A terrível beleza do retrato da Amazônia feito pelo fotógrafo Richard Mosse


O artista queria fotografar orquídeas, mas acabou fazendo ‘Broken Spectre’, um filme sobre a destruição da floresta tropical - seu trabalho mais poderoso até agora.

Por Jonathan Griffin

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em 2018, o artista Richard Mosse estava compreensivelmente exausto. Ele passou a maior parte da última década em lugares devastados por conflitos e agitação civil.

No início da década de 2010, o artista irlandês que mora em Nova York trabalhou por cinco anos no Congo, fotografando e filmando o desastre humanitário que ceifou milhões de vidas e desalojou outros milhões. Esse projeto levou a outra série de vídeos e fotos com foco na crise dos refugiados europeus que se desenrolava no Mediterrâneo. Antes disso, ele esteve com o Exército dos EUA no Iraque.

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“Eu estava exausto”, disse Mosse recentemente, ao relatar os eventos que levaram à sua mais recente instalação cinematográfica, Broken Spectre, filmado na floresta amazônica de 2018 a 2021. “Pensei em deixar o superego de lado e apenas aproveitar os prazeres simples da fotografia. Este projeto começou essencialmente com retratos de orquídeas.”

Mosse se hospedou em uma pousada ecológica afastada na floresta nublada equatoriana e começou a fotografar plantas, liquens, micélios e insetos com uma lente macro. Ele descobriu que muitos organismos ficam fosforescentes sob a luz ultravioleta, então ele criou imagens dramáticas em Technicolor da abundante biodiversidade no solo da floresta.

Então, no verão de 2019, surgiram imagens na mídia sobre incêndios na Bacia Amazônica. Mosse ligou para Trevor Tweeten, o diretor de fotografia que colabora com os projetos cinematográficos de Mosse desde 2008, e eles foram para lá, disse Tweeten, “para ver do que se tratava”.

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Broken Spectre, um filme épico feito de quatro projeções conjuntas que totalizam 21 metros de diâmetro, testemunha a destruição calamitosa da floresta amazônica: a queima deliberada, a derrubada de árvores, a agricultura em escala industrial, a extração mineral e o deslocamento de povos indígenas que os cientistas do clima acreditam estar se aproximando rapidamente de um ponto de inflexão do qual pode não haver retorno. (Algumas das imagens podem ser vistas em seu site)

Parte fotojornalismo, parte documentário sobre a natureza, parte cinéma vérité, parte faroeste, o filme desafia qualquer categorização. Inclui close-ups de plantas e vastos panoramas feitos de helicópteros. Apresenta agricultores e suas famílias; trabalhadores de matadouros; ricos proprietários de terras; garimpeiros; povos indígenas.

A videoinstalação de quatro canais de Richard Mosse, 'Broken Spectre', é uma obra épica de 21 metros de diâmetro. Foto: Jack Hems/The New York Times
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Com uma trilha sonora imersiva e muitas vezes estrondosa do compositor experimental Ben Frost, o filme é visceral e abstrato, belo e horripilante. “Broken Spectre” é o trabalho mais poderoso e importante de Mosse até agora.

Mosse, 43, voou para São Francisco para a estreia do filme nos Estados Unidos em um novo espaço de exibição, o 1201 Minnesota Street, após sua apresentação em Londres e em Victoria, na Austrália, em 2022. (Em agosto, ele será incluído na Converge45, a bienal de Portland.)

O convite para exibir “Broken Spectre” em São Francisco veio dos filantropos Andy e Deborah Rappaport, fundadores da Minnesota Street Project Foundation no bairro de Dogpatch na cidade.

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A uma curta caminhada de distância, Mosse estava inaugurando uma exposição simultânea na Altman Siegel, sua galeria em São Francisco: “Occidental”, um grupo de obras que incluía “mapas de drones” feitos de fotografias aéreas em mosaico durante sua estada na Amazônia.

“Setenta e cinco por cento de toda a Amazônia está tão degradada por processos de desmatamento que estamos muito perto do ponto em que ocorre um perecimento automático e a floresta não pode gerar sua própria chuva”, explicou Mosse. “Então deixa de ser uma floresta tropical. Quando isso acontece, rapidamente se transforma em savana.”

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A grandeza de tal cadeia de eventos - e suas consequências para o futuro do nosso planeta - desafia a compreensão. Ao transmitir essa informação, Mosse, que tem covinhas de menino e um jeito afável, não tentou dramatizá-la ou impressionar-me com sua gravidade. Ele deve ter dito as mesmas coisas 100 vezes. Ele sabe que as estatísticas por si só não são suficientes.

