O que há de especial com os vírus de morcegos? O que não sabemos pode nos afetar


Os sistemas imunes dos morcegos são peculiares, mas não sabemos o quanto e como foi o seu processo de desenvolvimento

Por James Gorman
Atualização:

Os morcegos eram assunto de interesse particularmente de especialistas e conservacionistas. Mas a pandemia colocou sob os refletores esses animais, considerados a aparente fonte primária do novo coronavírus. Agora, uma pesquisa que antes era restrita sobre o grande número de vírus que os morcegos abrigam adquiriu nova urgência, como também discussões do que fazer sobre a transmissão de doenças de animais para humanos.

Na última edição da revista Science, dois pesquisadores incentivam seus colegas cientistas a examinar mais de perto o que admitimos como certo no caso dos vírus de morcegos, sugerindo que podemos descobrir outros mais e como esse conhecimento deve nos ajudar.

Cientistas querem desenvolver mais pesquisas com morcegos, principalmente com foco nos vírus que eles carregam. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times
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Daniel G. Streicker, um pesquisador de morcegos-vampiros na universidade de Glasgow, e Amy T. Gilbert, ecologista do National Wildlife Research Center, em Fort Collins, Colorado, apontam no seu estudo as várias lacunas no nosso conhecimento e a falta de números exatos para provar algumas percepções comuns.

Em uma entrevista, Streicker afirmou que temos sido muito precipitados sobre os morcegos. “Acho que, com frequência, procuramos explicar por que os morcegos são especiais antes de, na verdade, descobrirmos de que maneira eles são especiais”, disse ele.

Antes de mais nada, afirmam os dois pesquisadores, isto tem a ver com um “enigma de saúde global” quanto a se os vírus dos morcegos são os mais prováveis causadores das epidemias do que outros vírus abrigados em outras criaturas. Segundo eles, a percepção comum de que os morcegos abrigam mais vírus do que outros animais não se sustenta quando examinamos um maior número de espécies.

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E os morcegos não são imunes aos efeitos de todos os vírus. Sem dúvida, muitos convivem com vírus que podem ser letais em humanos e outros animais, como o SARS e o MERS. A questão chave, para Streicker, é se a tolerância do morcego aos vírus causa a evolução de patógenos que são mais perigosos para as pessoas.

A ciência ainda não tem uma resposta. “Temos falta de evidências realmente fortes, convincentes, de que os vírus dos morcegos são mais diversos ou mais propensos a infectar os humanos, ou são mais perigosos quando infectam os humanos, do que vírus de outros animais”, disse ele. Não é apenas o mecanismo interno dos morcegos que precisa ser compreendido.

O quão ruim é a propagação da doença e como ela se dissemina depende de como as pessoas interagem com os morcegos, que tipos de morcego estão envolvidos, onde eles vivem e como disseminam vírus entre eles. “Necessitamos de interações entre imunologistas, virologistas, ecologistas e biólogos evolucionistas”, afirmou o pesquisador.

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O que começa a surgir, em parte por causa da pandemia, disse ele. Cientistas que estudam os morcegos já vinham insistindo nesse trabalho interdisciplinar antes de a pandemia se instalar. Por exemplo, a National Science Foundation fez uma subvenção de US$ 1,67 milhão para o Museu Americano de História Natural, para a Texas Tech University e a Stony Brook University com vista a criar a Global Union of Bat Diversity Networks.

Tigga Kingston, ecologista da Texas Tech, já vinha realizando reuniões com seus colegas do museu e da Stony Brook há alguns anos, discutindo a necessidade de manterem mais contato. Havia muitas redes de pesquisadores de morcegos, alguns regionais, alguns devotados a um morcego específico, mas não uma rede global para fomentar a comunicação entre todos os pesquisadores do animal.

Em 2019, eles decidiram partir do planejamento para a ação e foi quando a National Science Foundation decidiu promover mais esse tipo de “rede de redes” que eles estavam imaginando. O que foi ideal. Mas então a pandemia se instalou e medidas destinadas à pesquisa básica e conservação adquiriram uma nova urgência.

