Amizade de pescador e cegonha encanta e atrai turistas a aldeia turca; conheça elo que parece fábula


Há treze anos, uma cegonha pousou no barco de um pescador em busca de alimento. Desde então, ela tem voltado todos os anos, chamando a atenção de um país inteiro

Por Ben Hubbard e Safak Timur
Adem Yilmaz pesca no barco com a companheira cegonha, Yaren Foto: Ivor Prickett/The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — ESKIKARAAĞAÇ, Turquia — Treze anos atrás, um pescador pobre de uma pequena aldeia turca estava puxando sua rede de um lago quando ouviu um barulho atrás dele. Ao se virar, viu um ser majestoso parado na proa de seu barco a remo.

Penas brancas e brilhantes cobriam sua cabeça, pescoço e peito, dando lugar a plumas pretas nas asas. Ele se equilibrava sobre pernas finas e alaranjadas que quase combinavam com a cor de seu bico pontudo.

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O pescador, Adem Yilmaz, reconheceu a ave como uma das cegonhas-brancas que há muito passavam os verões na aldeia, recordou ele, mas nunca tinha visto uma tão perto, muito menos recebido uma no seu barco.

Ele se perguntou se ela poderia estar com fome e lhe jogou um peixe, que o pássaro devorou. Então jogou mais um. E mais outro.

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Assim começou a improvável história de um homem e uma cegonha que cativou a Turquia e com o passar dos anos – e uma hábil campanha nas redes sociais realizada por um fotógrafo de natureza local – se espalhou como uma fábula moderna sobre a amizade entre espécies.

A cegonha – apelidada de Yaren (“companheiro” em turco) – não só voltou repetidas vezes ao barco de Yilmaz naquele primeiro ano, disse o pescador, mas, depois de migrar para o sul durante o inverno, retornou na primavera seguinte para a mesma aldeia, o mesmo ninho – e o mesmo barco.

No mês passado, depois de Yaren ter aparecido na aldeia pelo 13º ano consecutivo, os meios de comunicação locais cobriram alegremente seu retorno.

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A história do homem e da cegonha, cujo relacionamento é comemorado em uma estátua na praça do vilarejo, atraiu turistas Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história da dupla trouxe fama inesperada, mas nada de fortuna, para Yilmaz, 70 anos, e Yaren, com idade estimada em 17. Eles estrelaram um livro infantil e um documentário premiado. Um filme de aventura para crianças com uma participação especial de Yilmaz (e uma representação digital da cegonha) deve estrear nos cinemas de toda a Turquia este ano.

Os amantes de cegonhas do mundo todo podem observar Yaren e sua parceira, Nazli (que significa “coquete” em turco), enquanto eles se pavoneiam, contorcem o pescoço, estalam os bicos, renovam o ninho e, de vez em quando, acasalam, graças a uma webcam 24 horas instalada pelo governo local.

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“Não é uma fábula. É uma história de verdade”, disse em entrevista Ali Ozkan, prefeito de Karacabey, cujo distrito abrange a vila. “É uma história verdadeira com sabor de fábula”.

A celebridade da ave reforçou os esforços municipais para aumentar o turismo local com passarelas para pedestres e cafés perto dos lagos do distrito, disse ele. A área desenvolveu um “plano diretor” para cuidar das aves.

No começo, ele enfrentou algumas críticas de eleitores que se perguntavam por que um prefeito estava preocupado com cegonhas, disse ele. Mas agora os moradores telefonam quando veem ninhos danificados, e um amigo de outra cidade recentemente ligou para reclamar que não conseguia ver Yaren na webcam.

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Yaren e Nazli no ninho deles. Há muito tempo as cegonhas fazem ninhos na aldeia, chegando na primavera e se acasalando antes de migrarem para a África no final do verão Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história colocou a aldeia de Eskikaraağaç – população: 235 habitantes – no mapa, atraindo grupos de estudantes e turistas que passeiam por suas ruas estreitas para ver as cegonhas e fazer passeios de barco no lago Uluabat. Muitos visitantes procuram o ninho de Yaren – que fica numa plataforma no topo de um poste elétrico perto da casa de Yilmaz – e ficam maravilhados quando encontram o pescador, enchendo-o de perguntas e posando para fotos.

