Os colombianos se perguntam: quem ousaria patentear a sua rapadura?


Os fabricantes do adoçante favorito da América Latina afirmam que um engenheiro açucareiro quer o controle exclusivo da 'panela', seu produto secular

Por Jennie Erin Smith
Atualização:

VALLE DEL CAUCA, Colômbia - Em abril do ano passado, Jorge González Ulloa, acionista de uma das maiores companhias açucareiras da Colômbia, recebeu a patente americana No. 10.632.167, que descrevia um método para a produção de um açúcar não refinado que contém um elevado teor de policosanóis, álcoois encontrados na cana de açúcar que supostamente reduzem o colesterol.

O método, afirmava a patente de González, resultaria em “um produto consumível que reduz o nível do colesterol e seria de tão baixo custo que seria acessível a todos, particularmente as milhões de pessoas que atualmente não dispõem dos meios para adquirir os medicamentos farmacêuticos atuais”.

Piloncillo é como é conhecida esta panela em forma de cone. Foto: Federico Rios/The New York Times
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González agora pediu patentes semelhantes na Colômbia, Equador, Nicarágua, Costa Rica, Cuba, China, Austrália e a União Europeia, e criou a marca, Policane.

Mas os colombianos olham com suspeita o processo de produção do Policane. Ele não se distingue da um tipo de rapadura, que na Colômbia é conhecida como panela, um adoçante feito no país desde a chegada dos conquistadores. Ao contrário do que os americanos conhecem como açúcar mascavo, açúcar refinado com melaço misturado com ele, a panela é feita tradicionalmente com o caldo de cana fresco fervido em recipientes de metal colocados sobre um forno alimentado com o bagaço da cana prensada. O resultado é um açúcar sólido com um sabor sutil de melado caramelado e um ligeiro sabor residual de metal. Sua cor varia do amarelado a um marrom, como café escuro.

Equivalentes da panela colombiana podem se encontrados em toda a América Latina e na Ásia sob diferentes nomes. Mas os colombianos o consomem em quantidades maiores do que qualquer outro povo: cerca de 450 gramas por pessoa por semana, segundo a Fedepanela, a federação nacional de produtores de rapadura da Colômbia. Por alguns centavos por uma xícara, a “agua panela” - a rapadura dissolvida em água quente - é uma fonte essencial de calorias para quem faz trabalhos pesados, principalmente no interior. Os trabalhadores braçais o tomam de manhã e à noite. As criancinhas são alimentadas com leite adoçado com a rapadura, e os enfermos o bebem com limão e gengibre.

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Ultimamente, a pandemia de coronavírus provocou um aumento do consumo, por causa de suas propriedades saudáveis -a rapadura, como destacam os seus produtores, contém traços de minerais e vitaminas, não encontrados no açúcar refinado. Os dois produtos são tão diferentes na mente dos colombianos que são vendidos em diferentes corredores do supermercado. E a panela é tão importante na economia rural da Colômbia que os quase 20 mil produtores, chamados ‘trapiches’, são protegidos por lei das intrusões de companhias açucareiras, que não têm permissão para produzi-la.

Patentear um produto básico tão humilde como a panela causou espanto entre os colombianos que consideram isto um absurdo, seria como patentear o café com leite. A notícia da “patente da panela” causou tamanho barulho nos últimos meses, que a Riopaila Castilla, uma companhia açucareira sediada em Cali, que até pouco tempo atrás tinha González em seu conselho de direção, emitiu declarações distanciando-se desta iniciativa. A Fedepanela respondeu com uma agressiva resposta legal, na esperança de impedir que as patentes de González sejam aprovadas na Colômbia e no exterior, e revogar todas as que tenham sido emitidas nos Estados Unidos.

Trabalhador marca panelas artesanais com as iniciais do dono do engenho. Foto: Federico Rios/The New York Times
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Os produtores de panela trabalharam muito para apresentar o seu produto como mais saudável do que o açúcar refinado, talvez preparando o terreno para alguém como González batizá-lo como “nutraceutico”. Mas para eles, os policosanóis são uma farsa - o objetivo é patentear toda a panela.