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De repente, disse Tigga Kingston, “tudo o que estamos fazendo tem relevância para a covid-19”, “desde estudos de metabolismo a questões ligadas à evolução e a conservação”. “Precisamos de imunologistas trabalhando ao lado de genomicistas, atuando com ecologistas que, por sua vez, trabalhem com pessoas que estudam a fisiologia do animal”, disse ela.

Enquanto isso não se verificar, acrescentou, “não conseguiremos abrandar esses tipos de eventos”. No artigo da Science, Streicker e Gilbert também apontam para áreas específicas de pesquisa em que os morcegos poderiam servir como populações de teste de novas técnicas de controle de doenças, como vacinas para populações animais.

A hidrofobia, ou raiva, em animais como raposas, tem sido combatida com sucesso com vacinas em alimentos que as raposas comem. Isto não teria resultado no caso dos morcegos, mas uma vacina poderia ser aplicada na pele do animal e espalhar por contato. No futuro, técnicas de engenharia genética como a CRIPR poderão ser usadas para tornar os morcegos resistentes a alguns vírus, disse Steicker, algo que tem sido testado com mosquitos, e já vem sendo discutido o seu uso em cobaias (ratos) e a doença de Lyme (doença causada por carrapatos).

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“Penso que isso está muito distante no futuro e existem todos os tipos de problemas éticos”. Mas há outras maneiras de produzir o que seria basicamente uma vacina contagiosa, talvez adicionando as proteínas que promoveriam uma resposta imune a um vírus que é infeccioso em morcegos, mas não causa danos. Nem a eles e nem a nós. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Os morcegos eram assunto de interesse particularmente de especialistas e conservacionistas. Mas a pandemia colocou sob os refletores esses animais, considerados a aparente fonte primária do novo coronavírus. Agora, uma pesquisa que antes era restrita sobre o grande número de vírus que os morcegos abrigam adquiriu nova urgência, como também discussões do que fazer sobre a transmissão de doenças de animais para humanos.

Na última edição da revista Science, dois pesquisadores incentivam seus colegas cientistas a examinar mais de perto o que admitimos como certo no caso dos vírus de morcegos, sugerindo que podemos descobrir outros mais e como esse conhecimento deve nos ajudar.

Cientistas querem desenvolver mais pesquisas com morcegos, principalmente com foco nos vírus que eles carregam. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Daniel G. Streicker, um pesquisador de morcegos-vampiros na universidade de Glasgow, e Amy T. Gilbert, ecologista do National Wildlife Research Center, em Fort Collins, Colorado, apontam no seu estudo as várias lacunas no nosso conhecimento e a falta de números exatos para provar algumas percepções comuns.

Em uma entrevista, Streicker afirmou que temos sido muito precipitados sobre os morcegos. “Acho que, com frequência, procuramos explicar por que os morcegos são especiais antes de, na verdade, descobrirmos de que maneira eles são especiais”, disse ele.

Antes de mais nada, afirmam os dois pesquisadores, isto tem a ver com um “enigma de saúde global” quanto a se os vírus dos morcegos são os mais prováveis causadores das epidemias do que outros vírus abrigados em outras criaturas. Segundo eles, a percepção comum de que os morcegos abrigam mais vírus do que outros animais não se sustenta quando examinamos um maior número de espécies.

E os morcegos não são imunes aos efeitos de todos os vírus. Sem dúvida, muitos convivem com vírus que podem ser letais em humanos e outros animais, como o SARS e o MERS. A questão chave, para Streicker, é se a tolerância do morcego aos vírus causa a evolução de patógenos que são mais perigosos para as pessoas.

A ciência ainda não tem uma resposta. “Temos falta de evidências realmente fortes, convincentes, de que os vírus dos morcegos são mais diversos ou mais propensos a infectar os humanos, ou são mais perigosos quando infectam os humanos, do que vírus de outros animais”, disse ele. Não é apenas o mecanismo interno dos morcegos que precisa ser compreendido.

O quão ruim é a propagação da doença e como ela se dissemina depende de como as pessoas interagem com os morcegos, que tipos de morcego estão envolvidos, onde eles vivem e como disseminam vírus entre eles. “Necessitamos de interações entre imunologistas, virologistas, ecologistas e biólogos evolucionistas”, afirmou o pesquisador.

