Chefs sul-americanos se aventuraram na Amazônia em busca de pratos exóticos


Cozinheiros e donos de restaurantes viajam de barco para aprender com comunidades indígenas da região

Por Nicholas Casey

CACHICHIRA, BOLÍVIA - Com os seguidos saltos da gastronomia de uma moda para a outra, a busca pela nova tendência se tornou uma missão sem fim para muitos restaurantes chiques. E o papel desempenhado pelo chef também está mudando: os maiores cozinheiros de hoje são também os melhores contadores de histórias, não se limitando a servir as refeições, mas alongando-se também nas origens, métodos e conteúdos de seus pratos.

Em intervalos de alguns anos, um grupo de cozinheiros e donos de restaurantes de alguns dos endereços mais badalados da Bolívia, Argentina e Peru contratam um barco que os leva rio acima até lugares que não estão no Guia Michelin, e onde nenhum crítico gastronômico já se aventurou.

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Marcelo Saenz, à direita, chef de um restaurante de La Paz, limpando um paiche, peixe de água doce da Bolívia Foto: Meghan Dhaliwal para The New York Times

Na Laguna Colorada, que fica nos Andes, no noroeste da Bolívia, lar da jacaretinga - parente do jacaré - e ao longo do Rio Beni, na Bacia Amazônica boliviana, os restaurateurs (pessoas que gerenciam um restaurante) estavam à caça de algo novo para cozinhar. Em outubro, os chefs visitaram um vilarejo do povo Tacana, que tinha iniciado há pouco a temporada de caça às jacaretingas. Mas a caçada aos répteis não seria a única história trazida pelos chefs que participaram desta busca por novos ingredientes exóticos.

Tomemos como exemplo a história de pescador por trás do paiche, um monstro de água doce que parece uma carpa gigante e pré-histórica. Ou a história do cacau colhido no outono das árvores silvestres ao redor do vilarejo de Carmen del Emero, preparando numa composteira de figos e fezes de onça.

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Ou a história do tuyo tuyo, larva de um besouro que vive na palmeira amazônica, há muito considerado uma iguaria na região e, mais recentemente, servido como entrada no Gustu, restaurante de La Paz, capital da Bolívia. “Estamos vendo na nossa cozinha ingredientes que em tese não interessariam ao público urbano", disse a chef do Gustu, Marsia Taha, aos anciãos da aldeia certa noite.

As histórias gastronômicas circulam em mão dupla e, às vezes, são os forasteiros que ensinam aos habitantes locais o que há de comestível na selva. “Callampa", disse Mauricio Barbón, chef do Amaz, em Lima, Peru, restaurante especializado no uso de ingredientes amazônicos. Ele estava apontando para um tronco caído no qual viam-se as camadas de um fungo avermelhado.

O fungo era muito parecido com uma orelha. Barbón explicou que sua receita requer o branqueamento do fungo em água, que tem um retrogosto ardido. Quanto às jacaretingas, são um experimento tanto para os preservacionistas quanto para os chefs. Um programa de gestão ambiental define limites rigorosos para o número de animais que podem ser caçados, seu tamanho e a época do ano permitida.

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A caçada, que dura várias semanas em outubro, é um acontecimento para as famílias. Mães ajudavam a esfolar a carne enquanto um bebê balançava nas rede ali perto. Outros do vilarejo brincavam com uma tartaruga-da-Amazônia que estava virada sobre o casco. Na aldeia, a carne de jacaretinga não era a única variedade no cardápio. Os chefs descobriram uma enorme anta assando numa grelha, e serviram-se das costelas do animal. Bernardo Resnikowski, administrador de restaurantes, chegou com dois homens Tacana empunhando facões e uma tigela de uma fruta vermelha e um pouco fermentada chamada kecho, que ele dividiu com Marsia e Barbón. 

“Não há polpa suficiente para se comer, mas podemos aproveitá-la num coquetel", disse Marsia. Quando o grupo voltou à grelha, não havia sinal da anta. Em vez disso, a tartaruga-da-Amazônia tinha tomado seu lugar no espeto, com o casco aberto e recheado com batatas e pimentas.

Um antigo livro de receitas dos Tacana contém muitas maneiras de preparar peta, o nome que dão a este animal, mas os chefs pareceram duvidar do sabor das entranhas, da pele de textura de couro e das patas cortadas servidas com arroz. Com a chegada da noite, os Tacanas voltaram a Laguna Colorada. Um atirador estava na proa de uma canoa, apontando o fuzil para a água.

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À 1h da madrugada, o barco estava pesado com as carcaças de cinco grandes jacaretingas. Durante o café da manhã, Barbón não conseguiu afastar o sonho de um dia servir carne de jacaretinga aos seus fregueses. “Tentaríamos alguma modalidade de fritura. Fritura é algo que todos conhecem.” “Tentamos usar todas as partes, até a cauda", disse Gabriela Lafuente, proprietária do El Baqueano, em Buenos Aires.

