Buracos negros podem esconder um segredo surpreendente sobre nosso universo


Pegue a gravidade, adicione a mecânica quântica e mexa. O que você obtém? Um cosmos holográfico, talvez

Por Dennis Overbye

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No século passado, a maior briga de bar da ciência foi entre Albert Einstein e ele mesmo.

De um lado está o Einstein que em 1915 concebeu a relatividade geral, que descreve a gravidade como a deformação do espaço-tempo pela matéria e energia. Essa teoria previa que o espaço-tempo poderia dobrar-se, expandir-se, rasgar-se, tremer como uma tigela de gelatina e desaparecer naqueles poços sem fundo de nada conhecidos como buracos negros.

Do outro lado está o Einstein que, a partir de 1905, lançou as bases para a mecânica quântica, as regras não intuitivas que injetam aleatoriedade no mundo - regras que Einstein nunca aceitou. De acordo com a mecânica quântica, uma partícula subatômica como um elétron pode estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, e um gato pode estar vivo e morto até ser observado. Deus não joga dados, Einstein costumava reclamar.

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A gravidade rege o espaço sideral, moldando galáxias e, de fato, todo o universo, enquanto a mecânica quântica rege o espaço interno, a arena de átomos e partículas elementares. Os dois reinos pareciam não ter nada a ver um com o outro; isso deixou os cientistas despreparados para entender o que acontece em uma situação extrema como um buraco negro ou o início do universo.

Mas uma enxurrada de pesquisas na última década sobre a vida interna dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre as duas visões do cosmos. As implicações são surpreendentes, incluindo a possibilidade de que nosso universo tridimensional - e nós mesmos - sejamos hologramas, como as imagens fantasmagóricas antifalsificação que aparecem em alguns cartões de crédito e carteiras de motorista. Nesta versão do cosmos, não há diferença entre aqui e lá, causa e efeito, dentro e fora ou talvez entre antes e agora; gatos domésticos podem ser conjurados no espaço vazio. Todos nós podemos ser o Dr. Estranho.

“Pode ser muito forte dizer que a gravidade e a mecânica quântica são exatamente a mesma coisa”, escreveu Leonard Susskind, da Universidade de Stanford, em um artigo em 2017. “Mas aqueles de nós que estão prestando atenção já podem sentir que os dois são inseparáveis e que nenhum faz sentido sem o outro.”

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Esse insight, Susskind e seus colegas esperam, pode levar a uma teoria que combina gravidade e mecânica quântica - gravidade quântica - e talvez explique como o universo começou.

Uma nevasca de pesquisa na última década sobre a vida interior dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre duas visões do cosmos. Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

Einstein vs. Einstein

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O cisma entre os dois Einsteins entrou no centro das atenções em 1935, quando o físico enfrentou a si mesmo em um par de artigos acadêmicos.

Em um artigo, Einstein e Nathan Rosen mostraram que a relatividade geral previa que os buracos negros (que ainda não eram conhecidos por esse nome) poderiam se formar em pares conectados por atalhos através do espaço-tempo, chamados pontes Einstein-Rosen - “buracos de minhoca”. Na imaginação dos escritores de ficção científica, você poderia pular em um buraco negro e sair no outro.

No outro artigo, Einstein, Rosen e outro físico, Boris Podolsky, tentaram puxar o tapete da mecânica quântica expondo uma inconsistência aparentemente lógica. Eles apontaram que, de acordo com o princípio da incerteza da física quântica, um par de partículas, uma vez associado, estaria eternamente conectado, mesmo que estivesse a anos-luz de distância. Medir uma propriedade de uma partícula - sua direção de rotação, digamos - afetaria instantaneamente a medição de seu par. Se esses fótons fossem moedas lançadas e um desse cara, o outro invariavelmente daria coroa.

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Para Einstein, essa proposição era obviamente ridícula, e ele a descartou como “ação assustadora à distância”. Mas hoje os físicos chamam isso de “emaranhamento”, e experimentos de laboratório confirmam sua realidade todos os dias. Na semana passada, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a um trio de físicos cujos experimentos ao longo dos anos demonstraram a realidade dessa “ação assustadora”.

O físico N. David Mermin, da Universidade Cornell, certa vez chamou essa estranheza quântica de “a coisa mais próxima que temos da magia”.

Einstein provavelmente nunca sonhou que os dois artigos de 1935 tivessem algo em comum, disse Susskind recentemente. Mas Susskind e outros físicos agora especulam que buracos de minhoca e ação assustadora são dois aspectos da mesma magia e, como tal, são a chave para resolver uma série de paradoxos cósmicos.

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Jogando dados no escuro

Para os astrônomos, os buracos negros são monstros escuros com gravidade tão forte que podem consumir estrelas, destruir galáxias e aprisionar até a luz. À beira de um buraco negro, o tempo parece parar. No centro de um buraco negro, a matéria encolhe até uma densidade infinita e as leis conhecidas da física se desfazem. Mas para os físicos empenhados em explicar essas leis fundamentais, os buracos negros são uma Coney Island de mistérios e imaginação.

Em 1974, o cosmólogo Stephen Hawking surpreendeu o mundo científico com um cálculo heróico mostrando que, para sua própria surpresa, os buracos negros não eram nem verdadeiramente negros nem eternos, quando os efeitos quânticos foram adicionados ao quadro. Ao longo de eras, um buraco negro vazaria energia e partículas subatômicas, encolheria, ficaria cada vez mais quente e finalmente explodiria.

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No processo, toda a massa que caiu no buraco negro ao longo das eras seria devolvida ao universo exterior como uma efervescência aleatória de partículas e radiação.

Isso pode soar como uma boa notícia, uma espécie de ressurreição cósmica. Mas era uma catástrofe potencial para a física. Um princípio central da ciência sustenta que a informação nunca se perde; bolas de bilhar podem se espalhar em todas as direções em uma mesa, mas, em princípio, sempre é possível rebobinar a fita para determinar onde elas estavam no passado ou prever suas posições no futuro, mesmo que caiam em um buraco negro.

Mas se Hawking estivesse correto, as partículas que irradiavam de um buraco negro eram aleatórias, um ruído térmico sem sentido despido dos detalhes de qualquer coisa que tenha caído. Se um gato caísse, a maioria de suas informações - nome, cor, temperamento - seria irrecuperável, estaria efetivamente perdida. Seria como se você abrisse uma gaveta e descobrisse que sua certidão de nascimento e seu passaporte haviam desaparecido. Como Hawking expressou em 1976: “Deus não apenas joga dados, ele às vezes os joga onde não podem ser vistos”.

Sua declaração desencadeou uma guerra de ideias de 40 anos. “Isso não pode estar certo”, pensou Susskind, que se tornou o maior adversário de Hawking no debate subsequente, ao ouvir pela primeira vez a alegação de Hawking. “Eu não sabia o que fazer com isso.”

Codificação da Realidade

Uma solução potencial veio a Susskind em um dia de 1993, enquanto ele caminhava por um prédio de física no campus. Ali, no corredor, ele viu a exibição de um holograma de uma jovem.

Um holograma é basicamente uma imagem 3D - um bule, um gato, a princesa Leia - feita inteiramente de luz. Ele é criado iluminando o objeto original (real) com um laser e gravando os padrões de luz refletida em uma chapa fotográfica. Quando a chapa é iluminada mais tarde, uma imagem 3D do objeto aparece no centro.

“‘Ei, essa é uma situação em que parece que a informação é reproduzida de duas maneiras diferentes’”, pensou Susskind. Por um lado, há um objeto visível que “parecia real”, ele disse. “E, por outro lado, há a mesma informação codificada no filme em torno do holograma. De perto, parece apenas um monte de arranhões e uma codificação altamente complexa.”

As combinações certas de arranhões naquele filme, percebeu Susskind, poderiam fazer qualquer coisa emergir em três dimensões. Então ele pensou: e se um buraco negro fosse na verdade um holograma, com o horizonte do evento servindo como o “filme”, codificando o que havia dentro? Foi “uma ideia maluca, uma ideia legal”, ele lembrou.

Do outro lado do Atlântico, a mesma ideia maluca ocorreu ao físico holandês Gerardus ‘t Hooft, ganhador do Prêmio Nobel da Universidade de Utrecht, na Holanda.

De acordo com a relatividade geral de Einstein, o conteúdo de informação de um buraco negro ou qualquer espaço 3D - sua sala de estar, digamos, ou todo o universo - era limitado ao número de bits que poderiam ser codificados em uma superfície imaginária ao seu redor. Esse espaço era medido em pixels 10 elevados à potência de 33 centímetros negativos de um lado - a menor unidade de espaço, conhecida como comprimento de Planck.