González, que não respondeu aos pedidos de entrevista, tem evitado toda a imprensa depois de declarar a um jornal de Cali que ele inventou “o adoçante mais saudável do mundo, e o mais barato”. A produção é iminente, insistiu, mas não deu nenhuma explicação de quem a faria ou onde.

Doce sucesso

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A cana de açúcar começou a ser plantada na Colômbia há cerca de 500 anos nas amplas margens rasas do Rio Cauca, onde encontra-se Cali hoje. Atualmente, a região ainda é a maior produtora de açúcar do país, onde a cana cresce com grande abundância sob muito sol, sem muita ajuda externa. A maior parte dela vai para usinas gigantescas onde o açúcar é centrifugado e cristalizado. O resto vai para a produção da rapadura.

Aqui muitos engenhos são industrializados, embora o processo seja efetivamente o mesmo do século 16. A cana é cortada à mão com facões, e prensada até obter um caldo verde denso que é filtrado e fervido, enquanto a fibra serve como combustível. O xarope grosso é despejado em tachos e mexido continuamente enquanto esfria, tornando-se uma pasta que é despejada em formas por um ‘pesador’, a pessoa que sabe por intuição quanto pesa cada tacho.

“Um bom pesador é raro”, disse Ricardo Bueno, o diretor de produção do engenho La Alsacia, em Taluá, ao norte de Cali. “Nós não conseguimos incorporar a tecnologia”.

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Em uma visita pouco tempo atrás, os funcionários em uniformes de laboratório, redes nos cabelos, monitoravam os níveis de Brix - a quantidade de sólidos dissolvidos em um líquido, no caso equivalente a doçura - enquanto o caldo evapora em tanques de aço, espalhando no ar aroma de caramelo. Os especialistas em alimentação analisam amostras da cana antes de dar a aprovação para a colheita, mas muitas vezes precisam fazer ajustes no caldo, acrescentando ao seu pH hidróxido de cálcio e monitorando as variações na proporção de sacarose, frutose e glucose, que influem na cor da rapadura.

Tudo isto para garantir que o produto final, destinado às cadeias de supermercados, apresente o aspecto e o gosto de sempre - e não contenha lascas ou outras surpresas indesejadas que podem ocorrer em versões mais rústicas.

Pilha de bagaço no engenho Don Manuel, na Colômbia. Foto: Federico Rios/The New York Times
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Uma doce tradição

Nas montanhas da Cordilheira Ocidental da Colômbia, a oeste do Vale do Rio Cauca, os pequenos engenhos começam a prensar e ferver o caldo de cana antes do alvorecer, em geral em uma quinta ou sexta-feira.

A produção começa quando há uma quantidade suficiente de cana cortada e é possível dispor de oito a dez trabalhadores - a cada duas semanas, para a maioria. Em alguns engenhos, a cana é colocada à mão, algumas canas de cada vez na prensa motorizada, enquanto que em outros, a energia é gerada a partir da água do rio ou por mulas presas a uma roda.

Um operário alimenta o forno voraz com pilhas de fibra de cana. Outro separa uma espécie de polpa de madeira que puxa as impurezas para a superfície do caldo. Os que cuidam do xarope retiram a espuma superficial do caldo com conchas gigantescas passando o líquido fumegando de um tacho para outro até que ele se torna um caramelo espesso quebradiço. Não há monitores do Brix para mostrar quando está pronta - alguém simplesmente enfia um pau no tacho e o mergulha em água fria, ou então usa a própria mão molhada.Queimaduras e outros acidentes são comuns.

“Felizmente, estão rareando,” disseÁlvaro Quintero, 34, produtor da cidade de Versalles. O engenho da sua família tem o nome do avô, Don Manuel, e embora seja uma operação tradicional sem um especialista em alimentação, adotou algumas melhorias modernas. A seção de empacotamento é higienizada, onde máscaras e luvas são obrigatórias, e as superfícies de aço e cobre escovadas. Concluída a operação, a panela é carregada em um jipe 1967 para vendê-la na cidade vizinha.