O que começa a surgir, em parte por causa da pandemia, disse ele. Cientistas que estudam os morcegos já vinham insistindo nesse trabalho interdisciplinar antes de a pandemia se instalar. Por exemplo, a National Science Foundation fez uma subvenção de US$ 1,67 milhão para o Museu Americano de História Natural, para a Texas Tech University e a Stony Brook University com vista a criar a Global Union of Bat Diversity Networks.

Tigga Kingston, ecologista da Texas Tech, já vinha realizando reuniões com seus colegas do museu e da Stony Brook há alguns anos, discutindo a necessidade de manterem mais contato. Havia muitas redes de pesquisadores de morcegos, alguns regionais, alguns devotados a um morcego específico, mas não uma rede global para fomentar a comunicação entre todos os pesquisadores do animal.

Em 2019, eles decidiram partir do planejamento para a ação e foi quando a National Science Foundation decidiu promover mais esse tipo de “rede de redes” que eles estavam imaginando. O que foi ideal. Mas então a pandemia se instalou e medidas destinadas à pesquisa básica e conservação adquiriram uma nova urgência.

De repente, disse Tigga Kingston, “tudo o que estamos fazendo tem relevância para a covid-19”, “desde estudos de metabolismo a questões ligadas à evolução e a conservação”. “Precisamos de imunologistas trabalhando ao lado de genomicistas, atuando com ecologistas que, por sua vez, trabalhem com pessoas que estudam a fisiologia do animal”, disse ela.

Enquanto isso não se verificar, acrescentou, “não conseguiremos abrandar esses tipos de eventos”. No artigo da Science, Streicker e Gilbert também apontam para áreas específicas de pesquisa em que os morcegos poderiam servir como populações de teste de novas técnicas de controle de doenças, como vacinas para populações animais.

A hidrofobia, ou raiva, em animais como raposas, tem sido combatida com sucesso com vacinas em alimentos que as raposas comem. Isto não teria resultado no caso dos morcegos, mas uma vacina poderia ser aplicada na pele do animal e espalhar por contato. No futuro, técnicas de engenharia genética como a CRIPR poderão ser usadas para tornar os morcegos resistentes a alguns vírus, disse Steicker, algo que tem sido testado com mosquitos, e já vem sendo discutido o seu uso em cobaias (ratos) e a doença de Lyme (doença causada por carrapatos).

“Penso que isso está muito distante no futuro e existem todos os tipos de problemas éticos”. Mas há outras maneiras de produzir o que seria basicamente uma vacina contagiosa, talvez adicionando as proteínas que promoveriam uma resposta imune a um vírus que é infeccioso em morcegos, mas não causa danos. Nem a eles e nem a nós. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Os morcegos eram assunto de interesse particularmente de especialistas e conservacionistas. Mas a pandemia colocou sob os refletores esses animais, considerados a aparente fonte primária do novo coronavírus. Agora, uma pesquisa que antes era restrita sobre o grande número de vírus que os morcegos abrigam adquiriu nova urgência, como também discussões do que fazer sobre a transmissão de doenças de animais para humanos.

Na última edição da revista Science, dois pesquisadores incentivam seus colegas cientistas a examinar mais de perto o que admitimos como certo no caso dos vírus de morcegos, sugerindo que podemos descobrir outros mais e como esse conhecimento deve nos ajudar.

Cientistas querem desenvolver mais pesquisas com morcegos, principalmente com foco nos vírus que eles carregam. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Daniel G. Streicker, um pesquisador de morcegos-vampiros na universidade de Glasgow, e Amy T. Gilbert, ecologista do National Wildlife Research Center, em Fort Collins, Colorado, apontam no seu estudo as várias lacunas no nosso conhecimento e a falta de números exatos para provar algumas percepções comuns.

Em uma entrevista, Streicker afirmou que temos sido muito precipitados sobre os morcegos. “Acho que, com frequência, procuramos explicar por que os morcegos são especiais antes de, na verdade, descobrirmos de que maneira eles são especiais”, disse ele.

