Michael Kevane, professor de economia de San Jose, Califórnia, não pensou duas vezes antes de estacionar o Toyota Prius 2005 diante de casa em uma noite chuvosa, no mês passado. Na manhã seguinte, porém, quando o filho, Elliot, foi dar a partida no carro, “o motor parecia uma britadeira”, disse Kevane. “O quarteirão inteiro escutou o barulho.”
A razão do rebuliço: durante a noite, um ladrão tinha furtado o catalisador do carro, essencial para o controle da emissão de poluentes, um equipamento que contém metais mais preciosos que o ouro.
Dois dias depois, Jean, a irmã de Kevane, que vive em Los Angeles, teve o catalisador de seu Honda Accord LX 2003 furtado.
“Pensei, ‘Não pode ser coincidência’”, afirmou Kevane.
Não era.
Regras mais rígidas de controle de emissões de poluentes nos carros de todo o mundo — particularmente na China, que tem se movimentado nos anos recentes para controlar seu terrível problema de poluição atmosférica — aumentaram a demanda pelos metais preciosos que compõem os catalisadores. Isso elevou o valor de alguns dos metais preciosos usados nos equipamentos — como paládio e ródio — a níveis nunca antes registrados.
De aproximadamente US$ 17,60 o grama um ano atrás, o preço do paládio mais que quintuplicou, para um recorde de US$ 101,40 o grama no ano passado — oscilando atualmente entre US$ 70,50 e US$ 88,20 o grama, acima do preço do ouro. Os preços do ródio dispararam mais de 3.000%, saltando de aproximadamente US$ 22,50 o grama cinco anos atrás para um recorde de US$ 772,50 este ano, superando em 12 vezes o preço do ouro.
Analistas afirmam que a alta desses preços pode acelerar a transição para os carros elétricos, ressaltando que os catalisadores constituem hoje uma porcentagem muito maior no custo dos veículos movidos a gasolina do que há um ano.
Os valores dos metais, por sua vez, estimulam um mercado clandestino de catalisadores roubados. Instalados sob os carros, os equipamentos podem ser serrados em poucos minutos e são vendidos por centenas de dólares a ferros-velhos que, posteriormente, os vendem para reciclagem, onde os metais são extraídos. Essas tendências mundiais relativas a regulações contra emissões de poluentes, ao mercados de metais e à criminalidade parecem ter convergido naquela noite chuvosa na rua de Kevane.
Em todo o país, a polícia está relatando aumento nesses casos.
Em Saint Louis, o número de furtos de catalisadores saltou em mais de oito vezes, de 50, em 2019, para 420 no ano passado — tendência que aumentou próximo ao fim de 2020 e no início de 2021. Em Lexington, Carolina do Sul, policiais atenderam a 144 ocorrências de furtos de catalisadores entre julho e dezembro, aproximadamente o triplo do número de casos registrados em todo o ano anterior.
Furtos de catalisadores em Wichita, Kansas, quase triplicaram em 2020 em comparação ao ano anterior, de 191 casos para 547, e o ritmo aumentou em janeiro, com 102 registros somente naquele mês (outros departamentos policiais, incluindo de San Jose e Nova York, afirmaram que esses dados específicos não estão disponíveis).
“As pessoas só estão tentando fazer a conta fechar; e então, de repente, têm de encarar uma conta de US$ 1 mil no mecânico que não estavam esperando”, afirmou o sargento Trevor McDonald, da polícia de Wichita. “Esse aumento ocorre em um momento em que muita gente está perdendo o emprego nos EUA.”
A conclusão: “Temos um número finito de policiais, e agora o número de casos parece infinito”, afirmou McDonald.
Os catalisadores, mecanismos arredondados de metal reluzente encontrados entre o motor do carro e o escapamento, podem parecer um alvo improvável para uma onda nacional de crimes. Exigidos em todos os carros e picapes a gasolina vendidos nos Estados Unidos desde 1975, os catalisadores têm um interior em alvéolos — revestido de metais preciosos, como paládio, ródio e platina — que remove os poluentes mais tóxicos da exaustão dos carros.
A presença desses metais sempre fez dos catalisadores alvo de criminosos, e os casos de furtos — que podem representar para os proprietários um gasto de US$ 2 mil em reparos — ocorrem há anos. Mas uma tendência global de maior rigor nas regras para diminuir emissões de poluentes, assim como uma fiscalização mais atenta - após um escândalo envolvendo a Volkswagen, que revelou modificar ilegalmente os indicadores de emissão de poluentes de seus veículos para que eles parecessem mais limpos do que eram realmente - levaram a um aumento na demanda por catalisadores mais poderosos e pelos valiosos metais que os fazem funcionar.
O ródio, em particular, é eficaz em reduzir os níveis de óxido de nitrogênio das emissões de carros a gasolina. E “tivemos uma forte acentuação do rigor” das regras de controle de óxido de nitrogênio em todo o mundo, afirmou Wilma Swarts, diretora para metais platinados da firma de pesquisa e consultoria em metais preciosos Metal Focus, com sede em Londres.
Cerca de 80% da demanda por paládio e ródio vêm atualmente do setor automotivo. Ao mesmo tempo, as consequências da pandemia sobre a mineração na África do Sul, um grande produtor de ródio, têm mantido o fornecimento limitado.
“É por isso que vemos essa elevação drástica” na demanda e nos preços, afirmou Wilma.
Para os fabricantes de automóveis, a explosão no valor dos metais elevou o custo de produção de veículos a gasolina. Max Layton, analista de commodities do Citi em Londres, estima que a alta dos preços dos metais adicionou US$ 18 bilhões ao custo da produção global da indústria automotiva em 2019, devorando 15% do total de seu fluxo de capital, custos que aumentaram ainda mais em 2020.
De acordo com ele, com os preços atuais, a indústria como um todo deverá gastar mais de US$ 40 bilhões este ano somente com os metais para os catalisadores. Os custos em elevação, afirmou Layton, estão “pressionando os fabricantes de automóveis a começar a produzir veículos elétricos o mais rapidamente possível”.
Alguns proprietários de carros a gasolina estão tomando atitudes extremas para proteger seus veículos.
Após sofrer três furtos de catalisadores — sucessivos e próximos — no ano passado, Jerry Turriff, proprietário de uma oficina mecânica em Milwaukee, passou a murchar os pneus dos carros mais cobiçados de alguns de seus clientes, para impedir os ladrões de entrarem debaixo dos veículos.
“É inacreditável”, afirmou Turriff. “Agora, se estou com um carro que pode ser alvo, esvazio o ar dos pneus, para que os bandidos não consigam entrar debaixo dele.”
J.C. Fontanive, escultor do Brooklyn, comprou um Prius 2008, movido pelas preocupações em relação ao uso de transporte público durante a pandemia. Então, no mês passado, quando ele pegou o carro para ir à casa de um amigo, “o barulho do carro parecia o de um stock car”, afirmou ele.
Fontanive não tinha cobertura total no seguro, então teve de gastar US$ 3,2 mil do próprio bolso com a substituição da peça e os reparos — metade do que pagou pelo carro.
Determinado a impedir futuros ladrões, Fontanive, que costuma usar metais em suas obras de arte, fez valer suas habilidades com metais. Ele comprou uma proteção de metal de segunda mão para seu catalisador e depois fez as adaptações necessárias, para fixá-la com parafusos e pinos de aço difíceis de serrar.
“Fiz realmente tudo o que pude”, afirmou ele. “Se um ladrão olhar debaixo do meu Prius agora, vai dizer, ‘Não tem como tirar isso daqui’”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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