“Temos todos os relatórios, temos os dados quantitativos, mas ainda não temos a imagem adequada, a narrativa qualitativa”, disse ele. É aí que entra sua arte.

A Amazônia pode ser um lugar perigoso - e foi especialmente durante o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, quando os regulamentos de proteção ao meio ambiente foram afrouxados, ou não aplicados. Um estudo recente estimou que 99% do desmatamento na Amazônia é ilegal, grande parte ligado ao crime organizado. Os assentamentos remotos que surgiram perto de minas de ouro são lugares sem lei e violentos, habitados principalmente por jovens garimpeiros que são pagos em ouro e abastecidos com drogas por cartéis.

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Um dia, em junho de 2021, Mosse leu relatos de um conflito entre moradores indígenas Yanomami e garimpeiros, ou garimpeiros ilegais. Os garimpeiros trouxeram doenças, inclusive a malária, que estava adoecendo os filhos dos indígenas. As jovens Yanomami foram coagidas à prostituição, trazendo mais doenças. O processo de mineração de ouro envolve o uso de mercúrio, cujos vestígios são levados para o rio, prejudicando a vida selvagem e contaminando os alimentos dos moradores.

Richard Mosse: 'O melhor que podemos fazer – a única coisa que realmente podemos fazer – é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível'.  Foto: Ian Bates/The New York Times

“Eles costumavam viver no paraíso”, disse Mosse. “De repente, eles estão vivendo no inferno.”

Mosse leu sobre como os moradores prenderam um arame ao longo do rio, bloqueando um barco carregado com diesel valioso a caminho do assentamento garimpeiro. Eles apreenderam o diesel e o queimaram. Os garimpeiros revidaram e vários moradores foram mortos. Naquela noite e muitas noites depois, os garimpeiros (ou os cartéis que os protegiam) dispararam armas automáticas contra as cabanas dos moradores.

Mosse reservou voos às pressas para Boa Vista, no norte do Brasil. De lá, fretou um avião Cessna para levá-lo ao povoado. Com ele viajavam seu “tradutor-mediador”, Alessandro Falco, e o líder regional Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami.

Na cena mais memorável e impactante do filme, uma das moradoras, uma mulher chamada Adneia, dirige-se diretamente à câmera. A princípio, sua fúria é dirigida ao presidente brasileiro: “Bolsonaro, seu parasita. Você continua mandando garimpeiros para nossa terra. É doentio. É nojento, seu imundo.”

Sua diatribe legendada continua por mais de cinco minutos. (A câmera de filme de 35 mm de Tweeten teve que ser recarregada duas vezes, então o filme corta intermitentemente para uma tela preta.) Enquanto sua voz falha de emoção, fica claro que as súplicas de Adneia não são mais dirigidas a Bolsonaro, mas aos cineastas brancos diante dela - e por extensão, a nós, os telespectadores.

“Você diz que está aqui para nos apoiar”, ela repreende. “Não diga isso em vão.”

Durante muito tempo, Mosse disse ter se debatido com as palavras de Adneia. “Somos apenas artistas!” ele disse. “O melhor que podemos fazer - a única coisa que realmente podemos fazer - é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em 2018, o artista Richard Mosse estava compreensivelmente exausto. Ele passou a maior parte da última década em lugares devastados por conflitos e agitação civil.

No início da década de 2010, o artista irlandês que mora em Nova York trabalhou por cinco anos no Congo, fotografando e filmando o desastre humanitário que ceifou milhões de vidas e desalojou outros milhões. Esse projeto levou a outra série de vídeos e fotos com foco na crise dos refugiados europeus que se desenrolava no Mediterrâneo. Antes disso, ele esteve com o Exército dos EUA no Iraque.

“Eu estava exausto”, disse Mosse recentemente, ao relatar os eventos que levaram à sua mais recente instalação cinematográfica, Broken Spectre, filmado na floresta amazônica de 2018 a 2021. “Pensei em deixar o superego de lado e apenas aproveitar os prazeres simples da fotografia. Este projeto começou essencialmente com retratos de orquídeas.”

Mosse se hospedou em uma pousada ecológica afastada na floresta nublada equatoriana e começou a fotografar plantas, liquens, micélios e insetos com uma lente macro. Ele descobriu que muitos organismos ficam fosforescentes sob a luz ultravioleta, então ele criou imagens dramáticas em Technicolor da abundante biodiversidade no solo da floresta.

