Um dos grandes mistérios dos céus continua a hipnotizar os astrônomos. Qual seria a natureza do Oumuamua, o estranho intruso que passou zunindo pelo sistema solar em 2017? Um cometa interestelar? Um iceberg cósmico? Destroços alienígenas?
Recentemente, dois astrônomos da Universidade do Estado do Arizona, Alan Jackson e Steven Desch, ofereceram a explicação mais sólida até aqui: o Oumuamua seria a lasca de um planeta distante, pertencente a outra estrela. Há muito tempo, a colisão com um asteroide o teria lançado ao espaço.
“Esta pesquisa é empolgante porque provavelmente solucionamos o mistério do que é o Oumuamua e podemos identificá-lo razoavelmente bem como um pedaço de ‘exo-Plutão’, um planeta semelhante a Plutão em outro sistema solar”, disse Desch em comunicado divulgado pela União Geofísica Americana. “Até agora, não tínhamos como saber se outros sistemas solares tinham planetas como Plutão, mas agora vimos o pedaço de um planeta assim passar pela Terra”.
Eles anunciaram seus resultados numa reunião da 52ª Conferência de Ciências Lunares e Planetárias em 17 de março e em dois artigos publicados no Journal of Geophysical Research: Planets.
As palavras em questão são “provavelmente solucionamos”. Embora os astrônomos concordem que o novo modelo possa responder a algumas perguntas sobre o viajante misterioso, mas outras continuam em aberto.
“O que faz do Oumuamua algo tão interessante e tão frustrante é que nenhuma das teorias é muito convincente”, disse Gregory Laughlin, astrônomo de Yale que estudou o Oumuamua.
Astrônomos no Havaí, patrulhando as noites à procura de asteroides potencialmente fatais com o telescópio Pan-STARRS1 em Maui, avistaram este objeto misterioso se afastando do sol a 80 quilômetros por segundo em 19 de outubro de 2017. Eles o batizaram de Oumuamua – algo como “batedor” ou “mensageiro” em língua havaiana. Mas qual era a mensagem?
A trajetória do objeto indicava que ele viera de fora do sistema solar e que, após um breve zumbido, passando pelos mundos internos de nosso sistema, foi-se embora para o espaço profundo. Quando foi percebido, já havia passado pela Terra. Os astrônomos concluíram, a partir das variações em seu brilho, que era um objeto vagante, mais longo do que largo.
Os astrônomos há muito pensavam que o primeiro visitante interestelar de nossa região podia ser um cometa órfão, porque os cometas, que moram em nuvens distantes, escapam facilmente de suas estrelas natais. Mas o Oumuamua não tinha cauda – ou seja, a nuvem gasosa que se forma ao redor do núcleo de um cometa – então foi provisoriamente identificado como um asteroide errante.
O conceito um tanto artístico de uma rocha avermelhada em forma de charuto ganhou ampla circulação. Alguns astrônomos sugeriram que parecia ter o formato de uma panqueca.
Mas quando o Oumuamua estava saindo do sistema solar, ele acelerou. Os cometas muitas vezes se comportam desse jeito, porque recebem um empurrão dos jatos de gás em evaporação nas suas superfícies. Então, no fim das contas, talvez fosse mesmo um cometa – mas um cometa estranho. Uma ilustração que acompanha os achados de Jackson e Desch mostra que ele mais se parece com um biscoito – ou até mesmo com um cocô de vaca.
O mistério se aprofundou em 2018 com a descoberta do 2I/Borisov, outro intruso interestelar que se comportava mais ou menos como um cometa comum.
A literatura está repleta de teorias e modelos. Avi Loeb, astrônomo de Harvard, entrou na lista dos mais vendidos no início deste ano com seu livro, Extraterrestrial: The First Sign of Intelligent Life Beyond Earth [Extraterrestre: o primeiro sinal de vida inteligente além da Terra], argumentando que o Oumuamua era algum tipo de nave alienígena e repreendendo a comunidade astronômica por não pensar mais fora da caixa sobre a vida extraterrestre. A forma do objeto, disse ele, poderia ser perfeitamente consistente com a de uma nave do tipo que Loeb e seus colegas, em um ambicioso projeto chamado Breakthrough Starshot, esperam enviar a Alpha Centauri em algum momento deste século.
