Sentindo-me um pouco como Alice no País das Maravilhas enquanto gigantescas imagens digitais de dálias vermelhas, brancas e cremosas brotavam, floresciam e se despedaçavam na parede diante de mim, duvidei do que estava testemunhando. Seria um passo adiante na marcha do modernismo ou o rebaixamento de uma arte transformada em entretenimento de parque temático?
A estonteante extravagância floral do teamLab, um coletivo de arte digital com base em Tóquio, é a dinâmica obra central da exposição inaugural do Superblue Miami, um “centro de arte experimental” (ou EAC, para os iniciados). Com apoio da colossal Pace Gallery e do Emerson Collective, de Laurene Powell Jobs, o Superblue é o principal concorrente no campo em rápido crescimento da arte imersiva.
A popularidade desse gênero é movida por desejos contraditórios, conforme demonstrado de maneira memorável em 2019, pela fila de visitantes que esperaram até seis horas para passar um minuto entre as luzes piscantes na sala do espelho infinito de Yayoi Kusamana, na galeria de David Zwirner no Chelsea, em Nova York. Mal alimentadas por seus telefones e telas de computador, as pessoas anseiam por experiências viscerais e verdadeiras. E mesmo assim elas permanecem atoladas na gravidade da realidade virtual; as experiências que elas buscam são aquelas capazes de ser gravadas pelas câmeras de seus telefones e postadas nas redes sociais.
O armazém reformado que o Superblue ocupou fica do outro lado da rua de uma instituição de arte contemporânea mais tradicional, o Rubell Museum, que foi reinaugurado no fim de 2019 em Allapattah, uma região comercial e operária a oeste de sua localização original, no agora gentrificado distrito de Wynwood. Mera Rubell falou ao diretor executivo da Pace, Marc Glimcher, a respeito da disponibilidade do edifício quando, por acaso, eles se sentaram próximos um ao outro em um grande jantar. A estrutura contém mais de 4,6 mil metros quadrados de espaço de exibição, com pé-direito de 9 metros. O local exibirá instalações por um ano ou um ano e meio antes de as obras serem transportadas para outras instalações do Superblue em outras cidades, ainda a ser anunciadas. “Isso é algo que temos de fazer para fazer a economia funcionar”, me disse a cofundadora do espaço Mollie Dent-Brocklehurst, que vive em Londres, em uma chamada de Zoom.
Para a exposição em Miami, o Superblue incluiu a instalação AKHU, de James Turrell, um sul-californiano que é uma eminência parda no mundo da arte experimental. A instalação é algo que Turrell chama de Ganzfeld, uma palavra alemã que denota a perda da percepção espacial que ocorre em um campo visual inexpressivo e uniforme, como a brancura de uma neblina. (Assim como Schadenfreude, Ganzfeld não tem tradução para o inglês.) Em AKHU (um termo egípcio ancestral que pode ser traduzido para “alma”), uma elipse de luz é projetada em uma parede vazia e suave, colorindo a sala. A cor da luz muda gradualmente. Se você sobe os degraus cobertos de carpete negro na direção do limite da parede iluminada, seu senso de localização cambaleia vertiginosamente.
Es Devlin, cuja instalação Forest of Us (Floresta de nós) compõe a primeira exposição do Superblue, trabalhou como cenógrafa por 25 anos, criando célebres cenários para The Lehman Trilogy, shows de Kanye West e a exposição About Time: Fashion and Duration, do Costume Institute do Metropolitan Museum, exibida no ano passado. Quando frequentava a escola de arte, em Londres, Devlin admirava os Jovens Artistas Britânicos que a precederam, mas ela me disse em Miami, “Eu não conseguia colocar a cabeça em produzir e vender um objeto. Meu ambiente natural era o teatro”. Nos últimos cinco anos, ela evoluiu de criar designs para outros artistas para adquirir “a confiança para imprimir uma narrativa”.
