizaram a eliminação de casos como “um dever político que tem precedência sobre todo o resto”.

“Incontáveis fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa quando mostramos o espírito de bravos guerreiros derrotando nossos inimigos cara a cara, ousando lutar, dominando a luta”, disse Xi aos funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, Xi prometeu impulsionar o crescimento da China com um influxo de gastos com infraestrutura e, na sexta-feira, o Politburo disse que o governo estabilizará a economia ao mesmo tempo em que extingue os casos de covid.

“Persistir com a política de covid zero, protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, reduzindo ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social”, dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de curar. A incerteza crônica sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir em negócios prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas.

Policiais fazem posto de controle em rua durante lockdown em Xangai nesta segunda-feira. Foto: Hector Retamal/ AFP

A solução, argumentam eles, é acelerar a aplicação de mais vacinas e tratamentos e garantir que os idosos e outros grupos vulneráveis sejam vacinados - permitindo mais flexibilidade diante dos surtos de infecções.

“A política de covid zero que estamos aplicando está cada vez mais cara e cada vez mais ineficaz”, disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em um discurso no mês passado que foi amplamente compartilhado nas redes sociais chinesas.

“Depois que mais e mais pessoas entenderem que os custos econômicos são altos demais e insustentáveis, a mudança virá mais fácil”, disse Lu em entrevista por telefone. Afrouxar a política de covid zero pode ser mais difícil em termos políticos do que alguns críticos supõem.

Xi fez das relativamente poucas mortes por covid na China - quase 5 mil, sobretudo nos primeiros meses da pandemia - um núcleo de seu argumento de que o governo do Partido Comunista é mais eficaz do que qualquer democracia liberal.

Mas pouco mais da metade dos chineses com 80 anos ou mais tomou duas doses das vacinas e menos de 20% das pessoas nessa faixa etária receberam a dose de reforço, disse Zeng Yixin, vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde, no mês passado.

Pessoas usando máscaras faciais aproveitam o clima ao ar livre em um parque durante feriado do Dia do Trabalho em Pequim. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Dependendo da taxa de mortalidade usada nos cálculos, as mortes por uma disseminação irrestrita de Ômicron na China poderiam estar entre 100 mil e 840 mil, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Council on Foreign Relations. Mesmo mortes em menor escala poderiam inflamar a ira da população.

“Eles não querem viver com o vírus, mas precisam viver com as políticas que têm”, disse Huang em entrevista por telefone. “É um verdadeiro dilema”.

Xi parece estar apostando que conseguirá derrotar as infecções em Xangai e manter a China na política de covid zero até depois do congresso do partido, quando alguma flexibilização poderá ser possível. Por enquanto, as autoridades estão cobrindo Xi de uma propaganda efusiva.

Durante uma recente visita à Universidade Renmin em Pequim, a televisão estatal chinesa concentrou as atenções nas centenas de estudantes aplaudindo. Antes de anunciar que Xi seria um de seus delegados no congresso do partido, a região de Guangxi, no sul da China, divulgou relatórios de que os aldeões estavam recebendo pequenos livros vermelhos dos pensamentos de Xi - um eco do “livrinho vermelho” de Mao Tsé-Tung.

“Com Xi Jinping no comando, ele aumentará ainda mais o poder majestoso desta era”, dizia o relatório da agência de notícias estatal Xinhua sobre a escolha de Xi. Não houve menção à covid. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O líder da China, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com vigor. Fez reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas houve uma lacuna reveladora no movimentado itinerário de Xi no mês passado, expondo a situação que a covid está criando em um ano politicamente crucial, quando o líder chinês pretende estender seu poder: ele se limitou aos bastidores quando o assunto era o maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

Ao longo do mês de abril, Xi não fez discursos públicos sobre os surtos na China, enquanto sua maior cidade, Xangai, era fechada para tentar conter as infecções. Pouco depois, Pequim entrou em alerta após uma explosão de casos. Xi tampouco se dirigiu diretamente aos 25 milhões de habitantes de Xangai que receberam ordens de isolamento por semanas, apesar de suas queixas de comida escassa, hospitais sobrecarregados e regras de quarentena confusas.