Quintero, que representa a federação de produtores da rapadura na região, acredita que as patentes de González podem ameaçar tanto os pequenos produtores quanto os grandes - particularmente se uma patente é aprovada na Colômbia, onde atualmente tramita um pedido na agência emissora. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

VALLE DEL CAUCA, Colômbia - Em abril do ano passado, Jorge González Ulloa, acionista de uma das maiores companhias açucareiras da Colômbia, recebeu a patente americana No. 10.632.167, que descrevia um método para a produção de um açúcar não refinado que contém um elevado teor de policosanóis, álcoois encontrados na cana de açúcar que supostamente reduzem o colesterol.

O método, afirmava a patente de González, resultaria em “um produto consumível que reduz o nível do colesterol e seria de tão baixo custo que seria acessível a todos, particularmente as milhões de pessoas que atualmente não dispõem dos meios para adquirir os medicamentos farmacêuticos atuais”.

Piloncillo é como é conhecida esta panela em forma de cone. Foto: Federico Rios/The New York Times

González agora pediu patentes semelhantes na Colômbia, Equador, Nicarágua, Costa Rica, Cuba, China, Austrália e a União Europeia, e criou a marca, Policane.

Mas os colombianos olham com suspeita o processo de produção do Policane. Ele não se distingue da um tipo de rapadura, que na Colômbia é conhecida como panela, um adoçante feito no país desde a chegada dos conquistadores. Ao contrário do que os americanos conhecem como açúcar mascavo, açúcar refinado com melaço misturado com ele, a panela é feita tradicionalmente com o caldo de cana fresco fervido em recipientes de metal colocados sobre um forno alimentado com o bagaço da cana prensada. O resultado é um açúcar sólido com um sabor sutil de melado caramelado e um ligeiro sabor residual de metal. Sua cor varia do amarelado a um marrom, como café escuro.

Equivalentes da panela colombiana podem se encontrados em toda a América Latina e na Ásia sob diferentes nomes. Mas os colombianos o consomem em quantidades maiores do que qualquer outro povo: cerca de 450 gramas por pessoa por semana, segundo a Fedepanela, a federação nacional de produtores de rapadura da Colômbia. Por alguns centavos por uma xícara, a “agua panela” - a rapadura dissolvida em água quente - é uma fonte essencial de calorias para quem faz trabalhos pesados, principalmente no interior. Os trabalhadores braçais o tomam de manhã e à noite. As criancinhas são alimentadas com leite adoçado com a rapadura, e os enfermos o bebem com limão e gengibre.

Ultimamente, a pandemia de coronavírus provocou um aumento do consumo, por causa de suas propriedades saudáveis -a rapadura, como destacam os seus produtores, contém traços de minerais e vitaminas, não encontrados no açúcar refinado. Os dois produtos são tão diferentes na mente dos colombianos que são vendidos em diferentes corredores do supermercado. E a panela é tão importante na economia rural da Colômbia que os quase 20 mil produtores, chamados ‘trapiches’, são protegidos por lei das intrusões de companhias açucareiras, que não têm permissão para produzi-la.

Patentear um produto básico tão humilde como a panela causou espanto entre os colombianos que consideram isto um absurdo, seria como patentear o café com leite. A notícia da “patente da panela” causou tamanho barulho nos últimos meses, que a Riopaila Castilla, uma companhia açucareira sediada em Cali, que até pouco tempo atrás tinha González em seu conselho de direção, emitiu declarações distanciando-se desta iniciativa. A Fedepanela respondeu com uma agressiva resposta legal, na esperança de impedir que as patentes de González sejam aprovadas na Colômbia e no exterior, e revogar todas as que tenham sido emitidas nos Estados Unidos.

Trabalhador marca panelas artesanais com as iniciais do dono do engenho. Foto: Federico Rios/The New York Times

Os produtores de panela trabalharam muito para apresentar o seu produto como mais saudável do que o açúcar refinado, talvez preparando o terreno para alguém como González batizá-lo como “nutraceutico”. Mas para eles, os policosanóis são uma farsa - o objetivo é patentear toda a panela.

