Atores heterossexuais devem interpretar gays? Um famoso roteirista diz que não


Russell T Davies, cuja última série de sucesso é 'It’s a Sin' na HBO Max, causou polêmica na Inglaterra ao dizer que apenas artistas gays deveriam interpretar personagens gays; 'Estou entrando em uma guerra', afirmou

Por Charles Kaiser

A série It’s a Sin, que mostra um grupo de pessoas em seus 20 e poucos anos enfrentando a crise da Aids na década de 1980, abriu novos caminhos para seu criador, Russel T Davies, porque ele nunca havia escrito a respeito da epidemia antes. Mas havia algo mais que tornava esta série da HBO Max diferente de outros programas com temática gay escritos por Davies, desde o original Queer as Folk até A Very English Scandal: It's a Sin é seu primeiro trabalho em que quase todos os papéis gays são interpretados por atores gays.

Agora, o roteirista está gerando polêmica ao argumentar em entrevistas que, a partir de agora, apenas atores gays deveriam ser permitidos para interpretar personagens gays.

Russell T Davies em Swansea, País de Gales. Foto: Francesca Jones/The New York Times
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"Ah, sim!", ele me disse esta semana. “Estou entrando em uma guerra. Quero que gente como Colin Firth tenha vergonha de suas atuações”.

Firth e Stanley Tucci interpretam um casal gay no recém-lançado Supernova, e Firth conseguiu sua primeira indicação ao Oscar em 2009 por interpretar um personagem gay em Direito de Amar. (Ao ser questionado sobre o posicionamento de Firth, seu assessor lembrou das observações do ator na revista britânica Attitude, que dizia: “Não tenho uma posição final sobre isso. Acho que a questão ainda está viva. É algo que eu levo muito a sério e pensei muito antes de aceitar o papel”).

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A questão de quais atores deveriam ter permissão para interpretar quais papéis tornou-se cada vez mais controversa, especialmente no que diz respeito às representações de grupos historicamente marginalizados. As produções de Hollywood frequentemente escalam atores brancos para papéis de pessoas que originalmente não eram brancas - um fenômeno comumente chamado de “branqueamento” -, mas a pressão pública nos últimos anos levou muitos atores brancos a recusar tais papéis. Personagens de animação negros costumam ser dublados por atores brancos, porém essa prática também está sendo abandonada. Também há um consenso crescente de que os papéis de transgêneros devem ser interpretados apenas por atores transgêneros.

Mas antes do elenco heterossexual misto de The Inheritance, um drama que também aborda o tema da Aids que estreou em Londres em 2018 e foi para a Broadway no ano seguinte, não havia muito debate público a respeito da adequação de atores heterossexuais em papéis gays.

Davies expôs sua nova posição em uma enxurrada de entrevistas antes da estreia de It's a Sin em janeiro, no Channel 4 da Grã-Bretanha, provocando ataques de nomes como Piers Morgan - "Igualdade significa igualdade, ou não é isso", disse ele em Good Morning Britain - e Peter Ash, um ator hétero que interpreta um personagem gay em Coronation Street, a novela mais antiga do mundo. (Ash simplesmente tuitou a definição de atuação: “a arte ou ocupação de interpretar papéis fictícios em peças, filmes ou televisão.”)

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A postura de Davies vai de encontro a um princípio de longa data do movimento pela igualdade LGBTQIA+: ninguém deve jamais sofrer discriminação com base no sexo da pessoa com quem está dormindo. Davies agora está defendendo a discriminação contra atores heterossexuais que querem fazer testes para personagens gays.

Na verdade, as leis da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tornam Davies vulnerável a questionamentos legais se uma pessoa heterossexual puder provar que não foi considerada para um papel porque não é gay.

“É ilegal de acordo com a nova interpretação da Suprema Corte da Lei dos Direitos Civis de 1964”, disse Matt Coles, ex-diretor do Centro de Igualdade da ACLU. A lei proíbe a discriminação com base no sexo e, em uma decisão surpresa do tribunal conservador no ano passado, seis juízes decidiram que a lei abrangia a discriminação com base na orientação sexual ou status de transgênero.

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Na Grã-Bretanha, esse tipo de discriminação também é provavelmente ilegal sob a Lei da Igualdade de 2010, embora a lei tenha exceções limitadas para requisitos ocupacionais para "uma característica protegida particular", escreveu Richard Kenyon, sócio da multinacional de advocacia Fieldfisher, com sede em Londres, por e-mail.