Então, no verão de 2019, surgiram imagens na mídia sobre incêndios na Bacia Amazônica. Mosse ligou para Trevor Tweeten, o diretor de fotografia que colabora com os projetos cinematográficos de Mosse desde 2008, e eles foram para lá, disse Tweeten, “para ver do que se tratava”.

Broken Spectre, um filme épico feito de quatro projeções conjuntas que totalizam 21 metros de diâmetro, testemunha a destruição calamitosa da floresta amazônica: a queima deliberada, a derrubada de árvores, a agricultura em escala industrial, a extração mineral e o deslocamento de povos indígenas que os cientistas do clima acreditam estar se aproximando rapidamente de um ponto de inflexão do qual pode não haver retorno. (Algumas das imagens podem ser vistas em seu site)

Parte fotojornalismo, parte documentário sobre a natureza, parte cinéma vérité, parte faroeste, o filme desafia qualquer categorização. Inclui close-ups de plantas e vastos panoramas feitos de helicópteros. Apresenta agricultores e suas famílias; trabalhadores de matadouros; ricos proprietários de terras; garimpeiros; povos indígenas.

A videoinstalação de quatro canais de Richard Mosse, 'Broken Spectre', é uma obra épica de 21 metros de diâmetro. Foto: Jack Hems/The New York Times

Com uma trilha sonora imersiva e muitas vezes estrondosa do compositor experimental Ben Frost, o filme é visceral e abstrato, belo e horripilante. “Broken Spectre” é o trabalho mais poderoso e importante de Mosse até agora.

Mosse, 43, voou para São Francisco para a estreia do filme nos Estados Unidos em um novo espaço de exibição, o 1201 Minnesota Street, após sua apresentação em Londres e em Victoria, na Austrália, em 2022. (Em agosto, ele será incluído na Converge45, a bienal de Portland.)

O convite para exibir “Broken Spectre” em São Francisco veio dos filantropos Andy e Deborah Rappaport, fundadores da Minnesota Street Project Foundation no bairro de Dogpatch na cidade.

A uma curta caminhada de distância, Mosse estava inaugurando uma exposição simultânea na Altman Siegel, sua galeria em São Francisco: “Occidental”, um grupo de obras que incluía “mapas de drones” feitos de fotografias aéreas em mosaico durante sua estada na Amazônia.

“Setenta e cinco por cento de toda a Amazônia está tão degradada por processos de desmatamento que estamos muito perto do ponto em que ocorre um perecimento automático e a floresta não pode gerar sua própria chuva”, explicou Mosse. “Então deixa de ser uma floresta tropical. Quando isso acontece, rapidamente se transforma em savana.”

A grandeza de tal cadeia de eventos - e suas consequências para o futuro do nosso planeta - desafia a compreensão. Ao transmitir essa informação, Mosse, que tem covinhas de menino e um jeito afável, não tentou dramatizá-la ou impressionar-me com sua gravidade. Ele deve ter dito as mesmas coisas 100 vezes. Ele sabe que as estatísticas por si só não são suficientes.

“Temos todos os relatórios, temos os dados quantitativos, mas ainda não temos a imagem adequada, a narrativa qualitativa”, disse ele. É aí que entra sua arte.

A Amazônia pode ser um lugar perigoso - e foi especialmente durante o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, quando os regulamentos de proteção ao meio ambiente foram afrouxados, ou não aplicados. Um estudo recente estimou que 99% do desmatamento na Amazônia é ilegal, grande parte ligado ao crime organizado. Os assentamentos remotos que surgiram perto de minas de ouro são lugares sem lei e violentos, habitados principalmente por jovens garimpeiros que são pagos em ouro e abastecidos com drogas por cartéis.

Um dia, em junho de 2021, Mosse leu relatos de um conflito entre moradores indígenas Yanomami e garimpeiros, ou garimpeiros ilegais. Os garimpeiros trouxeram doenças, inclusive a malária, que estava adoecendo os filhos dos indígenas. As jovens Yanomami foram coagidas à prostituição, trazendo mais doenças. O processo de mineração de ouro envolve o uso de mercúrio, cujos vestígios são levados para o rio, prejudicando a vida selvagem e contaminando os alimentos dos moradores.

Richard Mosse: 'O melhor que podemos fazer – a única coisa que realmente podemos fazer – é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível'.  Foto: Ian Bates/The New York Times

“Eles costumavam viver no paraíso”, disse Mosse. “De repente, eles estão vivendo no inferno.”