Enfrentando resistência interna, Xi Jinping mantém apoio a política de tolerância zero ao covid.  Foto: Huang Jingwen/Xinhua via AP

“Ele quer deliberadamente manter certa distância em relação a Xangai”, disse Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora vive nos Estados Unidos. “Sem dúvida, está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que ele não quer ser arrastado para a bagunça de Xangai”.

Em vez disso, as ordens de Xi vêm sendo passadas por subordinados ou atas de reuniões, que reforçam sua exigência de manter uma meta de “covid zero dinâmico”: em essência, garantir que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de pessoas, por meio de testes em massa e rigorosos protocolos de isolamento de infecções ou contatos próximos. Na sexta-feira, o Politburo do Partido Comunista - um conselho de 25 líderes, entre os quais o próprio Xi - renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da covid e da guerra na Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e autoridade de Xi meses antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer garantir que o governo seja dominado por autoridades que irão defendê-lo e fazer cumprir sua agenda.

Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia de covid zero vinha sendo uma conquista marcante: uma promessa eficaz e, em geral, popular (ainda que dispendiosa) de que a China evitaria doenças e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista minimizaram o vírus no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia enquanto os Estados Unidos sofriam com quase 1 milhão de mortes por covid-19.

Agora não existe jeito fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi está tão empenhada em mostrar que a China pode lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a introdução de vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas no exterior, as quais geralmente são mais eficazes do que as vacinas chinesas. A vacinação dos idosos na China também ficou para trás.

Sem as defesas necessárias, o país pode enfrentar casos crescentes que, mesmo com a menor virulência da Ômicron, podem sobrecarregar os hospitais, alertam autoridades. Mas, se os surtos de Ômicron continuarem ocasionando medidas que fecham cidades inteiras, o objetivo da China de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa, sem fim à vista.

Profissional de saúde é fotografado em durante lockdown no distrito de Jing'an, em Xangai. Foto: Hector Retamal/ AFP

“Esta política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar do povo chinês em primeiro lugar”, disse Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda a política e a sociedade chinesas. “Mas está virando uma história muito mais difícil para Xi Jinping contar”.

Os fechamentos, as exigências de verificações e a vigilância constante, especialmente em Xangai, provocaram frustração pública, esgotaram as autoridades e os profissionais da saúde locais e minaram o ímpeto econômico.

Os chineses já vinham se queixando de restrições draconianas sob os lockdowns anteriores, mas desta vez há mais críticos e mais ousados, entre eles economistas e executivos argumentando que a política de covid zero se tornou insustentável diante da nova variante.

“A covid não é a única doença que ameaça a vida da população”, escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, uma grande empresa de viagens chinesa, em um artigo recente no Chinese Enterprise News. “Sacrificar tudo em prol de medidas extremas de ‘choque’ não é a vitória de que realmente precisamos”.

Moradora de Xangai adere a panelaço contra o lockdown na sexta-feira, 29. Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

Ainda é extremamente improvável que as turbulências inesperadas de 2022 - além do posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia - impeçam um terceiro mandato de Xi. Ele é o líder mais poderoso da China em décadas, e a ira em Xangai não mostra sinais de que irá se transformar em um questionamento ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

“Estávamos fazendo testes de ácido nucleico todos os dias, então não acho que a vida tenha mudado com o surto em Pequim nos últimos dias”, disse Zhou Yunhong, açougueiro de carne suína em um mercado de alimentos frescos de Pequim, que disse que o testes diários vinham ocorrendo desde janeiro.

“Não estou preocupado com o surto de Pequim”, disse Li Kun, vendedor de ovos no mesmo mercado. “Aqui é a capital. Como eles podem deixar pessoas comuns daqui com fome?”

