Ator de origem iraniana enfrenta a questão da identidade no Canadá


Quando Mani Soleymanlou começou a atuar, recebeu papéis estereotipados; o fato de ele agora estrelar como um policial é indicativo de mudanças em uma Quebec em transformação

Por Norimitsu Onishi

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Há apenas cinco anos, Mani Soleymanlou, ator quebequense de origem iraniana, interpretava personagens chamados Ahmed, Hakim e Karim em programas de televisão de língua francesa produzidos na província. Hoje, seus papéis incluem Patrick, um banqueiro, em uma série de TV de sucesso, e um policial corrupto com o nome muito quebequense de Robert “Coco” Bédard em outra.

Coco aparece em C’est comme ça que je t’aime (É assim que te amo), série de humor sarcástico ambientada na década de 1970 em um subúrbio da capital da província, a cidade de Quebec - época e lugar em que havia poucas chances de encontrar alguém como Soleymanlou: imigrante que nasceu no Irã e que viveu em Paris, Toronto e Ottawa antes de desembarcar em Quebec. “Acho que a cultura quebequense é muito homogênea”, disse Soleymanlou em um francês com sotaque parisiense.

Mas isso está mudando - graças, em parte, a pessoas como ele. O fato de Soleymanlou, de 40 anos, ter passado de papéis de excluído estereotipado ao de um incluído chamado Coco Bédard em poucos anos também é indicativo de mudanças maiores na sociedade de Quebec.

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Embora ainda permaneça enraizada na língua francesa, na etnia e em uma história compartilhada, a identidade quebequense está em movimento - e o significado de ser quebequense é o que Soleymanlou passou a última década desconstruindo em sua outra carreira, a de dramaturgo.

A trilogia de Soleymanlou, 'Un, Deux, Trois', explora a identidade em Quebec e o lugar dos falantes de francês no Canadá, um país predominantemente anglófono. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Em uma apresentação recente no Théâtre Jean-Duceppe, em Montreal, o teatro lotado aplaudiu Soleymanlou de pé por sua trilogia Un, Deux, Trois (Um, dois, três). Durante quatro horas e meia, ele disseca sua busca por identidade depois de chegar a Quebec, o que fez com que se sentisse mais excluído do que em qualquer outro lugar, e explora o significado da própria identidade e o lugar dos falantes de francês no Canadá, país predominantemente anglófono.

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Coletivamente, as três peças levantam questões difíceis que atingem o âmago da identidade quebequense. Um imigrante do Irã, ou de qualquer outro lugar, pode ser considerado quebequense? Se a língua francesa é um pilar da identidade quebequense, qual é o lugar do francês falado pelos recém-chegados do Magrebe ou da África Ocidental, com sotaques cada vez mais ouvidos em toda a província? A identidade quebequense francesa está fadada a desaparecer por causa da demografia e da geografia? Ou poderá - deverá? - se reinventar, tornando-se parte do mundo francófono global?

Se o sucesso da trilogia de Soleymalou e sua trajetória como ator sugerem que a identidade quebequense está se expandindo, as recentes eleições provinciais também mostram que a evolução não tem sido suave nem é garantida. O primeiro-ministro provincial, François Legault, e seus aliados venceram com uma enorme diferença de votos, em parte promovendo um nacionalismo cultural que retrata os imigrantes como uma ameaça à sociedade de Quebec.

Soleymanlou falou recentemente durante uma entrevista em um café em Hochelaga, bairro de Montreal onde vive com sua parceira, a atriz quebequense Sophie Cadieux, e seu filho. Nomeado para o prestigiado cargo de diretor do teatro francês no Centro Nacional de Artes do Canadá, em Ottawa, Soleymanlou estava em meio a uma turnê por oito cidades canadenses com sua trilogia.