González, que não respondeu aos pedidos de entrevista, tem evitado toda a imprensa depois de declarar a um jornal de Cali que ele inventou “o adoçante mais saudável do mundo, e o mais barato”. A produção é iminente, insistiu, mas não deu nenhuma explicação de quem a faria ou onde.

Doce sucesso

A cana de açúcar começou a ser plantada na Colômbia há cerca de 500 anos nas amplas margens rasas do Rio Cauca, onde encontra-se Cali hoje. Atualmente, a região ainda é a maior produtora de açúcar do país, onde a cana cresce com grande abundância sob muito sol, sem muita ajuda externa. A maior parte dela vai para usinas gigantescas onde o açúcar é centrifugado e cristalizado. O resto vai para a produção da rapadura.

Aqui muitos engenhos são industrializados, embora o processo seja efetivamente o mesmo do século 16. A cana é cortada à mão com facões, e prensada até obter um caldo verde denso que é filtrado e fervido, enquanto a fibra serve como combustível. O xarope grosso é despejado em tachos e mexido continuamente enquanto esfria, tornando-se uma pasta que é despejada em formas por um ‘pesador’, a pessoa que sabe por intuição quanto pesa cada tacho.

“Um bom pesador é raro”, disse Ricardo Bueno, o diretor de produção do engenho La Alsacia, em Taluá, ao norte de Cali. “Nós não conseguimos incorporar a tecnologia”.

Em uma visita pouco tempo atrás, os funcionários em uniformes de laboratório, redes nos cabelos, monitoravam os níveis de Brix - a quantidade de sólidos dissolvidos em um líquido, no caso equivalente a doçura - enquanto o caldo evapora em tanques de aço, espalhando no ar aroma de caramelo. Os especialistas em alimentação analisam amostras da cana antes de dar a aprovação para a colheita, mas muitas vezes precisam fazer ajustes no caldo, acrescentando ao seu pH hidróxido de cálcio e monitorando as variações na proporção de sacarose, frutose e glucose, que influem na cor da rapadura.

Tudo isto para garantir que o produto final, destinado às cadeias de supermercados, apresente o aspecto e o gosto de sempre - e não contenha lascas ou outras surpresas indesejadas que podem ocorrer em versões mais rústicas.

Pilha de bagaço no engenho Don Manuel, na Colômbia. Foto: Federico Rios/The New York Times

Uma doce tradição

Nas montanhas da Cordilheira Ocidental da Colômbia, a oeste do Vale do Rio Cauca, os pequenos engenhos começam a prensar e ferver o caldo de cana antes do alvorecer, em geral em uma quinta ou sexta-feira.

A produção começa quando há uma quantidade suficiente de cana cortada e é possível dispor de oito a dez trabalhadores - a cada duas semanas, para a maioria. Em alguns engenhos, a cana é colocada à mão, algumas canas de cada vez na prensa motorizada, enquanto que em outros, a energia é gerada a partir da água do rio ou por mulas presas a uma roda.

Um operário alimenta o forno voraz com pilhas de fibra de cana. Outro separa uma espécie de polpa de madeira que puxa as impurezas para a superfície do caldo. Os que cuidam do xarope retiram a espuma superficial do caldo com conchas gigantescas passando o líquido fumegando de um tacho para outro até que ele se torna um caramelo espesso quebradiço. Não há monitores do Brix para mostrar quando está pronta - alguém simplesmente enfia um pau no tacho e o mergulha em água fria, ou então usa a própria mão molhada.Queimaduras e outros acidentes são comuns.

“Felizmente, estão rareando,” disseÁlvaro Quintero, 34, produtor da cidade de Versalles. O engenho da sua família tem o nome do avô, Don Manuel, e embora seja uma operação tradicional sem um especialista em alimentação, adotou algumas melhorias modernas. A seção de empacotamento é higienizada, onde máscaras e luvas são obrigatórias, e as superfícies de aço e cobre escovadas. Concluída a operação, a panela é carregada em um jipe 1967 para vendê-la na cidade vizinha.