Davies, cuja última série de sucesso é 'It's a Sin', disse que apenas atores gays deveriam interpretar personagens gays. Foto: Francesca Jones/The New York Times

“Isso não justificaria uma política geral, mas pode ser usado em um argumento para uma peça ou filme em particular onde a autenticidade é particularmente importante - e onde a orientação sexual dos atores relevantes é de conhecimento público”, continuou Kenyon.

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A posição de Davies é inquietante e um tanto intrigante por razões que têm menos a ver com justiça do que com seu próprio trabalho no passado: ele já usou atores heterossexuais com muito sucesso em muitos papéis gays. Queer as Folk, seu primeiro grande sucesso, foi estrelado por Aidan Gillen, Craig Kelly e Charlie Hunnam. Mais recentemente, Hugh Grant fez uma de suas interpretações mais elogiadas em A Very English Scandal como Jeremy Thorpe, o líder gay não assumido (e casado) do Partido Liberal que foi acusado e absolvido de tramar a morte de um de seus ex-namorados.

“Já empreguei muitas pessoas heterossexuais para papéis heterossexuais, e o sucesso delas abriu o caminho para que eu esteja aqui agora”, reconheceu Davies.

Ele realmente acredita que existe um ator gay que poderia ter feito uma interpretação mais convincente do que Grant?

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"Não", disse Davies. “Eu tive essa discussão 57 vezes na última semana e 57 pessoas trouxeram esse exemplo de Hugh Grant para a conversa!”

Para Davies, a questão é menos sobre autenticidade do que sobre igualdade para atores gays, que ele diz terem sido sistematicamente excluídos de papéis heterossexuais. E como há muito mais papéis heterossexuais do que gays, ele acha que não é certo fazer atores gays competirem com colegas heterossexuais para interpretar personagens gays.

“Não é uma competição justa”, disse Davies. “A noção de igualdade é baseada em 50% desta forma, 50% daquela forma. Mas 90% dos atores são heterossexuais e 10% dos papéis são gays”.

Entretanto, para uma opinião divergente, Davies não precisa ir muito longe, basta conversar com o próprio elenco em It’s A Sin. Atores como Neil Patrick Harris, que interpreta um alfaiate gay na série, estão preocupados com a nova posição de Davies.

“Como ator, já interpretei todos os tipos de sexualidades”, disse Harris em uma entrevista por telefone no mês passado. “Eu vivi quase uma década interpretando um heterossexual e mulherengo em How I Met Your Mother, e me diverti imensamente. Como diretor, espero poder contratar apenas com base no talento”.

Falei para Davies que muitos jovens de 20 e poucos anos, que estão se descrevendo em número crescente como sexualmente fluidos, ficariam perplexos com sua insistência de que os papéis gays devam ser interpretados por atores em uma categoria que alguns jovens nem reconhecem mais.

“Isso será o futuro”, disse ele. “Eles vão me substituir, mas ainda não estão fazendo os programas de TV. O que estou fazendo os levará a ter poder ”. “Aí então parecerei desatualizado”, acrescentou. “Mas ainda não chegamos lá”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A série It’s a Sin, que mostra um grupo de pessoas em seus 20 e poucos anos enfrentando a crise da Aids na década de 1980, abriu novos caminhos para seu criador, Russel T Davies, porque ele nunca havia escrito a respeito da epidemia antes. Mas havia algo mais que tornava esta série da HBO Max diferente de outros programas com temática gay escritos por Davies, desde o original Queer as Folk até A Very English Scandal: It's a Sin é seu primeiro trabalho em que quase todos os papéis gays são interpretados por atores gays.

Agora, o roteirista está gerando polêmica ao argumentar em entrevistas que, a partir de agora, apenas atores gays deveriam ser permitidos para interpretar personagens gays.

Russell T Davies em Swansea, País de Gales. Foto: Francesca Jones/The New York Times

"Ah, sim!", ele me disse esta semana. “Estou entrando em uma guerra. Quero que gente como Colin Firth tenha vergonha de suas atuações”.

Firth e Stanley Tucci interpretam um casal gay no recém-lançado Supernova, e Firth conseguiu sua primeira indicação ao Oscar em 2009 por interpretar um personagem gay em Direito de Amar. (Ao ser questionado sobre o posicionamento de Firth, seu assessor lembrou das observações do ator na revista britânica Attitude, que dizia: “Não tenho uma posição final sobre isso. Acho que a questão ainda está viva. É algo que eu levo muito a sério e pensei muito antes de aceitar o papel”).

