Capri, o principal destino dos mais ricos, tem prioridade na vacinação na Itália


Para acelerar a volta de turistas, país permite que residentes da ilha tenham prioridade na fila da vacina

Por Redação

CAPRI, Itália - A balsa atracou ao lado do outdoor azul "Capri livre de covid", e os moradores e trabalhadores desembarcaram carregando bagagem e anticorpos.

Entre eles estava Mario Petraroli, de 37 anos, recém-vacinado contra a covid e pronto para a grande reabertura do luxuoso hotel onde trabalha como diretor de marketing. "O grande dia", disse ao seguir para um funicular que passa por cima das águas azul-turquesa, dos pomares carregados de limões e das trilhas sinuosas que margeiam o penhasco.

Na chegada à ilha, trabalhadores passam pelo mural onde lê-se: Capri livre de covid. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times
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Ele alcançou o cume e entrou na cidade glamorosa e famosa por receber celebridades, pela salada Caprese com preço exorbitante e pela reputação de ser o playground de bilionários. Todos ao redor dele - lojistas tirando as roupas Pucci, Gucci e Missoni de sacolas plásticas; barmen colocando gelo em Spritzes; carpinteiros dando o toque final nas baladas underground Anema e Core Taverna - haviam sido vacinados.

É uma história diferente da que se passa no território italiano no continente, visível do outro lado do golfo a partir do mirante com colunas romanas falsas. Lá, onde a campanha de vacinação avançou de forma desigual.

"É muito frustrante", comentou Petraroli, cujo tio de 68 anos e morador de Nápoles contraiu o vírus no fim de abril enquanto esperava pela vacinação. Morreu dias depois. Essa perda o convenceu ainda mais de que Capri não deveria esperar que a Itália se recompusesse. Ele imaginou que, a essa altura, a temporada de verão já teria acabado e os meios de subsistência - e possivelmente vidas - estariam perdidos.

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Vincenzo De Luca, o rude presidente da região da Campânia, que inclui Capri, concorda integralmente. Sentindo o calor da Grécia e da Espanha, que priorizaram a campanha de vacinação nas ilhas para atrair os turistas da Itália, De Luca divergiu da estratégia de vacinação do governo de priorizar os grupos de italianos mais vulneráveis. Em vez disso, tratou Capri e outras ilhas turísticas como um caso especial.

Ele acelerou a vacinação em Capri, inundando a ilha com doses. Os idosos foram vacinados primeiro, depois as pessoas de meia-idade, em seguida os jovens na faixa dos 20 anos e até alguns adolescentes, enquanto o resto da região lutava para levar a vacina a todas as pessoas de 60 e 70 anos. Depois, De Luca vacinou qualquer um que trabalhasse na ilha.

Massimiliano Fedriga, presidente da região Friul-Veneza Giulia, no Nordeste da Itália, alertou que "a tensão social pode aumentar" se Capri, que evitou surtos, e outras ilhas recebessem tratamento especial. O governo nacional em Roma insistiu que os moradores mais jovens - mesmo nas ilhas - deveriam ser vacinados só depois que todos os idosos e vulneráveis da região fossem inoculados.

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De Luca, porém, persistiu, e o governo, ansioso para reacender a economia, acabou cedendo. Em maio, aprovou a vacinação de todos os moradores de ilhas italianas menores, de Elba às Ilhas Eólias, na Sicília. Mesmo cidades não litorâneas, como a estação de esqui Sestriere, nos Alpes italianos, tentaram entrar na fila rápida da vacinação. "É hora de reservar as férias na Itália", declarou o primeiro-ministro Mario Draghi.

Em oito de maio, com o aumento da vacinação em nível nacional, De Luca foi à famosa piazzetta de Capri, no centro da cidade, para declarar missão cumprida e pedir aos turistas que passem as férias nas ilhas.

Petraroli cruzou agora a mesma praça, passando pelos entusiastas bronzeados que bebiam e fumavam, com o rosto virado para o sol. Entrou em um labirinto de ruas estreitas, com lojas Rolex, butiques de marca e o Hangout, popular pub de Simone Aversa. "Meus amigos dizem: 'Sorte sua, ainda estamos esperando'", contou Aversa, que tem 30 anos e já recebeu a vacina. Ele disse que sua família em Florença havia reclamado do fato de também morar em uma cidade sustentada pelo turismo que não recebia um tratamento especial como Capri. "Capri é a resposta para a pergunta: por que você e não nós? Porque Capri é Capri", afirmou Aversa, levantando os ombros.

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Parede do restaurante Aurora, de Mia D'Alessio, está cheia de fotos da dona com celebridades. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Petraroli notou o Aurora, restaurante mais antigo de Capri. A dona, Mia D'Alessio, de 49 anos, naquele dia havia recebido a segunda dose da vacina da Pfizer e uma ligação do empresário de Beyoncé reservando o habitual recinto privado para a diva e o marido, Jay-Z, em agosto.

Segundo ela, o casal estaria seguro, porque todos no restaurante e sua família foram vacinados. Isso inclui sua filha de 19 anos, tenista que treinou com Andre Agassi e já jogou com Bernard Arnault, bilionário francês dono da marca gigante de bens de luxo LVMH Moët Hennessy.

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"Capri terá mais ricos do que antes. Eles vêm para comer a pizza dos ricos. Leve. Sem fermento", observou D'Alessio em frente a uma parede de fotos, entre as quais ela posando com Steven Spielberg, Mariah Carey e Michael Jordan.

Ela disse que os VIPs - com jato particular, iate e médicos pessoais - teriam menos dificuldades para chegar à ilha do que a horda de turistas em busca de suvenires, vestindo sandália Capri e camisa de linho manchada de limoncello e sedenta por um cartão-postal da Gruta Azul, especialmente porque a indústria de cruzeiros ainda não conseguiu voltar com força total.