Mas os prolongados danos econômicos e as tensões sociais de longas paralisações podem minar o poder de Xi em atrair o apoio da elite para suas escolhas no próximo mandato, disse Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda política chinesa. Xi provavelmente continuará dominante, não importa o que aconteça, mas o domínio pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes.

“A diferença em relação à política de covid zero é que agora os custos estão visíveis”, disse o professor Pei. “Não dá para passar por cima deles”.

Entregadores coletam pedidos em um banco do lado de fora de um shopping nesta segunda-feira, 2, em Pequim, após proibição de atendimento presencial durante feriado. Foto: AP Photo/Ng Han Guan

Xi parecia em apuros mesmo antes da crise de Xangai. Autoridades recentemente sugeriram que criticar a política de covid equivale a deslealdade a Xi e caracterizaram a eliminação de casos como “um dever político que tem precedência sobre todo o resto”.

“Incontáveis fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa quando mostramos o espírito de bravos guerreiros derrotando nossos inimigos cara a cara, ousando lutar, dominando a luta”, disse Xi aos funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, Xi prometeu impulsionar o crescimento da China com um influxo de gastos com infraestrutura e, na sexta-feira, o Politburo disse que o governo estabilizará a economia ao mesmo tempo em que extingue os casos de covid.

“Persistir com a política de covid zero, protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, reduzindo ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social”, dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de curar. A incerteza crônica sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir em negócios prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas.

Policiais fazem posto de controle em rua durante lockdown em Xangai nesta segunda-feira. Foto: Hector Retamal/ AFP

A solução, argumentam eles, é acelerar a aplicação de mais vacinas e tratamentos e garantir que os idosos e outros grupos vulneráveis sejam vacinados - permitindo mais flexibilidade diante dos surtos de infecções.

“A política de covid zero que estamos aplicando está cada vez mais cara e cada vez mais ineficaz”, disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em um discurso no mês passado que foi amplamente compartilhado nas redes sociais chinesas.

“Depois que mais e mais pessoas entenderem que os custos econômicos são altos demais e insustentáveis, a mudança virá mais fácil”, disse Lu em entrevista por telefone. Afrouxar a política de covid zero pode ser mais difícil em termos políticos do que alguns críticos supõem.

Xi fez das relativamente poucas mortes por covid na China - quase 5 mil, sobretudo nos primeiros meses da pandemia - um núcleo de seu argumento de que o governo do Partido Comunista é mais eficaz do que qualquer democracia liberal.

Mas pouco mais da metade dos chineses com 80 anos ou mais tomou duas doses das vacinas e menos de 20% das pessoas nessa faixa etária receberam a dose de reforço, disse Zeng Yixin, vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde, no mês passado.

Pessoas usando máscaras faciais aproveitam o clima ao ar livre em um parque durante feriado do Dia do Trabalho em Pequim. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Dependendo da taxa de mortalidade usada nos cálculos, as mortes por uma disseminação irrestrita de Ômicron na China poderiam estar entre 100 mil e 840 mil, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Council on Foreign Relations. Mesmo mortes em menor escala poderiam inflamar a ira da população.

“Eles não querem viver com o vírus, mas precisam viver com as políticas que têm”, disse Huang em entrevista por telefone. “É um verdadeiro dilema”.

Xi parece estar apostando que conseguirá derrotar as infecções em Xangai e manter a China na política de covid zero até depois do congresso do partido, quando alguma flexibilização poderá ser possível. Por enquanto, as autoridades estão cobrindo Xi de uma propaganda efusiva.

Durante uma recente visita à Universidade Renmin em Pequim, a televisão estatal chinesa concentrou as atenções nas centenas de estudantes aplaudindo. Antes de anunciar que Xi seria um de seus delegados no congresso do partido, a região de Guangxi, no sul da China, divulgou relatórios de que os aldeões estavam recebendo pequenos livros vermelhos dos pensamentos de Xi - um eco do “livrinho vermelho” de Mao Tsé-Tung.

