THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os telespectadores americanos se acostumaram com isso: dezenas de estreias todos os meses, centenas de séries todos os anos, uma garantia de Hollywood de que sempre haverá algo novo para assistir.
A chamada era “Peak TV” incluiu joias inesperadas (The White Lotus), grandes sucessos (Stranger Things), propostas básicas (nove séries diferentes do produtor de Law & Order, Dick Wolf) e propostas totalmente desconcertantes (cinco temporadas completas do reboot de Full House, Fuller House, na Netflix).
Mas uma nova realidade tornou-se cada vez mais clara nos últimos meses em Hollywood: a Peak TV atingiu seu limite.
O suprimento interminável de nova programação que ajudou a definir a era do streaming - gerando séries em um ritmo vertiginoso, mas também sobrecarregando os espectadores com muitas opções - parece finalmente estar diminuindo.
O número de séries adultas roteirizadas encomendadas por redes de TV e empresas de streaming destinadas ao público dos EUA caiu 24% no segundo semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Ampere Analysis, uma empresa de pesquisa. Comparado com 2019, é uma queda de 40%.
“A segunda metade do ano foi realmente ladeira abaixo”, disse Fred Black, gerente de pesquisa da Ampere.
Pode levar algum tempo para que isso se torne visível para os telespectadores - se é que se tornará visível, devido ao excesso. Geralmente, leva meses e às vezes mais de um ano para uma série de TV estrear depois que uma rede a encomenda.
A queda é resultado de uma avaliação mais ampla dentro da indústria do entretenimento. Durante anos, os executivos da televisão gastaram bilhões de dólares em séries de TV para ajudar a construir seus serviços de streaming e perseguir assinantes. Os gastos foram uma benção para escritores e produtores de alto nível, que conseguiram acordos de oito e nove dígitos, bem como para os atores, diretores e trabalhadores nos bastidores que mantiveram o motor funcionando.
Mas Wall Street azedou com a estratégia da compra a qualquer preço a partir da primavera, quando a Netflix, a potência do streaming, anunciou que havia perdido assinantes pela primeira vez em uma década. As ações da Netflix despencaram e outras empresas de entretenimento logo viram o preço de suas ações cair também. As empresas de Hollywood mudaram rapidamente, colocando uma nova ênfase em lucros mais altos em vez de contagens brutas de assinantes.
Então, nos últimos meses, as empresas de entretenimento ficaram cada vez mais preocupadas com a desaceleração da economia, o movimento de diminuição dos assinantes da TV paga e um mercado publicitário problemático. Desde o verão (do hemisfério norte), dezenas de executivos foram demitidos abruptamente, medidas estritas de corte de custos foram adotadas e demissões ocorreram em todo o setor.
O recente declínio nos pedidos de séries segue esse caminho. O número de séries encomendadas nos primeiros seis meses do ano não mostrava sinais de diminuição - parecia ser apenas mais um ano de compras na era da Peak TV. De fato, 325 séries foram encomendadas, mais do que nos três anos anteriores, de acordo com a pesquisa.
Esse mercado secou - e secou rapidamente.
Banho de sangue
Jay Carson, o criador da série The Morning Show da Apple TV+, que atualmente tem vários projetos em desenvolvimento em canais como FX e Peacock, disse que seus agentes de talentos o alertaram nos últimos meses de que havia um “banho de sangue de um mercado. "
“Eles vão amar e acreditar no projeto e saber que o material e a embalagem são fortes, mas eles vão te dizer que se usá-lo agora, vai acabar como os caras na cena de abertura de O Resgate do Soldado Ryan,” ele disse.
Pessoas de dentro de Hollywood sentiram que um corte nos pedidos de séries era inevitável, especialmente quando muitos executivos estavam ignorando as margens de lucro e fazendo pedidos de séries completas sem ao menos ver um roteiro.