"É um bom momento para conhecer Capri", comentou Petraroli ao chegar ao Capri Tiberio Palace, hotel para onde Kylie Jenner foi em um verão recente porque não se sentia bem em seu iate, segundo informaram trabalhadores do porto. O local tem esse nome em homenagem a Tibério, que governou o Império Romano de Capri, jogando gente de penhascos e ensinado Calígula a se divertir. Muitos aqui o chamam de primeiro turista de Capri.

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Petraroli ressaltou que hedonistas modernos já estavam ligando e enviando batedores para se certificar de que a situação da vacina e o clima do local são o que desejam. "O verdadeiro problema para eles é que, uma vez aqui, têm de ter algo para fazer", explicou enquanto trabalhadores carregavam uma máquina de café expresso e limpavam as persianas.

No andar de cima, Petraroli abriu a Suíte Bellevue, reservada principalmente por "xeques, sultões e caras muito famosas", que leva a um terraço com azulejos de cerâmica pintada à mão e a uma piscina com hidromassagem. Petraroli contou que o falecido astro do basquete Kobe Bryant tinha um "vínculo tão especial com nossa suíte superior" que registrou uma das filhas com o nome Capri, depois de ter se hospedado lá.

Do lado de fora da sala, Alessandro De Simone, de 23 anos, passava espanador em decantadores de cristal cheios de conhaque e uísque. De Simone, que também foi vacinado, informou que nenhum de seus amigos em Nápoles recebeu a vacina. "Para eles, sou um privilegiado." Mas outros na ilha mencionaram que os amigos do continente os viam como ratos de laboratório luxuosamente alojados.

Domenico Marchese, de 29 anos, que preparava xaropes de banana para seu coquetel exclusivo "Barbados Punch" no Jackie, o bar do hotel com temática cubana, apontou que embora seus pais, na casa dos 50 anos, não pudessem se vacinar, seus amigos, na casa dos 20, recusaram a vacina. "Estou tentando fazer com que mudem de ideia. Digo a eles que não se preocupem."

Em toda a ilha, que em 2019 fez uma campanha contra a superlotação, a principal preocupação é que ninguém venha. Nos Jardins de Augusto, repletos de canteiros de flores e estátuas graciosas, não havia ninguém nos mirantes esperando na marcação em fita verde com a frase "Espere aqui". A costa, com águas cristalinas, geralmente entupida de navios, estava quase vazia.

Giuseppe Maggipinto navega pelas famosas formações rochosas de Faraglione. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Giuseppe Maggipinto, de 53 anos, que é presidente da cooperativa de proprietários de barcos a motor mais antiga da ilha (cujo site traz a mensagem: "Todos os nossos capitães e funcionários foram completamente vacinados!"), acelerou de forma desinibida pela ilha. Navegou pelas formações rochosas de Faraglione, marca registrada da ilha ("Foi aqui que Heidi Klum se casou em um iate") e pelo clube de praia La Fontelina, onde três banhistas, com os joelhos dobrados, estavam deitados sob o penhasco. Ele lamentou a "polêmica histérica em torno da nossa vacinação", argumentando que, sem um hospital, "caso houvesse um surto aqui, não haveria nada para nos salvar".

Atracou o barco no cais, onde mais balsas trouxeram alguns turistas e também alguns moradores de volta. Dario Portale, dono da uma mercearia local, e sua família estavam entre eles. No dia seguinte à vacinação, o casal partiu para Milão - situada na região mais afetada do país, a Lombardia - para apresentar o filho de dez meses à mãe dele. Ela tem 62 anos, trabalha em um correio e não tinha sido vacinada.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

CAPRI, Itália - A balsa atracou ao lado do outdoor azul "Capri livre de covid", e os moradores e trabalhadores desembarcaram carregando bagagem e anticorpos.

Entre eles estava Mario Petraroli, de 37 anos, recém-vacinado contra a covid e pronto para a grande reabertura do luxuoso hotel onde trabalha como diretor de marketing. "O grande dia", disse ao seguir para um funicular que passa por cima das águas azul-turquesa, dos pomares carregados de limões e das trilhas sinuosas que margeiam o penhasco.

Na chegada à ilha, trabalhadores passam pelo mural onde lê-se: Capri livre de covid. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Ele alcançou o cume e entrou na cidade glamorosa e famosa por receber celebridades, pela salada Caprese com preço exorbitante e pela reputação de ser o playground de bilionários. Todos ao redor dele - lojistas tirando as roupas Pucci, Gucci e Missoni de sacolas plásticas; barmen colocando gelo em Spritzes; carpinteiros dando o toque final nas baladas underground Anema e Core Taverna - haviam sido vacinados.

É uma história diferente da que se passa no território italiano no continente, visível do outro lado do golfo a partir do mirante com colunas romanas falsas. Lá, onde a campanha de vacinação avançou de forma desigual.

"É muito frustrante", comentou Petraroli, cujo tio de 68 anos e morador de Nápoles contraiu o vírus no fim de abril enquanto esperava pela vacinação. Morreu dias depois. Essa perda o convenceu ainda mais de que Capri não deveria esperar que a Itália se recompusesse. Ele imaginou que, a essa altura, a temporada de verão já teria acabado e os meios de subsistência - e possivelmente vidas - estariam perdidos.

Vincenzo De Luca, o rude presidente da região da Campânia, que inclui Capri, concorda integralmente. Sentindo o calor da Grécia e da Espanha, que priorizaram a campanha de vacinação nas ilhas para atrair os turistas da Itália, De Luca divergiu da estratégia de vacinação do governo de priorizar os grupos de italianos mais vulneráveis. Em vez disso, tratou Capri e outras ilhas turísticas como um caso especial.