Com pixels de dados tão pequenos, isso equivalia a quatrilhões de megabytes por centímetro quadrado - uma quantidade estupenda de informações, mas não uma quantidade infinita. Tentar colocar muita informação em qualquer região faria com que ela excedesse um limite decretado por Jacob Bekenstein, então estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton e rival de Hawking, e faria com que ela colapsasse em um buraco negro.

“Foi isso que descobrimos sobre o sistema de contabilidade da Natureza”, escreveu Hooft em 1993. “Os dados podem ser escritos em uma superfície, e a caneta com a qual os dados são escritos tem um tamanho finito”.

Buracos Negros são alguns dos maiores desafios da astronomia.  Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

O universo da lata de sopa

A ideia do cosmos como holograma encontrou sua expressão mais completa alguns anos depois, em 1997. Juan Maldacena, teórico do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, usou novas ideias da teoria das cordas - a especulativa “teoria de tudo” que retrata partículas subatômicas como cordas vibrantes - para criar um modelo matemático de todo o universo como um holograma.

Em sua formulação, todas as informações sobre o que acontece dentro de algum volume do espaço são codificadas como campos quânticos na superfície do limite da região.

O universo de Maldacena é muitas vezes retratado como uma lata de sopa: Galáxias, buracos negros, gravidade, estrelas e o resto, inclusive nós, são a sopa que está dentro, e as informações que os descrevem ficam do lado de fora, como um rótulo. Pense nisso como gravidade em uma lata. O interior e o exterior da lata - o “volume” e o “limite” - são descrições complementares dos mesmos fenômenos.

Como os campos na superfície da sopa podem obedecer a regras quânticas sobre preservação de informações, os campos gravitacionais dentro da lata também devem preservar informações. Nesse quadro, “não há espaço para perda de informações”, disse Maldacena em uma conferência em 2004.

Hawking admitiu: afinal, a gravidade não era uma grande borracha.

“Em outras palavras, o universo faz sentido”, disse Susskind em uma entrevista.

Buracos de minhoca, buracos de minhoca em todos os lugares

Nosso universo real, ao contrário do modelo matemático de Maldacena, não tem fronteira, nem limite externo. No entanto, para os físicos, seu universo tornou-se uma prova de princípio de que a gravidade e a mecânica quântica eram compatíveis e ofereciam uma fonte de pistas sobre como nosso universo real funciona.

Mas, observou Maldacena recentemente, seu modelo não explicava como a informação consegue escapar intacta de um buraco negro ou como o cálculo de Hawking em 1974 deu errado.

Don Page, ex-aluno de Hawking agora na Universidade de Alberta, adotou uma abordagem diferente na década de 1990. Suponhamos, ele disse, que a informação seja conservada quando um buraco negro evapora. Se assim for, então um buraco negro não cospe partículas tão aleatoriamente quanto Hawking pensava. A radiação começaria de forma aleatória, mas com o passar do tempo, as partículas emitidas se tornariam cada vez mais correlacionadas com aquelas que surgiram antes, essencialmente preenchendo as lacunas nas informações que faltavam. Depois de bilhões e bilhões de anos, todas as informações ocultas teriam emergido.

Em termos quânticos, essa explicação exigia que quaisquer partículas que agora escapassem do buraco negro fossem emaranhadas com as partículas que haviam vazado anteriormente. Mas isso apresentou um problema. Essas partículas recém-emitidas já estavam emaranhadas com seus pares que já haviam caído no buraco negro, entrando em conflito com as regras quânticas que determinavam que as partículas fossem emaranhadas apenas em pares. O esquema de transmissão de informações de Page só poderia funcionar se as partículas dentro do buraco negro fossem de alguma forma as mesmas que estavam agora do lado de fora.

Como explicar isso? O interior e o exterior do buraco negro estavam ligados por buracos de minhoca, os atalhos através do espaço e do tempo propostos por Einstein e Rosen em 1935.

Em 2012, Maldacena e Susskind propuseram uma trégua formal entre os dois Einsteins em guerra. Eles propuseram que o emaranhamento assustador e os buracos de minhoca eram duas faces do mesmo fenômeno. Assim eles disseram, empregando as iniciais dos autores desses dois artigos de 1935, Einstein e Rosen em um e Einstein, Podolsky e Rosen no outro: “ER = EPR”.

A implicação é que, de alguma forma estranha, o exterior de um buraco negro era igual ao seu interior, como uma garrafa de Klein que tem apenas um lado.

Como a informação poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Como grande parte da física quântica, a questão confunde a mente, como a noção de que a luz pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo de como a medição é feita.

O que importa é que, se o interior e o exterior de um buraco negro estivessem conectados por buracos de minhoca, a informação poderia fluir através deles em qualquer direção, para dentro ou para fora, de acordo com John Preskill, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e especialista em computação quântica.

“Devemos ser capazes de influenciar o interior de um desses buracos negros ‘fazendo cócegas’ em sua radiação e, assim, enviando uma mensagem para o interior do buraco negro”, ele disse em uma entrevista de 2017 à Quanta. Ele acrescentou: “Parece loucura”.

Ahmed Almheiri, físico da Universidade de Nova York Abu Dhabi, observou recentemente que, ao manipular a radiação que escapou de um buraco negro, ele poderia criar um gato dentro desse buraco negro. “Posso fazer algo com as partículas que irradiam do buraco negro e, de repente, um gato vai aparecer no buraco negro”, disse.

Ele acrescentou: “Todos nós temos que nos acostumar com isso”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No século passado, a maior briga de bar da ciência foi entre Albert Einstein e ele mesmo.

De um lado está o Einstein que em 1915 concebeu a relatividade geral, que descreve a gravidade como a deformação do espaço-tempo pela matéria e energia. Essa teoria previa que o espaço-tempo poderia dobrar-se, expandir-se, rasgar-se, tremer como uma tigela de gelatina e desaparecer naqueles poços sem fundo de nada conhecidos como buracos negros.

Do outro lado está o Einstein que, a partir de 1905, lançou as bases para a mecânica quântica, as regras não intuitivas que injetam aleatoriedade no mundo - regras que Einstein nunca aceitou. De acordo com a mecânica quântica, uma partícula subatômica como um elétron pode estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, e um gato pode estar vivo e morto até ser observado. Deus não joga dados, Einstein costumava reclamar.

A gravidade rege o espaço sideral, moldando galáxias e, de fato, todo o universo, enquanto a mecânica quântica rege o espaço interno, a arena de átomos e partículas elementares. Os dois reinos pareciam não ter nada a ver um com o outro; isso deixou os cientistas despreparados para entender o que acontece em uma situação extrema como um buraco negro ou o início do universo.

Mas uma enxurrada de pesquisas na última década sobre a vida interna dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre as duas visões do cosmos. As implicações são surpreendentes, incluindo a possibilidade de que nosso universo tridimensional - e nós mesmos - sejamos hologramas, como as imagens fantasmagóricas antifalsificação que aparecem em alguns cartões de crédito e carteiras de motorista. Nesta versão do cosmos, não há diferença entre aqui e lá, causa e efeito, dentro e fora ou talvez entre antes e agora; gatos domésticos podem ser conjurados no espaço vazio. Todos nós podemos ser o Dr. Estranho.

“Pode ser muito forte dizer que a gravidade e a mecânica quântica são exatamente a mesma coisa”, escreveu Leonard Susskind, da Universidade de Stanford, em um artigo em 2017. “Mas aqueles de nós que estão prestando atenção já podem sentir que os dois são inseparáveis e que nenhum faz sentido sem o outro.”

Esse insight, Susskind e seus colegas esperam, pode levar a uma teoria que combina gravidade e mecânica quântica - gravidade quântica - e talvez explique como o universo começou.

Uma nevasca de pesquisa na última década sobre a vida interior dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre duas visões do cosmos. Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

Einstein vs. Einstein

O cisma entre os dois Einsteins entrou no centro das atenções em 1935, quando o físico enfrentou a si mesmo em um par de artigos acadêmicos.

Em um artigo, Einstein e Nathan Rosen mostraram que a relatividade geral previa que os buracos negros (que ainda não eram conhecidos por esse nome) poderiam se formar em pares conectados por atalhos através do espaço-tempo, chamados pontes Einstein-Rosen - “buracos de minhoca”. Na imaginação dos escritores de ficção científica, você poderia pular em um buraco negro e sair no outro.

No outro artigo, Einstein, Rosen e outro físico, Boris Podolsky, tentaram puxar o tapete da mecânica quântica expondo uma inconsistência aparentemente lógica. Eles apontaram que, de acordo com o princípio da incerteza da física quântica, um par de partículas, uma vez associado, estaria eternamente conectado, mesmo que estivesse a anos-luz de distância. Medir uma propriedade de uma partícula - sua direção de rotação, digamos - afetaria instantaneamente a medição de seu par. Se esses fótons fossem moedas lançadas e um desse cara, o outro invariavelmente daria coroa.

