Dois astrônomos investigaram recentemente a presença de um buraco negro monstruoso. Eles analisaram pilhas de dados dos telescópios mais potentes na Terra e no espaço procurando indícios de um objeto invisível com massa equivalente a centenas de vezes a do Sol em uma distante nuvem de estrelas conhecida como NGC 6397.
Em vez disso, eles encontraram um ninho de monstros bebês, chegando a até seis dezenas: sombrios engenhos da destruição, reunidos em um espaço pouco maior que o do nosso próprio sistema solar, zumbindo de um lado para o outro e jogando seu peso considerável de lá para cá no denso núcleo do agrupamento estelar.
Usando dados do Telescópio Espacial Hubble e da sonda Gaia, da Agência Espacial Europeia, Eduardo Vitral e Gary A. Mamon, do Instituto Parisiense de Astrofísica, publicaram seus resultados em fevereiro na revista Astronomy and Astrophysics.
“Encontramos evidências muito substanciais da existência de uma massa invisível no denso núcleo do agrupamento globular", disse Vitral, estudante de pós-graduação, em divulgação à imprensa feita pelo Instituto Científico Telescópio Espacial. “Mas ficamos surpresos ao descobrir que essa massa adicional não se comporta ‘como um ponto’.”
O resultado surpreendente deu aos astrônomos um vislumbre único e detalhado da dinâmica que prevalece dentro de um dos espaços mais densamente ocupados do cosmo mais próximo. O trabalho deles indica que tais agrupamentos são provavelmente a fonte das ondas gravitacionais detectadas por antenas como LIGO e Virgo nos anos mais recentes, cuja origem estaria na colisão de buracos negros.
Mas a descoberta traz perguntas a respeito do confuso e hipotético processo que faz com que buracos negros menores, com massa pouca vezes superior à do Sol, se misturem formando gigantes que dominam os centros das galáxias e fornecem a energia de distantes quasares.
De acordo com a previsão da teoria geral da relatividade, de Albert Einstein, os buracos negros são objetos de gravidade tão potente que nem mesmo a luz consegue escapar deles. Sua existência já foi questionada, mas os astrônomos concordam atualmente que o universo está salpicado deles, como pequenos furos no espaço-tempo. Em sua maioria, são estrelas mortas que entraram em colapso sobre si mesmas e desapareceram depois de queimarem todo o seu combustível termonuclear, com massa poucas vezes superior à do Sol.
Mas há outros buracos negros, com massa equivalente a bilhões de sóis, ocupando o centro das galáxias. Parece haver uma correlação entre o tamanho de uma galáxia e a massa do buraco negro que ocupa o seu centro, mas ninguém sabe ao certo por que ou como tais buracos imensos se formam.
Uma hipótese diz que esses buracos negros de massa imensa nasceram de buracos menores, do tamanho de estrelas, o que significa que deveria haver por aí buracos negros de massa intermediária (equivalente a centenas de vezes a do Sol), talvez formando o núcleo de galáxias menores ou de fragmentos de galáxias como o agrupamento NGC 6397. Mas, por enquanto, buracos negros desse tipo ainda não foram observados.
O agrupamento NGC 6397 é uma das cerca de 150 nuvens esféricas de estrelas antigas que orbitam a Via Láctea e, possivelmente, antecedem sua formação. Tem 13 bilhões de anos e contém cerca de 250 mil estrelas, todas elas pequenas, velhas e de brilho fraco. As estrelas mais pesadas e brilhantes do agrupamento há muito esgotaram seu combustível e se converteram em buracos negros ou outro produto da decadência estelar.
Assim, o agrupamento é um candidato provável a lar de um buraco negro de médias proporções. De fato, estudos anteriores tinham indicado que um buraco negro de aproximadamente 600 vezes a massa do Sol estaria no centro do NGC 6397.
Para investigar essa ideia, Mamon e seu aluno se voltaram para observações em alta resolução da movimentação das estrelas individuais dentro do agrupamento, obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble e pela Gaia. Quanto maior a velocidade de movimentação das estrelas, maior a força gravitacional e, portanto, maior a massa necessária para mantê-las no agrupamento.
Ao todo, 1.905 estrelas do catálogo da Gaia e 7.209 estrelas do Hubble foram analisadas. Revelou-se que, de fato, estavam sob a influência gravitacional de uma massa invisível. Mas, em vez de circularem organizadamente um único ponto, as estrelas seguiam em todas as direções, indicando que a massa escura influenciando seu movimento não era concentrada, mas estendida. Não havia indícios de um buraco negro de grandes proporções.
“Nossa análise indicou que as órbitas das estrelas são quase aleatórias no agrupamento globular, em vez de serem sistematicamente circulares ou muito alongadas", disse Mamon por email.
O movimento dessas estrelas trouxe evidência de uma massa escura equivalente a 1.800 vezes a do Sol na região - uma nuvem dentro da nuvem - com largura de aproximadamente um terço de ano-luz. Esse espaço é compartilhado por cerca de 40 mil estrelas luminosas e muito leves. Mamon disse que, de acordo com modelos de evolução estrelas, cerca de dois terços dessa matéria escura seriam formados por buracos negros, com massa média equivalente a 20 vezes a do Sol. O restante da matéria escura seria formado por restos de estrelas mortas, como anãs brancas e estrelas de nêutrons.
Os astrônomos disseram não saber ao certo o que ocorrerá em seguida. Fusões aleatórias entre os buracos negros podem fazer com que percam massa sob a forma de ondas gravitacionais. Fusões desse tipo também lançariam tais buracos negros para fora do agrupamento. E interações gravitacionais com estrelas de massa menor no agrupamento poderiam fazer com que perdessem velocidade e afundassem no centro do agrupamento, em um processo conhecido como “fricção dinâmica".
“Isso pode fazer com que os buracos negros sejam levados ao centro em questão de alguns milhões de anos, onde se fundiriam formando um buraco negro de massa intermediária", disse Mamon.
Mas esse intervalo de tempo nem se compara aos 13 bilhões de anos de existência do agrupamento, destacou Mamon, de modo que seria muita “sorte", no mínimo, se os astrônomos conseguissem observar o agrupamento justamente no momento em que esse fenômeno ocorre.
O fato de não haver um buraco negro de massa intermediária ali até hoje indica a possibilidade de tal corpo jamais se formar. O afundamento dos buracos negros na direção do centro pode ser interrompido se os buracos negros encontrarem um número insuficiente de estrelas com as quais trocar energia, e “isso impediria a formação de um buraco negro de massa intermediária", disse.
Vitral acrescentou:“Nossa descoberta dessa concentração invisível em um agrupamento globular de colapso no núcleo é certamente algo que nos leva a imaginar muitas ideias para a formação de buracos negros de massa intermediária”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times