Ele acelerou a vacinação em Capri, inundando a ilha com doses. Os idosos foram vacinados primeiro, depois as pessoas de meia-idade, em seguida os jovens na faixa dos 20 anos e até alguns adolescentes, enquanto o resto da região lutava para levar a vacina a todas as pessoas de 60 e 70 anos. Depois, De Luca vacinou qualquer um que trabalhasse na ilha.

Massimiliano Fedriga, presidente da região Friul-Veneza Giulia, no Nordeste da Itália, alertou que "a tensão social pode aumentar" se Capri, que evitou surtos, e outras ilhas recebessem tratamento especial. O governo nacional em Roma insistiu que os moradores mais jovens - mesmo nas ilhas - deveriam ser vacinados só depois que todos os idosos e vulneráveis da região fossem inoculados.

De Luca, porém, persistiu, e o governo, ansioso para reacender a economia, acabou cedendo. Em maio, aprovou a vacinação de todos os moradores de ilhas italianas menores, de Elba às Ilhas Eólias, na Sicília. Mesmo cidades não litorâneas, como a estação de esqui Sestriere, nos Alpes italianos, tentaram entrar na fila rápida da vacinação. "É hora de reservar as férias na Itália", declarou o primeiro-ministro Mario Draghi.

Em oito de maio, com o aumento da vacinação em nível nacional, De Luca foi à famosa piazzetta de Capri, no centro da cidade, para declarar missão cumprida e pedir aos turistas que passem as férias nas ilhas.

Petraroli cruzou agora a mesma praça, passando pelos entusiastas bronzeados que bebiam e fumavam, com o rosto virado para o sol. Entrou em um labirinto de ruas estreitas, com lojas Rolex, butiques de marca e o Hangout, popular pub de Simone Aversa. "Meus amigos dizem: 'Sorte sua, ainda estamos esperando'", contou Aversa, que tem 30 anos e já recebeu a vacina. Ele disse que sua família em Florença havia reclamado do fato de também morar em uma cidade sustentada pelo turismo que não recebia um tratamento especial como Capri. "Capri é a resposta para a pergunta: por que você e não nós? Porque Capri é Capri", afirmou Aversa, levantando os ombros.

Parede do restaurante Aurora, de Mia D'Alessio, está cheia de fotos da dona com celebridades. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Petraroli notou o Aurora, restaurante mais antigo de Capri. A dona, Mia D'Alessio, de 49 anos, naquele dia havia recebido a segunda dose da vacina da Pfizer e uma ligação do empresário de Beyoncé reservando o habitual recinto privado para a diva e o marido, Jay-Z, em agosto.

Segundo ela, o casal estaria seguro, porque todos no restaurante e sua família foram vacinados. Isso inclui sua filha de 19 anos, tenista que treinou com Andre Agassi e já jogou com Bernard Arnault, bilionário francês dono da marca gigante de bens de luxo LVMH Moët Hennessy.

"Capri terá mais ricos do que antes. Eles vêm para comer a pizza dos ricos. Leve. Sem fermento", observou D'Alessio em frente a uma parede de fotos, entre as quais ela posando com Steven Spielberg, Mariah Carey e Michael Jordan.

Ela disse que os VIPs - com jato particular, iate e médicos pessoais - teriam menos dificuldades para chegar à ilha do que a horda de turistas em busca de suvenires, vestindo sandália Capri e camisa de linho manchada de limoncello e sedenta por um cartão-postal da Gruta Azul, especialmente porque a indústria de cruzeiros ainda não conseguiu voltar com força total.

"É um bom momento para conhecer Capri", comentou Petraroli ao chegar ao Capri Tiberio Palace, hotel para onde Kylie Jenner foi em um verão recente porque não se sentia bem em seu iate, segundo informaram trabalhadores do porto. O local tem esse nome em homenagem a Tibério, que governou o Império Romano de Capri, jogando gente de penhascos e ensinado Calígula a se divertir. Muitos aqui o chamam de primeiro turista de Capri.

Petraroli ressaltou que hedonistas modernos já estavam ligando e enviando batedores para se certificar de que a situação da vacina e o clima do local são o que desejam. "O verdadeiro problema para eles é que, uma vez aqui, têm de ter algo para fazer", explicou enquanto trabalhadores carregavam uma máquina de café expresso e limpavam as persianas.

No andar de cima, Petraroli abriu a Suíte Bellevue, reservada principalmente por "xeques, sultões e caras muito famosas", que leva a um terraço com azulejos de cerâmica pintada à mão e a uma piscina com hidromassagem. Petraroli contou que o falecido astro do basquete Kobe Bryant tinha um "vínculo tão especial com nossa suíte superior" que registrou uma das filhas com o nome Capri, depois de ter se hospedado lá.

Do lado de fora da sala, Alessandro De Simone, de 23 anos, passava espanador em decantadores de cristal cheios de conhaque e uísque. De Simone, que também foi vacinado, informou que nenhum de seus amigos em Nápoles recebeu a vacina. "Para eles, sou um privilegiado." Mas outros na ilha mencionaram que os amigos do continente os viam como ratos de laboratório luxuosamente alojados.

Domenico Marchese, de 29 anos, que preparava xaropes de banana para seu coquetel exclusivo "Barbados Punch" no Jackie, o bar do hotel com temática cubana, apontou que embora seus pais, na casa dos 50 anos, não pudessem se vacinar, seus amigos, na casa dos 20, recusaram a vacina. "Estou tentando fazer com que mudem de ideia. Digo a eles que não se preocupem."

Em toda a ilha, que em 2019 fez uma campanha contra a superlotação, a principal preocupação é que ninguém venha. Nos Jardins de Augusto, repletos de canteiros de flores e estátuas graciosas, não havia ninguém nos mirantes esperando na marcação em fita verde com a frase "Espere aqui". A costa, com águas cristalinas, geralmente entupida de navios, estava quase vazia.

