ISLA PERICO, EL SALVADOR - Há pouco mais de um ano, as famílias que viviam na Isla Perico, uma ilha em El Salvador, receberam uma oferta de US$ 7 mil cada para se mudar para o continente. Disseram a elas que sua mudança era necessária para colaborar com o plano da China de transformar esse trecho esquecido da América Central em um centro de comércio global.
Mas as pessoas se recusaram a sair, duvidando que poderiam desfrutar de qualquer tipo de bonança que os chineses pudessem trazer. “Para onde iríamos?”, questionou Mercedes Hernández, com um bebê de um ano no colo. “Nossa vida é aqui.” Ao longo dos meses que se seguiram, as cerca de 35 famílias da ilha ficariam no meio de uma briga entre Pequim e Washington, que deseja impedir a China de conquistar uma base estratégica na porta de sua casa.
Na maior parte da década passada, os Estados Unidos assistiram passivamente enquanto a América Latina era arrastada para a órbita da China por meio de uma grande rede de comércio e empréstimos. Os bancos chineses se tornaram os maiores credores da região, tendo fornecido mais de US$ 140 bilhões em empréstimos entre 2005 e 2018. O comércio entre China e América Latina e Caribe se elevou de US$ 17 bilhões em 2002 para aproximadamente US$ 306 bilhões em 2018.
Enquanto a China se apresentava como parceira de uma visão para o futuro de El Salvador, o governo Trump inicialmente respondeu com pouco mais do que ameaças à nação centro-americana, por não fazer o suficiente para coibir a imigração. Mas, então, os EUA tomaram uma outra direção: tentar voltar a opinião pública de El Salvador contra os chineses. O embaixador americano chegou ao ponto de sugerir que a China estaria empenhada em estabelecer uma base militar no país.
“Os acordos da China com El Salvador foram negociados por um pequeno grupo de indivíduos, a portas fechadas e sem o envolvimento do público nem de representantes de setores-chave afetados por aqueles acordos", afirmou Jean Manes, ex-embaixador americano em El Salvador que acaba de deixar o posto. A embaixadora da China em El Salvador, Ou Jianhong, se recusou a conceder entrevista. Mas, em entrevista à Xinhua, a agência de notícias estatal chinesa, ela qualificou os alertas de Washington como “irresponsáveis e infundados”.
A oferta da criação de uma zona franca em El Salvador, da estatal chinesa Asia-Pacific Xuanhao, foi resumida em um documento obtido pelo Times. O acordo avançaria a busca da China para estabelecer uma rota de comércio alternativa ao Canal do Panamá e moldar o comércio na região. Também concederia à China uma posição para expandir sua capacidade de espionagem na vizinhança de Washington, de acordo com autoridades americanas que testemunharam os investimentos de Pequim em pelo menos 60 portos latino-americanos.
Para El Salvador, o acordo veio com contrapartidas. Os chineses solicitaram o arrendamento por 100 anos de uma área de 2.787 quilômetros quadrados - o equivalente a 13% da área do país - e exigiram isenções fiscais para suas empresas. Detalhes a respeito da estrutura do financiamento não foram revelados publicamente.
Mas enquanto os chineses ofereciam a construção de fábricas, investimento em energia renovável e a transformação de El Salvador em um destino turísticao, o presidente Donald Trump chamava os imigrantes de “animais”. “Esse tipo de atitude abre espaço para a China”, afirmou Roberto Rubio, diretor da Fundação Nacional para o Desenvolvimento, um grupo de pesquisa de San Salvador, a capital. “Se os Estados Unidos ameaçam cortar nossa ajuda, tratam mal nosso povo e trazem pouco investimento, por que não ir com os chineses?”
No início de julho de 2018, o presidente de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén, apresentou aos legisladores o projeto de lei que estabeleceria a estrutura jurídica para a zona econômica especial ao longo da costa sudeste. Quando anunciou que estava rompendo os laços com Taiwan e estabelecendo relações diplomáticas com a China, ele vislumbrava uma era que traria “grandes benefícios ao país e a criação de oportunidades extraordinárias”.
Enquanto o acordo era debatido pelos legisladores, os chineses começaram a desembolsar um pacote de ajuda de US$ 150 milhões. Mas faltou apoio, e o governo que estava de saída não conseguiu levar a lei a votação. Pouco antes de assumir o cargo, em 1º de junho, o novo presidente, Nayib Bukele, afirmou que os chineses “entram, promovem projetos irreais e depois deixam os países com grandes empréstimos, que os governos não conseguem pagar, usando-os então como moeda de troca”.
No longo prazo, algumas autoridades americanas temem que seja difícil de resistir à oferta da China de construir projetos de infraestrutura. Norma Torres, deputada nascida na Guatemala que representa a Califórnia no congresso americano e se tornou uma das principais vozes na política para América Central, afirmou que o foco do governo Trump em manter os imigrantes afastados vai beneficiar a China.
“O objetivo deles não é a curto prazo, em resultados imediatos, como costumamos fazer nos Estados Unidos”, disse Torres. “O governo chinês tem pensando em termos de ‘Onde estaremos nos próximos 20 anos?’.” Gene Palumbo colaborou com a reportagem. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL