Após um segundo turno acirrado, o candidato da centro-esquerda Yamandú Orsi venceu neste domingo, 24, a eleição presidencial do Uruguai com quase 50% dos votos, de acordo com resultados da Corte Eleitoral. Herdeiro político do ex-presidente e militante de esquerda José “Pepe” Mujica, Orsi derrotou o adversário de centro-direita, Álvaro Delgado, apoiado pelo atual presidente, o popular Luis Lacalle Pou, que não conseguiu transformar seu alto índice de aprovação em votos ao apadrinhado.
Um hora após o fechamento das urnas, todas as pesquisas de boca de urnas davam vitória à esquerda. As pesquisas no Uruguai têm o história de acertarem em cheio o resultado final. Às 22h, a Corte Eleitoral do país começou a divulgar os números preliminares, mas já com tendência irreversível. Com 99% das urnas apuradas, Orsi tinha 49,8% dos votos, ante 45,9% de Delgado.
“Vou ser o presidente que constrói uma sociedade mais integrada, onde, apesar das diferenças, ninguém possa ficar para trás do ponto de vista econômico, social e político”, falou Orsi em seu primeiro discurso como eleito, segurando a bandeira da coalizão Frente Ampla e ao lado de sua vice, Carolina Cosse.
Sua vitória encerra um hiato na esquerda uruguaia, que comandou o governo durante 15 anos até a eleição de Lacalle Pou em 2019. O novo presidente encontrará vida tranquila no Senado, pois a coalizão elegeu 16 dos 30 senadores em disputa no primeiro turno, e contará ainda com o voto da vice-presidente. Mas não terá a maioria no Congresso, já que conquistou 48 assentos dos 99 e precisará construir alianças.
“Vamos entender que há uma outra parte do nosso povo que, como nós há algum tempo, hoje tem um sentimento diferente. Essas pessoas também terão que nos ajudar a construir um país melhor, nós também precisamos delas. que sigam abraçando as bandeiras, as ideias, porque do debate de ideias se constrói um país melhor e, sobretudo, uma república democrática e com futuro”, disse o presidente eleito.
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Reconhecimento de resultados
Apesar dos números apertados, que dão uma diferença de menos de 93 mil votos entre os dois candidatos, uma contestação de resultados não era esperada no Uruguai, país considerado a democracia mais sólida da América Latina. Antes mesmo dos números oficiais, Delgado reconheceu a derrota e parabenizou o adversário. “Acima de tudo, devemos respeitar a decisão soberana”, disse, enquanto falava a apoiadores.
“Uma coisa é perder as eleições e outra é ser derrotado, não estamos derrotados. Aqui há uma coligação republicana composta por cinco partidos e que veio para ficar”, continuou o candidato do Partido Nacional.
O presidente Lacalle Pou ligou para Orsi quase imediatamente após as projeções de boca de urna darem, de forma unânime, a vitória à esquerda. “Liguei para Yamandú Orsi para parabenizá-lo como presidente eleito de nosso país e para me colocar sob seu comando e iniciar a transição assim que ele entender que é pertinente”, disse o atual mandatário na rede social X.
O futuro presidente toma posse em 1.º de março de 2025 e irã receber uma economia forte que deve crescer 3,2% este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. A inflação também diminuiu nos últimos meses.
Quem é Yamandú Orsi
Em 1991, Orsi, de 57 anos, formou-se professor de História e lecionou em escolas de Ensino Médio do interior até 2005, quando iniciou sua carreira no governo de Canelones, primeiro como secretário-geral por quase 10 anos e depois como prefeito por dois mandatos.
Ele renunciou ao cargo para disputar as internas partidárias da Frente Ampla em junho, que venceu com mais de 60% dos votos, superando em muito a ex-prefeita de Montevidéu Carolina Cosse, que contava com o apoio de comunistas e socialistas e se tornou sua companheira de chapa.