A questão de quais atores deveriam ter permissão para interpretar quais papéis tornou-se cada vez mais controversa, especialmente no que diz respeito às representações de grupos historicamente marginalizados. As produções de Hollywood frequentemente escalam atores brancos para papéis de pessoas que originalmente não eram brancas - um fenômeno comumente chamado de “branqueamento” -, mas a pressão pública nos últimos anos levou muitos atores brancos a recusar tais papéis. Personagens de animação negros costumam ser dublados por atores brancos, porém essa prática também está sendo abandonada. Também há um consenso crescente de que os papéis de transgêneros devem ser interpretados apenas por atores transgêneros.

Mas antes do elenco heterossexual misto de The Inheritance, um drama que também aborda o tema da Aids que estreou em Londres em 2018 e foi para a Broadway no ano seguinte, não havia muito debate público a respeito da adequação de atores heterossexuais em papéis gays.

Davies expôs sua nova posição em uma enxurrada de entrevistas antes da estreia de It's a Sin em janeiro, no Channel 4 da Grã-Bretanha, provocando ataques de nomes como Piers Morgan - "Igualdade significa igualdade, ou não é isso", disse ele em Good Morning Britain - e Peter Ash, um ator hétero que interpreta um personagem gay em Coronation Street, a novela mais antiga do mundo. (Ash simplesmente tuitou a definição de atuação: “a arte ou ocupação de interpretar papéis fictícios em peças, filmes ou televisão.”)

A postura de Davies vai de encontro a um princípio de longa data do movimento pela igualdade LGBTQIA+: ninguém deve jamais sofrer discriminação com base no sexo da pessoa com quem está dormindo. Davies agora está defendendo a discriminação contra atores heterossexuais que querem fazer testes para personagens gays.

Na verdade, as leis da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tornam Davies vulnerável a questionamentos legais se uma pessoa heterossexual puder provar que não foi considerada para um papel porque não é gay.

“É ilegal de acordo com a nova interpretação da Suprema Corte da Lei dos Direitos Civis de 1964”, disse Matt Coles, ex-diretor do Centro de Igualdade da ACLU. A lei proíbe a discriminação com base no sexo e, em uma decisão surpresa do tribunal conservador no ano passado, seis juízes decidiram que a lei abrangia a discriminação com base na orientação sexual ou status de transgênero.

Na Grã-Bretanha, esse tipo de discriminação também é provavelmente ilegal sob a Lei da Igualdade de 2010, embora a lei tenha exceções limitadas para requisitos ocupacionais para "uma característica protegida particular", escreveu Richard Kenyon, sócio da multinacional de advocacia Fieldfisher, com sede em Londres, por e-mail.

Davies, cuja última série de sucesso é 'It's a Sin', disse que apenas atores gays deveriam interpretar personagens gays. Foto: Francesca Jones/The New York Times

“Isso não justificaria uma política geral, mas pode ser usado em um argumento para uma peça ou filme em particular onde a autenticidade é particularmente importante - e onde a orientação sexual dos atores relevantes é de conhecimento público”, continuou Kenyon.

A posição de Davies é inquietante e um tanto intrigante por razões que têm menos a ver com justiça do que com seu próprio trabalho no passado: ele já usou atores heterossexuais com muito sucesso em muitos papéis gays. Queer as Folk, seu primeiro grande sucesso, foi estrelado por Aidan Gillen, Craig Kelly e Charlie Hunnam. Mais recentemente, Hugh Grant fez uma de suas interpretações mais elogiadas em A Very English Scandal como Jeremy Thorpe, o líder gay não assumido (e casado) do Partido Liberal que foi acusado e absolvido de tramar a morte de um de seus ex-namorados.

“Já empreguei muitas pessoas heterossexuais para papéis heterossexuais, e o sucesso delas abriu o caminho para que eu esteja aqui agora”, reconheceu Davies.

Ele realmente acredita que existe um ator gay que poderia ter feito uma interpretação mais convincente do que Grant?

"Não", disse Davies. “Eu tive essa discussão 57 vezes na última semana e 57 pessoas trouxeram esse exemplo de Hugh Grant para a conversa!”

Para Davies, a questão é menos sobre autenticidade do que sobre igualdade para atores gays, que ele diz terem sido sistematicamente excluídos de papéis heterossexuais. E como há muito mais papéis heterossexuais do que gays, ele acha que não é certo fazer atores gays competirem com colegas heterossexuais para interpretar personagens gays.

“Não é uma competição justa”, disse Davies. “A noção de igualdade é baseada em 50% desta forma, 50% daquela forma. Mas 90% dos atores são heterossexuais e 10% dos papéis são gays”.