Giuseppe Maggipinto navega pelas famosas formações rochosas de Faraglione. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Giuseppe Maggipinto, de 53 anos, que é presidente da cooperativa de proprietários de barcos a motor mais antiga da ilha (cujo site traz a mensagem: "Todos os nossos capitães e funcionários foram completamente vacinados!"), acelerou de forma desinibida pela ilha. Navegou pelas formações rochosas de Faraglione, marca registrada da ilha ("Foi aqui que Heidi Klum se casou em um iate") e pelo clube de praia La Fontelina, onde três banhistas, com os joelhos dobrados, estavam deitados sob o penhasco. Ele lamentou a "polêmica histérica em torno da nossa vacinação", argumentando que, sem um hospital, "caso houvesse um surto aqui, não haveria nada para nos salvar".

Atracou o barco no cais, onde mais balsas trouxeram alguns turistas e também alguns moradores de volta. Dario Portale, dono da uma mercearia local, e sua família estavam entre eles. No dia seguinte à vacinação, o casal partiu para Milão - situada na região mais afetada do país, a Lombardia - para apresentar o filho de dez meses à mãe dele. Ela tem 62 anos, trabalha em um correio e não tinha sido vacinada.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

CAPRI, Itália - A balsa atracou ao lado do outdoor azul "Capri livre de covid", e os moradores e trabalhadores desembarcaram carregando bagagem e anticorpos.

Entre eles estava Mario Petraroli, de 37 anos, recém-vacinado contra a covid e pronto para a grande reabertura do luxuoso hotel onde trabalha como diretor de marketing. "O grande dia", disse ao seguir para um funicular que passa por cima das águas azul-turquesa, dos pomares carregados de limões e das trilhas sinuosas que margeiam o penhasco.

Na chegada à ilha, trabalhadores passam pelo mural onde lê-se: Capri livre de covid. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Ele alcançou o cume e entrou na cidade glamorosa e famosa por receber celebridades, pela salada Caprese com preço exorbitante e pela reputação de ser o playground de bilionários. Todos ao redor dele - lojistas tirando as roupas Pucci, Gucci e Missoni de sacolas plásticas; barmen colocando gelo em Spritzes; carpinteiros dando o toque final nas baladas underground Anema e Core Taverna - haviam sido vacinados.

É uma história diferente da que se passa no território italiano no continente, visível do outro lado do golfo a partir do mirante com colunas romanas falsas. Lá, onde a campanha de vacinação avançou de forma desigual.

"É muito frustrante", comentou Petraroli, cujo tio de 68 anos e morador de Nápoles contraiu o vírus no fim de abril enquanto esperava pela vacinação. Morreu dias depois. Essa perda o convenceu ainda mais de que Capri não deveria esperar que a Itália se recompusesse. Ele imaginou que, a essa altura, a temporada de verão já teria acabado e os meios de subsistência - e possivelmente vidas - estariam perdidos.

Vincenzo De Luca, o rude presidente da região da Campânia, que inclui Capri, concorda integralmente. Sentindo o calor da Grécia e da Espanha, que priorizaram a campanha de vacinação nas ilhas para atrair os turistas da Itália, De Luca divergiu da estratégia de vacinação do governo de priorizar os grupos de italianos mais vulneráveis. Em vez disso, tratou Capri e outras ilhas turísticas como um caso especial.

Ele acelerou a vacinação em Capri, inundando a ilha com doses. Os idosos foram vacinados primeiro, depois as pessoas de meia-idade, em seguida os jovens na faixa dos 20 anos e até alguns adolescentes, enquanto o resto da região lutava para levar a vacina a todas as pessoas de 60 e 70 anos. Depois, De Luca vacinou qualquer um que trabalhasse na ilha.

Massimiliano Fedriga, presidente da região Friul-Veneza Giulia, no Nordeste da Itália, alertou que "a tensão social pode aumentar" se Capri, que evitou surtos, e outras ilhas recebessem tratamento especial. O governo nacional em Roma insistiu que os moradores mais jovens - mesmo nas ilhas - deveriam ser vacinados só depois que todos os idosos e vulneráveis da região fossem inoculados.

De Luca, porém, persistiu, e o governo, ansioso para reacender a economia, acabou cedendo. Em maio, aprovou a vacinação de todos os moradores de ilhas italianas menores, de Elba às Ilhas Eólias, na Sicília. Mesmo cidades não litorâneas, como a estação de esqui Sestriere, nos Alpes italianos, tentaram entrar na fila rápida da vacinação. "É hora de reservar as férias na Itália", declarou o primeiro-ministro Mario Draghi.

Em oito de maio, com o aumento da vacinação em nível nacional, De Luca foi à famosa piazzetta de Capri, no centro da cidade, para declarar missão cumprida e pedir aos turistas que passem as férias nas ilhas.

Petraroli cruzou agora a mesma praça, passando pelos entusiastas bronzeados que bebiam e fumavam, com o rosto virado para o sol. Entrou em um labirinto de ruas estreitas, com lojas Rolex, butiques de marca e o Hangout, popular pub de Simone Aversa. "Meus amigos dizem: 'Sorte sua, ainda estamos esperando'", contou Aversa, que tem 30 anos e já recebeu a vacina. Ele disse que sua família em Florença havia reclamado do fato de também morar em uma cidade sustentada pelo turismo que não recebia um tratamento especial como Capri. "Capri é a resposta para a pergunta: por que você e não nós? Porque Capri é Capri", afirmou Aversa, levantando os ombros.

Parede do restaurante Aurora, de Mia D'Alessio, está cheia de fotos da dona com celebridades. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Petraroli notou o Aurora, restaurante mais antigo de Capri. A dona, Mia D'Alessio, de 49 anos, naquele dia havia recebido a segunda dose da vacina da Pfizer e uma ligação do empresário de Beyoncé reservando o habitual recinto privado para a diva e o marido, Jay-Z, em agosto.