Quando jovem, Orsi cuidava da loja de seus pais, foi coroinha na Igreja Católica e dançarino de folclore, descreve em sua biografia. Em 1989 aderiu ao Movimento de Participação Popular fundado por Mujica, hoje principal partido da coalizão.
É amplamente visto como herdeiro de Pepe Mujica. Com 89 anos e tratando de um câncer de esôfago, o ex-guerrilheiro foi um dos seus principais cabos eleitorais, comparecendo a alguns eventos de campanha apesar da saúde debilitada.
Embora prometa forjar uma “nova esquerda” no Uruguai, Orsi não planeja mudanças drásticas. Diferentemente do atual presidente e do adversário Delgado, ele prefere negociar qualquer acordo com a China por meio do Mercosul.
Orsi propõe incentivos fiscais para atrair investimentos e reformas da Previdência Social que reduziriam a idade de aposentadoria, mas não chegam a uma reforma radical como a buscada pelos sindicatos do Uruguai.
Herdeiro político de Lacalle Pou é derrotado
Delgado, de 55 anos, não conseguiu vencer a eleição, apesar de representar a continuidade do projeto de Lacalle Pou. Durante a campanha, ele prometeu justamente isso e fez campanha sob o slogan “reeleger um bom governo”.
Delgado serviu mais recentemente como Secretário da Presidência de Lacalle Pou e prometeu prosseguir com as políticas pró-mercado de seu antecessor. Ele continuaria pressionando por um acordo comercial com a China, o que gerou atritos dentro do Mercosul, que defende apenas acordos em bloco.
Para o analista e estrategista político uruguaio Daniel Supervielle, Delgado não foi capaz de capturar o apoio de seu padrinho político, ao mesmo tempo que Orsi direcionou o seu discurso à moderação. “Esse discurso tranquilizador contribuiu para acalmar a classe empresarial.
O presidente eleito prometeu uma mudança segura e a população considerou suas propostas melhores”, explica. “O candidato governista não conseguiu obter todos os votos dos eleitores que pensam que Lacalle Pou foi um bom presidente.”
Lacalle Pou, que tem um nível de aprovação acima de 50%, mas é impedido constitucionalmente de disputar a reeleição.
Líderes parabenizam Orsi
Líderes da América Latina foram os primeiros a parabenizar o presidente eleito. Luiz Inácio Lula da Silva usou seu perfil no X para citar o posicionamento de Orsi perante o Mercosul.
“Quero parabenizar o povo uruguaio pela realização de eleições democráticas e pacíficas e, em particular, o presidente eleito Yamandú Orsi, o Frente Ampla e meu amigo Pepe Mujic por sua vitória nas eleições de hoje. Esta é uma vitória para toda a América Latina e o Caribe. O Brasil e o Uruguai continuarão a trabalhar juntos no Mercosul e em outros fóruns para um desenvolvimento justo e sustentável. paz e integração regional”, escreveu.
A ex-presidente argentina Cristina Kirchner também escreveu. “A irmã República Oriental do Uruguai tem um novo presidente: Yamandú Orsi. Grande alegria e todos os parabéns ao novo presidente, à sua companheira de chapa Carolina Cosse e claro à Frente Ampla, a força política que regressa ao Governo.Ttambém um forte abraço Pepe Mujica e Lucía [Topolansky, sua esposa e ex-senadora], não apenas exemplos de militância nacional, popular e democrática, mas também de perseverança e resiliência Pepe, estamos muito felizes, você mereceu esta vitória”, expressou.
O ex-presidente Evo Morales citou “ventos do progressismo” ao elogiar o uruguaio. “Celebramos a vitória de Yamandú Orsi e da Frente Ampla em nosso país irmão, o Uruguai. Os ventos do progressismo sopram novamente na Grande Pátria, revitalizando nosso espírito revolucionário para alcançar um mundo com sociedade justiça. Nunca “não seremos mais o quintal de nenhum império”./Com AFP