“Com Xi Jinping no comando, ele aumentará ainda mais o poder majestoso desta era”, dizia o relatório da agência de notícias estatal Xinhua sobre a escolha de Xi. Não houve menção à covid. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O líder da China, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com vigor. Fez reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas houve uma lacuna reveladora no movimentado itinerário de Xi no mês passado, expondo a situação que a covid está criando em um ano politicamente crucial, quando o líder chinês pretende estender seu poder: ele se limitou aos bastidores quando o assunto era o maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

Ao longo do mês de abril, Xi não fez discursos públicos sobre os surtos na China, enquanto sua maior cidade, Xangai, era fechada para tentar conter as infecções. Pouco depois, Pequim entrou em alerta após uma explosão de casos. Xi tampouco se dirigiu diretamente aos 25 milhões de habitantes de Xangai que receberam ordens de isolamento por semanas, apesar de suas queixas de comida escassa, hospitais sobrecarregados e regras de quarentena confusas.

Enfrentando resistência interna, Xi Jinping mantém apoio a política de tolerância zero ao covid.  Foto: Huang Jingwen/Xinhua via AP

“Ele quer deliberadamente manter certa distância em relação a Xangai”, disse Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora vive nos Estados Unidos. “Sem dúvida, está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que ele não quer ser arrastado para a bagunça de Xangai”.

Em vez disso, as ordens de Xi vêm sendo passadas por subordinados ou atas de reuniões, que reforçam sua exigência de manter uma meta de “covid zero dinâmico”: em essência, garantir que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de pessoas, por meio de testes em massa e rigorosos protocolos de isolamento de infecções ou contatos próximos. Na sexta-feira, o Politburo do Partido Comunista - um conselho de 25 líderes, entre os quais o próprio Xi - renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da covid e da guerra na Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e autoridade de Xi meses antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer garantir que o governo seja dominado por autoridades que irão defendê-lo e fazer cumprir sua agenda.

Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia de covid zero vinha sendo uma conquista marcante: uma promessa eficaz e, em geral, popular (ainda que dispendiosa) de que a China evitaria doenças e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista minimizaram o vírus no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia enquanto os Estados Unidos sofriam com quase 1 milhão de mortes por covid-19.

Agora não existe jeito fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi está tão empenhada em mostrar que a China pode lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a introdução de vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas no exterior, as quais geralmente são mais eficazes do que as vacinas chinesas. A vacinação dos idosos na China também ficou para trás.

Sem as defesas necessárias, o país pode enfrentar casos crescentes que, mesmo com a menor virulência da Ômicron, podem sobrecarregar os hospitais, alertam autoridades. Mas, se os surtos de Ômicron continuarem ocasionando medidas que fecham cidades inteiras, o objetivo da China de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa, sem fim à vista.

Profissional de saúde é fotografado em durante lockdown no distrito de Jing'an, em Xangai. Foto: Hector Retamal/ AFP

“Esta política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar do povo chinês em primeiro lugar”, disse Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda a política e a sociedade chinesas. “Mas está virando uma história muito mais difícil para Xi Jinping contar”.

Os fechamentos, as exigências de verificações e a vigilância constante, especialmente em Xangai, provocaram frustração pública, esgotaram as autoridades e os profissionais da saúde locais e minaram o ímpeto econômico.

Os chineses já vinham se queixando de restrições draconianas sob os lockdowns anteriores, mas desta vez há mais críticos e mais ousados, entre eles economistas e executivos argumentando que a política de covid zero se tornou insustentável diante da nova variante.

“A covid não é a única doença que ameaça a vida da população”, escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, uma grande empresa de viagens chinesa, em um artigo recente no Chinese Enterprise News. “Sacrificar tudo em prol de medidas extremas de ‘choque’ não é a vitória de que realmente precisamos”.

