Há dois anos, a construção do Academy Museum of Motion Pictures tinha tudo para se tornar um completo desastre de Hollywood. A obra estava acima do orçamento e atrasada. Em meio a um debate controverso sobre a missão e o propósito do museu, o diretor fundador deixou o cargo, e o conselho do museu atravessou o país para trazer de volta o ex-chefe de arrecadação de fundos, Bill Kramer, para resgatar o projeto que agora ameaçava manchar uma Academia já sitiada. Então veio a pandemia.
Recentemente, o Academy Museum estreou com a imponência e a pompa que só Hollywood pode proporcionar. Sim, deveria custar US$ 250 milhões e abrir as portas em 2017, mas o preço final foi de mais de US$ 480 milhões, e com quase quatro anos de atraso.
Mas foi inaugurado, 22 meses depois do retorno de Kramer, com festividades, celebridades (Lady Gaga, Cher e Jennifer Hudson) e, no geral, com boas críticas. "O Oscar é uma péssima referência da história do cinema. O Academy Museum já está fazendo melhor", dizia a manchete do The Los Angeles Times. Localizado ao lado do Museu de Arte de Los Angeles, tornou-se uma marca de destaque na paisagem da cidade. A adição esférica à antiga loja de departamentos que abriga o museu foi batizada, cinematograficamente, de "Estrela da Morte" – o que deve dar aos turistas que buscam conhecer a história do cinema algo mais satisfatório do que os mímicos e mendigos da Calçada da Fama no Hollywood Boulevard.
Não foi fácil. Trabalhando com Jacqueline Stewart, diretora artística e de programação do museu, e com uma equipe de curadores, Kramer ajudou a cruzar a linha de chegada em meio a uma pandemia que ameaçava abalar a arrecadação de fundos e o número de visitantes, e em meio a um debate renovado sobre equidade e justiça social que afetava Hollywood tanto quanto qualquer outra instituição americana.
"Não o invejo. Mas ele faz tudo com muita elegância", declarou Ted Sarandos, coexecutivo-chefe da Netflix e presidente do conselho de diretores do museu.
Kramer é pura alegria e agitação, combinação característica de Los Angeles. Ele falou sobre seu retorno de Nova York e o desafio de repensar o museu depois dos debates sobre justiça racial e as acusações de assédio sexual que vieram à tona na esteira do assassinato de George Floyd e da condenação de Harvey Weinstein. "O mundo está evoluindo. E isso é fantástico. Não estávamos só preparados para isso, mas também ansiosos para ter essa conversa", comentou.
Ao que tudo indica, Kramer, de 53 anos, está ocupando um dos mais prestigiados empregos no setor de museus do país.
O Museu da Academia tem sido o sonho da comunidade cinematográfica autorreverencial de Hollywood há mais de 50 anos, glorioso símbolo da campanha de Los Angeles para expandir sua marca cultural e turística. Para Kramer, foi a oportunidade de elevar uma forma artística ainda jovem e que muitas vezes é desprezada pelo mundo sério da arte.
Mas, antes mesmo de ser inaugurado, o museu corria o risco de se tornar inacessível. Esse sentimento só aumentou ao longo da pandemia. Concebido para celebrar o cinema como forma de arte, o museu foi inaugurado quando muitas salas de cinema estavam fechando – incluindo, em Hollywood, os Cinemas ArcLight, que entre os cinéfilos eram um dos complexos de salas de cinema mais venerados do país – à medida que os serviços de streaming se tornam a rota de fuga dominante do meio.
Kramer é uma resposta a toda essa melancolia, no que diz respeito ao conselho, figura muito hollywoodiana, showman, vendedor e contador de histórias. É o controlador de tráfego no centro de um turbilhão cultural e social, equilibrando os interesses de colaboradores, celebridades, políticos, curadores de museus e um exército de sindicatos.