Os chefs se voltaram para o colega Marcelo Saenz, do Jardín de Asia, em La Paz. Ele fez uma pausa e pensou. “Sushi de jacaretinga", disse ele.

CACHICHIRA, BOLÍVIA - Com os seguidos saltos da gastronomia de uma moda para a outra, a busca pela nova tendência se tornou uma missão sem fim para muitos restaurantes chiques. E o papel desempenhado pelo chef também está mudando: os maiores cozinheiros de hoje são também os melhores contadores de histórias, não se limitando a servir as refeições, mas alongando-se também nas origens, métodos e conteúdos de seus pratos.

Em intervalos de alguns anos, um grupo de cozinheiros e donos de restaurantes de alguns dos endereços mais badalados da Bolívia, Argentina e Peru contratam um barco que os leva rio acima até lugares que não estão no Guia Michelin, e onde nenhum crítico gastronômico já se aventurou.

Marcelo Saenz, à direita, chef de um restaurante de La Paz, limpando um paiche, peixe de água doce da Bolívia Foto: Meghan Dhaliwal para The New York Times

Na Laguna Colorada, que fica nos Andes, no noroeste da Bolívia, lar da jacaretinga - parente do jacaré - e ao longo do Rio Beni, na Bacia Amazônica boliviana, os restaurateurs (pessoas que gerenciam um restaurante) estavam à caça de algo novo para cozinhar. Em outubro, os chefs visitaram um vilarejo do povo Tacana, que tinha iniciado há pouco a temporada de caça às jacaretingas. Mas a caçada aos répteis não seria a única história trazida pelos chefs que participaram desta busca por novos ingredientes exóticos.

Tomemos como exemplo a história de pescador por trás do paiche, um monstro de água doce que parece uma carpa gigante e pré-histórica. Ou a história do cacau colhido no outono das árvores silvestres ao redor do vilarejo de Carmen del Emero, preparando numa composteira de figos e fezes de onça.

Ou a história do tuyo tuyo, larva de um besouro que vive na palmeira amazônica, há muito considerado uma iguaria na região e, mais recentemente, servido como entrada no Gustu, restaurante de La Paz, capital da Bolívia. “Estamos vendo na nossa cozinha ingredientes que em tese não interessariam ao público urbano", disse a chef do Gustu, Marsia Taha, aos anciãos da aldeia certa noite.

As histórias gastronômicas circulam em mão dupla e, às vezes, são os forasteiros que ensinam aos habitantes locais o que há de comestível na selva. “Callampa", disse Mauricio Barbón, chef do Amaz, em Lima, Peru, restaurante especializado no uso de ingredientes amazônicos. Ele estava apontando para um tronco caído no qual viam-se as camadas de um fungo avermelhado.

O fungo era muito parecido com uma orelha. Barbón explicou que sua receita requer o branqueamento do fungo em água, que tem um retrogosto ardido. Quanto às jacaretingas, são um experimento tanto para os preservacionistas quanto para os chefs. Um programa de gestão ambiental define limites rigorosos para o número de animais que podem ser caçados, seu tamanho e a época do ano permitida.

A caçada, que dura várias semanas em outubro, é um acontecimento para as famílias. Mães ajudavam a esfolar a carne enquanto um bebê balançava nas rede ali perto. Outros do vilarejo brincavam com uma tartaruga-da-Amazônia que estava virada sobre o casco. Na aldeia, a carne de jacaretinga não era a única variedade no cardápio. Os chefs descobriram uma enorme anta assando numa grelha, e serviram-se das costelas do animal. Bernardo Resnikowski, administrador de restaurantes, chegou com dois homens Tacana empunhando facões e uma tigela de uma fruta vermelha e um pouco fermentada chamada kecho, que ele dividiu com Marsia e Barbón. 

“Não há polpa suficiente para se comer, mas podemos aproveitá-la num coquetel", disse Marsia. Quando o grupo voltou à grelha, não havia sinal da anta. Em vez disso, a tartaruga-da-Amazônia tinha tomado seu lugar no espeto, com o casco aberto e recheado com batatas e pimentas.

Um antigo livro de receitas dos Tacana contém muitas maneiras de preparar peta, o nome que dão a este animal, mas os chefs pareceram duvidar do sabor das entranhas, da pele de textura de couro e das patas cortadas servidas com arroz. Com a chegada da noite, os Tacanas voltaram a Laguna Colorada. Um atirador estava na proa de uma canoa, apontando o fuzil para a água.

À 1h da madrugada, o barco estava pesado com as carcaças de cinco grandes jacaretingas. Durante o café da manhã, Barbón não conseguiu afastar o sonho de um dia servir carne de jacaretinga aos seus fregueses. “Tentaríamos alguma modalidade de fritura. Fritura é algo que todos conhecem.” “Tentamos usar todas as partes, até a cauda", disse Gabriela Lafuente, proprietária do El Baqueano, em Buenos Aires.

Os chefs se voltaram para o colega Marcelo Saenz, do Jardín de Asia, em La Paz. Ele fez uma pausa e pensou. “Sushi de jacaretinga", disse ele.

