Alasca congelante e inesquecível: a rara emoção de patinar no gelo ‘selvagem’


Quando duas semanas de tempo frio e limpo congelaram os lagos ao sul de Anchorage, patinadores aventureiros estavam prontos

Por Elaine Glusac

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Eu tinha passado meses esperando quando finalmente recebi uma ligação do Alasca, em março: partiu gelo selvagem.

Uma janela de mais ou menos duas semanas de tempo frio e limpo congelara o lago Portage, estação final da geleira Portage, cerca de 80 quilômetros a sudeste de Anchorage, e ele estava sólido o bastante para patinarmos no seu gelo selvagem – ou seja, natural.

continua após a publicidade

“Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca”, disse Paxson Woelber, dono da fabricante de patins Ermine Skates, que tem sede em Anchorage.

Alguns meses antes, eu tinha comprado um par de patins nórdicos Ermine, lâminas compridas que parecem patins de velocidade e são fixadas nas botas de esqui cross-country. A compatibilidade permite que os esquiadores cheguem ao gelo remoto e troquem os esquis pelas lâminas para patinar sem trocar as botas e, como disse Woelber, “tirar você da pista”.

A autora, Elaine Glusac, no Lago Kenai, um corpo d'água longo, profundo e em ziguezague a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage Foto: Luc Mehl via The New York Times
continua após a publicidade

Enquanto os patins artísticos e de hóquei são projetados para fazer manobras, como mudanças de direção e curvas fechadas, os patins nórdicos são desenhados para cobrir longas distâncias. As lâminas mais lisas e compridas exigem menos esforço para o impulso e sua estabilidade as deixa mais tolerantes às condições naturais, como o gelo acidentado ou cheio de ervas daninhas.

Mas o problema da patinação nórdica ou de qualquer tipo de patinação selvagem – definida como patinação ao ar livre e em gelo formado naturalmente, qualquer que seja o estilo de patins usado – é encontrar um bom gelo. Os caçadores de gelo selvagem exaltam o final do outono e às vezes a primavera pelas condições de congelamento sem queda de neve, que degrada o gelo.

“É por isso que é tão mágico: é uma coisa fugaz”, disse Laura Kottlowski, ex-patinadora artística de competição que mora em Golden, Colorado, para quem liguei em minha busca por gelo selvagem. Os vídeos de Kottlowski rodando e saltando em lagos alpinos viralizaram no TikTok e no Instagram. Ela ensina sua combinação de montanhismo de inverno e patinação no gelo no site Learn to Skate Outside.

continua após a publicidade

Gelo selvagem para principiantes

'Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca', disse Paxson Woelber, proprietário da Ermine Skate, fabricante de patins com sede em Anchorage. Acima, os patinadores se reúnem no Lago Portage, a extremidade da geleira Portage. Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Patino ao ar livre desde a infância, principalmente em lagos e lagoas do meio-oeste que conheço bem. Mas o tipo de natureza selvagem que Kottlowski e Woelber exploram requer um conhecimento maior sobre gelo e equipamentos de segurança.

continua após a publicidade

Enquanto me preparava para patinar no lugar mais selvagem da minha vida, passei algumas horas assistindo a aulas online sobre gelo selvagem (US$ 149) dadas por Luc Mehl, instrutor de segurança que cresceu no Alasca e trocou o esqui pela patinação anos atrás como um jeito de evitar os riscos de avalanches. Ele mora em Anchorage e ficou conhecido por seu treinamento de segurança em patinação e por vídeos impressionantes dele e de outros patinadores deslizando em lagos congelados nas redes sociais.

Quando entrei em contato com ele para falar sobre meu plano de patinação, ele estava voltando do lago Tustumena, na península de Kenai, onde, numa viagem noturna, tinha esquiado cross-country por 13 quilômetros para chegar ao lago e depois patinado cerca de 80 quilômetros.

“Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida”, disse Mehl. “Como é muito raro, dá uma sensação especial”.

continua após a publicidade

Ele me aconselhou a fazer um teste com os patins Ermine na lagoa Westchester quando chegasse a Anchorage. Ali, cerca de um terço dos patinadores usavam lâminas nórdicas para traçar longas linhas retas no imenso oval de gelo sem neve.

Acostumada aos patins artísticos, achei os modelos nórdicos bem rápidos, mas desajeitados. Dominei a técnica de frenagem dos esquiadores antes de tentar a velocidade máxima. Longas passadas me fizeram voar pelo lago, e assim fui me equilibrando nas lâminas para me preparar para o gelo selvagem.