Para Einstein, essa proposição era obviamente ridícula, e ele a descartou como “ação assustadora à distância”. Mas hoje os físicos chamam isso de “emaranhamento”, e experimentos de laboratório confirmam sua realidade todos os dias. Na semana passada, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a um trio de físicos cujos experimentos ao longo dos anos demonstraram a realidade dessa “ação assustadora”.

O físico N. David Mermin, da Universidade Cornell, certa vez chamou essa estranheza quântica de “a coisa mais próxima que temos da magia”.

Einstein provavelmente nunca sonhou que os dois artigos de 1935 tivessem algo em comum, disse Susskind recentemente. Mas Susskind e outros físicos agora especulam que buracos de minhoca e ação assustadora são dois aspectos da mesma magia e, como tal, são a chave para resolver uma série de paradoxos cósmicos.

Jogando dados no escuro

Para os astrônomos, os buracos negros são monstros escuros com gravidade tão forte que podem consumir estrelas, destruir galáxias e aprisionar até a luz. À beira de um buraco negro, o tempo parece parar. No centro de um buraco negro, a matéria encolhe até uma densidade infinita e as leis conhecidas da física se desfazem. Mas para os físicos empenhados em explicar essas leis fundamentais, os buracos negros são uma Coney Island de mistérios e imaginação.

Em 1974, o cosmólogo Stephen Hawking surpreendeu o mundo científico com um cálculo heróico mostrando que, para sua própria surpresa, os buracos negros não eram nem verdadeiramente negros nem eternos, quando os efeitos quânticos foram adicionados ao quadro. Ao longo de eras, um buraco negro vazaria energia e partículas subatômicas, encolheria, ficaria cada vez mais quente e finalmente explodiria.

No processo, toda a massa que caiu no buraco negro ao longo das eras seria devolvida ao universo exterior como uma efervescência aleatória de partículas e radiação.

Isso pode soar como uma boa notícia, uma espécie de ressurreição cósmica. Mas era uma catástrofe potencial para a física. Um princípio central da ciência sustenta que a informação nunca se perde; bolas de bilhar podem se espalhar em todas as direções em uma mesa, mas, em princípio, sempre é possível rebobinar a fita para determinar onde elas estavam no passado ou prever suas posições no futuro, mesmo que caiam em um buraco negro.

Mas se Hawking estivesse correto, as partículas que irradiavam de um buraco negro eram aleatórias, um ruído térmico sem sentido despido dos detalhes de qualquer coisa que tenha caído. Se um gato caísse, a maioria de suas informações - nome, cor, temperamento - seria irrecuperável, estaria efetivamente perdida. Seria como se você abrisse uma gaveta e descobrisse que sua certidão de nascimento e seu passaporte haviam desaparecido. Como Hawking expressou em 1976: “Deus não apenas joga dados, ele às vezes os joga onde não podem ser vistos”.

Sua declaração desencadeou uma guerra de ideias de 40 anos. “Isso não pode estar certo”, pensou Susskind, que se tornou o maior adversário de Hawking no debate subsequente, ao ouvir pela primeira vez a alegação de Hawking. “Eu não sabia o que fazer com isso.”

Codificação da Realidade

Uma solução potencial veio a Susskind em um dia de 1993, enquanto ele caminhava por um prédio de física no campus. Ali, no corredor, ele viu a exibição de um holograma de uma jovem.

Um holograma é basicamente uma imagem 3D - um bule, um gato, a princesa Leia - feita inteiramente de luz. Ele é criado iluminando o objeto original (real) com um laser e gravando os padrões de luz refletida em uma chapa fotográfica. Quando a chapa é iluminada mais tarde, uma imagem 3D do objeto aparece no centro.

“‘Ei, essa é uma situação em que parece que a informação é reproduzida de duas maneiras diferentes’”, pensou Susskind. Por um lado, há um objeto visível que “parecia real”, ele disse. “E, por outro lado, há a mesma informação codificada no filme em torno do holograma. De perto, parece apenas um monte de arranhões e uma codificação altamente complexa.”

As combinações certas de arranhões naquele filme, percebeu Susskind, poderiam fazer qualquer coisa emergir em três dimensões. Então ele pensou: e se um buraco negro fosse na verdade um holograma, com o horizonte do evento servindo como o “filme”, codificando o que havia dentro? Foi “uma ideia maluca, uma ideia legal”, ele lembrou.

Do outro lado do Atlântico, a mesma ideia maluca ocorreu ao físico holandês Gerardus ‘t Hooft, ganhador do Prêmio Nobel da Universidade de Utrecht, na Holanda.

De acordo com a relatividade geral de Einstein, o conteúdo de informação de um buraco negro ou qualquer espaço 3D - sua sala de estar, digamos, ou todo o universo - era limitado ao número de bits que poderiam ser codificados em uma superfície imaginária ao seu redor. Esse espaço era medido em pixels 10 elevados à potência de 33 centímetros negativos de um lado - a menor unidade de espaço, conhecida como comprimento de Planck.

Com pixels de dados tão pequenos, isso equivalia a quatrilhões de megabytes por centímetro quadrado - uma quantidade estupenda de informações, mas não uma quantidade infinita. Tentar colocar muita informação em qualquer região faria com que ela excedesse um limite decretado por Jacob Bekenstein, então estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton e rival de Hawking, e faria com que ela colapsasse em um buraco negro.

“Foi isso que descobrimos sobre o sistema de contabilidade da Natureza”, escreveu Hooft em 1993. “Os dados podem ser escritos em uma superfície, e a caneta com a qual os dados são escritos tem um tamanho finito”.

Buracos Negros são alguns dos maiores desafios da astronomia.  Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

O universo da lata de sopa

A ideia do cosmos como holograma encontrou sua expressão mais completa alguns anos depois, em 1997. Juan Maldacena, teórico do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, usou novas ideias da teoria das cordas - a especulativa “teoria de tudo” que retrata partículas subatômicas como cordas vibrantes - para criar um modelo matemático de todo o universo como um holograma.

Em sua formulação, todas as informações sobre o que acontece dentro de algum volume do espaço são codificadas como campos quânticos na superfície do limite da região.

O universo de Maldacena é muitas vezes retratado como uma lata de sopa: Galáxias, buracos negros, gravidade, estrelas e o resto, inclusive nós, são a sopa que está dentro, e as informações que os descrevem ficam do lado de fora, como um rótulo. Pense nisso como gravidade em uma lata. O interior e o exterior da lata - o “volume” e o “limite” - são descrições complementares dos mesmos fenômenos.

Como os campos na superfície da sopa podem obedecer a regras quânticas sobre preservação de informações, os campos gravitacionais dentro da lata também devem preservar informações. Nesse quadro, “não há espaço para perda de informações”, disse Maldacena em uma conferência em 2004.

Hawking admitiu: afinal, a gravidade não era uma grande borracha.

“Em outras palavras, o universo faz sentido”, disse Susskind em uma entrevista.

Buracos de minhoca, buracos de minhoca em todos os lugares

Nosso universo real, ao contrário do modelo matemático de Maldacena, não tem fronteira, nem limite externo. No entanto, para os físicos, seu universo tornou-se uma prova de princípio de que a gravidade e a mecânica quântica eram compatíveis e ofereciam uma fonte de pistas sobre como nosso universo real funciona.

Mas, observou Maldacena recentemente, seu modelo não explicava como a informação consegue escapar intacta de um buraco negro ou como o cálculo de Hawking em 1974 deu errado.

Don Page, ex-aluno de Hawking agora na Universidade de Alberta, adotou uma abordagem diferente na década de 1990. Suponhamos, ele disse, que a informação seja conservada quando um buraco negro evapora. Se assim for, então um buraco negro não cospe partículas tão aleatoriamente quanto Hawking pensava. A radiação começaria de forma aleatória, mas com o passar do tempo, as partículas emitidas se tornariam cada vez mais correlacionadas com aquelas que surgiram antes, essencialmente preenchendo as lacunas nas informações que faltavam. Depois de bilhões e bilhões de anos, todas as informações ocultas teriam emergido.

Em termos quânticos, essa explicação exigia que quaisquer partículas que agora escapassem do buraco negro fossem emaranhadas com as partículas que haviam vazado anteriormente. Mas isso apresentou um problema. Essas partículas recém-emitidas já estavam emaranhadas com seus pares que já haviam caído no buraco negro, entrando em conflito com as regras quânticas que determinavam que as partículas fossem emaranhadas apenas em pares. O esquema de transmissão de informações de Page só poderia funcionar se as partículas dentro do buraco negro fossem de alguma forma as mesmas que estavam agora do lado de fora.

