THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A primeira gravação, envolta em camadas de distorção, era, no entanto, reconhecível como a voz de uma criança - pequena, nervosa, encorajada pelo pai - desejando um Feliz Natal a quem a escutasse.
A segunda gravação, embora ainda barulhenta, capturou adequadamente o final do segundo ato de Aida, interpretada pela cantora alemã Johanna Gadski no Metropolitan Opera House na primavera de 1903.
E a terceira gravação foi a mais clara até então: a valsa de Romeu e Julieta, também do Met, cantada pela soprano australiana Nellie Melba.
Acessadas por laptop em uma sala de conferências na Biblioteca Pública de Artes Cênicas de Nova York, as gravações foram escavadas e digitalizadas de uma fonte muito mais antiga: cilindros de cera, um formato de áudio popularizado no final do século 19 como o primeiro meio comercial de gravação de som. Essas documentações particulares vieram de Lionel Mapleson, um bibliotecário inglês do Metropolitan Opera, que fez centenas de gravações de cilindros de cera, capturando tanto as apresentações de ópera da virada do século que ele via como parte de seu trabalho quanto as minúcias de sua vida em família.
Por décadas, os Cilindros Mapleson, como são chamados por arquivistas e audiologistas, têm sido um recurso valioso, mas frágil. Os cilindros de cera não foram feitos para uso prolongado - os primeiros modelos se desgastaram após algumas dezenas de reproduções - e são especialmente vulneráveis a más condições de armazenamento. Mas com a inovação do Endpoint Cylinder e da Dictabelt Machine, um equipamento personalizado feito especificamente para transferir áudio com segurança dos cilindros, a biblioteca está embarcando em um ambicioso projeto de preservação: digitalizar não apenas os Cilindros Mapleson, mas cerca de 2.500 outros em posse da biblioteca.
A máquina também permitirá que a biblioteca reproduza alguns cilindros Mapleson quebrados que ninguém jamais ouviu. “Não tenho ideia de como eles vão soar, mas o fato de terem sido quebrados há muito tempo os impediu de serem tocados com muita frequência”, disse Jessica Wood, curadora assistente da biblioteca para música e som gravado. “É possível que a qualidade do som deles nos deixe ouvir algo totalmente novo dos primeiros momentos da história da gravação.”
Alguns dos Cilindros Mapleson estavam na coleção da biblioteca, mas outro lote foi recentemente fornecido por Alfred Mapleson, bisneto do bibliotecário do Met. Essa doação foi acompanhada por outro recurso valioso: uma coleção de diários, escritos por Lionel Mapleson, que narravam cuidadosamente sua vida diária e o calendário do Metropolitan Opera. Os diários fornecem um contexto extra para as gravações de áudio de Mapleson e para o mundo mais amplo da ópera de Nova York. Uma entrada do dia de Ano Novo em 1908 observou a “recepção tremenda” para uma apresentação de Gustav Mahler. Outra descrevia a vez em que o maestro italiano Arturo Toscanini, “furioso”, dispensou sua orquestra por causa do barulho no telhado.
“A manutenção consistente deste diário é muito mais importante do que apenas para a música”, disse Bob Kosovsky, curador de livros raros e manuscritos na divisão de música da Biblioteca Pública de Nova York. “É uma visão incrível da vida em Nova York e na Inglaterra, já que ele voltava todo verão para sua família.”
A biblioteca adquiriu a máquina Endpoint de seu criador, Nicholas Bergh, na primavera passada, conforme relatado pela Biblioteca “Naquela época, a música ocidental era gravada nos estúdios, então é muito especial ter alguém que documentava o que realmente acontecia no teatro”, disse Bergh, que desenvolveu a máquina como parte de seu trabalho de preservação de áudio.
Alfred Mapleson logo procurou a biblioteca com os diários e a coleção de cilindros de seu bisavô que, durante anos, esperava ser redescoberta no porão de sua mãe em Long Island. Em novembro, eles foram embalados em caixas térmicas e transportados em caminhão climatizado até a biblioteca, onde agora são armazenados em caixas de papelão sem ácido, destinadas a mitigar o risco de degradação futura. (Em Long Island, eles eram guardados em engradados de cerveja Tuborg Gold.)
Esses cilindros estavam anteriormente disponíveis para a biblioteca na década de 1980, quando foram transferidos para fita magnética e lançados como parte de um conjunto de seis LPs compilando as gravações de Mapleson. Depois disso, eles foram devolvidos à família Mapleson, enquanto o acervo maior ficou com a biblioteca. Mas, disse Wood, “há pessoas em todo o mundo que estão convencidas de que uma nova transferência desses cilindros revelaria mais detalhes de áudio do que as anteriores”.
Os cilindros de cera eram tradicionalmente tocados em um fonógrafo, onde, semelhante a um toca-discos moderno, uma agulha seguia sulcos na cera e traduzia a informação em som. A máquina Endpoint usa um laser que coloca menos tensão nos cilindros, permitindo-lhe uma impressão detalhada sem sacrificar a integridade física e fazendo ajustes nas deformações que alguns cilindros sofreram com o tempo. A máquina pode recuperar informações de fragmentos de cilindros quebrados que não podem ser reproduzidos tradicionalmente, mas que podem ser reconstituídos digitalmente em uma gravação completa.
Nos próximos anos, a biblioteca espera digitalizar os cilindros e os diários e disponibilizá-los ao público. Os cilindros que não são Mapleson na coleção da biblioteca também podem ser digitalizados, embora Wood tenha dito que o processo será determinado com base nas solicitações de determinados cilindros. Os engenheiros da biblioteca são divididos em departamentos e, com milhares de pedidos em atraso, ela disse: “Temos que esperar nossa vez”.
Alfred Mapleson disse que estava simplesmente feliz em fazer bom uso da herança de sua família. Os cilindros faziam parte da Mapleson Music Library, uma empresa familiar que alugava partituras, entre outras coisas, para artistas. Mas o negócio terminou em meados da década de 1990 e os cilindros permaneceram intocados no porão de sua mãe desde então.
“Há uma obrigação importante com a história que precisa ser mantida”, ele disse. “Não queremos que eles fiquem em nossa posse, onde podem se perder ou se danificar.” Ele descartou a possibilidade de vendê-los a um colecionador particular, onde eles podem ficar sem utilidade pública: “Isso não é algo que minha família gostaria”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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