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“Em seu trabalho, ele foi capaz de usar o humor, o riso e a técnica quase de stand-up para narrar suas experiências”, escreveu Yana Meerzon, professora de teatro da Universidade de Ottawa, contrastando as peças com as tragédias diretas de algumas outras histórias de migrantes. E acrescentou que o trabalho dele reconhecia as diferenças entre imigrantes adultos e imigrantes infantis. “Eles não falam dessa cultura, necessariamente; falam de sua cultura, que é mista.”

Nascido em Teerã alguns anos depois que o Iraque invadiu o Irã em 1980, Soleymanlou e sua família se juntaram a um fluxo de exilados iranianos na França. Em Paris, frequentou escolas públicas e aprendeu francês antes que a família fizesse as malas novamente, desta vez para Toronto, quando ele tinha nove anos. Nessa cidade, frequentou escolas com imigrantes como ele e, por fim, “esqueceu-se de si mesmo” - imerso no círculo cada vez maior do multiculturalismo que é o etos do Canadá fora de Quebec.

Com sua família, Soleymanlou estava entre os exilados iranianos que chegaram à França nos anos seguintes à invasão do Irã pelo Iraque em 1980. Foto: Renaud Philippe/The New York Times
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Chegou há duas décadas a Quebec para estudar na Escola Nacional de Teatro do Canadá, em Montreal. A essa altura, os recém-chegados da África francófona, muitos deles muçulmanos, estavam remodelando a paisagem da cidade, como os imigrantes anteriores da Europa e da Ásia já haviam feito durante décadas. Ainda assim, as artes eram o domínio dos quebequenses franceses.

Isso ficou claro em seu primeiro dia na escola, na qual ele e outros três eram os únicos alunos quebequenses não franceses. Quatro era o número máximo já visto em uma escola com mais de cem alunos. Soleymanlou se lembrou de que a diretora da instituição na época brincou com a dificuldade de pronunciar seu nome. Usando dois nomes comuns de famílias quebequenses francesas, ela comentou: “Vão parar de nos criticar por termos só Tremblay e Girard na Escola Nacional de Teatro.” “Eu não entendia por que estávamos sendo separados em duas categorias de alunos”, contou ele. Esse primeiro dia desencadeou uma busca de identidade - a sua e a dos quebequenses franceses - que, quase por acaso, acabou por lançar sua carreira.

Em 2009, foi convidado para se apresentar no Théâtre de Quat’Sous, em Montreal, que então apresentava artistas imigrantes toda segunda-feira à noite. Baseando-se em sua vida, escreveu e interpretou o monólogo que se tornaria “Un” (Um), a primeira parte de sua trilogia. “Desde minha chegada a Quebec, nunca me senti tanto como um cara de outro lugar, como um estranho, um exilado, um perdido, um imigrante. Nunca tive de explicar tantas vezes de onde vim, justificar meu sotaque, descrever minha trajetória, repetir tanto meu sobrenome”, diz ele na peça.

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Soleymanlou continuou sua busca por identidade em “Deux” (Dois), em um diálogo com um judeu bilíngue de Montreal, e depois em “Trois” (Três), que contou com três dúzias de falantes de francês que não eram quebequenses franceses.

À medida que sua carreira teatral decolou, os roteiros também mudaram. Em 2017, enquanto apresentava sua trilogia em Paris, recebeu uma ligação da Radio-Canada, emissora pública, oferecendo-lhe o papel de “Philippe” em uma nova série. Nunca lhe haviam oferecido um papel com nome francês. “Philippe na Rádio-Canadá? Meu Deus, sim!”, Soleymanlou respondeu na ocasião. Mas, quando leu o roteiro, descobriu que seu personagem se transformara em um grego chamado “Yaniss”. Os produtores pediram desculpas, mas ele permaneceu Yaniss.

Teve de esperar mais dois anos pelo primeiro papel como um quebequense étnico francês - o do policial corrupto, embora adorável, em “C’est comme ça que je t’aime”, série sobre dois casais em um subúrbio quebequense muito francês, Sainte-Foy, que se voltam para o crime organizado enquanto seus filhos estão em um acampamento de verão. “O papel de um policial, na década de 1970, em Sainte-Foy, Quebec, interpretado por alguém de origem iraniana? Dez anos atrás, isso teria sido impossível”, observou Soleymanlou.