Isso significa gerenciar demandas conflitantes para fazer desse museu um retrato sofisticado do cinema como arte, ao mesmo tempo que apresenta tesouros para atrair turistas: ele pode exibir uma homenagem ao diretor Pedro Almodóvar em uma sala e o par de sapatilhas de rubi de Dorothy em outra. (Depois de algum debate, os executivos do museu deram seguimento aos planos de construir uma sala de realidade virtual que permite aos visitantes fingir que estão entrando no palco para receber um Oscar. "É muito gostoso", disse Kramer – porque, bem, como poderia não ser?)
"Na Coreia, temos um ditado que diz que um cisne no lago pode parecer gracioso, mas está remando como um louco sob a água. O Bill lembra o cisne. Os pés dele estão se movendo como loucos sob a água", afirmou Miky Lee, produtora de cinema e vice-presidente do conselho do museu.
Kramer foi o diretor de desenvolvimento do museu até 2016, quando o conselho se voltou para alguém mais consolidado no mundo dos museus para se tornar seu diretor: Kerry Brougher, ex-curador-chefe do Museu e Jardim de Esculturas Hirshhorn do Smithsonian. Kramer foi então para a Academia de Música do Brooklyn.
Quando Brougher saiu, no momento em que o museu lutava contra custos excessivos e atrasos, Kramer esperava nos bastidores. Rajendra Roy, curador-chefe de cinema do Museu de Arte Moderna de Nova York e membro da academia, elogiou a energia que ele trouxe. "Quando ele saiu, considerei uma perda para o museu. O fato de ter voltado como diretor e ter mantido a paixão por esse lugar nos deu muita confiança."
Kramer não seguiu um caminho óbvio para essa posição; ele não é um produto de Hollywood ou de museus. Estudou ciências atuariais na Universidade do Texas – "Eu era especialista em matemática", contou – e fez mestrado em planejamento urbano na Universidade de Nova York.
Mais do que tudo, porém, Kramer era um arrecadador de fundos. A capacidade de compreender uma organização e as habilidades de diplomacia e persuasão que levam as pessoas a preencher cheques se mostraram úteis. Charmoso e respeitoso conforme necessário, ele evitou brigas internas e rixas que marcam a vida em muitos museus ou estúdios.
"Temos quase dez mil membros na academia, e eles não hesitam em expressar suas opiniões. Há um consenso de que Bill tem se saído bem", comentou Dawn Hudson, CEO da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, acrescentando que Kramer sabia como encontrar o equilíbrio entre as demandas pedagógicas de um museu e um lugar divertido para passar uma tarde: "Nunca foi a intenção chegar aqui e se sentir em uma escola."
E Kramer certamente estava se divertindo ao mostrar alguns dos tesouros do museu. Havia o quadro pintado, com nove metros de altura e quase 12 de largura, do Monte Rushmore que Alfred Hitchcock usou em Intriga Internacional. Havia a juba que Bert Lahr usou como o Leão Covarde. Havia (alerta de spoiler) Rosebud. E, ainda, a máquina de escrever em que foi escrito o roteiro de Psicose.
"O Bill já viu esses itens no papel e na vida real mais de cem vezes, mas, quando caminhamos pelo museu com ele, percebemos que é como se estivesse fazendo isso pela primeira vez", observou Sarandos. Isso ficou evidente ao longo de um passeio de 90 minutos pelo museu.
"Ah, você vai adorar isso. Esse é o rascunho manuscrito do roteiro de O Mágico de Oz, que está surpreendentemente legível e bem preservado. Em vez de 'Não há lugar como nosso lar', diz 'Vou voltar para o Kansas, vou voltar para o Kansas'. Meu Deus!", disse ele, parando em uma vitrine.
Para o museu, existem algumas questões críticas pela frente. Os turistas vão voltar a Los Angeles? As pessoas estarão prontas para frequentar museus em grande número? E, acima de tudo, o glamour de Hollywood desapareceu agora que muitas pessoas assistem aos últimos grandes lançamentos do cinema na sala de estar?
Kramer, é claro, permanece cheio de positividade. "As pessoas estão prontas. Muita gente já está vacinada. Sabemos mais sobre o vírus. Acho que estamos vivendo um momento muito diferente de seis meses atrás. E se tivermos de fazer acontecer, é isso que vamos fazer."
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