Numa bela manhã semanas atrás, Yilmaz estava no quintal de sua casinha de dois andares segurando um balde com peixes que havia pescado. No seu ninho, Yaren e Nazli cochilavam, se aprumavam e enchiam o ar com o estalar dos bicos.

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“Yaren!”, gritou Yilmaz. Os pássaros voaram até o quintal e Yilmaz começou a lhes jogar peixes.

“Eles estão cheios”, anunciou Yilmaz depois de os pássaros comerem cerca de duas dúzias. “Depois de treze anos, sei como é.”

As cegonhas fazem ninhos na aldeia há décadas, chegando na primavera e acasalando antes de migrarem para África no final do verão.

Os idosos da aldeia se lembram de quando parecia haver um ninho de cegonha em cada telhado, e os moradores corriam para evitar que as aves roubassem a roupa do varal. Mas a maioria das pessoas gostava dos pássaros, cuja chegada logo após o desabrochar das flores nas amendoeiras era um prenúncio da primavera.

Ridvan Cetin, a autoridade eleita da aldeia, disse que uma contagem feita na década de 1980 encontrou 41 ninhos ativos, o que significa 82 cegonhas, sem incluir as crias.

Este ano, a aldeia tem apenas quatro ninhos ativos, entre eles o de Yaren. “Agora são muito poucos”, disse Cetin, com tristeza.

Uma fotografia de cegonhas fazendo ninho em um café na vila, onde as cegonhas são bem-vindas há muito tempo, apesar da tendência a roubar roupas dos varais Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Ninguém na aldeia conseguia se lembrar de um vínculo semelhante ao de Yilmaz e Yaren. “Nunca vi nada parecido”, disse Cetin.

A relação entre o homem e o pássaro corresponde aos comportamentos conhecidos das cegonhas, disse o ornitólogo Omer Donduren. Embora as cegonhas evitem o contato direto com as pessoas, muitas vezes se empoleiram perto delas, em telhados, chaminés ou postes de eletricidade.

Os pássaros tendem à monogamia e demonstram lealdade aos seus ninhos. Eles se separam dos parceiros para migrar, mas se reencontram no mesmo ninho na primavera para se reproduzir. Isso poderia explicar por que Yaren tem voltado para perto da casa de Yilmaz todos os anos, disse Donduren.

As cegonhas – que podem viver mais de 20 anos na natureza e mais de 30 em cativeiro – também são boas de memória, o que lhes permite recordar rotas de migração desde o extremo norte, como a Polônia e a Alemanha, até destinos muitos milhares de quilômetros ao sul, como a África do Sul. Não está claro onde Yaren passa o tempo depois de deixar a aldeia, mas um rastreador afixado a um dos seus filhotes seguiu o pássaro por Síria, Jordânia, Israel, Egito, Sudão, Chade e República Centro-Africana antes de parar de funcionar.

Com o tempo, as experiências de Yaren com Yilmaz provavelmente se tornaram parte de sua memória, disse ele.

“A natureza não tem muito espaço para emoções”, disse Donduren. “Para a cegonha é uma questão de comida fácil. Ele pensa: ‘Tem uma fonte fácil de alimento aqui. Este homem parece bom. Ele não me machuca.’”

A explicação de Yilmaz é muito mais simples. “É simplesmente uma questão de amar os animais”, disse ele. “Eles são criaturas de Deus.”

Yilmaz alimenta Yaren e Nazli com peixes que pesca. Ele conhece os pássaros bem o suficiente para saber quando estão satisfeitos  Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Numa manhã recente, Yilmaz remou até o lago e puxou a rede, deixando cair peixinhos no barco. “Yaren!”, ele chamou.

A cegonha levantou voo, deu uma volta sobre o barco e pousou num poste perto da margem. “Yaren!”, Yilmaz chamou mais uma vez.

O pássaro voltou a levantar voo e finalmente pousou no barco, onde Yilmaz foi lhe jogando um peixe depois do outro. Depois de um tempo, a cegonha decolou, planou sobre a aldeia e voltou ao ninho.