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The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Há apenas cinco anos, Mani Soleymanlou, ator quebequense de origem iraniana, interpretava personagens chamados Ahmed, Hakim e Karim em programas de televisão de língua francesa produzidos na província. Hoje, seus papéis incluem Patrick, um banqueiro, em uma série de TV de sucesso, e um policial corrupto com o nome muito quebequense de Robert “Coco” Bédard em outra.

Coco aparece em C’est comme ça que je t’aime (É assim que te amo), série de humor sarcástico ambientada na década de 1970 em um subúrbio da capital da província, a cidade de Quebec - época e lugar em que havia poucas chances de encontrar alguém como Soleymanlou: imigrante que nasceu no Irã e que viveu em Paris, Toronto e Ottawa antes de desembarcar em Quebec. “Acho que a cultura quebequense é muito homogênea”, disse Soleymanlou em um francês com sotaque parisiense.

Mas isso está mudando - graças, em parte, a pessoas como ele. O fato de Soleymanlou, de 40 anos, ter passado de papéis de excluído estereotipado ao de um incluído chamado Coco Bédard em poucos anos também é indicativo de mudanças maiores na sociedade de Quebec.

Embora ainda permaneça enraizada na língua francesa, na etnia e em uma história compartilhada, a identidade quebequense está em movimento - e o significado de ser quebequense é o que Soleymanlou passou a última década desconstruindo em sua outra carreira, a de dramaturgo.

A trilogia de Soleymanlou, 'Un, Deux, Trois', explora a identidade em Quebec e o lugar dos falantes de francês no Canadá, um país predominantemente anglófono. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Em uma apresentação recente no Théâtre Jean-Duceppe, em Montreal, o teatro lotado aplaudiu Soleymanlou de pé por sua trilogia Un, Deux, Trois (Um, dois, três). Durante quatro horas e meia, ele disseca sua busca por identidade depois de chegar a Quebec, o que fez com que se sentisse mais excluído do que em qualquer outro lugar, e explora o significado da própria identidade e o lugar dos falantes de francês no Canadá, país predominantemente anglófono.

Coletivamente, as três peças levantam questões difíceis que atingem o âmago da identidade quebequense. Um imigrante do Irã, ou de qualquer outro lugar, pode ser considerado quebequense? Se a língua francesa é um pilar da identidade quebequense, qual é o lugar do francês falado pelos recém-chegados do Magrebe ou da África Ocidental, com sotaques cada vez mais ouvidos em toda a província? A identidade quebequense francesa está fadada a desaparecer por causa da demografia e da geografia? Ou poderá - deverá? - se reinventar, tornando-se parte do mundo francófono global?

Se o sucesso da trilogia de Soleymalou e sua trajetória como ator sugerem que a identidade quebequense está se expandindo, as recentes eleições provinciais também mostram que a evolução não tem sido suave nem é garantida. O primeiro-ministro provincial, François Legault, e seus aliados venceram com uma enorme diferença de votos, em parte promovendo um nacionalismo cultural que retrata os imigrantes como uma ameaça à sociedade de Quebec.

Soleymanlou falou recentemente durante uma entrevista em um café em Hochelaga, bairro de Montreal onde vive com sua parceira, a atriz quebequense Sophie Cadieux, e seu filho. Nomeado para o prestigiado cargo de diretor do teatro francês no Centro Nacional de Artes do Canadá, em Ottawa, Soleymanlou estava em meio a uma turnê por oito cidades canadenses com sua trilogia.