CACHICHIRA, BOLÍVIA - Com os seguidos saltos da gastronomia de uma moda para a outra, a busca pela nova tendência se tornou uma missão sem fim para muitos restaurantes chiques. E o papel desempenhado pelo chef também está mudando: os maiores cozinheiros de hoje são também os melhores contadores de histórias, não se limitando a servir as refeições, mas alongando-se também nas origens, métodos e conteúdos de seus pratos.

Em intervalos de alguns anos, um grupo de cozinheiros e donos de restaurantes de alguns dos endereços mais badalados da Bolívia, Argentina e Peru contratam um barco que os leva rio acima até lugares que não estão no Guia Michelin, e onde nenhum crítico gastronômico já se aventurou.

Marcelo Saenz, à direita, chef de um restaurante de La Paz, limpando um paiche, peixe de água doce da Bolívia Foto: Meghan Dhaliwal para The New York Times

Na Laguna Colorada, que fica nos Andes, no noroeste da Bolívia, lar da jacaretinga - parente do jacaré - e ao longo do Rio Beni, na Bacia Amazônica boliviana, os restaurateurs (pessoas que gerenciam um restaurante) estavam à caça de algo novo para cozinhar. Em outubro, os chefs visitaram um vilarejo do povo Tacana, que tinha iniciado há pouco a temporada de caça às jacaretingas. Mas a caçada aos répteis não seria a única história trazida pelos chefs que participaram desta busca por novos ingredientes exóticos.

Tomemos como exemplo a história de pescador por trás do paiche, um monstro de água doce que parece uma carpa gigante e pré-histórica. Ou a história do cacau colhido no outono das árvores silvestres ao redor do vilarejo de Carmen del Emero, preparando numa composteira de figos e fezes de onça.

Ou a história do tuyo tuyo, larva de um besouro que vive na palmeira amazônica, há muito considerado uma iguaria na região e, mais recentemente, servido como entrada no Gustu, restaurante de La Paz, capital da Bolívia. “Estamos vendo na nossa cozinha ingredientes que em tese não interessariam ao público urbano", disse a chef do Gustu, Marsia Taha, aos anciãos da aldeia certa noite.

As histórias gastronômicas circulam em mão dupla e, às vezes, são os forasteiros que ensinam aos habitantes locais o que há de comestível na selva. “Callampa", disse Mauricio Barbón, chef do Amaz, em Lima, Peru, restaurante especializado no uso de ingredientes amazônicos. Ele estava apontando para um tronco caído no qual viam-se as camadas de um fungo avermelhado.

O fungo era muito parecido com uma orelha. Barbón explicou que sua receita requer o branqueamento do fungo em água, que tem um retrogosto ardido. Quanto às jacaretingas, são um experimento tanto para os preservacionistas quanto para os chefs. Um programa de gestão ambiental define limites rigorosos para o número de animais que podem ser caçados, seu tamanho e a época do ano permitida.

A caçada, que dura várias semanas em outubro, é um acontecimento para as famílias. Mães ajudavam a esfolar a carne enquanto um bebê balançava nas rede ali perto. Outros do vilarejo brincavam com uma tartaruga-da-Amazônia que estava virada sobre o casco. Na aldeia, a carne de jacaretinga não era a única variedade no cardápio. Os chefs descobriram uma enorme anta assando numa grelha, e serviram-se das costelas do animal. Bernardo Resnikowski, administrador de restaurantes, chegou com dois homens Tacana empunhando facões e uma tigela de uma fruta vermelha e um pouco fermentada chamada kecho, que ele dividiu com Marsia e Barbón. 

“Não há polpa suficiente para se comer, mas podemos aproveitá-la num coquetel", disse Marsia. Quando o grupo voltou à grelha, não havia sinal da anta. Em vez disso, a tartaruga-da-Amazônia tinha tomado seu lugar no espeto, com o casco aberto e recheado com batatas e pimentas.

Um antigo livro de receitas dos Tacana contém muitas maneiras de preparar peta, o nome que dão a este animal, mas os chefs pareceram duvidar do sabor das entranhas, da pele de textura de couro e das patas cortadas servidas com arroz. Com a chegada da noite, os Tacanas voltaram a Laguna Colorada. Um atirador estava na proa de uma canoa, apontando o fuzil para a água.

À 1h da madrugada, o barco estava pesado com as carcaças de cinco grandes jacaretingas. Durante o café da manhã, Barbón não conseguiu afastar o sonho de um dia servir carne de jacaretinga aos seus fregueses. “Tentaríamos alguma modalidade de fritura. Fritura é algo que todos conhecem.” “Tentamos usar todas as partes, até a cauda", disse Gabriela Lafuente, proprietária do El Baqueano, em Buenos Aires.

Os chefs se voltaram para o colega Marcelo Saenz, do Jardín de Asia, em La Paz. Ele fez uma pausa e pensou. “Sushi de jacaretinga", disse ele.

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