Moradora de Xangai adere a panelaço contra o lockdown na sexta-feira, 29. Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

Ainda é extremamente improvável que as turbulências inesperadas de 2022 - além do posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia - impeçam um terceiro mandato de Xi. Ele é o líder mais poderoso da China em décadas, e a ira em Xangai não mostra sinais de que irá se transformar em um questionamento ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

“Estávamos fazendo testes de ácido nucleico todos os dias, então não acho que a vida tenha mudado com o surto em Pequim nos últimos dias”, disse Zhou Yunhong, açougueiro de carne suína em um mercado de alimentos frescos de Pequim, que disse que o testes diários vinham ocorrendo desde janeiro.

“Não estou preocupado com o surto de Pequim”, disse Li Kun, vendedor de ovos no mesmo mercado. “Aqui é a capital. Como eles podem deixar pessoas comuns daqui com fome?”

Mas os prolongados danos econômicos e as tensões sociais de longas paralisações podem minar o poder de Xi em atrair o apoio da elite para suas escolhas no próximo mandato, disse Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda política chinesa. Xi provavelmente continuará dominante, não importa o que aconteça, mas o domínio pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes.

“A diferença em relação à política de covid zero é que agora os custos estão visíveis”, disse o professor Pei. “Não dá para passar por cima deles”.

Entregadores coletam pedidos em um banco do lado de fora de um shopping nesta segunda-feira, 2, em Pequim, após proibição de atendimento presencial durante feriado. Foto: AP Photo/Ng Han Guan

Xi parecia em apuros mesmo antes da crise de Xangai. Autoridades recentemente sugeriram que criticar a política de covid equivale a deslealdade a Xi e caracterizaram a eliminação de casos como “um dever político que tem precedência sobre todo o resto”.

“Incontáveis fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa quando mostramos o espírito de bravos guerreiros derrotando nossos inimigos cara a cara, ousando lutar, dominando a luta”, disse Xi aos funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, Xi prometeu impulsionar o crescimento da China com um influxo de gastos com infraestrutura e, na sexta-feira, o Politburo disse que o governo estabilizará a economia ao mesmo tempo em que extingue os casos de covid.

“Persistir com a política de covid zero, protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, reduzindo ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social”, dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de curar. A incerteza crônica sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir em negócios prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas.

Policiais fazem posto de controle em rua durante lockdown em Xangai nesta segunda-feira. Foto: Hector Retamal/ AFP

A solução, argumentam eles, é acelerar a aplicação de mais vacinas e tratamentos e garantir que os idosos e outros grupos vulneráveis sejam vacinados - permitindo mais flexibilidade diante dos surtos de infecções.

“A política de covid zero que estamos aplicando está cada vez mais cara e cada vez mais ineficaz”, disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em um discurso no mês passado que foi amplamente compartilhado nas redes sociais chinesas.

“Depois que mais e mais pessoas entenderem que os custos econômicos são altos demais e insustentáveis, a mudança virá mais fácil”, disse Lu em entrevista por telefone. Afrouxar a política de covid zero pode ser mais difícil em termos políticos do que alguns críticos supõem.

Xi fez das relativamente poucas mortes por covid na China - quase 5 mil, sobretudo nos primeiros meses da pandemia - um núcleo de seu argumento de que o governo do Partido Comunista é mais eficaz do que qualquer democracia liberal.

Mas pouco mais da metade dos chineses com 80 anos ou mais tomou duas doses das vacinas e menos de 20% das pessoas nessa faixa etária receberam a dose de reforço, disse Zeng Yixin, vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde, no mês passado.

Pessoas usando máscaras faciais aproveitam o clima ao ar livre em um parque durante feriado do Dia do Trabalho em Pequim. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Dependendo da taxa de mortalidade usada nos cálculos, as mortes por uma disseminação irrestrita de Ômicron na China poderiam estar entre 100 mil e 840 mil, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Council on Foreign Relations. Mesmo mortes em menor escala poderiam inflamar a ira da população.

“Eles não querem viver com o vírus, mas precisam viver com as políticas que têm”, disse Huang em entrevista por telefone. “É um verdadeiro dilema”.