“Em seu trabalho, ele foi capaz de usar o humor, o riso e a técnica quase de stand-up para narrar suas experiências”, escreveu Yana Meerzon, professora de teatro da Universidade de Ottawa, contrastando as peças com as tragédias diretas de algumas outras histórias de migrantes. E acrescentou que o trabalho dele reconhecia as diferenças entre imigrantes adultos e imigrantes infantis. “Eles não falam dessa cultura, necessariamente; falam de sua cultura, que é mista.”

Nascido em Teerã alguns anos depois que o Iraque invadiu o Irã em 1980, Soleymanlou e sua família se juntaram a um fluxo de exilados iranianos na França. Em Paris, frequentou escolas públicas e aprendeu francês antes que a família fizesse as malas novamente, desta vez para Toronto, quando ele tinha nove anos. Nessa cidade, frequentou escolas com imigrantes como ele e, por fim, “esqueceu-se de si mesmo” - imerso no círculo cada vez maior do multiculturalismo que é o etos do Canadá fora de Quebec.

Com sua família, Soleymanlou estava entre os exilados iranianos que chegaram à França nos anos seguintes à invasão do Irã pelo Iraque em 1980. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Chegou há duas décadas a Quebec para estudar na Escola Nacional de Teatro do Canadá, em Montreal. A essa altura, os recém-chegados da África francófona, muitos deles muçulmanos, estavam remodelando a paisagem da cidade, como os imigrantes anteriores da Europa e da Ásia já haviam feito durante décadas. Ainda assim, as artes eram o domínio dos quebequenses franceses.

Isso ficou claro em seu primeiro dia na escola, na qual ele e outros três eram os únicos alunos quebequenses não franceses. Quatro era o número máximo já visto em uma escola com mais de cem alunos. Soleymanlou se lembrou de que a diretora da instituição na época brincou com a dificuldade de pronunciar seu nome. Usando dois nomes comuns de famílias quebequenses francesas, ela comentou: “Vão parar de nos criticar por termos só Tremblay e Girard na Escola Nacional de Teatro.” “Eu não entendia por que estávamos sendo separados em duas categorias de alunos”, contou ele. Esse primeiro dia desencadeou uma busca de identidade - a sua e a dos quebequenses franceses - que, quase por acaso, acabou por lançar sua carreira.

Em 2009, foi convidado para se apresentar no Théâtre de Quat’Sous, em Montreal, que então apresentava artistas imigrantes toda segunda-feira à noite. Baseando-se em sua vida, escreveu e interpretou o monólogo que se tornaria “Un” (Um), a primeira parte de sua trilogia. “Desde minha chegada a Quebec, nunca me senti tanto como um cara de outro lugar, como um estranho, um exilado, um perdido, um imigrante. Nunca tive de explicar tantas vezes de onde vim, justificar meu sotaque, descrever minha trajetória, repetir tanto meu sobrenome”, diz ele na peça.

Soleymanlou continuou sua busca por identidade em “Deux” (Dois), em um diálogo com um judeu bilíngue de Montreal, e depois em “Trois” (Três), que contou com três dúzias de falantes de francês que não eram quebequenses franceses.

À medida que sua carreira teatral decolou, os roteiros também mudaram. Em 2017, enquanto apresentava sua trilogia em Paris, recebeu uma ligação da Radio-Canada, emissora pública, oferecendo-lhe o papel de “Philippe” em uma nova série. Nunca lhe haviam oferecido um papel com nome francês. “Philippe na Rádio-Canadá? Meu Deus, sim!”, Soleymanlou respondeu na ocasião. Mas, quando leu o roteiro, descobriu que seu personagem se transformara em um grego chamado “Yaniss”. Os produtores pediram desculpas, mas ele permaneceu Yaniss.

Teve de esperar mais dois anos pelo primeiro papel como um quebequense étnico francês - o do policial corrupto, embora adorável, em “C’est comme ça que je t’aime”, série sobre dois casais em um subúrbio quebequense muito francês, Sainte-Foy, que se voltam para o crime organizado enquanto seus filhos estão em um acampamento de verão. “O papel de um policial, na década de 1970, em Sainte-Foy, Quebec, interpretado por alguém de origem iraniana? Dez anos atrás, isso teria sido impossível”, observou Soleymanlou.