“É isso”, disse Yilmaz com um sorriso satisfeito. “Ele está cheio.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Adem Yilmaz pesca no barco com a companheira cegonha, Yaren Foto: Ivor Prickett/The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — ESKIKARAAĞAÇ, Turquia — Treze anos atrás, um pescador pobre de uma pequena aldeia turca estava puxando sua rede de um lago quando ouviu um barulho atrás dele. Ao se virar, viu um ser majestoso parado na proa de seu barco a remo.

Penas brancas e brilhantes cobriam sua cabeça, pescoço e peito, dando lugar a plumas pretas nas asas. Ele se equilibrava sobre pernas finas e alaranjadas que quase combinavam com a cor de seu bico pontudo.

O pescador, Adem Yilmaz, reconheceu a ave como uma das cegonhas-brancas que há muito passavam os verões na aldeia, recordou ele, mas nunca tinha visto uma tão perto, muito menos recebido uma no seu barco.

Ele se perguntou se ela poderia estar com fome e lhe jogou um peixe, que o pássaro devorou. Então jogou mais um. E mais outro.

Assim começou a improvável história de um homem e uma cegonha que cativou a Turquia e com o passar dos anos – e uma hábil campanha nas redes sociais realizada por um fotógrafo de natureza local – se espalhou como uma fábula moderna sobre a amizade entre espécies.

A cegonha – apelidada de Yaren (“companheiro” em turco) – não só voltou repetidas vezes ao barco de Yilmaz naquele primeiro ano, disse o pescador, mas, depois de migrar para o sul durante o inverno, retornou na primavera seguinte para a mesma aldeia, o mesmo ninho – e o mesmo barco.

No mês passado, depois de Yaren ter aparecido na aldeia pelo 13º ano consecutivo, os meios de comunicação locais cobriram alegremente seu retorno.

A história do homem e da cegonha, cujo relacionamento é comemorado em uma estátua na praça do vilarejo, atraiu turistas Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história da dupla trouxe fama inesperada, mas nada de fortuna, para Yilmaz, 70 anos, e Yaren, com idade estimada em 17. Eles estrelaram um livro infantil e um documentário premiado. Um filme de aventura para crianças com uma participação especial de Yilmaz (e uma representação digital da cegonha) deve estrear nos cinemas de toda a Turquia este ano.

Os amantes de cegonhas do mundo todo podem observar Yaren e sua parceira, Nazli (que significa “coquete” em turco), enquanto eles se pavoneiam, contorcem o pescoço, estalam os bicos, renovam o ninho e, de vez em quando, acasalam, graças a uma webcam 24 horas instalada pelo governo local.

“Não é uma fábula. É uma história de verdade”, disse em entrevista Ali Ozkan, prefeito de Karacabey, cujo distrito abrange a vila. “É uma história verdadeira com sabor de fábula”.

A celebridade da ave reforçou os esforços municipais para aumentar o turismo local com passarelas para pedestres e cafés perto dos lagos do distrito, disse ele. A área desenvolveu um “plano diretor” para cuidar das aves.

No começo, ele enfrentou algumas críticas de eleitores que se perguntavam por que um prefeito estava preocupado com cegonhas, disse ele. Mas agora os moradores telefonam quando veem ninhos danificados, e um amigo de outra cidade recentemente ligou para reclamar que não conseguia ver Yaren na webcam.

Yaren e Nazli no ninho deles. Há muito tempo as cegonhas fazem ninhos na aldeia, chegando na primavera e se acasalando antes de migrarem para a África no final do verão Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história colocou a aldeia de Eskikaraağaç – população: 235 habitantes – no mapa, atraindo grupos de estudantes e turistas que passeiam por suas ruas estreitas para ver as cegonhas e fazer passeios de barco no lago Uluabat. Muitos visitantes procuram o ninho de Yaren – que fica numa plataforma no topo de um poste elétrico perto da casa de Yilmaz – e ficam maravilhados quando encontram o pescador, enchendo-o de perguntas e posando para fotos.