Xi parece estar apostando que conseguirá derrotar as infecções em Xangai e manter a China na política de covid zero até depois do congresso do partido, quando alguma flexibilização poderá ser possível. Por enquanto, as autoridades estão cobrindo Xi de uma propaganda efusiva.

Durante uma recente visita à Universidade Renmin em Pequim, a televisão estatal chinesa concentrou as atenções nas centenas de estudantes aplaudindo. Antes de anunciar que Xi seria um de seus delegados no congresso do partido, a região de Guangxi, no sul da China, divulgou relatórios de que os aldeões estavam recebendo pequenos livros vermelhos dos pensamentos de Xi - um eco do “livrinho vermelho” de Mao Tsé-Tung.

“Com Xi Jinping no comando, ele aumentará ainda mais o poder majestoso desta era”, dizia o relatório da agência de notícias estatal Xinhua sobre a escolha de Xi. Não houve menção à covid. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O líder da China, Xi Jinping, acenou para uma multidão de estudantes que o aplaudia com vigor. Fez reuniões com autoridades dos Jogos Olímpicos, formuladores de políticas econômicas e líderes europeus. E visitou uma ilha tropical.

Mas houve uma lacuna reveladora no movimentado itinerário de Xi no mês passado, expondo a situação que a covid está criando em um ano politicamente crucial, quando o líder chinês pretende estender seu poder: ele se limitou aos bastidores quando o assunto era o maior e mais controverso lockdown na China desde o início da pandemia.

Ao longo do mês de abril, Xi não fez discursos públicos sobre os surtos na China, enquanto sua maior cidade, Xangai, era fechada para tentar conter as infecções. Pouco depois, Pequim entrou em alerta após uma explosão de casos. Xi tampouco se dirigiu diretamente aos 25 milhões de habitantes de Xangai que receberam ordens de isolamento por semanas, apesar de suas queixas de comida escassa, hospitais sobrecarregados e regras de quarentena confusas.

Enfrentando resistência interna, Xi Jinping mantém apoio a política de tolerância zero ao covid.  Foto: Huang Jingwen/Xinhua via AP

“Ele quer deliberadamente manter certa distância em relação a Xangai”, disse Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora vive nos Estados Unidos. “Sem dúvida, está fazendo muito para combater a pandemia nos bastidores, mas é claro que ele não quer ser arrastado para a bagunça de Xangai”.

Em vez disso, as ordens de Xi vêm sendo passadas por subordinados ou atas de reuniões, que reforçam sua exigência de manter uma meta de “covid zero dinâmico”: em essência, garantir que não haja casos em uma população de 1,4 bilhão de pessoas, por meio de testes em massa e rigorosos protocolos de isolamento de infecções ou contatos próximos. Na sexta-feira, o Politburo do Partido Comunista - um conselho de 25 líderes, entre os quais o próprio Xi - renovou seu compromisso com esse objetivo, observando os crescentes riscos econômicos da covid e da guerra na Ucrânia.

Os surtos em Xangai, Pequim e outras cidades estão testando a perspicácia e autoridade de Xi meses antes de um importante congresso do Partido Comunista no final deste ano. Embora seja quase certo que ele ganhe um terceiro mandato como secretário-geral do partido, Xi também quer garantir que o governo seja dominado por autoridades que irão defendê-lo e fazer cumprir sua agenda.

Para garantir esse resultado, Xi quer demonstrar um domínio político sereno e, até recentemente, a estratégia de covid zero vinha sendo uma conquista marcante: uma promessa eficaz e, em geral, popular (ainda que dispendiosa) de que a China evitaria doenças e mortes em massa.

Depois que as autoridades do Partido Comunista minimizaram o vírus no início de 2020, Xi transformou a China em uma fortaleza epidemiológica, sufocando infecções e protegendo a economia enquanto os Estados Unidos sofriam com quase 1 milhão de mortes por covid-19.