Como explicar isso? O interior e o exterior do buraco negro estavam ligados por buracos de minhoca, os atalhos através do espaço e do tempo propostos por Einstein e Rosen em 1935.

Em 2012, Maldacena e Susskind propuseram uma trégua formal entre os dois Einsteins em guerra. Eles propuseram que o emaranhamento assustador e os buracos de minhoca eram duas faces do mesmo fenômeno. Assim eles disseram, empregando as iniciais dos autores desses dois artigos de 1935, Einstein e Rosen em um e Einstein, Podolsky e Rosen no outro: “ER = EPR”.

A implicação é que, de alguma forma estranha, o exterior de um buraco negro era igual ao seu interior, como uma garrafa de Klein que tem apenas um lado.

Como a informação poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Como grande parte da física quântica, a questão confunde a mente, como a noção de que a luz pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo de como a medição é feita.

O que importa é que, se o interior e o exterior de um buraco negro estivessem conectados por buracos de minhoca, a informação poderia fluir através deles em qualquer direção, para dentro ou para fora, de acordo com John Preskill, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e especialista em computação quântica.

“Devemos ser capazes de influenciar o interior de um desses buracos negros ‘fazendo cócegas’ em sua radiação e, assim, enviando uma mensagem para o interior do buraco negro”, ele disse em uma entrevista de 2017 à Quanta. Ele acrescentou: “Parece loucura”.

Ahmed Almheiri, físico da Universidade de Nova York Abu Dhabi, observou recentemente que, ao manipular a radiação que escapou de um buraco negro, ele poderia criar um gato dentro desse buraco negro. “Posso fazer algo com as partículas que irradiam do buraco negro e, de repente, um gato vai aparecer no buraco negro”, disse.

Ele acrescentou: “Todos nós temos que nos acostumar com isso”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No século passado, a maior briga de bar da ciência foi entre Albert Einstein e ele mesmo.

De um lado está o Einstein que em 1915 concebeu a relatividade geral, que descreve a gravidade como a deformação do espaço-tempo pela matéria e energia. Essa teoria previa que o espaço-tempo poderia dobrar-se, expandir-se, rasgar-se, tremer como uma tigela de gelatina e desaparecer naqueles poços sem fundo de nada conhecidos como buracos negros.

Do outro lado está o Einstein que, a partir de 1905, lançou as bases para a mecânica quântica, as regras não intuitivas que injetam aleatoriedade no mundo - regras que Einstein nunca aceitou. De acordo com a mecânica quântica, uma partícula subatômica como um elétron pode estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, e um gato pode estar vivo e morto até ser observado. Deus não joga dados, Einstein costumava reclamar.

A gravidade rege o espaço sideral, moldando galáxias e, de fato, todo o universo, enquanto a mecânica quântica rege o espaço interno, a arena de átomos e partículas elementares. Os dois reinos pareciam não ter nada a ver um com o outro; isso deixou os cientistas despreparados para entender o que acontece em uma situação extrema como um buraco negro ou o início do universo.

Mas uma enxurrada de pesquisas na última década sobre a vida interna dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre as duas visões do cosmos. As implicações são surpreendentes, incluindo a possibilidade de que nosso universo tridimensional - e nós mesmos - sejamos hologramas, como as imagens fantasmagóricas antifalsificação que aparecem em alguns cartões de crédito e carteiras de motorista. Nesta versão do cosmos, não há diferença entre aqui e lá, causa e efeito, dentro e fora ou talvez entre antes e agora; gatos domésticos podem ser conjurados no espaço vazio. Todos nós podemos ser o Dr. Estranho.

“Pode ser muito forte dizer que a gravidade e a mecânica quântica são exatamente a mesma coisa”, escreveu Leonard Susskind, da Universidade de Stanford, em um artigo em 2017. “Mas aqueles de nós que estão prestando atenção já podem sentir que os dois são inseparáveis e que nenhum faz sentido sem o outro.”

Esse insight, Susskind e seus colegas esperam, pode levar a uma teoria que combina gravidade e mecânica quântica - gravidade quântica - e talvez explique como o universo começou.

Uma nevasca de pesquisa na última década sobre a vida interior dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre duas visões do cosmos. Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

Einstein vs. Einstein

O cisma entre os dois Einsteins entrou no centro das atenções em 1935, quando o físico enfrentou a si mesmo em um par de artigos acadêmicos.

Em um artigo, Einstein e Nathan Rosen mostraram que a relatividade geral previa que os buracos negros (que ainda não eram conhecidos por esse nome) poderiam se formar em pares conectados por atalhos através do espaço-tempo, chamados pontes Einstein-Rosen - “buracos de minhoca”. Na imaginação dos escritores de ficção científica, você poderia pular em um buraco negro e sair no outro.

No outro artigo, Einstein, Rosen e outro físico, Boris Podolsky, tentaram puxar o tapete da mecânica quântica expondo uma inconsistência aparentemente lógica. Eles apontaram que, de acordo com o princípio da incerteza da física quântica, um par de partículas, uma vez associado, estaria eternamente conectado, mesmo que estivesse a anos-luz de distância. Medir uma propriedade de uma partícula - sua direção de rotação, digamos - afetaria instantaneamente a medição de seu par. Se esses fótons fossem moedas lançadas e um desse cara, o outro invariavelmente daria coroa.

Para Einstein, essa proposição era obviamente ridícula, e ele a descartou como “ação assustadora à distância”. Mas hoje os físicos chamam isso de “emaranhamento”, e experimentos de laboratório confirmam sua realidade todos os dias. Na semana passada, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a um trio de físicos cujos experimentos ao longo dos anos demonstraram a realidade dessa “ação assustadora”.

O físico N. David Mermin, da Universidade Cornell, certa vez chamou essa estranheza quântica de “a coisa mais próxima que temos da magia”.

Einstein provavelmente nunca sonhou que os dois artigos de 1935 tivessem algo em comum, disse Susskind recentemente. Mas Susskind e outros físicos agora especulam que buracos de minhoca e ação assustadora são dois aspectos da mesma magia e, como tal, são a chave para resolver uma série de paradoxos cósmicos.

Jogando dados no escuro

Para os astrônomos, os buracos negros são monstros escuros com gravidade tão forte que podem consumir estrelas, destruir galáxias e aprisionar até a luz. À beira de um buraco negro, o tempo parece parar. No centro de um buraco negro, a matéria encolhe até uma densidade infinita e as leis conhecidas da física se desfazem. Mas para os físicos empenhados em explicar essas leis fundamentais, os buracos negros são uma Coney Island de mistérios e imaginação.

Em 1974, o cosmólogo Stephen Hawking surpreendeu o mundo científico com um cálculo heróico mostrando que, para sua própria surpresa, os buracos negros não eram nem verdadeiramente negros nem eternos, quando os efeitos quânticos foram adicionados ao quadro. Ao longo de eras, um buraco negro vazaria energia e partículas subatômicas, encolheria, ficaria cada vez mais quente e finalmente explodiria.

No processo, toda a massa que caiu no buraco negro ao longo das eras seria devolvida ao universo exterior como uma efervescência aleatória de partículas e radiação.

Isso pode soar como uma boa notícia, uma espécie de ressurreição cósmica. Mas era uma catástrofe potencial para a física. Um princípio central da ciência sustenta que a informação nunca se perde; bolas de bilhar podem se espalhar em todas as direções em uma mesa, mas, em princípio, sempre é possível rebobinar a fita para determinar onde elas estavam no passado ou prever suas posições no futuro, mesmo que caiam em um buraco negro.

Mas se Hawking estivesse correto, as partículas que irradiavam de um buraco negro eram aleatórias, um ruído térmico sem sentido despido dos detalhes de qualquer coisa que tenha caído. Se um gato caísse, a maioria de suas informações - nome, cor, temperamento - seria irrecuperável, estaria efetivamente perdida. Seria como se você abrisse uma gaveta e descobrisse que sua certidão de nascimento e seu passaporte haviam desaparecido. Como Hawking expressou em 1976: “Deus não apenas joga dados, ele às vezes os joga onde não podem ser vistos”.

Sua declaração desencadeou uma guerra de ideias de 40 anos. “Isso não pode estar certo”, pensou Susskind, que se tornou o maior adversário de Hawking no debate subsequente, ao ouvir pela primeira vez a alegação de Hawking. “Eu não sabia o que fazer com isso.”

Codificação da Realidade

Uma solução potencial veio a Susskind em um dia de 1993, enquanto ele caminhava por um prédio de física no campus. Ali, no corredor, ele viu a exibição de um holograma de uma jovem.