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Há apenas cinco anos, Mani Soleymanlou, ator quebequense de origem iraniana, interpretava personagens chamados Ahmed, Hakim e Karim em programas de televisão de língua francesa produzidos na província. Hoje, seus papéis incluem Patrick, um banqueiro, em uma série de TV de sucesso, e um policial corrupto com o nome muito quebequense de Robert “Coco” Bédard em outra.

Coco aparece em C’est comme ça que je t’aime (É assim que te amo), série de humor sarcástico ambientada na década de 1970 em um subúrbio da capital da província, a cidade de Quebec - época e lugar em que havia poucas chances de encontrar alguém como Soleymanlou: imigrante que nasceu no Irã e que viveu em Paris, Toronto e Ottawa antes de desembarcar em Quebec. “Acho que a cultura quebequense é muito homogênea”, disse Soleymanlou em um francês com sotaque parisiense.

Mas isso está mudando - graças, em parte, a pessoas como ele. O fato de Soleymanlou, de 40 anos, ter passado de papéis de excluído estereotipado ao de um incluído chamado Coco Bédard em poucos anos também é indicativo de mudanças maiores na sociedade de Quebec.

Embora ainda permaneça enraizada na língua francesa, na etnia e em uma história compartilhada, a identidade quebequense está em movimento - e o significado de ser quebequense é o que Soleymanlou passou a última década desconstruindo em sua outra carreira, a de dramaturgo.

A trilogia de Soleymanlou, 'Un, Deux, Trois', explora a identidade em Quebec e o lugar dos falantes de francês no Canadá, um país predominantemente anglófono. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Em uma apresentação recente no Théâtre Jean-Duceppe, em Montreal, o teatro lotado aplaudiu Soleymanlou de pé por sua trilogia Un, Deux, Trois (Um, dois, três). Durante quatro horas e meia, ele disseca sua busca por identidade depois de chegar a Quebec, o que fez com que se sentisse mais excluído do que em qualquer outro lugar, e explora o significado da própria identidade e o lugar dos falantes de francês no Canadá, país predominantemente anglófono.

Coletivamente, as três peças levantam questões difíceis que atingem o âmago da identidade quebequense. Um imigrante do Irã, ou de qualquer outro lugar, pode ser considerado quebequense? Se a língua francesa é um pilar da identidade quebequense, qual é o lugar do francês falado pelos recém-chegados do Magrebe ou da África Ocidental, com sotaques cada vez mais ouvidos em toda a província? A identidade quebequense francesa está fadada a desaparecer por causa da demografia e da geografia? Ou poderá - deverá? - se reinventar, tornando-se parte do mundo francófono global?

Se o sucesso da trilogia de Soleymalou e sua trajetória como ator sugerem que a identidade quebequense está se expandindo, as recentes eleições provinciais também mostram que a evolução não tem sido suave nem é garantida. O primeiro-ministro provincial, François Legault, e seus aliados venceram com uma enorme diferença de votos, em parte promovendo um nacionalismo cultural que retrata os imigrantes como uma ameaça à sociedade de Quebec.

Soleymanlou falou recentemente durante uma entrevista em um café em Hochelaga, bairro de Montreal onde vive com sua parceira, a atriz quebequense Sophie Cadieux, e seu filho. Nomeado para o prestigiado cargo de diretor do teatro francês no Centro Nacional de Artes do Canadá, em Ottawa, Soleymanlou estava em meio a uma turnê por oito cidades canadenses com sua trilogia.

“Em seu trabalho, ele foi capaz de usar o humor, o riso e a técnica quase de stand-up para narrar suas experiências”, escreveu Yana Meerzon, professora de teatro da Universidade de Ottawa, contrastando as peças com as tragédias diretas de algumas outras histórias de migrantes. E acrescentou que o trabalho dele reconhecia as diferenças entre imigrantes adultos e imigrantes infantis. “Eles não falam dessa cultura, necessariamente; falam de sua cultura, que é mista.”