Segundo ela, o casal estaria seguro, porque todos no restaurante e sua família foram vacinados. Isso inclui sua filha de 19 anos, tenista que treinou com Andre Agassi e já jogou com Bernard Arnault, bilionário francês dono da marca gigante de bens de luxo LVMH Moët Hennessy.

"Capri terá mais ricos do que antes. Eles vêm para comer a pizza dos ricos. Leve. Sem fermento", observou D'Alessio em frente a uma parede de fotos, entre as quais ela posando com Steven Spielberg, Mariah Carey e Michael Jordan.

Ela disse que os VIPs - com jato particular, iate e médicos pessoais - teriam menos dificuldades para chegar à ilha do que a horda de turistas em busca de suvenires, vestindo sandália Capri e camisa de linho manchada de limoncello e sedenta por um cartão-postal da Gruta Azul, especialmente porque a indústria de cruzeiros ainda não conseguiu voltar com força total.

"É um bom momento para conhecer Capri", comentou Petraroli ao chegar ao Capri Tiberio Palace, hotel para onde Kylie Jenner foi em um verão recente porque não se sentia bem em seu iate, segundo informaram trabalhadores do porto. O local tem esse nome em homenagem a Tibério, que governou o Império Romano de Capri, jogando gente de penhascos e ensinado Calígula a se divertir. Muitos aqui o chamam de primeiro turista de Capri.

Petraroli ressaltou que hedonistas modernos já estavam ligando e enviando batedores para se certificar de que a situação da vacina e o clima do local são o que desejam. "O verdadeiro problema para eles é que, uma vez aqui, têm de ter algo para fazer", explicou enquanto trabalhadores carregavam uma máquina de café expresso e limpavam as persianas.

No andar de cima, Petraroli abriu a Suíte Bellevue, reservada principalmente por "xeques, sultões e caras muito famosas", que leva a um terraço com azulejos de cerâmica pintada à mão e a uma piscina com hidromassagem. Petraroli contou que o falecido astro do basquete Kobe Bryant tinha um "vínculo tão especial com nossa suíte superior" que registrou uma das filhas com o nome Capri, depois de ter se hospedado lá.

Do lado de fora da sala, Alessandro De Simone, de 23 anos, passava espanador em decantadores de cristal cheios de conhaque e uísque. De Simone, que também foi vacinado, informou que nenhum de seus amigos em Nápoles recebeu a vacina. "Para eles, sou um privilegiado." Mas outros na ilha mencionaram que os amigos do continente os viam como ratos de laboratório luxuosamente alojados.

Domenico Marchese, de 29 anos, que preparava xaropes de banana para seu coquetel exclusivo "Barbados Punch" no Jackie, o bar do hotel com temática cubana, apontou que embora seus pais, na casa dos 50 anos, não pudessem se vacinar, seus amigos, na casa dos 20, recusaram a vacina. "Estou tentando fazer com que mudem de ideia. Digo a eles que não se preocupem."

Em toda a ilha, que em 2019 fez uma campanha contra a superlotação, a principal preocupação é que ninguém venha. Nos Jardins de Augusto, repletos de canteiros de flores e estátuas graciosas, não havia ninguém nos mirantes esperando na marcação em fita verde com a frase "Espere aqui". A costa, com águas cristalinas, geralmente entupida de navios, estava quase vazia.

Giuseppe Maggipinto navega pelas famosas formações rochosas de Faraglione. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Giuseppe Maggipinto, de 53 anos, que é presidente da cooperativa de proprietários de barcos a motor mais antiga da ilha (cujo site traz a mensagem: "Todos os nossos capitães e funcionários foram completamente vacinados!"), acelerou de forma desinibida pela ilha. Navegou pelas formações rochosas de Faraglione, marca registrada da ilha ("Foi aqui que Heidi Klum se casou em um iate") e pelo clube de praia La Fontelina, onde três banhistas, com os joelhos dobrados, estavam deitados sob o penhasco. Ele lamentou a "polêmica histérica em torno da nossa vacinação", argumentando que, sem um hospital, "caso houvesse um surto aqui, não haveria nada para nos salvar".

Atracou o barco no cais, onde mais balsas trouxeram alguns turistas e também alguns moradores de volta. Dario Portale, dono da uma mercearia local, e sua família estavam entre eles. No dia seguinte à vacinação, o casal partiu para Milão - situada na região mais afetada do país, a Lombardia - para apresentar o filho de dez meses à mãe dele. Ela tem 62 anos, trabalha em um correio e não tinha sido vacinada.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

CAPRI, Itália - A balsa atracou ao lado do outdoor azul "Capri livre de covid", e os moradores e trabalhadores desembarcaram carregando bagagem e anticorpos.

Entre eles estava Mario Petraroli, de 37 anos, recém-vacinado contra a covid e pronto para a grande reabertura do luxuoso hotel onde trabalha como diretor de marketing. "O grande dia", disse ao seguir para um funicular que passa por cima das águas azul-turquesa, dos pomares carregados de limões e das trilhas sinuosas que margeiam o penhasco.

Na chegada à ilha, trabalhadores passam pelo mural onde lê-se: Capri livre de covid. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Ele alcançou o cume e entrou na cidade glamorosa e famosa por receber celebridades, pela salada Caprese com preço exorbitante e pela reputação de ser o playground de bilionários. Todos ao redor dele - lojistas tirando as roupas Pucci, Gucci e Missoni de sacolas plásticas; barmen colocando gelo em Spritzes; carpinteiros dando o toque final nas baladas underground Anema e Core Taverna - haviam sido vacinados.