Mosse leu sobre como os moradores prenderam um arame ao longo do rio, bloqueando um barco carregado com diesel valioso a caminho do assentamento garimpeiro. Eles apreenderam o diesel e o queimaram. Os garimpeiros revidaram e vários moradores foram mortos. Naquela noite e muitas noites depois, os garimpeiros (ou os cartéis que os protegiam) dispararam armas automáticas contra as cabanas dos moradores.

Mosse reservou voos às pressas para Boa Vista, no norte do Brasil. De lá, fretou um avião Cessna para levá-lo ao povoado. Com ele viajavam seu “tradutor-mediador”, Alessandro Falco, e o líder regional Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami.

Na cena mais memorável e impactante do filme, uma das moradoras, uma mulher chamada Adneia, dirige-se diretamente à câmera. A princípio, sua fúria é dirigida ao presidente brasileiro: “Bolsonaro, seu parasita. Você continua mandando garimpeiros para nossa terra. É doentio. É nojento, seu imundo.”

Sua diatribe legendada continua por mais de cinco minutos. (A câmera de filme de 35 mm de Tweeten teve que ser recarregada duas vezes, então o filme corta intermitentemente para uma tela preta.) Enquanto sua voz falha de emoção, fica claro que as súplicas de Adneia não são mais dirigidas a Bolsonaro, mas aos cineastas brancos diante dela - e por extensão, a nós, os telespectadores.

“Você diz que está aqui para nos apoiar”, ela repreende. “Não diga isso em vão.”

Durante muito tempo, Mosse disse ter se debatido com as palavras de Adneia. “Somos apenas artistas!” ele disse. “O melhor que podemos fazer - a única coisa que realmente podemos fazer - é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em 2018, o artista Richard Mosse estava compreensivelmente exausto. Ele passou a maior parte da última década em lugares devastados por conflitos e agitação civil.

No início da década de 2010, o artista irlandês que mora em Nova York trabalhou por cinco anos no Congo, fotografando e filmando o desastre humanitário que ceifou milhões de vidas e desalojou outros milhões. Esse projeto levou a outra série de vídeos e fotos com foco na crise dos refugiados europeus que se desenrolava no Mediterrâneo. Antes disso, ele esteve com o Exército dos EUA no Iraque.

“Eu estava exausto”, disse Mosse recentemente, ao relatar os eventos que levaram à sua mais recente instalação cinematográfica, Broken Spectre, filmado na floresta amazônica de 2018 a 2021. “Pensei em deixar o superego de lado e apenas aproveitar os prazeres simples da fotografia. Este projeto começou essencialmente com retratos de orquídeas.”

Mosse se hospedou em uma pousada ecológica afastada na floresta nublada equatoriana e começou a fotografar plantas, liquens, micélios e insetos com uma lente macro. Ele descobriu que muitos organismos ficam fosforescentes sob a luz ultravioleta, então ele criou imagens dramáticas em Technicolor da abundante biodiversidade no solo da floresta.

Então, no verão de 2019, surgiram imagens na mídia sobre incêndios na Bacia Amazônica. Mosse ligou para Trevor Tweeten, o diretor de fotografia que colabora com os projetos cinematográficos de Mosse desde 2008, e eles foram para lá, disse Tweeten, “para ver do que se tratava”.

Broken Spectre, um filme épico feito de quatro projeções conjuntas que totalizam 21 metros de diâmetro, testemunha a destruição calamitosa da floresta amazônica: a queima deliberada, a derrubada de árvores, a agricultura em escala industrial, a extração mineral e o deslocamento de povos indígenas que os cientistas do clima acreditam estar se aproximando rapidamente de um ponto de inflexão do qual pode não haver retorno. (Algumas das imagens podem ser vistas em seu site)

Parte fotojornalismo, parte documentário sobre a natureza, parte cinéma vérité, parte faroeste, o filme desafia qualquer categorização. Inclui close-ups de plantas e vastos panoramas feitos de helicópteros. Apresenta agricultores e suas famílias; trabalhadores de matadouros; ricos proprietários de terras; garimpeiros; povos indígenas.

A videoinstalação de quatro canais de Richard Mosse, 'Broken Spectre', é uma obra épica de 21 metros de diâmetro. Foto: Jack Hems/The New York Times

Com uma trilha sonora imersiva e muitas vezes estrondosa do compositor experimental Ben Frost, o filme é visceral e abstrato, belo e horripilante. “Broken Spectre” é o trabalho mais poderoso e importante de Mosse até agora.

Mosse, 43, voou para São Francisco para a estreia do filme nos Estados Unidos em um novo espaço de exibição, o 1201 Minnesota Street, após sua apresentação em Londres e em Victoria, na Austrália, em 2022. (Em agosto, ele será incluído na Converge45, a bienal de Portland.)