Patinando até a geleira

continua após a publicidade
No lago Portage, os patinadores chegam perto da geleira Portage, que se eleva 10 andares diretamente acima do lago Foto: Paxson Woelber via The New York Times

“As pistas de patinação cobertas têm uma atmosfera meio loja de departamentos”, disse Woelber quando ele, Mehl e eu partimos com Taiga, o fofo cachorro samoieda de Woelber, da oficina da Ermine em um modesto complexo comercial no sul de Anchorage para o lago Portage na manhã seguinte.

Não tinha nada de loja de departamentos em Portage, um lago de aproximadamente 8 quilômetros de extensão cercado por montanhas de picos nevados e vales cheios de geleiras na Floresta Nacional de Chugach. Sob o sol forte, as partes mais claras do gelo espelhavam a paisagem, com alguns patinadores à distância.

Depois de caminhar cuidadosamente por uma encosta rochosa e passar por cima de um gelo crocante perto da margem com minhas botas de cross-country, calcei as lâminas. Mehl me emprestou um conjunto de picadores de gelo revestidos de plástico e me disse para pendurar no pescoço, como um colar: caso o gelo se quebrasse e eu caísse no lago, eu poderia usar os picadores para furar a superfície, criando um ponto de apoio para me puxar para fora. Ele também ofereceu um bastão com a ponta afiada, conhecido como sonda de gelo, para testar a superfície congelada conforme avançávamos.

“Duas estocadas fortes, usando o cotovelo”, ele demonstrou, golpeando o gelo, “aí você tem certeza de que vai segurar”.

Numa escala de gelo de A a F, patinamos no que meus guias avaliaram ser gelo transparente, grau A, com manchas de grau B, que tinham a textura de uma casca de laranja, e algumas seções de neve congelada grau C. As rachaduras mostravam profundidades de gelo entre 15 e 20 centímetros. Mehl explicou que 10 centímetros já é seguro. No centro do lago havia um iceberg congelado que as crianças estavam usando como escorregador.

Avançamos pelos trechos mais suaves ziguezagueando rumo à geleira, costurando pedaços de gelo imaculado que refletiam uma montanha perto dali com tanta precisão que o lago parecia ter sido encerado.

Contornando uma faixa de terra na ponta do lago, encaramos a geleira Portage, suspensa em gigantescos blocos azuis leitosos que se erguiam quase 10 andares acima do lago congelado. Depois de muito olharmos boquiabertos, seguimos em direção à sua face sul, contemplando um novo tom de gelo turquesa, brilhante e raiado de sol.

Um gelo que parece vidro

No lago Portage, a autora se diverte no gelo com Taiga, o fofo cão samoieda de Woelber Foto: Paxson Woelber via The New York Times

No dia seguinte, tivemos outro dia de powder, no jargão dos esquiadores – ou seja, condições perfeitas e difíceis de resistir – o que levou Mehl a sugerir que tentássemos o lago Kenai, um corpo de água comprido, profundo e em zigue-zague na península de Kenai, a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage, que ele ouviu dizer que tinha acabado de congelar.

Ali, abaixo de uma geleira enfiada na encosta de uma montanha e além das pegadas dos alces que levavam à margem do lago, encontramos gelo A+: suave como um dia sem vento, com picos circundantes refletidos numa superfície espelhada verde-mar.

“Ontem, tivemos a paisagem”, disse Mehl, igualmente entusiasmado com as condições. “Hoje, gelo!”.

'Parte do motivo pelo qual Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida', disse o Sr. Mehl. 'Por causa da raridade, parece especial'. Acima, Laura Kottlowski pratica patinação nórdica no Alasca Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Dava para ver mar aberto a cerca de 100 metros de distância, mas ficamos longe dele, testando o gelo em rachaduras aqui e ali. Em algumas áreas, pequenas ondas pareciam ter congelado em movimento. Outras ondulavam suavemente, como dunas de areia. Naquele dia calmo e sem vento, à medida que o explorávamos, o lago começou a falar em borbulhas e arrotos aquáticos que, segundo Mehl, não eram ameaçadores, só indicavam a expansão e contração naturais do gelo.

De quando em quando, rachaduras finas atravessavam o gelo com um zumbido que parecia de laser. E pelo menos uma vez o lago imitou o mugido de uma vaca, trazendo maravilha auditiva ao nosso passeio.