Um holograma é basicamente uma imagem 3D - um bule, um gato, a princesa Leia - feita inteiramente de luz. Ele é criado iluminando o objeto original (real) com um laser e gravando os padrões de luz refletida em uma chapa fotográfica. Quando a chapa é iluminada mais tarde, uma imagem 3D do objeto aparece no centro.

“‘Ei, essa é uma situação em que parece que a informação é reproduzida de duas maneiras diferentes’”, pensou Susskind. Por um lado, há um objeto visível que “parecia real”, ele disse. “E, por outro lado, há a mesma informação codificada no filme em torno do holograma. De perto, parece apenas um monte de arranhões e uma codificação altamente complexa.”

As combinações certas de arranhões naquele filme, percebeu Susskind, poderiam fazer qualquer coisa emergir em três dimensões. Então ele pensou: e se um buraco negro fosse na verdade um holograma, com o horizonte do evento servindo como o “filme”, codificando o que havia dentro? Foi “uma ideia maluca, uma ideia legal”, ele lembrou.

Do outro lado do Atlântico, a mesma ideia maluca ocorreu ao físico holandês Gerardus ‘t Hooft, ganhador do Prêmio Nobel da Universidade de Utrecht, na Holanda.

De acordo com a relatividade geral de Einstein, o conteúdo de informação de um buraco negro ou qualquer espaço 3D - sua sala de estar, digamos, ou todo o universo - era limitado ao número de bits que poderiam ser codificados em uma superfície imaginária ao seu redor. Esse espaço era medido em pixels 10 elevados à potência de 33 centímetros negativos de um lado - a menor unidade de espaço, conhecida como comprimento de Planck.

Com pixels de dados tão pequenos, isso equivalia a quatrilhões de megabytes por centímetro quadrado - uma quantidade estupenda de informações, mas não uma quantidade infinita. Tentar colocar muita informação em qualquer região faria com que ela excedesse um limite decretado por Jacob Bekenstein, então estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton e rival de Hawking, e faria com que ela colapsasse em um buraco negro.

“Foi isso que descobrimos sobre o sistema de contabilidade da Natureza”, escreveu Hooft em 1993. “Os dados podem ser escritos em uma superfície, e a caneta com a qual os dados são escritos tem um tamanho finito”.

Buracos Negros são alguns dos maiores desafios da astronomia.  Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

O universo da lata de sopa

A ideia do cosmos como holograma encontrou sua expressão mais completa alguns anos depois, em 1997. Juan Maldacena, teórico do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, usou novas ideias da teoria das cordas - a especulativa “teoria de tudo” que retrata partículas subatômicas como cordas vibrantes - para criar um modelo matemático de todo o universo como um holograma.

Em sua formulação, todas as informações sobre o que acontece dentro de algum volume do espaço são codificadas como campos quânticos na superfície do limite da região.

O universo de Maldacena é muitas vezes retratado como uma lata de sopa: Galáxias, buracos negros, gravidade, estrelas e o resto, inclusive nós, são a sopa que está dentro, e as informações que os descrevem ficam do lado de fora, como um rótulo. Pense nisso como gravidade em uma lata. O interior e o exterior da lata - o “volume” e o “limite” - são descrições complementares dos mesmos fenômenos.

Como os campos na superfície da sopa podem obedecer a regras quânticas sobre preservação de informações, os campos gravitacionais dentro da lata também devem preservar informações. Nesse quadro, “não há espaço para perda de informações”, disse Maldacena em uma conferência em 2004.

Hawking admitiu: afinal, a gravidade não era uma grande borracha.

“Em outras palavras, o universo faz sentido”, disse Susskind em uma entrevista.

Buracos de minhoca, buracos de minhoca em todos os lugares

Nosso universo real, ao contrário do modelo matemático de Maldacena, não tem fronteira, nem limite externo. No entanto, para os físicos, seu universo tornou-se uma prova de princípio de que a gravidade e a mecânica quântica eram compatíveis e ofereciam uma fonte de pistas sobre como nosso universo real funciona.

Mas, observou Maldacena recentemente, seu modelo não explicava como a informação consegue escapar intacta de um buraco negro ou como o cálculo de Hawking em 1974 deu errado.

Don Page, ex-aluno de Hawking agora na Universidade de Alberta, adotou uma abordagem diferente na década de 1990. Suponhamos, ele disse, que a informação seja conservada quando um buraco negro evapora. Se assim for, então um buraco negro não cospe partículas tão aleatoriamente quanto Hawking pensava. A radiação começaria de forma aleatória, mas com o passar do tempo, as partículas emitidas se tornariam cada vez mais correlacionadas com aquelas que surgiram antes, essencialmente preenchendo as lacunas nas informações que faltavam. Depois de bilhões e bilhões de anos, todas as informações ocultas teriam emergido.

Em termos quânticos, essa explicação exigia que quaisquer partículas que agora escapassem do buraco negro fossem emaranhadas com as partículas que haviam vazado anteriormente. Mas isso apresentou um problema. Essas partículas recém-emitidas já estavam emaranhadas com seus pares que já haviam caído no buraco negro, entrando em conflito com as regras quânticas que determinavam que as partículas fossem emaranhadas apenas em pares. O esquema de transmissão de informações de Page só poderia funcionar se as partículas dentro do buraco negro fossem de alguma forma as mesmas que estavam agora do lado de fora.

Como explicar isso? O interior e o exterior do buraco negro estavam ligados por buracos de minhoca, os atalhos através do espaço e do tempo propostos por Einstein e Rosen em 1935.

Em 2012, Maldacena e Susskind propuseram uma trégua formal entre os dois Einsteins em guerra. Eles propuseram que o emaranhamento assustador e os buracos de minhoca eram duas faces do mesmo fenômeno. Assim eles disseram, empregando as iniciais dos autores desses dois artigos de 1935, Einstein e Rosen em um e Einstein, Podolsky e Rosen no outro: “ER = EPR”.

A implicação é que, de alguma forma estranha, o exterior de um buraco negro era igual ao seu interior, como uma garrafa de Klein que tem apenas um lado.

Como a informação poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Como grande parte da física quântica, a questão confunde a mente, como a noção de que a luz pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo de como a medição é feita.

O que importa é que, se o interior e o exterior de um buraco negro estivessem conectados por buracos de minhoca, a informação poderia fluir através deles em qualquer direção, para dentro ou para fora, de acordo com John Preskill, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e especialista em computação quântica.

“Devemos ser capazes de influenciar o interior de um desses buracos negros ‘fazendo cócegas’ em sua radiação e, assim, enviando uma mensagem para o interior do buraco negro”, ele disse em uma entrevista de 2017 à Quanta. Ele acrescentou: “Parece loucura”.

Ahmed Almheiri, físico da Universidade de Nova York Abu Dhabi, observou recentemente que, ao manipular a radiação que escapou de um buraco negro, ele poderia criar um gato dentro desse buraco negro. “Posso fazer algo com as partículas que irradiam do buraco negro e, de repente, um gato vai aparecer no buraco negro”, disse.

Ele acrescentou: “Todos nós temos que nos acostumar com isso”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No século passado, a maior briga de bar da ciência foi entre Albert Einstein e ele mesmo.

De um lado está o Einstein que em 1915 concebeu a relatividade geral, que descreve a gravidade como a deformação do espaço-tempo pela matéria e energia. Essa teoria previa que o espaço-tempo poderia dobrar-se, expandir-se, rasgar-se, tremer como uma tigela de gelatina e desaparecer naqueles poços sem fundo de nada conhecidos como buracos negros.

Do outro lado está o Einstein que, a partir de 1905, lançou as bases para a mecânica quântica, as regras não intuitivas que injetam aleatoriedade no mundo - regras que Einstein nunca aceitou. De acordo com a mecânica quântica, uma partícula subatômica como um elétron pode estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, e um gato pode estar vivo e morto até ser observado. Deus não joga dados, Einstein costumava reclamar.

A gravidade rege o espaço sideral, moldando galáxias e, de fato, todo o universo, enquanto a mecânica quântica rege o espaço interno, a arena de átomos e partículas elementares. Os dois reinos pareciam não ter nada a ver um com o outro; isso deixou os cientistas despreparados para entender o que acontece em uma situação extrema como um buraco negro ou o início do universo.

Mas uma enxurrada de pesquisas na última década sobre a vida interna dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre as duas visões do cosmos. As implicações são surpreendentes, incluindo a possibilidade de que nosso universo tridimensional - e nós mesmos - sejamos hologramas, como as imagens fantasmagóricas antifalsificação que aparecem em alguns cartões de crédito e carteiras de motorista. Nesta versão do cosmos, não há diferença entre aqui e lá, causa e efeito, dentro e fora ou talvez entre antes e agora; gatos domésticos podem ser conjurados no espaço vazio. Todos nós podemos ser o Dr. Estranho.