É uma história diferente da que se passa no território italiano no continente, visível do outro lado do golfo a partir do mirante com colunas romanas falsas. Lá, onde a campanha de vacinação avançou de forma desigual.

"É muito frustrante", comentou Petraroli, cujo tio de 68 anos e morador de Nápoles contraiu o vírus no fim de abril enquanto esperava pela vacinação. Morreu dias depois. Essa perda o convenceu ainda mais de que Capri não deveria esperar que a Itália se recompusesse. Ele imaginou que, a essa altura, a temporada de verão já teria acabado e os meios de subsistência - e possivelmente vidas - estariam perdidos.

Vincenzo De Luca, o rude presidente da região da Campânia, que inclui Capri, concorda integralmente. Sentindo o calor da Grécia e da Espanha, que priorizaram a campanha de vacinação nas ilhas para atrair os turistas da Itália, De Luca divergiu da estratégia de vacinação do governo de priorizar os grupos de italianos mais vulneráveis. Em vez disso, tratou Capri e outras ilhas turísticas como um caso especial.

Ele acelerou a vacinação em Capri, inundando a ilha com doses. Os idosos foram vacinados primeiro, depois as pessoas de meia-idade, em seguida os jovens na faixa dos 20 anos e até alguns adolescentes, enquanto o resto da região lutava para levar a vacina a todas as pessoas de 60 e 70 anos. Depois, De Luca vacinou qualquer um que trabalhasse na ilha.

Massimiliano Fedriga, presidente da região Friul-Veneza Giulia, no Nordeste da Itália, alertou que "a tensão social pode aumentar" se Capri, que evitou surtos, e outras ilhas recebessem tratamento especial. O governo nacional em Roma insistiu que os moradores mais jovens - mesmo nas ilhas - deveriam ser vacinados só depois que todos os idosos e vulneráveis da região fossem inoculados.

De Luca, porém, persistiu, e o governo, ansioso para reacender a economia, acabou cedendo. Em maio, aprovou a vacinação de todos os moradores de ilhas italianas menores, de Elba às Ilhas Eólias, na Sicília. Mesmo cidades não litorâneas, como a estação de esqui Sestriere, nos Alpes italianos, tentaram entrar na fila rápida da vacinação. "É hora de reservar as férias na Itália", declarou o primeiro-ministro Mario Draghi.

Em oito de maio, com o aumento da vacinação em nível nacional, De Luca foi à famosa piazzetta de Capri, no centro da cidade, para declarar missão cumprida e pedir aos turistas que passem as férias nas ilhas.

Petraroli cruzou agora a mesma praça, passando pelos entusiastas bronzeados que bebiam e fumavam, com o rosto virado para o sol. Entrou em um labirinto de ruas estreitas, com lojas Rolex, butiques de marca e o Hangout, popular pub de Simone Aversa. "Meus amigos dizem: 'Sorte sua, ainda estamos esperando'", contou Aversa, que tem 30 anos e já recebeu a vacina. Ele disse que sua família em Florença havia reclamado do fato de também morar em uma cidade sustentada pelo turismo que não recebia um tratamento especial como Capri. "Capri é a resposta para a pergunta: por que você e não nós? Porque Capri é Capri", afirmou Aversa, levantando os ombros.

Parede do restaurante Aurora, de Mia D'Alessio, está cheia de fotos da dona com celebridades. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Petraroli notou o Aurora, restaurante mais antigo de Capri. A dona, Mia D'Alessio, de 49 anos, naquele dia havia recebido a segunda dose da vacina da Pfizer e uma ligação do empresário de Beyoncé reservando o habitual recinto privado para a diva e o marido, Jay-Z, em agosto.

Segundo ela, o casal estaria seguro, porque todos no restaurante e sua família foram vacinados. Isso inclui sua filha de 19 anos, tenista que treinou com Andre Agassi e já jogou com Bernard Arnault, bilionário francês dono da marca gigante de bens de luxo LVMH Moët Hennessy.

"Capri terá mais ricos do que antes. Eles vêm para comer a pizza dos ricos. Leve. Sem fermento", observou D'Alessio em frente a uma parede de fotos, entre as quais ela posando com Steven Spielberg, Mariah Carey e Michael Jordan.

Ela disse que os VIPs - com jato particular, iate e médicos pessoais - teriam menos dificuldades para chegar à ilha do que a horda de turistas em busca de suvenires, vestindo sandália Capri e camisa de linho manchada de limoncello e sedenta por um cartão-postal da Gruta Azul, especialmente porque a indústria de cruzeiros ainda não conseguiu voltar com força total.

"É um bom momento para conhecer Capri", comentou Petraroli ao chegar ao Capri Tiberio Palace, hotel para onde Kylie Jenner foi em um verão recente porque não se sentia bem em seu iate, segundo informaram trabalhadores do porto. O local tem esse nome em homenagem a Tibério, que governou o Império Romano de Capri, jogando gente de penhascos e ensinado Calígula a se divertir. Muitos aqui o chamam de primeiro turista de Capri.

Petraroli ressaltou que hedonistas modernos já estavam ligando e enviando batedores para se certificar de que a situação da vacina e o clima do local são o que desejam. "O verdadeiro problema para eles é que, uma vez aqui, têm de ter algo para fazer", explicou enquanto trabalhadores carregavam uma máquina de café expresso e limpavam as persianas.

No andar de cima, Petraroli abriu a Suíte Bellevue, reservada principalmente por "xeques, sultões e caras muito famosas", que leva a um terraço com azulejos de cerâmica pintada à mão e a uma piscina com hidromassagem. Petraroli contou que o falecido astro do basquete Kobe Bryant tinha um "vínculo tão especial com nossa suíte superior" que registrou uma das filhas com o nome Capri, depois de ter se hospedado lá.