Em outubro, Mehl começou a postar nas redes sociais vídeos sobre patinação em gelo selvagem nos lagos ao redor de Anchorage. O lago Kenai foi meu último dia de gelo selvagem de 2023, mas pelo menos deslizei até o pôr do sol.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Eu tinha passado meses esperando quando finalmente recebi uma ligação do Alasca, em março: partiu gelo selvagem.

Uma janela de mais ou menos duas semanas de tempo frio e limpo congelara o lago Portage, estação final da geleira Portage, cerca de 80 quilômetros a sudeste de Anchorage, e ele estava sólido o bastante para patinarmos no seu gelo selvagem – ou seja, natural.

“Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca”, disse Paxson Woelber, dono da fabricante de patins Ermine Skates, que tem sede em Anchorage.

Alguns meses antes, eu tinha comprado um par de patins nórdicos Ermine, lâminas compridas que parecem patins de velocidade e são fixadas nas botas de esqui cross-country. A compatibilidade permite que os esquiadores cheguem ao gelo remoto e troquem os esquis pelas lâminas para patinar sem trocar as botas e, como disse Woelber, “tirar você da pista”.

A autora, Elaine Glusac, no Lago Kenai, um corpo d'água longo, profundo e em ziguezague a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage Foto: Luc Mehl via The New York Times

Enquanto os patins artísticos e de hóquei são projetados para fazer manobras, como mudanças de direção e curvas fechadas, os patins nórdicos são desenhados para cobrir longas distâncias. As lâminas mais lisas e compridas exigem menos esforço para o impulso e sua estabilidade as deixa mais tolerantes às condições naturais, como o gelo acidentado ou cheio de ervas daninhas.

Mas o problema da patinação nórdica ou de qualquer tipo de patinação selvagem – definida como patinação ao ar livre e em gelo formado naturalmente, qualquer que seja o estilo de patins usado – é encontrar um bom gelo. Os caçadores de gelo selvagem exaltam o final do outono e às vezes a primavera pelas condições de congelamento sem queda de neve, que degrada o gelo.

“É por isso que é tão mágico: é uma coisa fugaz”, disse Laura Kottlowski, ex-patinadora artística de competição que mora em Golden, Colorado, para quem liguei em minha busca por gelo selvagem. Os vídeos de Kottlowski rodando e saltando em lagos alpinos viralizaram no TikTok e no Instagram. Ela ensina sua combinação de montanhismo de inverno e patinação no gelo no site Learn to Skate Outside.

Gelo selvagem para principiantes

'Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca', disse Paxson Woelber, proprietário da Ermine Skate, fabricante de patins com sede em Anchorage. Acima, os patinadores se reúnem no Lago Portage, a extremidade da geleira Portage. Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Patino ao ar livre desde a infância, principalmente em lagos e lagoas do meio-oeste que conheço bem. Mas o tipo de natureza selvagem que Kottlowski e Woelber exploram requer um conhecimento maior sobre gelo e equipamentos de segurança.

Enquanto me preparava para patinar no lugar mais selvagem da minha vida, passei algumas horas assistindo a aulas online sobre gelo selvagem (US$ 149) dadas por Luc Mehl, instrutor de segurança que cresceu no Alasca e trocou o esqui pela patinação anos atrás como um jeito de evitar os riscos de avalanches. Ele mora em Anchorage e ficou conhecido por seu treinamento de segurança em patinação e por vídeos impressionantes dele e de outros patinadores deslizando em lagos congelados nas redes sociais.

Quando entrei em contato com ele para falar sobre meu plano de patinação, ele estava voltando do lago Tustumena, na península de Kenai, onde, numa viagem noturna, tinha esquiado cross-country por 13 quilômetros para chegar ao lago e depois patinado cerca de 80 quilômetros.

“Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida”, disse Mehl. “Como é muito raro, dá uma sensação especial”.

Ele me aconselhou a fazer um teste com os patins Ermine na lagoa Westchester quando chegasse a Anchorage. Ali, cerca de um terço dos patinadores usavam lâminas nórdicas para traçar longas linhas retas no imenso oval de gelo sem neve.

Acostumada aos patins artísticos, achei os modelos nórdicos bem rápidos, mas desajeitados. Dominei a técnica de frenagem dos esquiadores antes de tentar a velocidade máxima. Longas passadas me fizeram voar pelo lago, e assim fui me equilibrando nas lâminas para me preparar para o gelo selvagem.

