Os cavalos sabem, disse-me Dev Patel.
“Um cavalo percebe se você só dormiu duas horas na noite anterior”, explicou. “Se você está ansioso, o cavalo sente. Armani definitivamente sabia”.
Armani é um dos coadjuvantes mais significativos na nova fantasia medieval, The Green Knight, em que o Patel, de 31 anos, interpreta o papel de Sir Gawain, aspirante a guerreiro que embarca em uma espécie de missão suicida. Partes de sua missão se dão a cavalo, e Patel, que nunca havia cavalgado antes, teve de conquistar a simpatia de Armani levando furtivamente maçãs surrupiadas do lobby do hotel, em Dublin.
No entanto, apelar para o estômago de um cavalo pode não fazer muito. Se Patel não conseguisse mostrar autoridade de líder suficiente para personificar Gawain, seguramente Armani seria o primeiro a perceber isso. Afinal, eles passariam o seu primeiro dia de filmagem juntos em uma região selvagem da Irlanda, onde o vento sopra tão forte que Patel acabou teve de se agarrar com força em Armani para manter a posição ereta.
Enquanto as rajadas de vento gélido perfuravam a cota de malha de Patel, como uma espada não conseguiria fazer, Armani sabia que o seu cavaleiro era mais um neófito do que um cavaleiro? E perceberia algumas das outras coisas que tornavam Patel ansioso, como a sua tendência natural a pensar demais na sua carreira – o que Patel chama de “paralisia de análise” – ou como ele se perguntava o que as pessoas achariam de um ator indo-britânico no papel do sobrinho do Rei Artur?
Talvez alguns destes conceitos sejam um pouco complicados demais para um cavalo descobrir. (Se Armani não podia ser procurado para um comentário, quem seria então?) Mas Patel ainda tinha muito na cabeça naquele primeiro dia, e eu ainda nem cheguei ao assunto da sua intoxicação alimentar.)
“Toda essa conversa sobre interpretação”, ele resmungou, “e eu aqui, em cima de um cavalo com uma cota de malha, congelando nesse frio, esperando não ter uma diarreia”.
Patel conversou comigo por vídeo de Adelaide, na Austrália Meridional, onde está atarefado editando seu trabalho de estreia na direção, um filme sobre artes marciais intitulado Monkey Man, ficando de olho, ao mesmo tempo, no The Green Knight, que deveria estrear no verão (do hemisfério norte) passado e estreou nos cinemas dos Estados Unidos no dia 30 de julho. Dirigido por David Lowery, The Green Knight representa uma mudança de direção bem vinda na lista de filmes de Patel que agradam ao público: ao contrário de Quem quer ser um milionário? ou O exótico Hotel Marigold, o filme de Lowery é um trabalho artístico, misterioso e um pouco sexy.
Ou, deixe-me dizer de forma mais clara: The Green Knight entende que Dev Patel agora é um galã.
O ator outrora desajeitado cresceu tornando-se um homem que lidera com uma cabeleira de romance cor de rosa, olhos empáticos e uma barba bem cuidada, e embora as sessões de fotos de Patel costumem ganhar grandes números de fãs na mídia sócial, até agora, nenhum filme capitalizou de fato o seu status de namorado da internet. O nome de Patel sequer estava na lista do casting inicial de Lowery para The Green Knight, mas depois que o diretor viu fotos de uma campanha da Zegna com Patel exibindo ar suave e majestático, ele ficou tão impressionado pelo potencial do ator que começou a desenhar um retrato do ator a cavalo.
"Desde o momento em que o conheci, me convenci de que ele seria o que tornaria o filme épico", disse Lowery. "Se não pudéssemos ir para uma locação épica, se não pudéssemos encontrar as paisagens certas, sempre poderia recorrer a ele porque ele nos dá isto em um close-up”.
Sir Gawain é um pouco cafajeste quando o conhecemos, um vagabundo bêbado que prefere galantear a lutar. No entanto, ele sente que o seu destino é ser conhecido por algo grande, e quando a criatura semelhante a uma árvore, chamada o Cavaleiro Verde lança um desafio à corte do Rei Artur, Gawain o aceita rapidamente, decapitando a monstruosa figura.
Infelizmente, o Cavaleiro Verde sobrevive à própria decapitação e promete devolver o golpe a Gawain dali a um ano. Isto significa que, embora Patel seja apresentado como um vilão romântico – e Lowery se envolve nesta ideia, vestindo-o com uma série de camisas com decotes baixos – é o resto do filme, em que Gawain acaba humilhado pelo fim iminente do prazo estabelecido pelo Cavaleiro Verde, que pretende de fato testar a sua coragem de homem.
“Evidentemente estou consciente de todos os fãs do cabelo e da barba de Dev Patel – já vi os memes”, disse Lawery. “Mas não acho que as pessoas compreendam exatamente o que ele fará como ator, e The Green Knight apenas arranha a sua superfície”.