Do lado de fora da sala, Alessandro De Simone, de 23 anos, passava espanador em decantadores de cristal cheios de conhaque e uísque. De Simone, que também foi vacinado, informou que nenhum de seus amigos em Nápoles recebeu a vacina. "Para eles, sou um privilegiado." Mas outros na ilha mencionaram que os amigos do continente os viam como ratos de laboratório luxuosamente alojados.

Domenico Marchese, de 29 anos, que preparava xaropes de banana para seu coquetel exclusivo "Barbados Punch" no Jackie, o bar do hotel com temática cubana, apontou que embora seus pais, na casa dos 50 anos, não pudessem se vacinar, seus amigos, na casa dos 20, recusaram a vacina. "Estou tentando fazer com que mudem de ideia. Digo a eles que não se preocupem."

Em toda a ilha, que em 2019 fez uma campanha contra a superlotação, a principal preocupação é que ninguém venha. Nos Jardins de Augusto, repletos de canteiros de flores e estátuas graciosas, não havia ninguém nos mirantes esperando na marcação em fita verde com a frase "Espere aqui". A costa, com águas cristalinas, geralmente entupida de navios, estava quase vazia.

Giuseppe Maggipinto navega pelas famosas formações rochosas de Faraglione. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Giuseppe Maggipinto, de 53 anos, que é presidente da cooperativa de proprietários de barcos a motor mais antiga da ilha (cujo site traz a mensagem: "Todos os nossos capitães e funcionários foram completamente vacinados!"), acelerou de forma desinibida pela ilha. Navegou pelas formações rochosas de Faraglione, marca registrada da ilha ("Foi aqui que Heidi Klum se casou em um iate") e pelo clube de praia La Fontelina, onde três banhistas, com os joelhos dobrados, estavam deitados sob o penhasco. Ele lamentou a "polêmica histérica em torno da nossa vacinação", argumentando que, sem um hospital, "caso houvesse um surto aqui, não haveria nada para nos salvar".

Atracou o barco no cais, onde mais balsas trouxeram alguns turistas e também alguns moradores de volta. Dario Portale, dono da uma mercearia local, e sua família estavam entre eles. No dia seguinte à vacinação, o casal partiu para Milão - situada na região mais afetada do país, a Lombardia - para apresentar o filho de dez meses à mãe dele. Ela tem 62 anos, trabalha em um correio e não tinha sido vacinada.

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CAPRI, Itália - A balsa atracou ao lado do outdoor azul "Capri livre de covid", e os moradores e trabalhadores desembarcaram carregando bagagem e anticorpos.

Entre eles estava Mario Petraroli, de 37 anos, recém-vacinado contra a covid e pronto para a grande reabertura do luxuoso hotel onde trabalha como diretor de marketing. "O grande dia", disse ao seguir para um funicular que passa por cima das águas azul-turquesa, dos pomares carregados de limões e das trilhas sinuosas que margeiam o penhasco.

Na chegada à ilha, trabalhadores passam pelo mural onde lê-se: Capri livre de covid. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Ele alcançou o cume e entrou na cidade glamorosa e famosa por receber celebridades, pela salada Caprese com preço exorbitante e pela reputação de ser o playground de bilionários. Todos ao redor dele - lojistas tirando as roupas Pucci, Gucci e Missoni de sacolas plásticas; barmen colocando gelo em Spritzes; carpinteiros dando o toque final nas baladas underground Anema e Core Taverna - haviam sido vacinados.

É uma história diferente da que se passa no território italiano no continente, visível do outro lado do golfo a partir do mirante com colunas romanas falsas. Lá, onde a campanha de vacinação avançou de forma desigual.

"É muito frustrante", comentou Petraroli, cujo tio de 68 anos e morador de Nápoles contraiu o vírus no fim de abril enquanto esperava pela vacinação. Morreu dias depois. Essa perda o convenceu ainda mais de que Capri não deveria esperar que a Itália se recompusesse. Ele imaginou que, a essa altura, a temporada de verão já teria acabado e os meios de subsistência - e possivelmente vidas - estariam perdidos.

Vincenzo De Luca, o rude presidente da região da Campânia, que inclui Capri, concorda integralmente. Sentindo o calor da Grécia e da Espanha, que priorizaram a campanha de vacinação nas ilhas para atrair os turistas da Itália, De Luca divergiu da estratégia de vacinação do governo de priorizar os grupos de italianos mais vulneráveis. Em vez disso, tratou Capri e outras ilhas turísticas como um caso especial.

Ele acelerou a vacinação em Capri, inundando a ilha com doses. Os idosos foram vacinados primeiro, depois as pessoas de meia-idade, em seguida os jovens na faixa dos 20 anos e até alguns adolescentes, enquanto o resto da região lutava para levar a vacina a todas as pessoas de 60 e 70 anos. Depois, De Luca vacinou qualquer um que trabalhasse na ilha.

Massimiliano Fedriga, presidente da região Friul-Veneza Giulia, no Nordeste da Itália, alertou que "a tensão social pode aumentar" se Capri, que evitou surtos, e outras ilhas recebessem tratamento especial. O governo nacional em Roma insistiu que os moradores mais jovens - mesmo nas ilhas - deveriam ser vacinados só depois que todos os idosos e vulneráveis da região fossem inoculados.

De Luca, porém, persistiu, e o governo, ansioso para reacender a economia, acabou cedendo. Em maio, aprovou a vacinação de todos os moradores de ilhas italianas menores, de Elba às Ilhas Eólias, na Sicília. Mesmo cidades não litorâneas, como a estação de esqui Sestriere, nos Alpes italianos, tentaram entrar na fila rápida da vacinação. "É hora de reservar as férias na Itália", declarou o primeiro-ministro Mario Draghi.