Patinando até a geleira

No lago Portage, os patinadores chegam perto da geleira Portage, que se eleva 10 andares diretamente acima do lago Foto: Paxson Woelber via The New York Times

“As pistas de patinação cobertas têm uma atmosfera meio loja de departamentos”, disse Woelber quando ele, Mehl e eu partimos com Taiga, o fofo cachorro samoieda de Woelber, da oficina da Ermine em um modesto complexo comercial no sul de Anchorage para o lago Portage na manhã seguinte.

Não tinha nada de loja de departamentos em Portage, um lago de aproximadamente 8 quilômetros de extensão cercado por montanhas de picos nevados e vales cheios de geleiras na Floresta Nacional de Chugach. Sob o sol forte, as partes mais claras do gelo espelhavam a paisagem, com alguns patinadores à distância.

Depois de caminhar cuidadosamente por uma encosta rochosa e passar por cima de um gelo crocante perto da margem com minhas botas de cross-country, calcei as lâminas. Mehl me emprestou um conjunto de picadores de gelo revestidos de plástico e me disse para pendurar no pescoço, como um colar: caso o gelo se quebrasse e eu caísse no lago, eu poderia usar os picadores para furar a superfície, criando um ponto de apoio para me puxar para fora. Ele também ofereceu um bastão com a ponta afiada, conhecido como sonda de gelo, para testar a superfície congelada conforme avançávamos.

“Duas estocadas fortes, usando o cotovelo”, ele demonstrou, golpeando o gelo, “aí você tem certeza de que vai segurar”.

Numa escala de gelo de A a F, patinamos no que meus guias avaliaram ser gelo transparente, grau A, com manchas de grau B, que tinham a textura de uma casca de laranja, e algumas seções de neve congelada grau C. As rachaduras mostravam profundidades de gelo entre 15 e 20 centímetros. Mehl explicou que 10 centímetros já é seguro. No centro do lago havia um iceberg congelado que as crianças estavam usando como escorregador.

Avançamos pelos trechos mais suaves ziguezagueando rumo à geleira, costurando pedaços de gelo imaculado que refletiam uma montanha perto dali com tanta precisão que o lago parecia ter sido encerado.

Contornando uma faixa de terra na ponta do lago, encaramos a geleira Portage, suspensa em gigantescos blocos azuis leitosos que se erguiam quase 10 andares acima do lago congelado. Depois de muito olharmos boquiabertos, seguimos em direção à sua face sul, contemplando um novo tom de gelo turquesa, brilhante e raiado de sol.

Um gelo que parece vidro

No lago Portage, a autora se diverte no gelo com Taiga, o fofo cão samoieda de Woelber Foto: Paxson Woelber via The New York Times

No dia seguinte, tivemos outro dia de powder, no jargão dos esquiadores – ou seja, condições perfeitas e difíceis de resistir – o que levou Mehl a sugerir que tentássemos o lago Kenai, um corpo de água comprido, profundo e em zigue-zague na península de Kenai, a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage, que ele ouviu dizer que tinha acabado de congelar.

Ali, abaixo de uma geleira enfiada na encosta de uma montanha e além das pegadas dos alces que levavam à margem do lago, encontramos gelo A+: suave como um dia sem vento, com picos circundantes refletidos numa superfície espelhada verde-mar.

“Ontem, tivemos a paisagem”, disse Mehl, igualmente entusiasmado com as condições. “Hoje, gelo!”.

'Parte do motivo pelo qual Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida', disse o Sr. Mehl. 'Por causa da raridade, parece especial'. Acima, Laura Kottlowski pratica patinação nórdica no Alasca Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Dava para ver mar aberto a cerca de 100 metros de distância, mas ficamos longe dele, testando o gelo em rachaduras aqui e ali. Em algumas áreas, pequenas ondas pareciam ter congelado em movimento. Outras ondulavam suavemente, como dunas de areia. Naquele dia calmo e sem vento, à medida que o explorávamos, o lago começou a falar em borbulhas e arrotos aquáticos que, segundo Mehl, não eram ameaçadores, só indicavam a expansão e contração naturais do gelo.

De quando em quando, rachaduras finas atravessavam o gelo com um zumbido que parecia de laser. E pelo menos uma vez o lago imitou o mugido de uma vaca, trazendo maravilha auditiva ao nosso passeio.

Em outubro, Mehl começou a postar nas redes sociais vídeos sobre patinação em gelo selvagem nos lagos ao redor de Anchorage. O lago Kenai foi meu último dia de gelo selvagem de 2023, mas pelo menos deslizei até o pôr do sol.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Eu tinha passado meses esperando quando finalmente recebi uma ligação do Alasca, em março: partiu gelo selvagem.