Numa bela manhã semanas atrás, Yilmaz estava no quintal de sua casinha de dois andares segurando um balde com peixes que havia pescado. No seu ninho, Yaren e Nazli cochilavam, se aprumavam e enchiam o ar com o estalar dos bicos.

“Yaren!”, gritou Yilmaz. Os pássaros voaram até o quintal e Yilmaz começou a lhes jogar peixes.

“Eles estão cheios”, anunciou Yilmaz depois de os pássaros comerem cerca de duas dúzias. “Depois de treze anos, sei como é.”

As cegonhas fazem ninhos na aldeia há décadas, chegando na primavera e acasalando antes de migrarem para África no final do verão.

Os idosos da aldeia se lembram de quando parecia haver um ninho de cegonha em cada telhado, e os moradores corriam para evitar que as aves roubassem a roupa do varal. Mas a maioria das pessoas gostava dos pássaros, cuja chegada logo após o desabrochar das flores nas amendoeiras era um prenúncio da primavera.

Ridvan Cetin, a autoridade eleita da aldeia, disse que uma contagem feita na década de 1980 encontrou 41 ninhos ativos, o que significa 82 cegonhas, sem incluir as crias.

Este ano, a aldeia tem apenas quatro ninhos ativos, entre eles o de Yaren. “Agora são muito poucos”, disse Cetin, com tristeza.

Uma fotografia de cegonhas fazendo ninho em um café na vila, onde as cegonhas são bem-vindas há muito tempo, apesar da tendência a roubar roupas dos varais Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Ninguém na aldeia conseguia se lembrar de um vínculo semelhante ao de Yilmaz e Yaren. “Nunca vi nada parecido”, disse Cetin.

A relação entre o homem e o pássaro corresponde aos comportamentos conhecidos das cegonhas, disse o ornitólogo Omer Donduren. Embora as cegonhas evitem o contato direto com as pessoas, muitas vezes se empoleiram perto delas, em telhados, chaminés ou postes de eletricidade.

Os pássaros tendem à monogamia e demonstram lealdade aos seus ninhos. Eles se separam dos parceiros para migrar, mas se reencontram no mesmo ninho na primavera para se reproduzir. Isso poderia explicar por que Yaren tem voltado para perto da casa de Yilmaz todos os anos, disse Donduren.

As cegonhas – que podem viver mais de 20 anos na natureza e mais de 30 em cativeiro – também são boas de memória, o que lhes permite recordar rotas de migração desde o extremo norte, como a Polônia e a Alemanha, até destinos muitos milhares de quilômetros ao sul, como a África do Sul. Não está claro onde Yaren passa o tempo depois de deixar a aldeia, mas um rastreador afixado a um dos seus filhotes seguiu o pássaro por Síria, Jordânia, Israel, Egito, Sudão, Chade e República Centro-Africana antes de parar de funcionar.

Com o tempo, as experiências de Yaren com Yilmaz provavelmente se tornaram parte de sua memória, disse ele.

“A natureza não tem muito espaço para emoções”, disse Donduren. “Para a cegonha é uma questão de comida fácil. Ele pensa: ‘Tem uma fonte fácil de alimento aqui. Este homem parece bom. Ele não me machuca.’”

A explicação de Yilmaz é muito mais simples. “É simplesmente uma questão de amar os animais”, disse ele. “Eles são criaturas de Deus.”

Yilmaz alimenta Yaren e Nazli com peixes que pesca. Ele conhece os pássaros bem o suficiente para saber quando estão satisfeitos  Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Numa manhã recente, Yilmaz remou até o lago e puxou a rede, deixando cair peixinhos no barco. “Yaren!”, ele chamou.

A cegonha levantou voo, deu uma volta sobre o barco e pousou num poste perto da margem. “Yaren!”, Yilmaz chamou mais uma vez.

O pássaro voltou a levantar voo e finalmente pousou no barco, onde Yilmaz foi lhe jogando um peixe depois do outro. Depois de um tempo, a cegonha decolou, planou sobre a aldeia e voltou ao ninho.

