THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Cientistas transplantaram com sucesso grupos de neurônios humanos para cérebros de ratos recém-nascidos, um feito impressionante de engenharia biológica que pode fornecer modelos mais realistas para condições neurológicas como o autismo e funcionar como uma maneira de restaurar cérebros comprometidos.
Em um estudo publicado em outubro, pesquisadores da Universidade de Stanford relataram que os aglomerados de células humanas, conhecidos como “organoides”, transformaram-se em milhões de novos neurônios e se conectaram em seus novos sistemas nervosos. Uma vez que os organoides se conectaram ao cérebro dos ratos, os animais puderam receber sinais sensoriais de seus bigodes e ajudar a gerar sinais de comando para orientar seus movimentos.
O Dr. Sergiu Pasca, o neurocientista que liderou a pesquisa, disse que ele e seus colegas estavam agora usando os neurônios transplantados para aprender sobre a biologia subjacente ao autismo, esquizofrenia e outros distúrbios do desenvolvimento.
“Se realmente queremos enfrentar a biologia desses distúrbios, precisaremos de modelos mais complexos do cérebro humano”, disse Pasca.
Em 2009, depois de se formar em medicina na Romênia, Pasca ingressou em Stanford como pesquisador de pós-doutorado para aprender a criar neurônios humanos em uma placa. Ele e seus colegas pegaram células da pele de voluntários e as banharam em substâncias químicas que as fizeram mudar de característica. Agora elas eram mais como células embrionárias, que podem se tornar qualquer tecido do corpo.
Com a adição de mais produtos químicos, os pesquisadores persuadiram as células a se desenvolverem em neurônios. Eles puderam então observar pulsos de voltagem ocorrendo ao longo do comprimento dos neurônios enquanto eles estavam na placa.
Pasca e seus colegas realizaram o mesmo experimento novamente, desta vez usando células da pele de pessoas com síndrome de Timothy, uma forma rara de autismo causada por uma única mutação que leva a sérios problemas cardíacos, bem como linguagem e habilidades sociais comprometidas.
Cultivando neurônios da síndrome de Timothy em uma placa, Pasca pôde ver várias diferenças entre eles e os neurônios típicos. Eles produziram quantidades extras de substâncias químicas sinalizadoras, como a dopamina, por exemplo.
Mas examinar células isoladas pode revelar apenas um número limitado de pistas sobre essa doença. Pasca suspeitava que poderia aprender mais estudando milhares de neurônios unidos em circuitos chamados organoides cerebrais.
Uma nova receita química permitiu que Pasca imitasse a situação dentro do cérebro em desenvolvimento. Banhadas nesse caldo, as células da pele se transformaram em células cerebrais progenitoras, que por sua vez se tornaram emaranhados de neurônios encontrados nas camadas externas do cérebro, chamadas de córtex.
Em um estudo posterior, ele e seus colegas conectaram três organoides: um feito de córtex, outro de medula espinhal e um terço de células musculares. Estimular o organoide do córtex fez com que as células musculares se contraíssem.
Mas os organoides estão longe de ser cérebros em miniatura. Por um lado, seus neurônios permanecem atrofiados. Por outro, eles não são tão eletricamente ativos quanto os neurônios comuns em um cérebro vivo. “Está claro que há uma série de limitações para esses modelos”, disse Pasca.
Os cientistas começaram a colocar organoides em cérebros vivos, teorizando que uma placa de Petri limitava o desenvolvimento de um organoide. Em 2018, o neurocientista Fred Gage e seus colegas do Salk Institute for Biological Studies transplantaram organoides do cérebro humano para o cérebro de camundongos adultos. Os neurônios humanos continuaram a amadurecer enquanto o cérebro do camundongo lhes fornecia vasos sanguíneos.
Desde então, Gage e outros pesquisadores implantaram organoides na parte de trás do cérebro, onde os camundongos percebem os sinais dos olhos. Quando os animais viram flashes pulsantes de luz branca, os neurônios organoides humanos responderam da mesma forma que as próprias células do camundongo, de acordo com um estudo publicado online em junho que ainda não foi revisado por pares.
Pasca e sua equipe também estavam trabalhando em transplantes de organoides, mas optaram por colocá-los em roedores jovens em vez de adultos. Um ou dois dias após o nascimento de um rato, os cientistas injetaram um organoide do tamanho de uma semente de papoula em uma região do cérebro chamada córtex somatossensorial, que processa o toque, a dor e outros sinais de todo o corpo. Em ratos, a região é especialmente sensível aos sinais de seus bigodes.
Os neurônios humanos se multiplicaram no cérebro do rato até chegarem a cerca de 3 milhões, constituindo cerca de um terço do córtex de um lado do cérebro do rato. Cada célula do organoide cresceu seis vezes mais do que teria crescido em uma placa de Petri. As células também se tornaram tão ativas quanto os neurônios nos cérebros humanos.
Ainda mais impressionante, os organoides humanos se conectaram espontaneamente ao cérebro do rato. Eles se conectaram não apenas aos neurônios próximos, mas também aos distantes.
Essas conexões tornaram os neurônios humanos sensíveis aos sentidos do rato. Quando os pesquisadores sopraram sobre os bigodes do rato, seu organoide humano estalou em resposta.
Pasca e seus colegas também realizaram experimentos para ver como os organoides afetavam o comportamento dos ratos, usando uma fonte de água em seus compartimentos.
Após 15 dias de treinamento, os ratos aprenderam que podiam beber na fonte quando seu organoide era estimulado. Os organoides humanos aparentemente estavam enviando mensagens para as regiões de busca de recompensas do cérebro dos ratos.
Pasca está usando os organoides implantados para estudar distúrbios neurológicos. Em um experimento, a equipe de Pasca implantou um organoide de um paciente com síndrome de Timothy em um lado do cérebro de um rato e implantou outro organoide sem a mutação no outro lado.
Ambos os organoides cresceram nos ratos. Mas os neurônios da síndrome de Timothy desenvolveram o dobro de ramificações para receber os sinais de entrada, chamados dendritos. Além disso, os dendritos eram mais curtos.
Pasca espera poder observar diferenças na maneira como os ratos se comportam quando carregam organoides cerebrais de pessoas com autismo e outras condições neurológicas. Tais experimentos podem ajudar a revelar como certas mutações alteram a maneira como o cérebro funciona.
O Dr. Isaac Chen, neurocirurgião e pesquisador de organoides da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvido na pesquisa, viu outra possibilidade no novo estudo: o reparo de lesões em cérebros humanos.
Chen imaginou o cultivo de organoides cerebrais a partir da pele de um paciente com córtex danificado. Uma vez injetado no cérebro do paciente, o organoide pode crescer e se conectar com neurônios saudáveis.
“Esta ideia está definitivamente lá”, ele disse. “É apenas uma questão de como podemos tirar proveito disso e seguir adiante?” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times