Antes de mais nada, afirmam os dois pesquisadores, isto tem a ver com um “enigma de saúde global” quanto a se os vírus dos morcegos são os mais prováveis causadores das epidemias do que outros vírus abrigados em outras criaturas. Segundo eles, a percepção comum de que os morcegos abrigam mais vírus do que outros animais não se sustenta quando examinamos um maior número de espécies.

E os morcegos não são imunes aos efeitos de todos os vírus. Sem dúvida, muitos convivem com vírus que podem ser letais em humanos e outros animais, como o SARS e o MERS. A questão chave, para Streicker, é se a tolerância do morcego aos vírus causa a evolução de patógenos que são mais perigosos para as pessoas.

A ciência ainda não tem uma resposta. “Temos falta de evidências realmente fortes, convincentes, de que os vírus dos morcegos são mais diversos ou mais propensos a infectar os humanos, ou são mais perigosos quando infectam os humanos, do que vírus de outros animais”, disse ele. Não é apenas o mecanismo interno dos morcegos que precisa ser compreendido.

O quão ruim é a propagação da doença e como ela se dissemina depende de como as pessoas interagem com os morcegos, que tipos de morcego estão envolvidos, onde eles vivem e como disseminam vírus entre eles. “Necessitamos de interações entre imunologistas, virologistas, ecologistas e biólogos evolucionistas”, afirmou o pesquisador.

O que começa a surgir, em parte por causa da pandemia, disse ele. Cientistas que estudam os morcegos já vinham insistindo nesse trabalho interdisciplinar antes de a pandemia se instalar. Por exemplo, a National Science Foundation fez uma subvenção de US$ 1,67 milhão para o Museu Americano de História Natural, para a Texas Tech University e a Stony Brook University com vista a criar a Global Union of Bat Diversity Networks.

Tigga Kingston, ecologista da Texas Tech, já vinha realizando reuniões com seus colegas do museu e da Stony Brook há alguns anos, discutindo a necessidade de manterem mais contato. Havia muitas redes de pesquisadores de morcegos, alguns regionais, alguns devotados a um morcego específico, mas não uma rede global para fomentar a comunicação entre todos os pesquisadores do animal.

Em 2019, eles decidiram partir do planejamento para a ação e foi quando a National Science Foundation decidiu promover mais esse tipo de “rede de redes” que eles estavam imaginando. O que foi ideal. Mas então a pandemia se instalou e medidas destinadas à pesquisa básica e conservação adquiriram uma nova urgência.

De repente, disse Tigga Kingston, “tudo o que estamos fazendo tem relevância para a covid-19”, “desde estudos de metabolismo a questões ligadas à evolução e a conservação”. “Precisamos de imunologistas trabalhando ao lado de genomicistas, atuando com ecologistas que, por sua vez, trabalhem com pessoas que estudam a fisiologia do animal”, disse ela.

Enquanto isso não se verificar, acrescentou, “não conseguiremos abrandar esses tipos de eventos”. No artigo da Science, Streicker e Gilbert também apontam para áreas específicas de pesquisa em que os morcegos poderiam servir como populações de teste de novas técnicas de controle de doenças, como vacinas para populações animais.

A hidrofobia, ou raiva, em animais como raposas, tem sido combatida com sucesso com vacinas em alimentos que as raposas comem. Isto não teria resultado no caso dos morcegos, mas uma vacina poderia ser aplicada na pele do animal e espalhar por contato. No futuro, técnicas de engenharia genética como a CRIPR poderão ser usadas para tornar os morcegos resistentes a alguns vírus, disse Steicker, algo que tem sido testado com mosquitos, e já vem sendo discutido o seu uso em cobaias (ratos) e a doença de Lyme (doença causada por carrapatos).

“Penso que isso está muito distante no futuro e existem todos os tipos de problemas éticos”. Mas há outras maneiras de produzir o que seria basicamente uma vacina contagiosa, talvez adicionando as proteínas que promoveriam uma resposta imune a um vírus que é infeccioso em morcegos, mas não causa danos. Nem a eles e nem a nós. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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