Uma janela de mais ou menos duas semanas de tempo frio e limpo congelara o lago Portage, estação final da geleira Portage, cerca de 80 quilômetros a sudeste de Anchorage, e ele estava sólido o bastante para patinarmos no seu gelo selvagem – ou seja, natural.

“Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca”, disse Paxson Woelber, dono da fabricante de patins Ermine Skates, que tem sede em Anchorage.

Alguns meses antes, eu tinha comprado um par de patins nórdicos Ermine, lâminas compridas que parecem patins de velocidade e são fixadas nas botas de esqui cross-country. A compatibilidade permite que os esquiadores cheguem ao gelo remoto e troquem os esquis pelas lâminas para patinar sem trocar as botas e, como disse Woelber, “tirar você da pista”.

A autora, Elaine Glusac, no Lago Kenai, um corpo d'água longo, profundo e em ziguezague a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage Foto: Luc Mehl via The New York Times

Enquanto os patins artísticos e de hóquei são projetados para fazer manobras, como mudanças de direção e curvas fechadas, os patins nórdicos são desenhados para cobrir longas distâncias. As lâminas mais lisas e compridas exigem menos esforço para o impulso e sua estabilidade as deixa mais tolerantes às condições naturais, como o gelo acidentado ou cheio de ervas daninhas.

Mas o problema da patinação nórdica ou de qualquer tipo de patinação selvagem – definida como patinação ao ar livre e em gelo formado naturalmente, qualquer que seja o estilo de patins usado – é encontrar um bom gelo. Os caçadores de gelo selvagem exaltam o final do outono e às vezes a primavera pelas condições de congelamento sem queda de neve, que degrada o gelo.

“É por isso que é tão mágico: é uma coisa fugaz”, disse Laura Kottlowski, ex-patinadora artística de competição que mora em Golden, Colorado, para quem liguei em minha busca por gelo selvagem. Os vídeos de Kottlowski rodando e saltando em lagos alpinos viralizaram no TikTok e no Instagram. Ela ensina sua combinação de montanhismo de inverno e patinação no gelo no site Learn to Skate Outside.

Gelo selvagem para principiantes

'Patinar no gelo de grau A diante de uma geleira é realmente aquele tipo de coisa ‘largue o trabalho agora e vá correndo’, mesmo para nós, do Alasca', disse Paxson Woelber, proprietário da Ermine Skate, fabricante de patins com sede em Anchorage. Acima, os patinadores se reúnem no Lago Portage, a extremidade da geleira Portage. Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Patino ao ar livre desde a infância, principalmente em lagos e lagoas do meio-oeste que conheço bem. Mas o tipo de natureza selvagem que Kottlowski e Woelber exploram requer um conhecimento maior sobre gelo e equipamentos de segurança.

Enquanto me preparava para patinar no lugar mais selvagem da minha vida, passei algumas horas assistindo a aulas online sobre gelo selvagem (US$ 149) dadas por Luc Mehl, instrutor de segurança que cresceu no Alasca e trocou o esqui pela patinação anos atrás como um jeito de evitar os riscos de avalanches. Ele mora em Anchorage e ficou conhecido por seu treinamento de segurança em patinação e por vídeos impressionantes dele e de outros patinadores deslizando em lagos congelados nas redes sociais.

Quando entrei em contato com ele para falar sobre meu plano de patinação, ele estava voltando do lago Tustumena, na península de Kenai, onde, numa viagem noturna, tinha esquiado cross-country por 13 quilômetros para chegar ao lago e depois patinado cerca de 80 quilômetros.

“Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida”, disse Mehl. “Como é muito raro, dá uma sensação especial”.

Ele me aconselhou a fazer um teste com os patins Ermine na lagoa Westchester quando chegasse a Anchorage. Ali, cerca de um terço dos patinadores usavam lâminas nórdicas para traçar longas linhas retas no imenso oval de gelo sem neve.

Acostumada aos patins artísticos, achei os modelos nórdicos bem rápidos, mas desajeitados. Dominei a técnica de frenagem dos esquiadores antes de tentar a velocidade máxima. Longas passadas me fizeram voar pelo lago, e assim fui me equilibrando nas lâminas para me preparar para o gelo selvagem.