Nascido em Teerã alguns anos depois que o Iraque invadiu o Irã em 1980, Soleymanlou e sua família se juntaram a um fluxo de exilados iranianos na França. Em Paris, frequentou escolas públicas e aprendeu francês antes que a família fizesse as malas novamente, desta vez para Toronto, quando ele tinha nove anos. Nessa cidade, frequentou escolas com imigrantes como ele e, por fim, “esqueceu-se de si mesmo” - imerso no círculo cada vez maior do multiculturalismo que é o etos do Canadá fora de Quebec.

Com sua família, Soleymanlou estava entre os exilados iranianos que chegaram à França nos anos seguintes à invasão do Irã pelo Iraque em 1980. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Chegou há duas décadas a Quebec para estudar na Escola Nacional de Teatro do Canadá, em Montreal. A essa altura, os recém-chegados da África francófona, muitos deles muçulmanos, estavam remodelando a paisagem da cidade, como os imigrantes anteriores da Europa e da Ásia já haviam feito durante décadas. Ainda assim, as artes eram o domínio dos quebequenses franceses.

Isso ficou claro em seu primeiro dia na escola, na qual ele e outros três eram os únicos alunos quebequenses não franceses. Quatro era o número máximo já visto em uma escola com mais de cem alunos. Soleymanlou se lembrou de que a diretora da instituição na época brincou com a dificuldade de pronunciar seu nome. Usando dois nomes comuns de famílias quebequenses francesas, ela comentou: “Vão parar de nos criticar por termos só Tremblay e Girard na Escola Nacional de Teatro.” “Eu não entendia por que estávamos sendo separados em duas categorias de alunos”, contou ele. Esse primeiro dia desencadeou uma busca de identidade - a sua e a dos quebequenses franceses - que, quase por acaso, acabou por lançar sua carreira.

Em 2009, foi convidado para se apresentar no Théâtre de Quat’Sous, em Montreal, que então apresentava artistas imigrantes toda segunda-feira à noite. Baseando-se em sua vida, escreveu e interpretou o monólogo que se tornaria “Un” (Um), a primeira parte de sua trilogia. “Desde minha chegada a Quebec, nunca me senti tanto como um cara de outro lugar, como um estranho, um exilado, um perdido, um imigrante. Nunca tive de explicar tantas vezes de onde vim, justificar meu sotaque, descrever minha trajetória, repetir tanto meu sobrenome”, diz ele na peça.

Soleymanlou continuou sua busca por identidade em “Deux” (Dois), em um diálogo com um judeu bilíngue de Montreal, e depois em “Trois” (Três), que contou com três dúzias de falantes de francês que não eram quebequenses franceses.

À medida que sua carreira teatral decolou, os roteiros também mudaram. Em 2017, enquanto apresentava sua trilogia em Paris, recebeu uma ligação da Radio-Canada, emissora pública, oferecendo-lhe o papel de “Philippe” em uma nova série. Nunca lhe haviam oferecido um papel com nome francês. “Philippe na Rádio-Canadá? Meu Deus, sim!”, Soleymanlou respondeu na ocasião. Mas, quando leu o roteiro, descobriu que seu personagem se transformara em um grego chamado “Yaniss”. Os produtores pediram desculpas, mas ele permaneceu Yaniss.

Teve de esperar mais dois anos pelo primeiro papel como um quebequense étnico francês - o do policial corrupto, embora adorável, em “C’est comme ça que je t’aime”, série sobre dois casais em um subúrbio quebequense muito francês, Sainte-Foy, que se voltam para o crime organizado enquanto seus filhos estão em um acampamento de verão. “O papel de um policial, na década de 1970, em Sainte-Foy, Quebec, interpretado por alguém de origem iraniana? Dez anos atrás, isso teria sido impossível”, observou Soleymanlou.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Há apenas cinco anos, Mani Soleymanlou, ator quebequense de origem iraniana, interpretava personagens chamados Ahmed, Hakim e Karim em programas de televisão de língua francesa produzidos na província. Hoje, seus papéis incluem Patrick, um banqueiro, em uma série de TV de sucesso, e um policial corrupto com o nome muito quebequense de Robert “Coco” Bédard em outra.