Forest of Us começa com um filme de quase três minutos em que Devlin representa ramificações - brônquios e pulmões, galhos de árvores, rios e afluentes. A narração começa, “Toda vez que chego a uma bifurcação na estrada, escolho ambos os caminhos”, e termina, “Você é capaz de encontrar isso? Vá atrás, encontre!” E nesse momento a tela se parte, e o visitante caminha através de um portal, até um labirinto. Com filme reflexivo no teto, espelhos de vidro óptico nas paredes em volta e caminhos sinuosos delineados por batentes de alumínio, Forest of Us é como um labirinto de cercas vivas, no qual os tradicionais buxeiros foram substituídos por superfícies reflexivas.
Diante de minha imagem refletida, lembrei da visionária instalação Narcissus Garden, de Kusama, e suas expandidas bolas espelhadas espalhadas pelo chão. (Instalada pela primeira vez na Bienal de Veneza, em 1966, Narcissus Garden está em exibição em um formato atualizado, no Rubell Museum.) Mas a obra de Devlin te envelopa. Finalmente, você chega a uma piscina rasa, com 1,8 metro de largura e 10 metros de comprimento, onde, de pé em círculos demarcados na beira, você pode levantar os braços e ver seu reflexo como uma filigrana fragmentada e escutar o silvo de um suspiro. Petrificado, senti como se estivesse à margem do Rio Estige, experimentando não somente o fim da minha vida, mas a morte do nosso planeta.
No Superblue, a barreira entre o espectador e a obra de arte evaporou, uma missão estabelecida há muito pelo teamLab. Uma maneira de se referir às instalações sensacionais do grupo em Miami é que elas permitem ao visitante atravessar uma tela de computador, da mesma maneira que os personagens do filme Orfeu, de Jean Cocteau atravessam espelhos. “O que define uma fronteira é o reconhecimento dela por parte das pessoas”, afirmou Toshiyuki Inoko, cofundador do teamLab, por meio de um intérprete, enquanto ajustava as instalações em Miami pouco antes da inauguração. “Uma tela de computador, a partir do momento que as pessoas reconhecem a tela, se torna uma fronteira. Estamos tentando eliminar ou suavizar essas fronteiras.”
Em 2018, Inoko convenceu Glimcher a quebrar um tabu e cobrar uma taxa de entrada de US$ 20 para uma exposição do teamLab na Pace Gallery em Palo Alto, Califórnia. A Pace representa vários outros artistas cujas instalações experimentais não atendem a padrões convencionais de vendas, como Leo Villareal, artistas do coletivo Random International e do estúdio DRIFT. A Pace oferece as obras a construtoras e governos. “Elas podem ser instaladas em shopping centers ou pontes”, afirmou Dent-Brocklehurst.
O modelo alternativo do Superblue, que não se restringe a artistas da Pace, financia a produção da obra e paga aos artistas royalties sobre as vendas de ingressos. O ingresso para o Superblue Miami custa US$ 36, com uma adição de US$ 10 para assistir ao projeto Massless Clouds Between Sculpture and Life, uma instigante criação do teamLab na qual nuvens de bolhas de sabão se formam, flutuam e se desaparecem enquanto os visitantes caminham através delas.
Para mim, a experiência imersiva começou não exatamente de forma agradável, na minha viagem de Nova York a Miami, que marcou a primeira vez que entrei num avião em mais de um ano. Ela continuou na assustadoramente despreocupada atmosfera de South Beach, onde me deparei, certa noite quando voltei ao hotel, com uma festa de estudantes universitários sem máscara aglomerados na beira da piscina como sardinhas em lata. Em meio ao meu humor desconcertante, as doidas, meditativas e deslumbrantes instalações do Superblue lavaram minha alma como um descanso reconfortante. Minha relutância derreteu. Minhas dúvidas se esvaíram. Como a garotada no meu hotel, após um ano de privações, eu estava pronto para ser seduzido. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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