“Pode ser muito forte dizer que a gravidade e a mecânica quântica são exatamente a mesma coisa”, escreveu Leonard Susskind, da Universidade de Stanford, em um artigo em 2017. “Mas aqueles de nós que estão prestando atenção já podem sentir que os dois são inseparáveis e que nenhum faz sentido sem o outro.”

Esse insight, Susskind e seus colegas esperam, pode levar a uma teoria que combina gravidade e mecânica quântica - gravidade quântica - e talvez explique como o universo começou.

Uma nevasca de pesquisa na última década sobre a vida interior dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre duas visões do cosmos. Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

Einstein vs. Einstein

O cisma entre os dois Einsteins entrou no centro das atenções em 1935, quando o físico enfrentou a si mesmo em um par de artigos acadêmicos.

Em um artigo, Einstein e Nathan Rosen mostraram que a relatividade geral previa que os buracos negros (que ainda não eram conhecidos por esse nome) poderiam se formar em pares conectados por atalhos através do espaço-tempo, chamados pontes Einstein-Rosen - “buracos de minhoca”. Na imaginação dos escritores de ficção científica, você poderia pular em um buraco negro e sair no outro.

No outro artigo, Einstein, Rosen e outro físico, Boris Podolsky, tentaram puxar o tapete da mecânica quântica expondo uma inconsistência aparentemente lógica. Eles apontaram que, de acordo com o princípio da incerteza da física quântica, um par de partículas, uma vez associado, estaria eternamente conectado, mesmo que estivesse a anos-luz de distância. Medir uma propriedade de uma partícula - sua direção de rotação, digamos - afetaria instantaneamente a medição de seu par. Se esses fótons fossem moedas lançadas e um desse cara, o outro invariavelmente daria coroa.

Para Einstein, essa proposição era obviamente ridícula, e ele a descartou como “ação assustadora à distância”. Mas hoje os físicos chamam isso de “emaranhamento”, e experimentos de laboratório confirmam sua realidade todos os dias. Na semana passada, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a um trio de físicos cujos experimentos ao longo dos anos demonstraram a realidade dessa “ação assustadora”.

O físico N. David Mermin, da Universidade Cornell, certa vez chamou essa estranheza quântica de “a coisa mais próxima que temos da magia”.

Einstein provavelmente nunca sonhou que os dois artigos de 1935 tivessem algo em comum, disse Susskind recentemente. Mas Susskind e outros físicos agora especulam que buracos de minhoca e ação assustadora são dois aspectos da mesma magia e, como tal, são a chave para resolver uma série de paradoxos cósmicos.

Jogando dados no escuro

Para os astrônomos, os buracos negros são monstros escuros com gravidade tão forte que podem consumir estrelas, destruir galáxias e aprisionar até a luz. À beira de um buraco negro, o tempo parece parar. No centro de um buraco negro, a matéria encolhe até uma densidade infinita e as leis conhecidas da física se desfazem. Mas para os físicos empenhados em explicar essas leis fundamentais, os buracos negros são uma Coney Island de mistérios e imaginação.

Em 1974, o cosmólogo Stephen Hawking surpreendeu o mundo científico com um cálculo heróico mostrando que, para sua própria surpresa, os buracos negros não eram nem verdadeiramente negros nem eternos, quando os efeitos quânticos foram adicionados ao quadro. Ao longo de eras, um buraco negro vazaria energia e partículas subatômicas, encolheria, ficaria cada vez mais quente e finalmente explodiria.

No processo, toda a massa que caiu no buraco negro ao longo das eras seria devolvida ao universo exterior como uma efervescência aleatória de partículas e radiação.

Isso pode soar como uma boa notícia, uma espécie de ressurreição cósmica. Mas era uma catástrofe potencial para a física. Um princípio central da ciência sustenta que a informação nunca se perde; bolas de bilhar podem se espalhar em todas as direções em uma mesa, mas, em princípio, sempre é possível rebobinar a fita para determinar onde elas estavam no passado ou prever suas posições no futuro, mesmo que caiam em um buraco negro.

Mas se Hawking estivesse correto, as partículas que irradiavam de um buraco negro eram aleatórias, um ruído térmico sem sentido despido dos detalhes de qualquer coisa que tenha caído. Se um gato caísse, a maioria de suas informações - nome, cor, temperamento - seria irrecuperável, estaria efetivamente perdida. Seria como se você abrisse uma gaveta e descobrisse que sua certidão de nascimento e seu passaporte haviam desaparecido. Como Hawking expressou em 1976: “Deus não apenas joga dados, ele às vezes os joga onde não podem ser vistos”.

Sua declaração desencadeou uma guerra de ideias de 40 anos. “Isso não pode estar certo”, pensou Susskind, que se tornou o maior adversário de Hawking no debate subsequente, ao ouvir pela primeira vez a alegação de Hawking. “Eu não sabia o que fazer com isso.”

Codificação da Realidade

Uma solução potencial veio a Susskind em um dia de 1993, enquanto ele caminhava por um prédio de física no campus. Ali, no corredor, ele viu a exibição de um holograma de uma jovem.

Um holograma é basicamente uma imagem 3D - um bule, um gato, a princesa Leia - feita inteiramente de luz. Ele é criado iluminando o objeto original (real) com um laser e gravando os padrões de luz refletida em uma chapa fotográfica. Quando a chapa é iluminada mais tarde, uma imagem 3D do objeto aparece no centro.

“‘Ei, essa é uma situação em que parece que a informação é reproduzida de duas maneiras diferentes’”, pensou Susskind. Por um lado, há um objeto visível que “parecia real”, ele disse. “E, por outro lado, há a mesma informação codificada no filme em torno do holograma. De perto, parece apenas um monte de arranhões e uma codificação altamente complexa.”

As combinações certas de arranhões naquele filme, percebeu Susskind, poderiam fazer qualquer coisa emergir em três dimensões. Então ele pensou: e se um buraco negro fosse na verdade um holograma, com o horizonte do evento servindo como o “filme”, codificando o que havia dentro? Foi “uma ideia maluca, uma ideia legal”, ele lembrou.

Do outro lado do Atlântico, a mesma ideia maluca ocorreu ao físico holandês Gerardus ‘t Hooft, ganhador do Prêmio Nobel da Universidade de Utrecht, na Holanda.

De acordo com a relatividade geral de Einstein, o conteúdo de informação de um buraco negro ou qualquer espaço 3D - sua sala de estar, digamos, ou todo o universo - era limitado ao número de bits que poderiam ser codificados em uma superfície imaginária ao seu redor. Esse espaço era medido em pixels 10 elevados à potência de 33 centímetros negativos de um lado - a menor unidade de espaço, conhecida como comprimento de Planck.

Com pixels de dados tão pequenos, isso equivalia a quatrilhões de megabytes por centímetro quadrado - uma quantidade estupenda de informações, mas não uma quantidade infinita. Tentar colocar muita informação em qualquer região faria com que ela excedesse um limite decretado por Jacob Bekenstein, então estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton e rival de Hawking, e faria com que ela colapsasse em um buraco negro.

“Foi isso que descobrimos sobre o sistema de contabilidade da Natureza”, escreveu Hooft em 1993. “Os dados podem ser escritos em uma superfície, e a caneta com a qual os dados são escritos tem um tamanho finito”.

Buracos Negros são alguns dos maiores desafios da astronomia.  Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

O universo da lata de sopa

A ideia do cosmos como holograma encontrou sua expressão mais completa alguns anos depois, em 1997. Juan Maldacena, teórico do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, usou novas ideias da teoria das cordas - a especulativa “teoria de tudo” que retrata partículas subatômicas como cordas vibrantes - para criar um modelo matemático de todo o universo como um holograma.

Em sua formulação, todas as informações sobre o que acontece dentro de algum volume do espaço são codificadas como campos quânticos na superfície do limite da região.

O universo de Maldacena é muitas vezes retratado como uma lata de sopa: Galáxias, buracos negros, gravidade, estrelas e o resto, inclusive nós, são a sopa que está dentro, e as informações que os descrevem ficam do lado de fora, como um rótulo. Pense nisso como gravidade em uma lata. O interior e o exterior da lata - o “volume” e o “limite” - são descrições complementares dos mesmos fenômenos.

Como os campos na superfície da sopa podem obedecer a regras quânticas sobre preservação de informações, os campos gravitacionais dentro da lata também devem preservar informações. Nesse quadro, “não há espaço para perda de informações”, disse Maldacena em uma conferência em 2004.

Hawking admitiu: afinal, a gravidade não era uma grande borracha.

“Em outras palavras, o universo faz sentido”, disse Susskind em uma entrevista.