Coco aparece em C’est comme ça que je t’aime (É assim que te amo), série de humor sarcástico ambientada na década de 1970 em um subúrbio da capital da província, a cidade de Quebec - época e lugar em que havia poucas chances de encontrar alguém como Soleymanlou: imigrante que nasceu no Irã e que viveu em Paris, Toronto e Ottawa antes de desembarcar em Quebec. “Acho que a cultura quebequense é muito homogênea”, disse Soleymanlou em um francês com sotaque parisiense.

Mas isso está mudando - graças, em parte, a pessoas como ele. O fato de Soleymanlou, de 40 anos, ter passado de papéis de excluído estereotipado ao de um incluído chamado Coco Bédard em poucos anos também é indicativo de mudanças maiores na sociedade de Quebec.

Embora ainda permaneça enraizada na língua francesa, na etnia e em uma história compartilhada, a identidade quebequense está em movimento - e o significado de ser quebequense é o que Soleymanlou passou a última década desconstruindo em sua outra carreira, a de dramaturgo.

A trilogia de Soleymanlou, 'Un, Deux, Trois', explora a identidade em Quebec e o lugar dos falantes de francês no Canadá, um país predominantemente anglófono. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Em uma apresentação recente no Théâtre Jean-Duceppe, em Montreal, o teatro lotado aplaudiu Soleymanlou de pé por sua trilogia Un, Deux, Trois (Um, dois, três). Durante quatro horas e meia, ele disseca sua busca por identidade depois de chegar a Quebec, o que fez com que se sentisse mais excluído do que em qualquer outro lugar, e explora o significado da própria identidade e o lugar dos falantes de francês no Canadá, país predominantemente anglófono.

Coletivamente, as três peças levantam questões difíceis que atingem o âmago da identidade quebequense. Um imigrante do Irã, ou de qualquer outro lugar, pode ser considerado quebequense? Se a língua francesa é um pilar da identidade quebequense, qual é o lugar do francês falado pelos recém-chegados do Magrebe ou da África Ocidental, com sotaques cada vez mais ouvidos em toda a província? A identidade quebequense francesa está fadada a desaparecer por causa da demografia e da geografia? Ou poderá - deverá? - se reinventar, tornando-se parte do mundo francófono global?

Se o sucesso da trilogia de Soleymalou e sua trajetória como ator sugerem que a identidade quebequense está se expandindo, as recentes eleições provinciais também mostram que a evolução não tem sido suave nem é garantida. O primeiro-ministro provincial, François Legault, e seus aliados venceram com uma enorme diferença de votos, em parte promovendo um nacionalismo cultural que retrata os imigrantes como uma ameaça à sociedade de Quebec.

Soleymanlou falou recentemente durante uma entrevista em um café em Hochelaga, bairro de Montreal onde vive com sua parceira, a atriz quebequense Sophie Cadieux, e seu filho. Nomeado para o prestigiado cargo de diretor do teatro francês no Centro Nacional de Artes do Canadá, em Ottawa, Soleymanlou estava em meio a uma turnê por oito cidades canadenses com sua trilogia.

“Em seu trabalho, ele foi capaz de usar o humor, o riso e a técnica quase de stand-up para narrar suas experiências”, escreveu Yana Meerzon, professora de teatro da Universidade de Ottawa, contrastando as peças com as tragédias diretas de algumas outras histórias de migrantes. E acrescentou que o trabalho dele reconhecia as diferenças entre imigrantes adultos e imigrantes infantis. “Eles não falam dessa cultura, necessariamente; falam de sua cultura, que é mista.”