Agora não existe jeito fácil de sair dessa fortaleza. A liderança de Xi está tão empenhada em mostrar que a China pode lidar com suas próprias necessidades pandêmicas que o governo evitou a introdução de vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas no exterior, as quais geralmente são mais eficazes do que as vacinas chinesas. A vacinação dos idosos na China também ficou para trás.

Sem as defesas necessárias, o país pode enfrentar casos crescentes que, mesmo com a menor virulência da Ômicron, podem sobrecarregar os hospitais, alertam autoridades. Mas, se os surtos de Ômicron continuarem ocasionando medidas que fecham cidades inteiras, o objetivo da China de eliminar praticamente todos os casos corre o risco de se tornar uma tarefa dispendiosa e contenciosa, sem fim à vista.

Profissional de saúde é fotografado em durante lockdown no distrito de Jing'an, em Xangai. Foto: Hector Retamal/ AFP

“Esta política foi uma demonstração de que o governo coloca a saúde e o bem-estar do povo chinês em primeiro lugar”, disse Patricia Thornton, professora da Universidade de Oxford que estuda a política e a sociedade chinesas. “Mas está virando uma história muito mais difícil para Xi Jinping contar”.

Os fechamentos, as exigências de verificações e a vigilância constante, especialmente em Xangai, provocaram frustração pública, esgotaram as autoridades e os profissionais da saúde locais e minaram o ímpeto econômico.

Os chineses já vinham se queixando de restrições draconianas sob os lockdowns anteriores, mas desta vez há mais críticos e mais ousados, entre eles economistas e executivos argumentando que a política de covid zero se tornou insustentável diante da nova variante.

“A covid não é a única doença que ameaça a vida da população”, escreveu Liang Jianzhang, cofundador do Trip.com Group, uma grande empresa de viagens chinesa, em um artigo recente no Chinese Enterprise News. “Sacrificar tudo em prol de medidas extremas de ‘choque’ não é a vitória de que realmente precisamos”.

Moradora de Xangai adere a panelaço contra o lockdown na sexta-feira, 29. Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

Ainda é extremamente improvável que as turbulências inesperadas de 2022 - além do posicionamento tortuoso da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia - impeçam um terceiro mandato de Xi. Ele é o líder mais poderoso da China em décadas, e a ira em Xangai não mostra sinais de que irá se transformar em um questionamento ao seu governo. Em outras cidades e vilas continua havendo aceitação, se não entusiasmo, por controles rígidos.

“Estávamos fazendo testes de ácido nucleico todos os dias, então não acho que a vida tenha mudado com o surto em Pequim nos últimos dias”, disse Zhou Yunhong, açougueiro de carne suína em um mercado de alimentos frescos de Pequim, que disse que o testes diários vinham ocorrendo desde janeiro.

“Não estou preocupado com o surto de Pequim”, disse Li Kun, vendedor de ovos no mesmo mercado. “Aqui é a capital. Como eles podem deixar pessoas comuns daqui com fome?”

Mas os prolongados danos econômicos e as tensões sociais de longas paralisações podem minar o poder de Xi em atrair o apoio da elite para suas escolhas no próximo mandato, disse Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College, na Califórnia, que estuda política chinesa. Xi provavelmente continuará dominante, não importa o que aconteça, mas o domínio pode aumentar ou diminuir gradualmente, e as autoridades ao seu redor são importantes.

“A diferença em relação à política de covid zero é que agora os custos estão visíveis”, disse o professor Pei. “Não dá para passar por cima deles”.

Entregadores coletam pedidos em um banco do lado de fora de um shopping nesta segunda-feira, 2, em Pequim, após proibição de atendimento presencial durante feriado. Foto: AP Photo/Ng Han Guan

Xi parecia em apuros mesmo antes da crise de Xangai. Autoridades recentemente sugeriram que criticar a política de covid equivale a deslealdade a Xi e caracterizaram a eliminação de casos como “um dever político que tem precedência sobre todo o resto”.

