Quando Erykah Badu cria uma nova música, ela começa com os instrumentos que normalmente são tratados como acessórios, como sinos, chocalhos e diapasões. Tem sido assim desde Baduizm, o trabalho de estreia da cantora e produtora em 1997.
“O que me atrai, e a você e a qualquer outra pessoa, é que aquelas frequências e tons se conectam com nossos órgãos e nossas células”, ela disse de sua casa em Dallas. “Você é capaz de anular os efeitos de certos males. Você está vibrando as moléculas separadamente.”
Erykah acredita e pratica há muito tempo o que ela chama de arte de cura. Ela se tornou uma doula em 2001 e mestre reiki em 2006. Para seu mais recente trabalho, ela compôs uma trilha instrumental de 58 minutos de "música de medicina futurista da nova era" para o aplicativo de meditação Headspace. Lançada como parte da série Música para Concentração da empresa, trata-se de uma música suave constante que, em alguns momentos, é pontuada por reverberações profundas de tons instrumentais graves.
“Sinto que a vida é um processo de cura após cura após cura”, disse Erykah. “Qualquer coisa que eu faça vai refletir isso.”
A composição de Erykah é parte de uma produção de música para atenção plena que cresce cada vez mais e só ficou mais forte durante a pandemia. Sem pistas de dança ou salas de concerto para visitar, muitas pessoas passaram a escutar uma música mais suave e discreta para ajudar a acalmar suas mentes inquietas. Em resposta, artistas que talvez não se aventurassem em público neste terreno às vezes esotérico, agora se sentem encorajados a testá-lo.
Em setembro do ano passado, o DJ Diplo lançou seu primeiro álbum com o gênero de música ambiente, MMXX, enquanto no início de maio, Sufjan Stevens lançou uma coleção de cinco volumes de música instrumental chamada Convocations. Alicia Keys recentemente conduziu uma “prática de meditação” de 21 dias com Deepak Chopra, que está disponível no site da cantora.
Embora os artistas da New Age tenham lançado músicas para meditação em fitas cassetes e CDs há décadas, atualmente as empresas de tecnologia estão dispostas a apoiar financeiramente a experimentação musical que casa com seus próprios objetivos.
Ao longo dos últimos 15 meses de ansiedade e incertezas, os aplicativos de bem-estar cresceram com o fluxo de novos assinantes em busca de experiências diferentes.
Antes os músicos talvez fizessem parcerias com iniciativas ligadas a Vans, Red Bull ou Toyota - marcas poderosas dispostas a usar seu dinheiro para ganhar a confiança de jovens consumidores. Agora, os aplicativos de atenção plena estão desempenhando um papel semelhante, oferecendo oportunidades artísticas em um momento precário para a indústria musical.
A Headspace queria criar mais músicas que ajudassem as pessoas a se concentrarem em uma tarefa e, em agosto do ano passado, a empresa anunciou a nomeação de John Legend como seu diretor musical. Legend inaugurou o projeto Música para Concentração com uma lista de agradáveis músicas de jazz autorizadas. Além da contribuição de Erykah, as trilhas que foram lançadas depois incluem músicas originais e sem vocais de artistas, entre eles o aclamado compositor de trilhas sonoras de filmes Hans Zimmer e a banda de rock Arcade Fire.
“Sempre rolou esse questionamento sobre músicos; será que eles podem evocar um determinado estado de espírito por meio de uma música ou de um som?”, disse William Fowler, chefe do conteúdo do aplicativo Headspace. Ele destacou que a iniciativa de Música para Concentração surgiu “em um ano em que músicos que tinham outros planos se viram com tempo para um projeto como este”, dando à empresa acesso “a pessoas que, se a situação fosse diferente, estariam fazendo outras coisas”.
Em março de 2019, o cantor Moby lançou Long Ambients Two, um álbum de composições destinadas a ajudar as pessoas a dormirem que está disponível exclusivamente no Calm, que começou como um aplicativo de meditação. Depois disso, a empresa recebeu inúmeras propostas de outros músicos. A Calm tinha experiência limitada com este mundo, por isso contratou Courtney Phillips, a ex-diretora de parcerias de marcas do Universal Music Group, para se tornar a chefe musical da empresa e aumentar sua biblioteca.
Ela deu continuidade à iniciativa de estreias no aplicativo, mas também contratou artistas como o astro country Keith Urban e o cantor e compositor Moses Sumney para criar faixas originais. A Calm também lançou uma série de “remixes para dormir” de uma hora de duração de músicas de artistas da Universal, incluindo Circles do rapper Post Malone e Breathin da cantora Ariana Grande.
“Somos uma empresa de tecnologia, portanto adoramos analisar coisas como: o que traz as pessoas para o aplicativo? O que elas querem?", disse Courtney. “Piano é o gênero mais escutado de todos os tempos, de acordo com o Calm, então quero ter certeza de que estou oferecendo uma variedade de músicas de piano diferentes para as pessoas. E, ao mesmo tempo, quero trabalhar com artistas e estar aberta a fazer algo que talvez as pessoas não esperem.”
A Endel, uma empresa de tecnologia com sede em Berlim, desenvolveu uma estratégia para promover a saúde mental por meio da música que abraça a sofisticação europeia. Em vez das cores brilhantes e da iconografia alegre de seus concorrentes, seu aplicativo é completamente em preto e branco e apresenta uma interface minimalista. Oleg Stavitsky, o CEO da empresa, é um obcecado por música declarado que, durante nossa entrevista por vídeo, mostrou seus álbuns de Laurie Anderson e Ornette Coleman com orgulho. Ele disse que ficou interessado em mergulhar fundo [no tema] depois de explorar a coleção de vinis de seus pais.
“Depois que você começa a investigar, inevitavelmente acaba esbarrando em Brian Eno em algum ponto”, disse ele, referindo-se ao produtor e compositor responsável por várias obras de referência da música ambiente.
Embora a música na maioria dos aplicativos de meditação seja um som em repetição ou tenha pontos de início e término predefinidos, a produção da Endel é mais dinâmica. A empresa desenvolveu um algoritmo que diz considerar fatores como hora do dia, clima e frequência cardíaca de uma pessoa para oferecer uma experiência sonora individualizada a cada vez.
O compositor neoclássico Dmitry Evgrafov é um dos cofundadores da Endel, e ele cria a coleção de fontes de áudios originais da música que a inteligência artificial incorpora, mas, é claro, as pessoas dentro da empresa ficaram curiosas para saber o que aconteceria se o material de origem viesse de outros artistas.
Então, a empresa fez uma parceria com a cantora Grimes e criou um projeto musical para ajudar as pessoas a dormirem chamado AI Lullaby. E a Endel lançou recentemente uma trilha para produtividade chamada Deep Focus criada por Plastikman, o apelido do DJ de minimal-techno e produtor Richie Hawtin.
“A comunidade da música techno e eletrônica tem estado interessada nessa música repetitiva há tantos anos por toda a sua beleza”, disse Hawtin. “Este tem sido um momento realmente introspectivo para se reconectar à música, às máquinas e às formas alternativas de pensar e produzir.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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