Nascido em Teerã alguns anos depois que o Iraque invadiu o Irã em 1980, Soleymanlou e sua família se juntaram a um fluxo de exilados iranianos na França. Em Paris, frequentou escolas públicas e aprendeu francês antes que a família fizesse as malas novamente, desta vez para Toronto, quando ele tinha nove anos. Nessa cidade, frequentou escolas com imigrantes como ele e, por fim, “esqueceu-se de si mesmo” - imerso no círculo cada vez maior do multiculturalismo que é o etos do Canadá fora de Quebec.

Com sua família, Soleymanlou estava entre os exilados iranianos que chegaram à França nos anos seguintes à invasão do Irã pelo Iraque em 1980. Foto: Renaud Philippe/The New York Times

Chegou há duas décadas a Quebec para estudar na Escola Nacional de Teatro do Canadá, em Montreal. A essa altura, os recém-chegados da África francófona, muitos deles muçulmanos, estavam remodelando a paisagem da cidade, como os imigrantes anteriores da Europa e da Ásia já haviam feito durante décadas. Ainda assim, as artes eram o domínio dos quebequenses franceses.

Isso ficou claro em seu primeiro dia na escola, na qual ele e outros três eram os únicos alunos quebequenses não franceses. Quatro era o número máximo já visto em uma escola com mais de cem alunos. Soleymanlou se lembrou de que a diretora da instituição na época brincou com a dificuldade de pronunciar seu nome. Usando dois nomes comuns de famílias quebequenses francesas, ela comentou: “Vão parar de nos criticar por termos só Tremblay e Girard na Escola Nacional de Teatro.” “Eu não entendia por que estávamos sendo separados em duas categorias de alunos”, contou ele. Esse primeiro dia desencadeou uma busca de identidade - a sua e a dos quebequenses franceses - que, quase por acaso, acabou por lançar sua carreira.

Em 2009, foi convidado para se apresentar no Théâtre de Quat’Sous, em Montreal, que então apresentava artistas imigrantes toda segunda-feira à noite. Baseando-se em sua vida, escreveu e interpretou o monólogo que se tornaria “Un” (Um), a primeira parte de sua trilogia. “Desde minha chegada a Quebec, nunca me senti tanto como um cara de outro lugar, como um estranho, um exilado, um perdido, um imigrante. Nunca tive de explicar tantas vezes de onde vim, justificar meu sotaque, descrever minha trajetória, repetir tanto meu sobrenome”, diz ele na peça.

Soleymanlou continuou sua busca por identidade em “Deux” (Dois), em um diálogo com um judeu bilíngue de Montreal, e depois em “Trois” (Três), que contou com três dúzias de falantes de francês que não eram quebequenses franceses.

À medida que sua carreira teatral decolou, os roteiros também mudaram. Em 2017, enquanto apresentava sua trilogia em Paris, recebeu uma ligação da Radio-Canada, emissora pública, oferecendo-lhe o papel de “Philippe” em uma nova série. Nunca lhe haviam oferecido um papel com nome francês. “Philippe na Rádio-Canadá? Meu Deus, sim!”, Soleymanlou respondeu na ocasião. Mas, quando leu o roteiro, descobriu que seu personagem se transformara em um grego chamado “Yaniss”. Os produtores pediram desculpas, mas ele permaneceu Yaniss.

Teve de esperar mais dois anos pelo primeiro papel como um quebequense étnico francês - o do policial corrupto, embora adorável, em “C’est comme ça que je t’aime”, série sobre dois casais em um subúrbio quebequense muito francês, Sainte-Foy, que se voltam para o crime organizado enquanto seus filhos estão em um acampamento de verão. “O papel de um policial, na década de 1970, em Sainte-Foy, Quebec, interpretado por alguém de origem iraniana? Dez anos atrás, isso teria sido impossível”, observou Soleymanlou.

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