Quintero, que representa a federação de produtores da rapadura na região, acredita que as patentes de González podem ameaçar tanto os pequenos produtores quanto os grandes - particularmente se uma patente é aprovada na Colômbia, onde atualmente tramita um pedido na agência emissora. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

VALLE DEL CAUCA, Colômbia - Em abril do ano passado, Jorge González Ulloa, acionista de uma das maiores companhias açucareiras da Colômbia, recebeu a patente americana No. 10.632.167, que descrevia um método para a produção de um açúcar não refinado que contém um elevado teor de policosanóis, álcoois encontrados na cana de açúcar que supostamente reduzem o colesterol.

O método, afirmava a patente de González, resultaria em “um produto consumível que reduz o nível do colesterol e seria de tão baixo custo que seria acessível a todos, particularmente as milhões de pessoas que atualmente não dispõem dos meios para adquirir os medicamentos farmacêuticos atuais”.

Piloncillo é como é conhecida esta panela em forma de cone. Foto: Federico Rios/The New York Times

González agora pediu patentes semelhantes na Colômbia, Equador, Nicarágua, Costa Rica, Cuba, China, Austrália e a União Europeia, e criou a marca, Policane.

Mas os colombianos olham com suspeita o processo de produção do Policane. Ele não se distingue da um tipo de rapadura, que na Colômbia é conhecida como panela, um adoçante feito no país desde a chegada dos conquistadores. Ao contrário do que os americanos conhecem como açúcar mascavo, açúcar refinado com melaço misturado com ele, a panela é feita tradicionalmente com o caldo de cana fresco fervido em recipientes de metal colocados sobre um forno alimentado com o bagaço da cana prensada. O resultado é um açúcar sólido com um sabor sutil de melado caramelado e um ligeiro sabor residual de metal. Sua cor varia do amarelado a um marrom, como café escuro.

Equivalentes da panela colombiana podem se encontrados em toda a América Latina e na Ásia sob diferentes nomes. Mas os colombianos o consomem em quantidades maiores do que qualquer outro povo: cerca de 450 gramas por pessoa por semana, segundo a Fedepanela, a federação nacional de produtores de rapadura da Colômbia. Por alguns centavos por uma xícara, a “agua panela” - a rapadura dissolvida em água quente - é uma fonte essencial de calorias para quem faz trabalhos pesados, principalmente no interior. Os trabalhadores braçais o tomam de manhã e à noite. As criancinhas são alimentadas com leite adoçado com a rapadura, e os enfermos o bebem com limão e gengibre.

Ultimamente, a pandemia de coronavírus provocou um aumento do consumo, por causa de suas propriedades saudáveis -a rapadura, como destacam os seus produtores, contém traços de minerais e vitaminas, não encontrados no açúcar refinado. Os dois produtos são tão diferentes na mente dos colombianos que são vendidos em diferentes corredores do supermercado. E a panela é tão importante na economia rural da Colômbia que os quase 20 mil produtores, chamados ‘trapiches’, são protegidos por lei das intrusões de companhias açucareiras, que não têm permissão para produzi-la.

Patentear um produto básico tão humilde como a panela causou espanto entre os colombianos que consideram isto um absurdo, seria como patentear o café com leite. A notícia da “patente da panela” causou tamanho barulho nos últimos meses, que a Riopaila Castilla, uma companhia açucareira sediada em Cali, que até pouco tempo atrás tinha González em seu conselho de direção, emitiu declarações distanciando-se desta iniciativa. A Fedepanela respondeu com uma agressiva resposta legal, na esperança de impedir que as patentes de González sejam aprovadas na Colômbia e no exterior, e revogar todas as que tenham sido emitidas nos Estados Unidos.

Trabalhador marca panelas artesanais com as iniciais do dono do engenho. Foto: Federico Rios/The New York Times

Os produtores de panela trabalharam muito para apresentar o seu produto como mais saudável do que o açúcar refinado, talvez preparando o terreno para alguém como González batizá-lo como “nutraceutico”. Mas para eles, os policosanóis são uma farsa - o objetivo é patentear toda a panela.

González, que não respondeu aos pedidos de entrevista, tem evitado toda a imprensa depois de declarar a um jornal de Cali que ele inventou “o adoçante mais saudável do mundo, e o mais barato”. A produção é iminente, insistiu, mas não deu nenhuma explicação de quem a faria ou onde.