“Incontáveis fatos nos dizem que só podemos ganhar respeito e iniciativa quando mostramos o espírito de bravos guerreiros derrotando nossos inimigos cara a cara, ousando lutar, dominando a luta”, disse Xi aos funcionários da Escola do Partido no início de março.

Na semana passada, Xi prometeu impulsionar o crescimento da China com um influxo de gastos com infraestrutura e, na sexta-feira, o Politburo disse que o governo estabilizará a economia ao mesmo tempo em que extingue os casos de covid.

“Persistir com a política de covid zero, protegendo ao máximo a vida e a saúde das pessoas, reduzindo ao mínimo o impacto da pandemia no desenvolvimento econômico e social”, dizia o resumo da agência de notícias Xinhua sobre a reunião do Politburo.

Mas um grupo cada vez mais expressivo de economistas e líderes empresariais chineses argumenta que os danos causados pelas paralisações serão mais difíceis de curar. A incerteza crônica sobre quando será possível viajar, gastar, comprar imóveis ou investir em negócios prejudicou a confiança dos consumidores e das empresas.

Policiais fazem posto de controle em rua durante lockdown em Xangai nesta segunda-feira. Foto: Hector Retamal/ AFP

A solução, argumentam eles, é acelerar a aplicação de mais vacinas e tratamentos e garantir que os idosos e outros grupos vulneráveis sejam vacinados - permitindo mais flexibilidade diante dos surtos de infecções.

“A política de covid zero que estamos aplicando está cada vez mais cara e cada vez mais ineficaz”, disse Lu Ting, economista-chefe da China na Nomura Holdings, em um discurso no mês passado que foi amplamente compartilhado nas redes sociais chinesas.

“Depois que mais e mais pessoas entenderem que os custos econômicos são altos demais e insustentáveis, a mudança virá mais fácil”, disse Lu em entrevista por telefone. Afrouxar a política de covid zero pode ser mais difícil em termos políticos do que alguns críticos supõem.

Xi fez das relativamente poucas mortes por covid na China - quase 5 mil, sobretudo nos primeiros meses da pandemia - um núcleo de seu argumento de que o governo do Partido Comunista é mais eficaz do que qualquer democracia liberal.

Mas pouco mais da metade dos chineses com 80 anos ou mais tomou duas doses das vacinas e menos de 20% das pessoas nessa faixa etária receberam a dose de reforço, disse Zeng Yixin, vice-ministro da Comissão Nacional de Saúde, no mês passado.

Pessoas usando máscaras faciais aproveitam o clima ao ar livre em um parque durante feriado do Dia do Trabalho em Pequim. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Dependendo da taxa de mortalidade usada nos cálculos, as mortes por uma disseminação irrestrita de Ômicron na China poderiam estar entre 100 mil e 840 mil, disse Yanzhong Huang, membro sênior de saúde global do Council on Foreign Relations. Mesmo mortes em menor escala poderiam inflamar a ira da população.

“Eles não querem viver com o vírus, mas precisam viver com as políticas que têm”, disse Huang em entrevista por telefone. “É um verdadeiro dilema”.

Xi parece estar apostando que conseguirá derrotar as infecções em Xangai e manter a China na política de covid zero até depois do congresso do partido, quando alguma flexibilização poderá ser possível. Por enquanto, as autoridades estão cobrindo Xi de uma propaganda efusiva.

Durante uma recente visita à Universidade Renmin em Pequim, a televisão estatal chinesa concentrou as atenções nas centenas de estudantes aplaudindo. Antes de anunciar que Xi seria um de seus delegados no congresso do partido, a região de Guangxi, no sul da China, divulgou relatórios de que os aldeões estavam recebendo pequenos livros vermelhos dos pensamentos de Xi - um eco do “livrinho vermelho” de Mao Tsé-Tung.

“Com Xi Jinping no comando, ele aumentará ainda mais o poder majestoso desta era”, dizia o relatório da agência de notícias estatal Xinhua sobre a escolha de Xi. Não houve menção à covid. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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