Buracos de minhoca, buracos de minhoca em todos os lugares

Nosso universo real, ao contrário do modelo matemático de Maldacena, não tem fronteira, nem limite externo. No entanto, para os físicos, seu universo tornou-se uma prova de princípio de que a gravidade e a mecânica quântica eram compatíveis e ofereciam uma fonte de pistas sobre como nosso universo real funciona.

Mas, observou Maldacena recentemente, seu modelo não explicava como a informação consegue escapar intacta de um buraco negro ou como o cálculo de Hawking em 1974 deu errado.

Don Page, ex-aluno de Hawking agora na Universidade de Alberta, adotou uma abordagem diferente na década de 1990. Suponhamos, ele disse, que a informação seja conservada quando um buraco negro evapora. Se assim for, então um buraco negro não cospe partículas tão aleatoriamente quanto Hawking pensava. A radiação começaria de forma aleatória, mas com o passar do tempo, as partículas emitidas se tornariam cada vez mais correlacionadas com aquelas que surgiram antes, essencialmente preenchendo as lacunas nas informações que faltavam. Depois de bilhões e bilhões de anos, todas as informações ocultas teriam emergido.

Em termos quânticos, essa explicação exigia que quaisquer partículas que agora escapassem do buraco negro fossem emaranhadas com as partículas que haviam vazado anteriormente. Mas isso apresentou um problema. Essas partículas recém-emitidas já estavam emaranhadas com seus pares que já haviam caído no buraco negro, entrando em conflito com as regras quânticas que determinavam que as partículas fossem emaranhadas apenas em pares. O esquema de transmissão de informações de Page só poderia funcionar se as partículas dentro do buraco negro fossem de alguma forma as mesmas que estavam agora do lado de fora.

Como explicar isso? O interior e o exterior do buraco negro estavam ligados por buracos de minhoca, os atalhos através do espaço e do tempo propostos por Einstein e Rosen em 1935.

Em 2012, Maldacena e Susskind propuseram uma trégua formal entre os dois Einsteins em guerra. Eles propuseram que o emaranhamento assustador e os buracos de minhoca eram duas faces do mesmo fenômeno. Assim eles disseram, empregando as iniciais dos autores desses dois artigos de 1935, Einstein e Rosen em um e Einstein, Podolsky e Rosen no outro: “ER = EPR”.

A implicação é que, de alguma forma estranha, o exterior de um buraco negro era igual ao seu interior, como uma garrafa de Klein que tem apenas um lado.

Como a informação poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Como grande parte da física quântica, a questão confunde a mente, como a noção de que a luz pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo de como a medição é feita.

O que importa é que, se o interior e o exterior de um buraco negro estivessem conectados por buracos de minhoca, a informação poderia fluir através deles em qualquer direção, para dentro ou para fora, de acordo com John Preskill, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e especialista em computação quântica.

“Devemos ser capazes de influenciar o interior de um desses buracos negros ‘fazendo cócegas’ em sua radiação e, assim, enviando uma mensagem para o interior do buraco negro”, ele disse em uma entrevista de 2017 à Quanta. Ele acrescentou: “Parece loucura”.

Ahmed Almheiri, físico da Universidade de Nova York Abu Dhabi, observou recentemente que, ao manipular a radiação que escapou de um buraco negro, ele poderia criar um gato dentro desse buraco negro. “Posso fazer algo com as partículas que irradiam do buraco negro e, de repente, um gato vai aparecer no buraco negro”, disse.

Ele acrescentou: “Todos nós temos que nos acostumar com isso”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No século passado, a maior briga de bar da ciência foi entre Albert Einstein e ele mesmo.

De um lado está o Einstein que em 1915 concebeu a relatividade geral, que descreve a gravidade como a deformação do espaço-tempo pela matéria e energia. Essa teoria previa que o espaço-tempo poderia dobrar-se, expandir-se, rasgar-se, tremer como uma tigela de gelatina e desaparecer naqueles poços sem fundo de nada conhecidos como buracos negros.

Do outro lado está o Einstein que, a partir de 1905, lançou as bases para a mecânica quântica, as regras não intuitivas que injetam aleatoriedade no mundo - regras que Einstein nunca aceitou. De acordo com a mecânica quântica, uma partícula subatômica como um elétron pode estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, e um gato pode estar vivo e morto até ser observado. Deus não joga dados, Einstein costumava reclamar.

A gravidade rege o espaço sideral, moldando galáxias e, de fato, todo o universo, enquanto a mecânica quântica rege o espaço interno, a arena de átomos e partículas elementares. Os dois reinos pareciam não ter nada a ver um com o outro; isso deixou os cientistas despreparados para entender o que acontece em uma situação extrema como um buraco negro ou o início do universo.

Mas uma enxurrada de pesquisas na última década sobre a vida interna dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre as duas visões do cosmos. As implicações são surpreendentes, incluindo a possibilidade de que nosso universo tridimensional - e nós mesmos - sejamos hologramas, como as imagens fantasmagóricas antifalsificação que aparecem em alguns cartões de crédito e carteiras de motorista. Nesta versão do cosmos, não há diferença entre aqui e lá, causa e efeito, dentro e fora ou talvez entre antes e agora; gatos domésticos podem ser conjurados no espaço vazio. Todos nós podemos ser o Dr. Estranho.

“Pode ser muito forte dizer que a gravidade e a mecânica quântica são exatamente a mesma coisa”, escreveu Leonard Susskind, da Universidade de Stanford, em um artigo em 2017. “Mas aqueles de nós que estão prestando atenção já podem sentir que os dois são inseparáveis e que nenhum faz sentido sem o outro.”

Esse insight, Susskind e seus colegas esperam, pode levar a uma teoria que combina gravidade e mecânica quântica - gravidade quântica - e talvez explique como o universo começou.

Uma nevasca de pesquisa na última década sobre a vida interior dos buracos negros revelou conexões inesperadas entre duas visões do cosmos. Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

Einstein vs. Einstein

O cisma entre os dois Einsteins entrou no centro das atenções em 1935, quando o físico enfrentou a si mesmo em um par de artigos acadêmicos.

Em um artigo, Einstein e Nathan Rosen mostraram que a relatividade geral previa que os buracos negros (que ainda não eram conhecidos por esse nome) poderiam se formar em pares conectados por atalhos através do espaço-tempo, chamados pontes Einstein-Rosen - “buracos de minhoca”. Na imaginação dos escritores de ficção científica, você poderia pular em um buraco negro e sair no outro.

No outro artigo, Einstein, Rosen e outro físico, Boris Podolsky, tentaram puxar o tapete da mecânica quântica expondo uma inconsistência aparentemente lógica. Eles apontaram que, de acordo com o princípio da incerteza da física quântica, um par de partículas, uma vez associado, estaria eternamente conectado, mesmo que estivesse a anos-luz de distância. Medir uma propriedade de uma partícula - sua direção de rotação, digamos - afetaria instantaneamente a medição de seu par. Se esses fótons fossem moedas lançadas e um desse cara, o outro invariavelmente daria coroa.

Para Einstein, essa proposição era obviamente ridícula, e ele a descartou como “ação assustadora à distância”. Mas hoje os físicos chamam isso de “emaranhamento”, e experimentos de laboratório confirmam sua realidade todos os dias. Na semana passada, o Prêmio Nobel de Física foi concedido a um trio de físicos cujos experimentos ao longo dos anos demonstraram a realidade dessa “ação assustadora”.

O físico N. David Mermin, da Universidade Cornell, certa vez chamou essa estranheza quântica de “a coisa mais próxima que temos da magia”.

Einstein provavelmente nunca sonhou que os dois artigos de 1935 tivessem algo em comum, disse Susskind recentemente. Mas Susskind e outros físicos agora especulam que buracos de minhoca e ação assustadora são dois aspectos da mesma magia e, como tal, são a chave para resolver uma série de paradoxos cósmicos.

Jogando dados no escuro

Para os astrônomos, os buracos negros são monstros escuros com gravidade tão forte que podem consumir estrelas, destruir galáxias e aprisionar até a luz. À beira de um buraco negro, o tempo parece parar. No centro de um buraco negro, a matéria encolhe até uma densidade infinita e as leis conhecidas da física se desfazem. Mas para os físicos empenhados em explicar essas leis fundamentais, os buracos negros são uma Coney Island de mistérios e imaginação.

Em 1974, o cosmólogo Stephen Hawking surpreendeu o mundo científico com um cálculo heróico mostrando que, para sua própria surpresa, os buracos negros não eram nem verdadeiramente negros nem eternos, quando os efeitos quânticos foram adicionados ao quadro. Ao longo de eras, um buraco negro vazaria energia e partículas subatômicas, encolheria, ficaria cada vez mais quente e finalmente explodiria.

