O casuar do sul é frequentemente chamado de o pássaro mais perigoso do mundo.
Embora tímido e reservado nas florestas de sua nativa Nova Guiné e no norte da Austrália, ele pode ser agressivo em cativeiro. Em 2019, os chutes de um casuar em cativeiro feriram mortalmente um homem da Flórida. Eles também são agressivos quando se tenta caçá-los: em 1926, um casuar atacado por um adolescente australiano chutou-o no pescoço com suas garras de 4 polegadas semelhantes a de um velociraptor, cortando sua garganta.
Não se deve passar muito tempo perto desse pássaro, em outras palavras. Mas há 18.000 anos, as pessoas na Nova Guiné podem ter criado filhotes de casuar até aproximadamente a idade adulta - potencialmente o primeiro exemplo conhecido de humanos gerenciando a criação de aves.
“Isso foi milhares de anos antes da domesticação das galinhas”, disse Kristina Douglass, arqueóloga da Penn State University e principal autora do estudo, que foi publicado em setembro no Proceedings of the National Academy of Science.
Há pelo menos 42.000 anos, as primeiras pessoas chegaram à Nova Guiné. Esses colonos encontraram florestas tropicais com casuares grandes e irritáveis, com pés de navalha - e eventualmente descobriram o que fazer com eles. Durante escavações de locais de abrigo nas rochas localizadas nas terras altas do leste da ilha, Susan Bulmer, uma arqueóloga da Nova Zelândia, coletou artefatos e restos de pássaros que acabaram no Museu Nacional e na Galeria de Arte de Papua-Nova Guiné. Entre esses restos estavam 1.019 fragmentos de cascas de ovos de casuar, provavelmente retirados de ninhos de casuares silvestres.
O que as pessoas dos abrigos de pedra estavam fazendo com os ovos? Douglass e seus colegas escanearam as cascas com microscópios a laser tridimensionais. Usando modelagem estatística, comparações com ovos modernos de avestruz e observação cuidadosa das microestruturas das cascas, eles foram capazes de descobrir o ponto em que cada ovo estava antes de eclodir.
Alguns ovos - em fase inicial de desenvolvimento - mostraram sinais de queimado, sugerindo que foram cozidos. Mas um grande número de fragmentos - particularmente aqueles de aproximadamente 11.000 a 9.000 anos atrás - vieram de ovos quase totalmente desenvolvidos. E embora as pessoas possam ter comido os embriões, Douglass disse, "há uma grande possibilidade de que estivessem incubando esses ovos e criando filhotes de casuar".
Para apoiar essa afirmação, ela cita alguns grupos indígenas na ilha que valorizam a carne de casuar e suas penas para rituais e mercadorias comerciais. Eles ainda criam filhotes de casuar a partir de ovos retirados de ninhos selvagens. Os filhotes convivem facilmente com humanos e são relativamente controláveis. (É apenas quando eles atingem a idade adulta que o perigo começa.)
Embora a coleta de ovos e a criação de filhotes sejam uma etapa inicial da domesticação, é improvável que os casuares - bastante intratáveis, no que diz respeito aos pássaros - tenham sido criados totalmente da mesma forma que as galinhas, que foram domesticadas há 8.000 anos. Mas se os primeiros habitantes da Nova Guiné criaram os casuares, eles teriam sido alguns dos primeiros humanos a domar sistematicamente as aves, concluiu a equipe.
“Essas descobertas podem alterar radicalmente os cronogramas e geografias de domesticação que tendem a ser mais amplamente compreendidos e ensinados”, disse Megan Hicks, arqueóloga do Hunter College em Nova York que não participou do estudo. “Os mamíferos são os primeiros casos mais conhecidos (cães e íbex bezoar), mas agora sabemos que precisamos prestar mais atenção às interações humanas com as espécies aviárias.”
As cascas de ovo trazem outra descoberta interessante. Com base nos padrões dos ovos, a equipe sugere que as pessoas coletaram os ovos dentro de uma janela estreita de dias no final do período de incubação. Isso não é fácil: os ninhos de casuar são geralmente muito difíceis de encontrar e protegidos por machos implacáveis, e os ovos têm um período de incubação de cerca de 50 dias.
A fim de obter ovos de casuar em um nível consistente de desenvolvimento - seja para comê-los ou incubá-los -, os antigos da Nova Guiné precisavam saber especificamente quando e onde os casuares faziam seus ninhos, Douglass disse. Essa precisão implica um conhecimento sofisticado - até mesmo um gerenciamento - dos movimentos dos casuares.
“Isso sugere que as pessoas que estão em comunidades de coleta de alimentos têm esse conhecimento íntimo do ambiente e podem, portanto, gerenciá-lo de maneiras que não havíamos imaginado”, disse Douglass.
April M. Beisaw, chefe de antropologia no Vassar College, que não estava envolvida no estudo, disse que foi “um excelente exemplo de como os menores e mais frágeis vestígios do passado podem fornecer evidências de práticas culturais importantes”. “As técnicas descritas podem ser usadas em outros lugares para desenvolver ainda mais nossa compreensão sobre a importância dos pássaros para os humanos, muito antes da domesticação das galinhas”, ela acrescentou.
Só não tente chocar casuares em casa, se você sabe o que é melhor para você. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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