Entretanto, para uma opinião divergente, Davies não precisa ir muito longe, basta conversar com o próprio elenco em It’s A Sin. Atores como Neil Patrick Harris, que interpreta um alfaiate gay na série, estão preocupados com a nova posição de Davies.

“Como ator, já interpretei todos os tipos de sexualidades”, disse Harris em uma entrevista por telefone no mês passado. “Eu vivi quase uma década interpretando um heterossexual e mulherengo em How I Met Your Mother, e me diverti imensamente. Como diretor, espero poder contratar apenas com base no talento”.

Falei para Davies que muitos jovens de 20 e poucos anos, que estão se descrevendo em número crescente como sexualmente fluidos, ficariam perplexos com sua insistência de que os papéis gays devam ser interpretados por atores em uma categoria que alguns jovens nem reconhecem mais.

“Isso será o futuro”, disse ele. “Eles vão me substituir, mas ainda não estão fazendo os programas de TV. O que estou fazendo os levará a ter poder ”. “Aí então parecerei desatualizado”, acrescentou. “Mas ainda não chegamos lá”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A série It’s a Sin, que mostra um grupo de pessoas em seus 20 e poucos anos enfrentando a crise da Aids na década de 1980, abriu novos caminhos para seu criador, Russel T Davies, porque ele nunca havia escrito a respeito da epidemia antes. Mas havia algo mais que tornava esta série da HBO Max diferente de outros programas com temática gay escritos por Davies, desde o original Queer as Folk até A Very English Scandal: It's a Sin é seu primeiro trabalho em que quase todos os papéis gays são interpretados por atores gays.

Agora, o roteirista está gerando polêmica ao argumentar em entrevistas que, a partir de agora, apenas atores gays deveriam ser permitidos para interpretar personagens gays.

Russell T Davies em Swansea, País de Gales. Foto: Francesca Jones/The New York Times

"Ah, sim!", ele me disse esta semana. “Estou entrando em uma guerra. Quero que gente como Colin Firth tenha vergonha de suas atuações”.

Firth e Stanley Tucci interpretam um casal gay no recém-lançado Supernova, e Firth conseguiu sua primeira indicação ao Oscar em 2009 por interpretar um personagem gay em Direito de Amar. (Ao ser questionado sobre o posicionamento de Firth, seu assessor lembrou das observações do ator na revista britânica Attitude, que dizia: “Não tenho uma posição final sobre isso. Acho que a questão ainda está viva. É algo que eu levo muito a sério e pensei muito antes de aceitar o papel”).

A questão de quais atores deveriam ter permissão para interpretar quais papéis tornou-se cada vez mais controversa, especialmente no que diz respeito às representações de grupos historicamente marginalizados. As produções de Hollywood frequentemente escalam atores brancos para papéis de pessoas que originalmente não eram brancas - um fenômeno comumente chamado de “branqueamento” -, mas a pressão pública nos últimos anos levou muitos atores brancos a recusar tais papéis. Personagens de animação negros costumam ser dublados por atores brancos, porém essa prática também está sendo abandonada. Também há um consenso crescente de que os papéis de transgêneros devem ser interpretados apenas por atores transgêneros.

Mas antes do elenco heterossexual misto de The Inheritance, um drama que também aborda o tema da Aids que estreou em Londres em 2018 e foi para a Broadway no ano seguinte, não havia muito debate público a respeito da adequação de atores heterossexuais em papéis gays.

Davies expôs sua nova posição em uma enxurrada de entrevistas antes da estreia de It's a Sin em janeiro, no Channel 4 da Grã-Bretanha, provocando ataques de nomes como Piers Morgan - "Igualdade significa igualdade, ou não é isso", disse ele em Good Morning Britain - e Peter Ash, um ator hétero que interpreta um personagem gay em Coronation Street, a novela mais antiga do mundo. (Ash simplesmente tuitou a definição de atuação: “a arte ou ocupação de interpretar papéis fictícios em peças, filmes ou televisão.”)

A postura de Davies vai de encontro a um princípio de longa data do movimento pela igualdade LGBTQIA+: ninguém deve jamais sofrer discriminação com base no sexo da pessoa com quem está dormindo. Davies agora está defendendo a discriminação contra atores heterossexuais que querem fazer testes para personagens gays.

Na verdade, as leis da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tornam Davies vulnerável a questionamentos legais se uma pessoa heterossexual puder provar que não foi considerada para um papel porque não é gay.