Mas uma equipe internacional de especialistas em cometas escrevendo na Nature Astronomy em 2019, sob o nome de The Oumuamua ISSI Team, concluiu que todos os dados eram consistentes com “uma origem puramente natural” para o Oumuamua.
No ano passado, Laughlin, de Yale, e seu aluno Darryl Seligman, agora na Universidade de Chicago, sugeriram que o Oumuamua era um iceberg primordial de hidrogênio que se formara no centro escuro e frio de uma nuvem molecular, um dos vastos amontoados de gás primordial que deram origem às estrelas.
O problema é que era difícil explicar como o hidrogênio, que congela a uma temperatura em torno de 3 graus Kelvin, pouco acima do zero absoluto, permaneceria congelado na longa viagem de seu nascimento até aqui.
Inspirados pela ideia do gelo de hidrogênio, Jackson e Desch investigaram outros tipos de icebergs que poderiam atender aos pré-requisitos. E finalmente chegaram ao nitrogênio.
“Nunca vimos exemplos de gelo de hidrogênio na natureza”, disse Desch por e-mail. Mas quando a nave espacial New Horizons passou pelo até então inexplorado Plutão, em 2015, encontrou um mundo inundado de geleiras de nitrogênio.
“O Oumuamua era pequeno, tinha cerca da metade do comprimento de um quarteirão e a espessura de um prédio de três andares, mas era muito brilhante”, escreveram eles em um dos artigos. “O brilho é quase o mesmo das superfícies de Plutão e Tritão, que também são cobertas por gelo de nitrogênio”. Tritão é uma lua de Netuno.
No cenário imaginado por Desch e Jackson, o nascente Oumuamua foi arrancado de um objeto parecido com Plutão que estava orbitando uma estrela distante, cerca de meio bilhão de anos atrás. Originalmente, seria arredondado, mas, ao viajar pelo espaço, foi esculpido por raios cósmicos.
Desch e Jackson concluíram em seu artigo: “Uma vantagem crucial da proposta que aqui apresentamos do fragmento de gelo de nitrogênio é que ela pode explicar simultaneamente todas as características observacionais importantes do Oumuamua, e o material desta composição é encontrado no sistema solar. Concluímos, portanto, que o Oumuamua é exemplo de um objeto incomum, mas certamente não exótico: fragmento de um planeta semelhante a Plutão de outro sistema estelar”.
Claro que a história não acabou aí.
Por e-mail, Loeb reclamou, entre outras coisas, que se o Oumuamua fosse feito de nitrogênio, também deveria conter carbono (o que não foi detectado pelo Telescópio Espacial Spitzer), porque tanto nitrogênio quanto carbono são produzidos juntos por um ciclo termonuclear de carbono-nitrogênio-oxigênio nas estrelas.
Desch respondeu por e-mail: “Falou como cosmologista!”. Ele continuou observando que os planetas têm diferentes maneiras de filtrar e separar os elementos com os quais nasceram. Caso contrário, a atmosfera da Terra, que é 79% de nitrogênio, deveria ter vários por cento de carbono, em vez de um décimo de 1% de carbono. Ou, então, como apontou outro astrônomo, os Grandes Lagos estariam todos cheios de água com gás.
Desch observou, além disso, que a cor avermelhada do Oumuamua combina perfeitamente com a vermelhidão do gelo de Plutão, que tem 0,1% de carbono, na forma de metano.
Outro problema são as estatísticas. Como é que esses icebergs cósmicos podem ser tão comuns – mais de 50 trilhões por ano-luz cúbico de espaço, de acordo com um cálculo de Laughlin – e o projeto Pan-STARRS só descobriu um após cinco anos de pesquisa?
“Isso coloca muita pressão na galáxia para fabricar exo-Plutos”, disse Laughlin.
Nesse caso, o Oumuamua foi, por assim dizer, apenas a ponta de um iceberg insuspeito – o que é exatamente o que Desch e Jackson afirmam. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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