“É isso”, disse Yilmaz com um sorriso satisfeito. “Ele está cheio.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Adem Yilmaz pesca no barco com a companheira cegonha, Yaren Foto: Ivor Prickett/The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — ESKIKARAAĞAÇ, Turquia — Treze anos atrás, um pescador pobre de uma pequena aldeia turca estava puxando sua rede de um lago quando ouviu um barulho atrás dele. Ao se virar, viu um ser majestoso parado na proa de seu barco a remo.

Penas brancas e brilhantes cobriam sua cabeça, pescoço e peito, dando lugar a plumas pretas nas asas. Ele se equilibrava sobre pernas finas e alaranjadas que quase combinavam com a cor de seu bico pontudo.

O pescador, Adem Yilmaz, reconheceu a ave como uma das cegonhas-brancas que há muito passavam os verões na aldeia, recordou ele, mas nunca tinha visto uma tão perto, muito menos recebido uma no seu barco.

Ele se perguntou se ela poderia estar com fome e lhe jogou um peixe, que o pássaro devorou. Então jogou mais um. E mais outro.

Assim começou a improvável história de um homem e uma cegonha que cativou a Turquia e com o passar dos anos – e uma hábil campanha nas redes sociais realizada por um fotógrafo de natureza local – se espalhou como uma fábula moderna sobre a amizade entre espécies.

A cegonha – apelidada de Yaren (“companheiro” em turco) – não só voltou repetidas vezes ao barco de Yilmaz naquele primeiro ano, disse o pescador, mas, depois de migrar para o sul durante o inverno, retornou na primavera seguinte para a mesma aldeia, o mesmo ninho – e o mesmo barco.

No mês passado, depois de Yaren ter aparecido na aldeia pelo 13º ano consecutivo, os meios de comunicação locais cobriram alegremente seu retorno.

A história do homem e da cegonha, cujo relacionamento é comemorado em uma estátua na praça do vilarejo, atraiu turistas Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história da dupla trouxe fama inesperada, mas nada de fortuna, para Yilmaz, 70 anos, e Yaren, com idade estimada em 17. Eles estrelaram um livro infantil e um documentário premiado. Um filme de aventura para crianças com uma participação especial de Yilmaz (e uma representação digital da cegonha) deve estrear nos cinemas de toda a Turquia este ano.

Os amantes de cegonhas do mundo todo podem observar Yaren e sua parceira, Nazli (que significa “coquete” em turco), enquanto eles se pavoneiam, contorcem o pescoço, estalam os bicos, renovam o ninho e, de vez em quando, acasalam, graças a uma webcam 24 horas instalada pelo governo local.

“Não é uma fábula. É uma história de verdade”, disse em entrevista Ali Ozkan, prefeito de Karacabey, cujo distrito abrange a vila. “É uma história verdadeira com sabor de fábula”.

A celebridade da ave reforçou os esforços municipais para aumentar o turismo local com passarelas para pedestres e cafés perto dos lagos do distrito, disse ele. A área desenvolveu um “plano diretor” para cuidar das aves.

No começo, ele enfrentou algumas críticas de eleitores que se perguntavam por que um prefeito estava preocupado com cegonhas, disse ele. Mas agora os moradores telefonam quando veem ninhos danificados, e um amigo de outra cidade recentemente ligou para reclamar que não conseguia ver Yaren na webcam.

Yaren e Nazli no ninho deles. Há muito tempo as cegonhas fazem ninhos na aldeia, chegando na primavera e se acasalando antes de migrarem para a África no final do verão Foto: Ivor Prickett/The New York Times

A história colocou a aldeia de Eskikaraağaç – população: 235 habitantes – no mapa, atraindo grupos de estudantes e turistas que passeiam por suas ruas estreitas para ver as cegonhas e fazer passeios de barco no lago Uluabat. Muitos visitantes procuram o ninho de Yaren – que fica numa plataforma no topo de um poste elétrico perto da casa de Yilmaz – e ficam maravilhados quando encontram o pescador, enchendo-o de perguntas e posando para fotos.