“É ilegal de acordo com a nova interpretação da Suprema Corte da Lei dos Direitos Civis de 1964”, disse Matt Coles, ex-diretor do Centro de Igualdade da ACLU. A lei proíbe a discriminação com base no sexo e, em uma decisão surpresa do tribunal conservador no ano passado, seis juízes decidiram que a lei abrangia a discriminação com base na orientação sexual ou status de transgênero.

Na Grã-Bretanha, esse tipo de discriminação também é provavelmente ilegal sob a Lei da Igualdade de 2010, embora a lei tenha exceções limitadas para requisitos ocupacionais para "uma característica protegida particular", escreveu Richard Kenyon, sócio da multinacional de advocacia Fieldfisher, com sede em Londres, por e-mail.

Davies, cuja última série de sucesso é 'It's a Sin', disse que apenas atores gays deveriam interpretar personagens gays. Foto: Francesca Jones/The New York Times

“Isso não justificaria uma política geral, mas pode ser usado em um argumento para uma peça ou filme em particular onde a autenticidade é particularmente importante - e onde a orientação sexual dos atores relevantes é de conhecimento público”, continuou Kenyon.

A posição de Davies é inquietante e um tanto intrigante por razões que têm menos a ver com justiça do que com seu próprio trabalho no passado: ele já usou atores heterossexuais com muito sucesso em muitos papéis gays. Queer as Folk, seu primeiro grande sucesso, foi estrelado por Aidan Gillen, Craig Kelly e Charlie Hunnam. Mais recentemente, Hugh Grant fez uma de suas interpretações mais elogiadas em A Very English Scandal como Jeremy Thorpe, o líder gay não assumido (e casado) do Partido Liberal que foi acusado e absolvido de tramar a morte de um de seus ex-namorados.

“Já empreguei muitas pessoas heterossexuais para papéis heterossexuais, e o sucesso delas abriu o caminho para que eu esteja aqui agora”, reconheceu Davies.

Ele realmente acredita que existe um ator gay que poderia ter feito uma interpretação mais convincente do que Grant?

"Não", disse Davies. “Eu tive essa discussão 57 vezes na última semana e 57 pessoas trouxeram esse exemplo de Hugh Grant para a conversa!”

Para Davies, a questão é menos sobre autenticidade do que sobre igualdade para atores gays, que ele diz terem sido sistematicamente excluídos de papéis heterossexuais. E como há muito mais papéis heterossexuais do que gays, ele acha que não é certo fazer atores gays competirem com colegas heterossexuais para interpretar personagens gays.

“Não é uma competição justa”, disse Davies. “A noção de igualdade é baseada em 50% desta forma, 50% daquela forma. Mas 90% dos atores são heterossexuais e 10% dos papéis são gays”.

Entretanto, para uma opinião divergente, Davies não precisa ir muito longe, basta conversar com o próprio elenco em It’s A Sin. Atores como Neil Patrick Harris, que interpreta um alfaiate gay na série, estão preocupados com a nova posição de Davies.

“Como ator, já interpretei todos os tipos de sexualidades”, disse Harris em uma entrevista por telefone no mês passado. “Eu vivi quase uma década interpretando um heterossexual e mulherengo em How I Met Your Mother, e me diverti imensamente. Como diretor, espero poder contratar apenas com base no talento”.

Falei para Davies que muitos jovens de 20 e poucos anos, que estão se descrevendo em número crescente como sexualmente fluidos, ficariam perplexos com sua insistência de que os papéis gays devam ser interpretados por atores em uma categoria que alguns jovens nem reconhecem mais.

“Isso será o futuro”, disse ele. “Eles vão me substituir, mas ainda não estão fazendo os programas de TV. O que estou fazendo os levará a ter poder ”. “Aí então parecerei desatualizado”, acrescentou. “Mas ainda não chegamos lá”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A série It’s a Sin, que mostra um grupo de pessoas em seus 20 e poucos anos enfrentando a crise da Aids na década de 1980, abriu novos caminhos para seu criador, Russel T Davies, porque ele nunca havia escrito a respeito da epidemia antes. Mas havia algo mais que tornava esta série da HBO Max diferente de outros programas com temática gay escritos por Davies, desde o original Queer as Folk até A Very English Scandal: It's a Sin é seu primeiro trabalho em que quase todos os papéis gays são interpretados por atores gays.

Agora, o roteirista está gerando polêmica ao argumentar em entrevistas que, a partir de agora, apenas atores gays deveriam ser permitidos para interpretar personagens gays.