Doce sucesso

A cana de açúcar começou a ser plantada na Colômbia há cerca de 500 anos nas amplas margens rasas do Rio Cauca, onde encontra-se Cali hoje. Atualmente, a região ainda é a maior produtora de açúcar do país, onde a cana cresce com grande abundância sob muito sol, sem muita ajuda externa. A maior parte dela vai para usinas gigantescas onde o açúcar é centrifugado e cristalizado. O resto vai para a produção da rapadura.

Aqui muitos engenhos são industrializados, embora o processo seja efetivamente o mesmo do século 16. A cana é cortada à mão com facões, e prensada até obter um caldo verde denso que é filtrado e fervido, enquanto a fibra serve como combustível. O xarope grosso é despejado em tachos e mexido continuamente enquanto esfria, tornando-se uma pasta que é despejada em formas por um ‘pesador’, a pessoa que sabe por intuição quanto pesa cada tacho.

“Um bom pesador é raro”, disse Ricardo Bueno, o diretor de produção do engenho La Alsacia, em Taluá, ao norte de Cali. “Nós não conseguimos incorporar a tecnologia”.

Em uma visita pouco tempo atrás, os funcionários em uniformes de laboratório, redes nos cabelos, monitoravam os níveis de Brix - a quantidade de sólidos dissolvidos em um líquido, no caso equivalente a doçura - enquanto o caldo evapora em tanques de aço, espalhando no ar aroma de caramelo. Os especialistas em alimentação analisam amostras da cana antes de dar a aprovação para a colheita, mas muitas vezes precisam fazer ajustes no caldo, acrescentando ao seu pH hidróxido de cálcio e monitorando as variações na proporção de sacarose, frutose e glucose, que influem na cor da rapadura.

Tudo isto para garantir que o produto final, destinado às cadeias de supermercados, apresente o aspecto e o gosto de sempre - e não contenha lascas ou outras surpresas indesejadas que podem ocorrer em versões mais rústicas.

Pilha de bagaço no engenho Don Manuel, na Colômbia. Foto: Federico Rios/The New York Times

Uma doce tradição

Nas montanhas da Cordilheira Ocidental da Colômbia, a oeste do Vale do Rio Cauca, os pequenos engenhos começam a prensar e ferver o caldo de cana antes do alvorecer, em geral em uma quinta ou sexta-feira.

A produção começa quando há uma quantidade suficiente de cana cortada e é possível dispor de oito a dez trabalhadores - a cada duas semanas, para a maioria. Em alguns engenhos, a cana é colocada à mão, algumas canas de cada vez na prensa motorizada, enquanto que em outros, a energia é gerada a partir da água do rio ou por mulas presas a uma roda.

Um operário alimenta o forno voraz com pilhas de fibra de cana. Outro separa uma espécie de polpa de madeira que puxa as impurezas para a superfície do caldo. Os que cuidam do xarope retiram a espuma superficial do caldo com conchas gigantescas passando o líquido fumegando de um tacho para outro até que ele se torna um caramelo espesso quebradiço. Não há monitores do Brix para mostrar quando está pronta - alguém simplesmente enfia um pau no tacho e o mergulha em água fria, ou então usa a própria mão molhada.Queimaduras e outros acidentes são comuns.

“Felizmente, estão rareando,” disseÁlvaro Quintero, 34, produtor da cidade de Versalles. O engenho da sua família tem o nome do avô, Don Manuel, e embora seja uma operação tradicional sem um especialista em alimentação, adotou algumas melhorias modernas. A seção de empacotamento é higienizada, onde máscaras e luvas são obrigatórias, e as superfícies de aço e cobre escovadas. Concluída a operação, a panela é carregada em um jipe 1967 para vendê-la na cidade vizinha.

Quintero, que representa a federação de produtores da rapadura na região, acredita que as patentes de González podem ameaçar tanto os pequenos produtores quanto os grandes - particularmente se uma patente é aprovada na Colômbia, onde atualmente tramita um pedido na agência emissora. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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