O convite para exibir “Broken Spectre” em São Francisco veio dos filantropos Andy e Deborah Rappaport, fundadores da Minnesota Street Project Foundation no bairro de Dogpatch na cidade.

A uma curta caminhada de distância, Mosse estava inaugurando uma exposição simultânea na Altman Siegel, sua galeria em São Francisco: “Occidental”, um grupo de obras que incluía “mapas de drones” feitos de fotografias aéreas em mosaico durante sua estada na Amazônia.

“Setenta e cinco por cento de toda a Amazônia está tão degradada por processos de desmatamento que estamos muito perto do ponto em que ocorre um perecimento automático e a floresta não pode gerar sua própria chuva”, explicou Mosse. “Então deixa de ser uma floresta tropical. Quando isso acontece, rapidamente se transforma em savana.”

A grandeza de tal cadeia de eventos - e suas consequências para o futuro do nosso planeta - desafia a compreensão. Ao transmitir essa informação, Mosse, que tem covinhas de menino e um jeito afável, não tentou dramatizá-la ou impressionar-me com sua gravidade. Ele deve ter dito as mesmas coisas 100 vezes. Ele sabe que as estatísticas por si só não são suficientes.

“Temos todos os relatórios, temos os dados quantitativos, mas ainda não temos a imagem adequada, a narrativa qualitativa”, disse ele. É aí que entra sua arte.

A Amazônia pode ser um lugar perigoso - e foi especialmente durante o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, quando os regulamentos de proteção ao meio ambiente foram afrouxados, ou não aplicados. Um estudo recente estimou que 99% do desmatamento na Amazônia é ilegal, grande parte ligado ao crime organizado. Os assentamentos remotos que surgiram perto de minas de ouro são lugares sem lei e violentos, habitados principalmente por jovens garimpeiros que são pagos em ouro e abastecidos com drogas por cartéis.

Um dia, em junho de 2021, Mosse leu relatos de um conflito entre moradores indígenas Yanomami e garimpeiros, ou garimpeiros ilegais. Os garimpeiros trouxeram doenças, inclusive a malária, que estava adoecendo os filhos dos indígenas. As jovens Yanomami foram coagidas à prostituição, trazendo mais doenças. O processo de mineração de ouro envolve o uso de mercúrio, cujos vestígios são levados para o rio, prejudicando a vida selvagem e contaminando os alimentos dos moradores.

Richard Mosse: 'O melhor que podemos fazer – a única coisa que realmente podemos fazer – é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível'.  Foto: Ian Bates/The New York Times

“Eles costumavam viver no paraíso”, disse Mosse. “De repente, eles estão vivendo no inferno.”

Mosse leu sobre como os moradores prenderam um arame ao longo do rio, bloqueando um barco carregado com diesel valioso a caminho do assentamento garimpeiro. Eles apreenderam o diesel e o queimaram. Os garimpeiros revidaram e vários moradores foram mortos. Naquela noite e muitas noites depois, os garimpeiros (ou os cartéis que os protegiam) dispararam armas automáticas contra as cabanas dos moradores.

Mosse reservou voos às pressas para Boa Vista, no norte do Brasil. De lá, fretou um avião Cessna para levá-lo ao povoado. Com ele viajavam seu “tradutor-mediador”, Alessandro Falco, e o líder regional Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami.

Na cena mais memorável e impactante do filme, uma das moradoras, uma mulher chamada Adneia, dirige-se diretamente à câmera. A princípio, sua fúria é dirigida ao presidente brasileiro: “Bolsonaro, seu parasita. Você continua mandando garimpeiros para nossa terra. É doentio. É nojento, seu imundo.”

Sua diatribe legendada continua por mais de cinco minutos. (A câmera de filme de 35 mm de Tweeten teve que ser recarregada duas vezes, então o filme corta intermitentemente para uma tela preta.) Enquanto sua voz falha de emoção, fica claro que as súplicas de Adneia não são mais dirigidas a Bolsonaro, mas aos cineastas brancos diante dela - e por extensão, a nós, os telespectadores.

“Você diz que está aqui para nos apoiar”, ela repreende. “Não diga isso em vão.”

Durante muito tempo, Mosse disse ter se debatido com as palavras de Adneia. “Somos apenas artistas!” ele disse. “O melhor que podemos fazer - a única coisa que realmente podemos fazer - é aquilo em que somos bons, que é nos comunicarmos com o máximo de pessoas possível.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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