Russell T Davies em Swansea, País de Gales. Foto: Francesca Jones/The New York Times

"Ah, sim!", ele me disse esta semana. “Estou entrando em uma guerra. Quero que gente como Colin Firth tenha vergonha de suas atuações”.

Firth e Stanley Tucci interpretam um casal gay no recém-lançado Supernova, e Firth conseguiu sua primeira indicação ao Oscar em 2009 por interpretar um personagem gay em Direito de Amar. (Ao ser questionado sobre o posicionamento de Firth, seu assessor lembrou das observações do ator na revista britânica Attitude, que dizia: “Não tenho uma posição final sobre isso. Acho que a questão ainda está viva. É algo que eu levo muito a sério e pensei muito antes de aceitar o papel”).

A questão de quais atores deveriam ter permissão para interpretar quais papéis tornou-se cada vez mais controversa, especialmente no que diz respeito às representações de grupos historicamente marginalizados. As produções de Hollywood frequentemente escalam atores brancos para papéis de pessoas que originalmente não eram brancas - um fenômeno comumente chamado de “branqueamento” -, mas a pressão pública nos últimos anos levou muitos atores brancos a recusar tais papéis. Personagens de animação negros costumam ser dublados por atores brancos, porém essa prática também está sendo abandonada. Também há um consenso crescente de que os papéis de transgêneros devem ser interpretados apenas por atores transgêneros.

Mas antes do elenco heterossexual misto de The Inheritance, um drama que também aborda o tema da Aids que estreou em Londres em 2018 e foi para a Broadway no ano seguinte, não havia muito debate público a respeito da adequação de atores heterossexuais em papéis gays.

Davies expôs sua nova posição em uma enxurrada de entrevistas antes da estreia de It's a Sin em janeiro, no Channel 4 da Grã-Bretanha, provocando ataques de nomes como Piers Morgan - "Igualdade significa igualdade, ou não é isso", disse ele em Good Morning Britain - e Peter Ash, um ator hétero que interpreta um personagem gay em Coronation Street, a novela mais antiga do mundo. (Ash simplesmente tuitou a definição de atuação: “a arte ou ocupação de interpretar papéis fictícios em peças, filmes ou televisão.”)

A postura de Davies vai de encontro a um princípio de longa data do movimento pela igualdade LGBTQIA+: ninguém deve jamais sofrer discriminação com base no sexo da pessoa com quem está dormindo. Davies agora está defendendo a discriminação contra atores heterossexuais que querem fazer testes para personagens gays.

Na verdade, as leis da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tornam Davies vulnerável a questionamentos legais se uma pessoa heterossexual puder provar que não foi considerada para um papel porque não é gay.

“É ilegal de acordo com a nova interpretação da Suprema Corte da Lei dos Direitos Civis de 1964”, disse Matt Coles, ex-diretor do Centro de Igualdade da ACLU. A lei proíbe a discriminação com base no sexo e, em uma decisão surpresa do tribunal conservador no ano passado, seis juízes decidiram que a lei abrangia a discriminação com base na orientação sexual ou status de transgênero.

Na Grã-Bretanha, esse tipo de discriminação também é provavelmente ilegal sob a Lei da Igualdade de 2010, embora a lei tenha exceções limitadas para requisitos ocupacionais para "uma característica protegida particular", escreveu Richard Kenyon, sócio da multinacional de advocacia Fieldfisher, com sede em Londres, por e-mail.

Davies, cuja última série de sucesso é 'It's a Sin', disse que apenas atores gays deveriam interpretar personagens gays. Foto: Francesca Jones/The New York Times

“Isso não justificaria uma política geral, mas pode ser usado em um argumento para uma peça ou filme em particular onde a autenticidade é particularmente importante - e onde a orientação sexual dos atores relevantes é de conhecimento público”, continuou Kenyon.

A posição de Davies é inquietante e um tanto intrigante por razões que têm menos a ver com justiça do que com seu próprio trabalho no passado: ele já usou atores heterossexuais com muito sucesso em muitos papéis gays. Queer as Folk, seu primeiro grande sucesso, foi estrelado por Aidan Gillen, Craig Kelly e Charlie Hunnam. Mais recentemente, Hugh Grant fez uma de suas interpretações mais elogiadas em A Very English Scandal como Jeremy Thorpe, o líder gay não assumido (e casado) do Partido Liberal que foi acusado e absolvido de tramar a morte de um de seus ex-namorados.

“Já empreguei muitas pessoas heterossexuais para papéis heterossexuais, e o sucesso delas abriu o caminho para que eu esteja aqui agora”, reconheceu Davies.

