Enquanto o robô Perseverance da NASA caía na atmosfera marciana em fevereiro, uma câmera de vídeo na espaçonave capturou o vertiginoso lançamento de seu paraquedas, que estava decorado com manchas alaranjadas e brancas.
Essas manchas eram uma mensagem secreta.
Durante uma entrevista coletiva, Allen Chen, o engenheiro responsável pelo sistema de pouso, narrou o que podia ser visto e entendido no vídeo em câmera lenta.
De um jeito enigmático e quase distraído, ele acrescentou que sua equipe esperava inspirar outras pessoas. “Às vezes, deixamos mensagens no nosso trabalho, para que outras pessoas as encontrem”, disse ele. “Por isso, convidamos todos vocês a darem uma chance e mostrarem seu trabalho”.
Do outro lado do Oceano Atlântico, Maxence Abela, estudante de ciência da computação de 23 anos em Paris, entendeu o que Chen estava dizendo: o padrão aparentemente aleatório no paraquedas do Perseverance continha um código.
Ele ligou para o pai, Jerome, engenheiro de software do Google em Londres, e os dois começaram a resolver o enigma.
“A gente gosta desses pequenos desafios”, disse Maxence Abela. “Não achávamos que seríamos capazes de resolver, mas pelo menos iríamos tentar”.
Colaborando por teleconferência, eles baixaram o vídeo, isolaram as imagens do paraquedas totalmente inflado e começaram a juntar as peças. O mesmo fizeram outras pessoas ao redor do mundo, trocando ideias no Twitter e em fóruns do Reddit.
A pessoa que teve a ideia de incorporar uma mensagem foi Ian Clark, que liderou o desenvolvimento do paraquedas. O rover anterior da NASA, o Curiosity, usou o mesmo sistema quando pousou em Marte com sucesso, em 2012. Mas uma falha num protótipo de paraquedas destinado a missões futuras estimulou os engenheiros a melhorar o design.
Enquanto assistia ao vídeo de um teste do novo paraquedas do Perseverance, Clark percebeu que o padrão xadrez dificultava rastrear como partes individuais do paraquedas se desenrolavam e inflavam.
Como o Perseverance seria equipado com câmeras de vídeo, Clark queria um padrão que fosse visualmente diferente. Isso, por sua vez, proporcionou a oportunidade “de se divertir um pouco com a missão”, disse ele.
Ele pediu permissão a Matt Wallace, vice-gerente de projeto da missão.
“Eu falei: tudo bem”, lembra Wallace. “Só se certifique de que seja uma coisa apropriada e que não possa ser mal interpretada”.
O paraquedas de 21 metros de largura consistia em 80 tiras de tecido que se irradiavam do centro para formar um dossel em forma de hemisfério, e cada tira consistia em quatro peças. Clark, portanto, tinha 320 peças com que trabalhar.
Algumas de suas ideias exigiam cores adicionais, mas isso poderia ameaçar a integridade do paraquedas se as tinturas não testadas enfraquecessem as fibras do tecido.
“Não queríamos usar um tecido tingido de uma cor que nunca havíamos usado antes”, disse Wallace.
Até mesmo um padrão de laranja e branco, as duas cores prévias dos paraquedas, levantou problemas potenciais. “Tínhamos todo tipo de dúvida”, disse Clark. “Por exemplo: se tivéssemos mais branco do que laranja, ou vice-versa, isso significaria que o paraquedas inflaria de um jeito diferente, mudaria seu comportamento?”
Quando os cientistas da computação veem algo em preto e branco – ou, neste caso, laranja e branco – eles pensam em código binário, os 1 e 0 que são a linguagem dos computadores. Foi a primeira pista que os solucionadores de quebra-cabeças perseguiram.
Para cada seção laranja no paraquedas Perseverance, Maxence Abela e seu pai assinalaram 1 e, para cada seção branca, eles atribuíram o sinal 0. Isso se traduziu em uma longa sequência de 1 e 0.
Eles pensaram que talvez os dígitos pudessem ser reorganizados numa imagem, como a mensagem que os cientistas transmitiram em 1974 do radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, para falar dos humanos da Terra a distantes civilizações alienígenas.
Então, o Abela mais velho percebeu que os dígitos pareciam se encaixar em grupos de dez. “A cada dez bits, havia três zeros consecutivos”, disse Maxence Abela. Eles imaginaram que não era uma coincidência.
Ainda assim, os números resultantes não faziam sentido, até que eles perceberam que haviam lido os 1 e os 0 na direção errada, anti-horário em vez de horário. Quando eles escreveram os dígitos na ordem oposta, os pedaços de dez dígitos do código binário foram traduzidos em pequenos números, aos quais então se atribuíram letras. O número 1 correspondia à letra A, o número 2 era B, 3 era C, 4 era D e assim por diante.
A mensagem nos três anéis internos dizia: “Ouse Coisas Poderosas”.
Maxence Abela postou sua resposta no Twitter às 16h36, horário da costa leste, cerca de duas horas depois de Chen dar sua dica enigmática durante a coletiva de imprensa.
À noite, Adam Steltzner, o engenheiro-chefe da Perseverance, postou um diagrama com anotações explicando a solução.
O paraquedas não foi a única diversão dos construtores do rover Perseverance.
Observadores com olhos de águia avistaram uma série de desenhos que representavam os cinco robôs que a NASA enviou a Marte, desde o pequeno Sojourner em 1997 até o Perseverance agora.
Uma placa que será usada para calibrar uma das câmeras principais do rover inclui manchas de cores, mas também desenhos fantásticos que representam um DNA, um foguete e um dinossauro.
Na borda da placa de calibração está uma inscrição: “Será que estamos sozinhos? Viemos aqui para procurar sinais de vida e coletar amostras de Marte para estudar na Terra. Para aqueles que nos seguem, desejamos uma viagem segura e a alegria da descoberta”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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