Nada disso estava originalmente nas cartas para Patel, que cresceu no bairro londrino de Harrow, o mais novo de dois irmãos. Ambos os pais emigraram de Nairobi ainda adolescentes. O pai, Raju, é calado e introvertido, enquanto a mãe, Anita, é a força da natureza da família. “Ela tem uma enorme personalidade e consegue fazer a sala inteira cair na gargalhada”, contou Patel. "Acho que o meu amor pela interpretação de todos estes personagens veio dela".
Patel era uma criança hiperativa, e os pais o matricularam durante anos em aulas de artes marciais a fim de canalizar a energia excedente. No entanto, ele sempre teve algo mais para dar, e quando sua mãe viu o anuncio de um casting para Skins, um drama de adolescentes que impulsionaria as carreiras de jovens atores como Nicholas Hoult e Daniel Kaluuya, ela o convenceu a fazer o teste para o papel de Anwar, louco por sexo.
O programa foi um sucesso, mas os vizinhos ficaram horrorizados. “Parecia suicídio na comunidade colocar seu filho em um programa de TV e deixar que ele saísse da escola aos 16 anos”, disse Patel. “Enquanto o filho de todos os outros deixa a escola para se tornar médico ou dentista, eu estou nesse programa de TV”, ele disse, “simulando sexo e tomando drogas”.
Ele nunca havia representado diante de uma câmera antes, e Skins foi um teste de fogo. O dinheiro foi muito oportuno para melhorar a situação da família – com o primeiro pagamento, Patel comprou uma cama nova para a irmã – mas para o grande número de seguidores online a repercussão foi boa e má.
“Eu era um jovem que frequentava estas sals de bate-papo e foi brutal”, disse Patel. “Apareceram todas estas listas do personagem favorito do programa ou sobre o personagem mais bonito, e eu sempre era o mais feio, o menos atraente. Ninguém gostava de Anwar. Realmente paguei caro pessoalmente.”
Talvez seja por isso que ele ainda desconfia das felicitações 15 anos mais tarde, ou por que ele costuma fazer graça de si mesmo antes que outros tenham a chance de fazê-lo. Quando eu menciono o número de fãs que torce por ele na mídia social, nem acabo a frase que Patel intervém: "Todos os três fãs?" Mesmo quando Quen quer ser um milionário? ganhou o prêmio de melhor filme na entrega do Oscar em 2009 ou quando, oito anos mais tarde, o próprio Patel recebeu a indicação de ator coadjuvante para o drama Lion: Uma Jornada Para Casa (ele perdeu para Mahershala Ali), todas as atenções o deixaram pouco à vontade.
“Não achei que eu merecesse”, ele disse. “Tudo isto atesta a minha baixa autoestima natural: eu estava ali com criaturas realmente impressionantes, o melhor do melhor, e pensei: ‘Não sei o que tenho para oferecer neste espaço’”.
Agora, autenticidade é o lema de Patel; se ele não consegue fazer um filme que ele sinta como real, não vale a pena fazê-lo. Como explicação, Patel falou de um artigo a respeito de como conseguiu o papel do adolescente explorado em Quem quer ser um milionário?, um teste que ele quis fazer porque a filha do diretor, Danny Boyle, era grande fã de “Skins”.
Patel estava repleto de uma energia perversa durante o teste, usando todos os recursos de que podia pensar para arrancar risadas do auditório. Mas depois Boyle chamou o jovem ator de lado e disse que se ele fosse chamado para fazer o papel principal do filme teria de aprender a ficar quieto. Será que ele poderia deixar espaço suficiente para o público entrar no filme através de seus próprios olhos?
“Na época, eu tinha 17 anos”, disse Patel, “e pensei: ‘Isso não é interpretar. Isto é pura preguiça’”. Mas ao longo de sua carreira ele passou a entender o que Boyle queria dizer: Tudo o que você precisa realmente fazer é ser presente. Um astro do cinema sabe que isto é o bastante.
É por isso que a coisa mais excitante para Patel agora é quando ele faz um papel que deixa que seja simplesmente ele mesmo. Com suas longas cenas meditativas em locações reais, The Green Knight ofereceu este sentimento de sobra. Mesmo quando ele montava Armani e as rajadas de chuva que o vento jogava no seu rosto pareciam uma saraivada de balas penetrando na sua pele, Patel não trocaria a verdade daquele momento por nada. É a razão pela qual ele faz o que faz, quando tudo o que é preciso é ele, a câmera, e algo poderoso e inato que prende a atenção (Os cavalos sentem este tipo de coisa. Talvez o público também.)
“Há um momento entre as palavras ‘ação’ e ‘corta’ que é como uma droga,” disse Patel. “Se você está com o diretor certo no set certo com o roteiro certo, tudo o mais se dissolve. Ele comparou isto ao estado de fluxo atingido pelos grandes atletas ou mesmo Kate Winslet na proa do Titanic: “É há um DiCaprio atrás de mim”, ele disse, estendendo seus longos braços e sorrindo. /TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.