Ele realmente acredita que existe um ator gay que poderia ter feito uma interpretação mais convincente do que Grant?

"Não", disse Davies. “Eu tive essa discussão 57 vezes na última semana e 57 pessoas trouxeram esse exemplo de Hugh Grant para a conversa!”

Para Davies, a questão é menos sobre autenticidade do que sobre igualdade para atores gays, que ele diz terem sido sistematicamente excluídos de papéis heterossexuais. E como há muito mais papéis heterossexuais do que gays, ele acha que não é certo fazer atores gays competirem com colegas heterossexuais para interpretar personagens gays.

“Não é uma competição justa”, disse Davies. “A noção de igualdade é baseada em 50% desta forma, 50% daquela forma. Mas 90% dos atores são heterossexuais e 10% dos papéis são gays”.

Entretanto, para uma opinião divergente, Davies não precisa ir muito longe, basta conversar com o próprio elenco em It’s A Sin. Atores como Neil Patrick Harris, que interpreta um alfaiate gay na série, estão preocupados com a nova posição de Davies.

“Como ator, já interpretei todos os tipos de sexualidades”, disse Harris em uma entrevista por telefone no mês passado. “Eu vivi quase uma década interpretando um heterossexual e mulherengo em How I Met Your Mother, e me diverti imensamente. Como diretor, espero poder contratar apenas com base no talento”.

Falei para Davies que muitos jovens de 20 e poucos anos, que estão se descrevendo em número crescente como sexualmente fluidos, ficariam perplexos com sua insistência de que os papéis gays devam ser interpretados por atores em uma categoria que alguns jovens nem reconhecem mais.

“Isso será o futuro”, disse ele. “Eles vão me substituir, mas ainda não estão fazendo os programas de TV. O que estou fazendo os levará a ter poder ”. “Aí então parecerei desatualizado”, acrescentou. “Mas ainda não chegamos lá”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A série It’s a Sin, que mostra um grupo de pessoas em seus 20 e poucos anos enfrentando a crise da Aids na década de 1980, abriu novos caminhos para seu criador, Russel T Davies, porque ele nunca havia escrito a respeito da epidemia antes. Mas havia algo mais que tornava esta série da HBO Max diferente de outros programas com temática gay escritos por Davies, desde o original Queer as Folk até A Very English Scandal: It's a Sin é seu primeiro trabalho em que quase todos os papéis gays são interpretados por atores gays.

Agora, o roteirista está gerando polêmica ao argumentar em entrevistas que, a partir de agora, apenas atores gays deveriam ser permitidos para interpretar personagens gays.

Russell T Davies em Swansea, País de Gales. Foto: Francesca Jones/The New York Times

"Ah, sim!", ele me disse esta semana. “Estou entrando em uma guerra. Quero que gente como Colin Firth tenha vergonha de suas atuações”.

Firth e Stanley Tucci interpretam um casal gay no recém-lançado Supernova, e Firth conseguiu sua primeira indicação ao Oscar em 2009 por interpretar um personagem gay em Direito de Amar. (Ao ser questionado sobre o posicionamento de Firth, seu assessor lembrou das observações do ator na revista britânica Attitude, que dizia: “Não tenho uma posição final sobre isso. Acho que a questão ainda está viva. É algo que eu levo muito a sério e pensei muito antes de aceitar o papel”).

A questão de quais atores deveriam ter permissão para interpretar quais papéis tornou-se cada vez mais controversa, especialmente no que diz respeito às representações de grupos historicamente marginalizados. As produções de Hollywood frequentemente escalam atores brancos para papéis de pessoas que originalmente não eram brancas - um fenômeno comumente chamado de “branqueamento” -, mas a pressão pública nos últimos anos levou muitos atores brancos a recusar tais papéis. Personagens de animação negros costumam ser dublados por atores brancos, porém essa prática também está sendo abandonada. Também há um consenso crescente de que os papéis de transgêneros devem ser interpretados apenas por atores transgêneros.

Mas antes do elenco heterossexual misto de The Inheritance, um drama que também aborda o tema da Aids que estreou em Londres em 2018 e foi para a Broadway no ano seguinte, não havia muito debate público a respeito da adequação de atores heterossexuais em papéis gays.

Davies expôs sua nova posição em uma enxurrada de entrevistas antes da estreia de It's a Sin em janeiro, no Channel 4 da Grã-Bretanha, provocando ataques de nomes como Piers Morgan - "Igualdade significa igualdade, ou não é isso", disse ele em Good Morning Britain - e Peter Ash, um ator hétero que interpreta um personagem gay em Coronation Street, a novela mais antiga do mundo. (Ash simplesmente tuitou a definição de atuação: “a arte ou ocupação de interpretar papéis fictícios em peças, filmes ou televisão.”)