No processo, toda a massa que caiu no buraco negro ao longo das eras seria devolvida ao universo exterior como uma efervescência aleatória de partículas e radiação.

Isso pode soar como uma boa notícia, uma espécie de ressurreição cósmica. Mas era uma catástrofe potencial para a física. Um princípio central da ciência sustenta que a informação nunca se perde; bolas de bilhar podem se espalhar em todas as direções em uma mesa, mas, em princípio, sempre é possível rebobinar a fita para determinar onde elas estavam no passado ou prever suas posições no futuro, mesmo que caiam em um buraco negro.

Mas se Hawking estivesse correto, as partículas que irradiavam de um buraco negro eram aleatórias, um ruído térmico sem sentido despido dos detalhes de qualquer coisa que tenha caído. Se um gato caísse, a maioria de suas informações - nome, cor, temperamento - seria irrecuperável, estaria efetivamente perdida. Seria como se você abrisse uma gaveta e descobrisse que sua certidão de nascimento e seu passaporte haviam desaparecido. Como Hawking expressou em 1976: “Deus não apenas joga dados, ele às vezes os joga onde não podem ser vistos”.

Sua declaração desencadeou uma guerra de ideias de 40 anos. “Isso não pode estar certo”, pensou Susskind, que se tornou o maior adversário de Hawking no debate subsequente, ao ouvir pela primeira vez a alegação de Hawking. “Eu não sabia o que fazer com isso.”

Codificação da Realidade

Uma solução potencial veio a Susskind em um dia de 1993, enquanto ele caminhava por um prédio de física no campus. Ali, no corredor, ele viu a exibição de um holograma de uma jovem.

Um holograma é basicamente uma imagem 3D - um bule, um gato, a princesa Leia - feita inteiramente de luz. Ele é criado iluminando o objeto original (real) com um laser e gravando os padrões de luz refletida em uma chapa fotográfica. Quando a chapa é iluminada mais tarde, uma imagem 3D do objeto aparece no centro.

“‘Ei, essa é uma situação em que parece que a informação é reproduzida de duas maneiras diferentes’”, pensou Susskind. Por um lado, há um objeto visível que “parecia real”, ele disse. “E, por outro lado, há a mesma informação codificada no filme em torno do holograma. De perto, parece apenas um monte de arranhões e uma codificação altamente complexa.”

As combinações certas de arranhões naquele filme, percebeu Susskind, poderiam fazer qualquer coisa emergir em três dimensões. Então ele pensou: e se um buraco negro fosse na verdade um holograma, com o horizonte do evento servindo como o “filme”, codificando o que havia dentro? Foi “uma ideia maluca, uma ideia legal”, ele lembrou.

Do outro lado do Atlântico, a mesma ideia maluca ocorreu ao físico holandês Gerardus ‘t Hooft, ganhador do Prêmio Nobel da Universidade de Utrecht, na Holanda.

De acordo com a relatividade geral de Einstein, o conteúdo de informação de um buraco negro ou qualquer espaço 3D - sua sala de estar, digamos, ou todo o universo - era limitado ao número de bits que poderiam ser codificados em uma superfície imaginária ao seu redor. Esse espaço era medido em pixels 10 elevados à potência de 33 centímetros negativos de um lado - a menor unidade de espaço, conhecida como comprimento de Planck.

Com pixels de dados tão pequenos, isso equivalia a quatrilhões de megabytes por centímetro quadrado - uma quantidade estupenda de informações, mas não uma quantidade infinita. Tentar colocar muita informação em qualquer região faria com que ela excedesse um limite decretado por Jacob Bekenstein, então estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton e rival de Hawking, e faria com que ela colapsasse em um buraco negro.

“Foi isso que descobrimos sobre o sistema de contabilidade da Natureza”, escreveu Hooft em 1993. “Os dados podem ser escritos em uma superfície, e a caneta com a qual os dados são escritos tem um tamanho finito”.

Buracos Negros são alguns dos maiores desafios da astronomia.  Foto: Leonardo Santamaria/The New York Times

O universo da lata de sopa

A ideia do cosmos como holograma encontrou sua expressão mais completa alguns anos depois, em 1997. Juan Maldacena, teórico do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, usou novas ideias da teoria das cordas - a especulativa “teoria de tudo” que retrata partículas subatômicas como cordas vibrantes - para criar um modelo matemático de todo o universo como um holograma.

Em sua formulação, todas as informações sobre o que acontece dentro de algum volume do espaço são codificadas como campos quânticos na superfície do limite da região.

O universo de Maldacena é muitas vezes retratado como uma lata de sopa: Galáxias, buracos negros, gravidade, estrelas e o resto, inclusive nós, são a sopa que está dentro, e as informações que os descrevem ficam do lado de fora, como um rótulo. Pense nisso como gravidade em uma lata. O interior e o exterior da lata - o “volume” e o “limite” - são descrições complementares dos mesmos fenômenos.

Como os campos na superfície da sopa podem obedecer a regras quânticas sobre preservação de informações, os campos gravitacionais dentro da lata também devem preservar informações. Nesse quadro, “não há espaço para perda de informações”, disse Maldacena em uma conferência em 2004.

Hawking admitiu: afinal, a gravidade não era uma grande borracha.

“Em outras palavras, o universo faz sentido”, disse Susskind em uma entrevista.

Buracos de minhoca, buracos de minhoca em todos os lugares

Nosso universo real, ao contrário do modelo matemático de Maldacena, não tem fronteira, nem limite externo. No entanto, para os físicos, seu universo tornou-se uma prova de princípio de que a gravidade e a mecânica quântica eram compatíveis e ofereciam uma fonte de pistas sobre como nosso universo real funciona.

Mas, observou Maldacena recentemente, seu modelo não explicava como a informação consegue escapar intacta de um buraco negro ou como o cálculo de Hawking em 1974 deu errado.

Don Page, ex-aluno de Hawking agora na Universidade de Alberta, adotou uma abordagem diferente na década de 1990. Suponhamos, ele disse, que a informação seja conservada quando um buraco negro evapora. Se assim for, então um buraco negro não cospe partículas tão aleatoriamente quanto Hawking pensava. A radiação começaria de forma aleatória, mas com o passar do tempo, as partículas emitidas se tornariam cada vez mais correlacionadas com aquelas que surgiram antes, essencialmente preenchendo as lacunas nas informações que faltavam. Depois de bilhões e bilhões de anos, todas as informações ocultas teriam emergido.

Em termos quânticos, essa explicação exigia que quaisquer partículas que agora escapassem do buraco negro fossem emaranhadas com as partículas que haviam vazado anteriormente. Mas isso apresentou um problema. Essas partículas recém-emitidas já estavam emaranhadas com seus pares que já haviam caído no buraco negro, entrando em conflito com as regras quânticas que determinavam que as partículas fossem emaranhadas apenas em pares. O esquema de transmissão de informações de Page só poderia funcionar se as partículas dentro do buraco negro fossem de alguma forma as mesmas que estavam agora do lado de fora.

Como explicar isso? O interior e o exterior do buraco negro estavam ligados por buracos de minhoca, os atalhos através do espaço e do tempo propostos por Einstein e Rosen em 1935.

Em 2012, Maldacena e Susskind propuseram uma trégua formal entre os dois Einsteins em guerra. Eles propuseram que o emaranhamento assustador e os buracos de minhoca eram duas faces do mesmo fenômeno. Assim eles disseram, empregando as iniciais dos autores desses dois artigos de 1935, Einstein e Rosen em um e Einstein, Podolsky e Rosen no outro: “ER = EPR”.

A implicação é que, de alguma forma estranha, o exterior de um buraco negro era igual ao seu interior, como uma garrafa de Klein que tem apenas um lado.

Como a informação poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Como grande parte da física quântica, a questão confunde a mente, como a noção de que a luz pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo de como a medição é feita.

O que importa é que, se o interior e o exterior de um buraco negro estivessem conectados por buracos de minhoca, a informação poderia fluir através deles em qualquer direção, para dentro ou para fora, de acordo com John Preskill, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e especialista em computação quântica.

“Devemos ser capazes de influenciar o interior de um desses buracos negros ‘fazendo cócegas’ em sua radiação e, assim, enviando uma mensagem para o interior do buraco negro”, ele disse em uma entrevista de 2017 à Quanta. Ele acrescentou: “Parece loucura”.

Ahmed Almheiri, físico da Universidade de Nova York Abu Dhabi, observou recentemente que, ao manipular a radiação que escapou de um buraco negro, ele poderia criar um gato dentro desse buraco negro. “Posso fazer algo com as partículas que irradiam do buraco negro e, de repente, um gato vai aparecer no buraco negro”, disse.

Ele acrescentou: “Todos nós temos que nos acostumar com isso”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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