Patinando até a geleira

No lago Portage, os patinadores chegam perto da geleira Portage, que se eleva 10 andares diretamente acima do lago Foto: Paxson Woelber via The New York Times

“As pistas de patinação cobertas têm uma atmosfera meio loja de departamentos”, disse Woelber quando ele, Mehl e eu partimos com Taiga, o fofo cachorro samoieda de Woelber, da oficina da Ermine em um modesto complexo comercial no sul de Anchorage para o lago Portage na manhã seguinte.

Não tinha nada de loja de departamentos em Portage, um lago de aproximadamente 8 quilômetros de extensão cercado por montanhas de picos nevados e vales cheios de geleiras na Floresta Nacional de Chugach. Sob o sol forte, as partes mais claras do gelo espelhavam a paisagem, com alguns patinadores à distância.

Depois de caminhar cuidadosamente por uma encosta rochosa e passar por cima de um gelo crocante perto da margem com minhas botas de cross-country, calcei as lâminas. Mehl me emprestou um conjunto de picadores de gelo revestidos de plástico e me disse para pendurar no pescoço, como um colar: caso o gelo se quebrasse e eu caísse no lago, eu poderia usar os picadores para furar a superfície, criando um ponto de apoio para me puxar para fora. Ele também ofereceu um bastão com a ponta afiada, conhecido como sonda de gelo, para testar a superfície congelada conforme avançávamos.

“Duas estocadas fortes, usando o cotovelo”, ele demonstrou, golpeando o gelo, “aí você tem certeza de que vai segurar”.

Numa escala de gelo de A a F, patinamos no que meus guias avaliaram ser gelo transparente, grau A, com manchas de grau B, que tinham a textura de uma casca de laranja, e algumas seções de neve congelada grau C. As rachaduras mostravam profundidades de gelo entre 15 e 20 centímetros. Mehl explicou que 10 centímetros já é seguro. No centro do lago havia um iceberg congelado que as crianças estavam usando como escorregador.

Avançamos pelos trechos mais suaves ziguezagueando rumo à geleira, costurando pedaços de gelo imaculado que refletiam uma montanha perto dali com tanta precisão que o lago parecia ter sido encerado.

Contornando uma faixa de terra na ponta do lago, encaramos a geleira Portage, suspensa em gigantescos blocos azuis leitosos que se erguiam quase 10 andares acima do lago congelado. Depois de muito olharmos boquiabertos, seguimos em direção à sua face sul, contemplando um novo tom de gelo turquesa, brilhante e raiado de sol.

Um gelo que parece vidro

No lago Portage, a autora se diverte no gelo com Taiga, o fofo cão samoieda de Woelber Foto: Paxson Woelber via The New York Times

No dia seguinte, tivemos outro dia de powder, no jargão dos esquiadores – ou seja, condições perfeitas e difíceis de resistir – o que levou Mehl a sugerir que tentássemos o lago Kenai, um corpo de água comprido, profundo e em zigue-zague na península de Kenai, a cerca de 160 quilômetros ao sul de Anchorage, que ele ouviu dizer que tinha acabado de congelar.

Ali, abaixo de uma geleira enfiada na encosta de uma montanha e além das pegadas dos alces que levavam à margem do lago, encontramos gelo A+: suave como um dia sem vento, com picos circundantes refletidos numa superfície espelhada verde-mar.

“Ontem, tivemos a paisagem”, disse Mehl, igualmente entusiasmado com as condições. “Hoje, gelo!”.

'Parte do motivo pelo qual Patinar é tão gratificante porque não é uma coisa garantida', disse o Sr. Mehl. 'Por causa da raridade, parece especial'. Acima, Laura Kottlowski pratica patinação nórdica no Alasca Foto: Paxson Woelber via The New York Times

Dava para ver mar aberto a cerca de 100 metros de distância, mas ficamos longe dele, testando o gelo em rachaduras aqui e ali. Em algumas áreas, pequenas ondas pareciam ter congelado em movimento. Outras ondulavam suavemente, como dunas de areia. Naquele dia calmo e sem vento, à medida que o explorávamos, o lago começou a falar em borbulhas e arrotos aquáticos que, segundo Mehl, não eram ameaçadores, só indicavam a expansão e contração naturais do gelo.

De quando em quando, rachaduras finas atravessavam o gelo com um zumbido que parecia de laser. E pelo menos uma vez o lago imitou o mugido de uma vaca, trazendo maravilha auditiva ao nosso passeio.

Em outubro, Mehl começou a postar nas redes sociais vídeos sobre patinação em gelo selvagem nos lagos ao redor de Anchorage. O lago Kenai foi meu último dia de gelo selvagem de 2023, mas pelo menos deslizei até o pôr do sol.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.