Em oito de maio, com o aumento da vacinação em nível nacional, De Luca foi à famosa piazzetta de Capri, no centro da cidade, para declarar missão cumprida e pedir aos turistas que passem as férias nas ilhas.

Petraroli cruzou agora a mesma praça, passando pelos entusiastas bronzeados que bebiam e fumavam, com o rosto virado para o sol. Entrou em um labirinto de ruas estreitas, com lojas Rolex, butiques de marca e o Hangout, popular pub de Simone Aversa. "Meus amigos dizem: 'Sorte sua, ainda estamos esperando'", contou Aversa, que tem 30 anos e já recebeu a vacina. Ele disse que sua família em Florença havia reclamado do fato de também morar em uma cidade sustentada pelo turismo que não recebia um tratamento especial como Capri. "Capri é a resposta para a pergunta: por que você e não nós? Porque Capri é Capri", afirmou Aversa, levantando os ombros.

Parede do restaurante Aurora, de Mia D'Alessio, está cheia de fotos da dona com celebridades. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Petraroli notou o Aurora, restaurante mais antigo de Capri. A dona, Mia D'Alessio, de 49 anos, naquele dia havia recebido a segunda dose da vacina da Pfizer e uma ligação do empresário de Beyoncé reservando o habitual recinto privado para a diva e o marido, Jay-Z, em agosto.

Segundo ela, o casal estaria seguro, porque todos no restaurante e sua família foram vacinados. Isso inclui sua filha de 19 anos, tenista que treinou com Andre Agassi e já jogou com Bernard Arnault, bilionário francês dono da marca gigante de bens de luxo LVMH Moët Hennessy.

"Capri terá mais ricos do que antes. Eles vêm para comer a pizza dos ricos. Leve. Sem fermento", observou D'Alessio em frente a uma parede de fotos, entre as quais ela posando com Steven Spielberg, Mariah Carey e Michael Jordan.

Ela disse que os VIPs - com jato particular, iate e médicos pessoais - teriam menos dificuldades para chegar à ilha do que a horda de turistas em busca de suvenires, vestindo sandália Capri e camisa de linho manchada de limoncello e sedenta por um cartão-postal da Gruta Azul, especialmente porque a indústria de cruzeiros ainda não conseguiu voltar com força total.

"É um bom momento para conhecer Capri", comentou Petraroli ao chegar ao Capri Tiberio Palace, hotel para onde Kylie Jenner foi em um verão recente porque não se sentia bem em seu iate, segundo informaram trabalhadores do porto. O local tem esse nome em homenagem a Tibério, que governou o Império Romano de Capri, jogando gente de penhascos e ensinado Calígula a se divertir. Muitos aqui o chamam de primeiro turista de Capri.

Petraroli ressaltou que hedonistas modernos já estavam ligando e enviando batedores para se certificar de que a situação da vacina e o clima do local são o que desejam. "O verdadeiro problema para eles é que, uma vez aqui, têm de ter algo para fazer", explicou enquanto trabalhadores carregavam uma máquina de café expresso e limpavam as persianas.

No andar de cima, Petraroli abriu a Suíte Bellevue, reservada principalmente por "xeques, sultões e caras muito famosas", que leva a um terraço com azulejos de cerâmica pintada à mão e a uma piscina com hidromassagem. Petraroli contou que o falecido astro do basquete Kobe Bryant tinha um "vínculo tão especial com nossa suíte superior" que registrou uma das filhas com o nome Capri, depois de ter se hospedado lá.

Do lado de fora da sala, Alessandro De Simone, de 23 anos, passava espanador em decantadores de cristal cheios de conhaque e uísque. De Simone, que também foi vacinado, informou que nenhum de seus amigos em Nápoles recebeu a vacina. "Para eles, sou um privilegiado." Mas outros na ilha mencionaram que os amigos do continente os viam como ratos de laboratório luxuosamente alojados.

Domenico Marchese, de 29 anos, que preparava xaropes de banana para seu coquetel exclusivo "Barbados Punch" no Jackie, o bar do hotel com temática cubana, apontou que embora seus pais, na casa dos 50 anos, não pudessem se vacinar, seus amigos, na casa dos 20, recusaram a vacina. "Estou tentando fazer com que mudem de ideia. Digo a eles que não se preocupem."

Em toda a ilha, que em 2019 fez uma campanha contra a superlotação, a principal preocupação é que ninguém venha. Nos Jardins de Augusto, repletos de canteiros de flores e estátuas graciosas, não havia ninguém nos mirantes esperando na marcação em fita verde com a frase "Espere aqui". A costa, com águas cristalinas, geralmente entupida de navios, estava quase vazia.

Giuseppe Maggipinto navega pelas famosas formações rochosas de Faraglione. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Giuseppe Maggipinto, de 53 anos, que é presidente da cooperativa de proprietários de barcos a motor mais antiga da ilha (cujo site traz a mensagem: "Todos os nossos capitães e funcionários foram completamente vacinados!"), acelerou de forma desinibida pela ilha. Navegou pelas formações rochosas de Faraglione, marca registrada da ilha ("Foi aqui que Heidi Klum se casou em um iate") e pelo clube de praia La Fontelina, onde três banhistas, com os joelhos dobrados, estavam deitados sob o penhasco. Ele lamentou a "polêmica histérica em torno da nossa vacinação", argumentando que, sem um hospital, "caso houvesse um surto aqui, não haveria nada para nos salvar".

Atracou o barco no cais, onde mais balsas trouxeram alguns turistas e também alguns moradores de volta. Dario Portale, dono da uma mercearia local, e sua família estavam entre eles. No dia seguinte à vacinação, o casal partiu para Milão - situada na região mais afetada do país, a Lombardia - para apresentar o filho de dez meses à mãe dele. Ela tem 62 anos, trabalha em um correio e não tinha sido vacinada.

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