“É em parte corte de custos e caos no preço das ações, e em parte correção para o frenesi de compras nos últimos cinco anos, quando as séries foram literalmente encomendadas por telefone sem qualquer prova de conceito”, disse Robert Greenblatt, ex-presidente da NBC Entertainment e da WarnerMedia, que agora é produtor.
No ano, os declínios mais profundos no número de pedidos de séries adultas roteirizadas nos Estados Unidos foram na Netflix, Warner Bros. Discovery (que inclui HBO e as redes Turner) e Paramount (que inclui CBS, Paramount+ e Showtime). Os pedidos de séries para o público dos EUA caíram de 22% a 27% nessas três empresas, de acordo com a Ampere. Na segunda metade do ano, a queda nos pedidos das três empresas foi ainda mais acentuada.
Mudanças nos negócios
Depois que a Netflix perdeu assinantes no início deste ano, ela prometeu diminuir seus gastos com conteúdo. A Netflix também cortou centenas de empregos e introduziu uma categoria mais barata com publicidade, anulando a promessa de longa data da empresa de nunca permitir comerciais no serviço.
A Warner Bros. Discovery, uma empresa formada em abril, enfrenta uma dívida de cerca de US$ 50 bilhões e está em um severo corte de custos. Houve rodadas de demissões em toda a empresa, inclusive na HBO e HBO Max, bem como cancelamentos repentinos. A outrora série popular Westworld foi cancelada no mês passado - um movimento que surpreendeu Hollywood - e a menos conhecida e atrevida série de namoro FBoy Island foi cortada algumas semanas atrás.
E as redes de cabo básicas de propriedade da Warner Bros. Discovery, como TBS e TNT, que apenas cinco anos atrás haviam expandido muito seus esforços originais de programação, reduziram essas ambições desde a fusão.
Existem alguns pontos atípicos na tendência deste ano: Apple TV+ e Amazon aumentaram o número de séries roteirizadas para adultos que compraram este ano. A Disney também, de acordo com a pesquisa da Ampere. (Na segunda metade do ano, no entanto, as compras da Disney caíram em comparação com o mesmo período do ano passado.)
Black disse que a Amazon e a Apple, que obtêm a maior parte de sua receita de seus produtos e serviços de tecnologia, “obviamente não estão tão sujeitas às mesmas limitações orçamentárias que as empresas de entretenimento puro - elas têm bolsos maiores e podem enfrentar essa tempestade”, ele disse.
Embora os pedidos de séries com roteiro nos Estados Unidos estejam caindo, os pedidos de séries internacionais e sem roteiro permanecem estáveis, disse Black.
Além da TBS e TNT, gigantes digitais como Facebook e YouTube, que estavam investindo em séries originais apenas alguns anos atrás, seguiram em frente. A CW, que foi adquirida recentemente pela Nexstar, está em busca de uma programação de baixo custo. E existem inúmeras redes de cabo básicas que, nos últimos anos, se afastaram das ambições originais de programação com roteiro.
Alguns roteiristas acharam as condições do mercado tão difíceis que estão desistindo da ideia de transformar um projeto em uma série de TV - e, em vez disso, estão se voltando para os filmes.
“Em um reverso total do que aconteceu por mais de 20 anos, os roteiristas agora estão pegando projetos de TV e os convertendo em longas-metragens porque são mais fáceis de fazer”, disse Carson, o roteirista de TV. “A verdade é que muitos projetos dos últimos 20 anos que deveriam ter sido filmes foram estendidos para a TV porque era o que se fazia.”
E, no final, pode haver um lado bom para os telespectadores: a redução do volume pode resultar em uma porcentagem maior de séries de qualidade.
“Essas empresas recuando - pensando mais sobre cada projeto - é realmente bom para os negócios”, disse Greenblatt, o ex-executivo de televisão que se tornou produtor. “Espero que isso leve a menos desperdício e a mais séries que valem a pena assistir.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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