Numa bela manhã semanas atrás, Yilmaz estava no quintal de sua casinha de dois andares segurando um balde com peixes que havia pescado. No seu ninho, Yaren e Nazli cochilavam, se aprumavam e enchiam o ar com o estalar dos bicos.

“Yaren!”, gritou Yilmaz. Os pássaros voaram até o quintal e Yilmaz começou a lhes jogar peixes.

“Eles estão cheios”, anunciou Yilmaz depois de os pássaros comerem cerca de duas dúzias. “Depois de treze anos, sei como é.”

As cegonhas fazem ninhos na aldeia há décadas, chegando na primavera e acasalando antes de migrarem para África no final do verão.

Os idosos da aldeia se lembram de quando parecia haver um ninho de cegonha em cada telhado, e os moradores corriam para evitar que as aves roubassem a roupa do varal. Mas a maioria das pessoas gostava dos pássaros, cuja chegada logo após o desabrochar das flores nas amendoeiras era um prenúncio da primavera.

Ridvan Cetin, a autoridade eleita da aldeia, disse que uma contagem feita na década de 1980 encontrou 41 ninhos ativos, o que significa 82 cegonhas, sem incluir as crias.

Este ano, a aldeia tem apenas quatro ninhos ativos, entre eles o de Yaren. “Agora são muito poucos”, disse Cetin, com tristeza.

Uma fotografia de cegonhas fazendo ninho em um café na vila, onde as cegonhas são bem-vindas há muito tempo, apesar da tendência a roubar roupas dos varais Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Ninguém na aldeia conseguia se lembrar de um vínculo semelhante ao de Yilmaz e Yaren. “Nunca vi nada parecido”, disse Cetin.

A relação entre o homem e o pássaro corresponde aos comportamentos conhecidos das cegonhas, disse o ornitólogo Omer Donduren. Embora as cegonhas evitem o contato direto com as pessoas, muitas vezes se empoleiram perto delas, em telhados, chaminés ou postes de eletricidade.

Os pássaros tendem à monogamia e demonstram lealdade aos seus ninhos. Eles se separam dos parceiros para migrar, mas se reencontram no mesmo ninho na primavera para se reproduzir. Isso poderia explicar por que Yaren tem voltado para perto da casa de Yilmaz todos os anos, disse Donduren.

As cegonhas – que podem viver mais de 20 anos na natureza e mais de 30 em cativeiro – também são boas de memória, o que lhes permite recordar rotas de migração desde o extremo norte, como a Polônia e a Alemanha, até destinos muitos milhares de quilômetros ao sul, como a África do Sul. Não está claro onde Yaren passa o tempo depois de deixar a aldeia, mas um rastreador afixado a um dos seus filhotes seguiu o pássaro por Síria, Jordânia, Israel, Egito, Sudão, Chade e República Centro-Africana antes de parar de funcionar.

Com o tempo, as experiências de Yaren com Yilmaz provavelmente se tornaram parte de sua memória, disse ele.

“A natureza não tem muito espaço para emoções”, disse Donduren. “Para a cegonha é uma questão de comida fácil. Ele pensa: ‘Tem uma fonte fácil de alimento aqui. Este homem parece bom. Ele não me machuca.’”

A explicação de Yilmaz é muito mais simples. “É simplesmente uma questão de amar os animais”, disse ele. “Eles são criaturas de Deus.”

Yilmaz alimenta Yaren e Nazli com peixes que pesca. Ele conhece os pássaros bem o suficiente para saber quando estão satisfeitos  Foto: Ivor Prickett/The New York Times

Numa manhã recente, Yilmaz remou até o lago e puxou a rede, deixando cair peixinhos no barco. “Yaren!”, ele chamou.

A cegonha levantou voo, deu uma volta sobre o barco e pousou num poste perto da margem. “Yaren!”, Yilmaz chamou mais uma vez.

O pássaro voltou a levantar voo e finalmente pousou no barco, onde Yilmaz foi lhe jogando um peixe depois do outro. Depois de um tempo, a cegonha decolou, planou sobre a aldeia e voltou ao ninho.

“É isso”, disse Yilmaz com um sorriso satisfeito. “Ele está cheio.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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