A postura de Davies vai de encontro a um princípio de longa data do movimento pela igualdade LGBTQIA+: ninguém deve jamais sofrer discriminação com base no sexo da pessoa com quem está dormindo. Davies agora está defendendo a discriminação contra atores heterossexuais que querem fazer testes para personagens gays.

Na verdade, as leis da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tornam Davies vulnerável a questionamentos legais se uma pessoa heterossexual puder provar que não foi considerada para um papel porque não é gay.

“É ilegal de acordo com a nova interpretação da Suprema Corte da Lei dos Direitos Civis de 1964”, disse Matt Coles, ex-diretor do Centro de Igualdade da ACLU. A lei proíbe a discriminação com base no sexo e, em uma decisão surpresa do tribunal conservador no ano passado, seis juízes decidiram que a lei abrangia a discriminação com base na orientação sexual ou status de transgênero.

Na Grã-Bretanha, esse tipo de discriminação também é provavelmente ilegal sob a Lei da Igualdade de 2010, embora a lei tenha exceções limitadas para requisitos ocupacionais para "uma característica protegida particular", escreveu Richard Kenyon, sócio da multinacional de advocacia Fieldfisher, com sede em Londres, por e-mail.

Davies, cuja última série de sucesso é 'It's a Sin', disse que apenas atores gays deveriam interpretar personagens gays. Foto: Francesca Jones/The New York Times

“Isso não justificaria uma política geral, mas pode ser usado em um argumento para uma peça ou filme em particular onde a autenticidade é particularmente importante - e onde a orientação sexual dos atores relevantes é de conhecimento público”, continuou Kenyon.

A posição de Davies é inquietante e um tanto intrigante por razões que têm menos a ver com justiça do que com seu próprio trabalho no passado: ele já usou atores heterossexuais com muito sucesso em muitos papéis gays. Queer as Folk, seu primeiro grande sucesso, foi estrelado por Aidan Gillen, Craig Kelly e Charlie Hunnam. Mais recentemente, Hugh Grant fez uma de suas interpretações mais elogiadas em A Very English Scandal como Jeremy Thorpe, o líder gay não assumido (e casado) do Partido Liberal que foi acusado e absolvido de tramar a morte de um de seus ex-namorados.

“Já empreguei muitas pessoas heterossexuais para papéis heterossexuais, e o sucesso delas abriu o caminho para que eu esteja aqui agora”, reconheceu Davies.

Ele realmente acredita que existe um ator gay que poderia ter feito uma interpretação mais convincente do que Grant?

"Não", disse Davies. “Eu tive essa discussão 57 vezes na última semana e 57 pessoas trouxeram esse exemplo de Hugh Grant para a conversa!”

Para Davies, a questão é menos sobre autenticidade do que sobre igualdade para atores gays, que ele diz terem sido sistematicamente excluídos de papéis heterossexuais. E como há muito mais papéis heterossexuais do que gays, ele acha que não é certo fazer atores gays competirem com colegas heterossexuais para interpretar personagens gays.

“Não é uma competição justa”, disse Davies. “A noção de igualdade é baseada em 50% desta forma, 50% daquela forma. Mas 90% dos atores são heterossexuais e 10% dos papéis são gays”.

Entretanto, para uma opinião divergente, Davies não precisa ir muito longe, basta conversar com o próprio elenco em It’s A Sin. Atores como Neil Patrick Harris, que interpreta um alfaiate gay na série, estão preocupados com a nova posição de Davies.

“Como ator, já interpretei todos os tipos de sexualidades”, disse Harris em uma entrevista por telefone no mês passado. “Eu vivi quase uma década interpretando um heterossexual e mulherengo em How I Met Your Mother, e me diverti imensamente. Como diretor, espero poder contratar apenas com base no talento”.

Falei para Davies que muitos jovens de 20 e poucos anos, que estão se descrevendo em número crescente como sexualmente fluidos, ficariam perplexos com sua insistência de que os papéis gays devam ser interpretados por atores em uma categoria que alguns jovens nem reconhecem mais.

“Isso será o futuro”, disse ele. “Eles vão me substituir, mas ainda não estão fazendo os programas de TV. O que estou fazendo os levará a ter poder ”. “Aí então parecerei desatualizado”, acrescentou. “Mas ainda não chegamos lá”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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