Como é ser jovem na Ucrânia: ucranianos contam suas experiências em um país marcado pela guerra


Seis jovens contam como suas rotinas se transformaram (ou não) durante a invasão russa ao país, que já dura mais de um ano

Por Matthew Mpoke Bigg e Laetitia Vancon

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os primeiros anos da vida adulta são geralmente associados à ampliação de horizontes. É o momento de fazer amigos, viver aventuras e dar os primeiros passos rumo à independência no trabalho, nos estudos e no amor. Para muitos jovens ucranianos, no entanto, a guerra com a Rússia subverteu essa realidade, substituindo-a por perigo e morte, depressão e deslocamento.

Nestas entrevistas, seis jovens que vivem na capital ucraniana, Kiev, e nos arredores compartilham suas experiências sobre os desafios de transitar para a vida adulta durante um período marcado pelo conflito. Alguns viram e sentiram de perto o custo da guerra. Outros descrevem seu cotidiano como banal. Mas todos concordam que o conflito alterou permanentemente o curso do que deveriam ser seus anos formativos como adultos.

Guerra na Ucrânia: entenda a invasão russa e veja como está a situação do país

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'Estou com meus filhos 24 horas por dia, 7 dias por semana e tenho que administrar tudo. Eu estou tão cansado. Eu sonho com a vitória.' Maryna Bodnar, 24 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Maryna Bodnar cresceu na cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, e descreve sua adolescência como uma fase ousada e ávida por emoções e aventuras. Ela conheceu Vitalik em um site de relacionamentos. Apaixonaram-se e tiveram dois filhos.

Embora o casamento estivesse nos planos de Maryna e Vitalik, decidiram que poderiam adiá-lo. “Não sentíamos necessidade disso. Estávamos satisfeitos como pais de duas crianças”, comentou ela. Sua prioridade era criar os filhos, construir uma casa e conhecer o mundo.

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Mas Vitalik era um soldado. Ingressara nas forças armadas em 2014, quando as tropas russas anexaram a Crimeia e tomaram territórios no leste da Ucrânia. Quando a Rússia lançou uma nova ofensiva em fevereiro de 2022, Vitalik foi enviado para Mariupol. Sua morte ali, um mês depois do início da luta pelo controle da cidade, destruiu os sonhos do casal. Além disso, Maryna se viu sozinha na missão de criar seus filhos, Matviy, agora com três anos, e Gennady, de dois.

Ela mora com as crianças em um apartamento na cidade natal de Vitalik, Chernihiv, cerca de 130 quilômetros a nordeste de Kiev. Lá, as crianças ficam perto dos avós, enquanto ela administra uma loja que vende velas: literalmente, trazendo um pouco de luz à sua escuridão.

Suas emoções oscilam entre o luto e a fé de que um dia haverá um futuro melhor. “Não me sinto forte, mas estou buscando forças para continuar”, disse ela.

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'Uma parte da minha juventude e da minha facilidade foram roubadas.' Emília Devoe, 18 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Emilia e Denys se conheceram em uma festa de aniversário em Kiev. O resultado desse encontro foi o primeiro relacionamento sério de ambos, período repleto de entusiasmo e possibilidades. Foi então que as bombas começaram a cair e tudo mudou.

Quando as tropas de Moscou avançaram sobre Kiev nas primeiras semanas da guerra, milhões de ucranianos se viram forçados a fugir. Emilia escapou com sua família para a Holanda, com a intenção de continuar seus estudos lá. Mas, por ser um homem adulto, Denys foi proibido de deixar a Ucrânia. “Tive de deixar tudo para trás, meu amor, meus amigos”, disse Emilia.

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A separação foi devastadora. Sentindo falta de Denys, ela se percebeu incapaz de se concentrar totalmente em uma nova vida. Assim, quatro meses depois de sua partida, ela retornou a Kiev. Agora, ela e Denys estão construindo uma vida juntos, em sua antiga casa. A música e a composição desempenham um papel significativo em sua nova convivência, preenchendo os intervalos entre os estudos dela e o trabalho dele. “Aprendi a valorizar as coisas simples”, contou ela.

No entanto, a sombra da guerra permanece implacável, obrigando-os a assumir responsabilidades de adultos muito antes do previsto. Ela admite que, no início, estava com medo de voltar à Ucrânia, mas acabou acolhendo sua independência. “Uma parte da minha juventude e da minha leveza foi roubada. Não tive tempo de processar tudo que aconteceu.”

'Acredito firmemente que haverá um ponto de ruptura nesta guerra, principalmente por nossa causa, por causa dos jovens que não perdem a fé e a força.' Katerina Plechystova, 25 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times
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Por mais de um ano, a vida de Kateryna Plechystova foi definida por uma ausência.

O Batalhão Azov da Ucrânia liderou a defesa de Mariupol, e seu marido, Oleh Krisenko, foi um de seus combatentes. Em maio, no ato final da batalha pela cidade devastada, as forças russas cercaram os combatentes ucranianos encurralados em búnqueres subterrâneos na siderúrgica Azovstal. Quando o cerco finalmente cedeu, Oleh e centenas de outros foram forçados a se render como prisioneiros de guerra.

Seu cativeiro se tornou uma causa internacional. Kateryna se engajou na campanha pela libertação deles como parte da Associação das Famílias dos Defensores de Azovstal. “Passei a compreender o significado de ser um ‘amigo na adversidade’”, observou ela. Ao mesmo tempo, viveu meses de incerteza, o que a levou à ansiedade e à depressão.

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Então, em um dia de maio, recebeu uma ligação do exército. Oleh estava sendo libertado em uma troca de prisioneiros. No dia seguinte, ele voltou a viver com ela.

Ela temia não o reconhecer. Ele chegou em um ônibus com outros ex-prisioneiros, magro e marcado pelos abusos sofridos na detenção. Mas estava de volta ao lar.

O casal tentou restabelecer sua vida anterior. Mas os desafios - emocionais, físicos, mentais - às vezes tornam complicado para ambos saber como reagir, como se comportar, como viver. Nos meses em que seu marido estava desaparecido, o trabalho de Kateryna como fisioterapeuta se tornou um conforto e uma tábua de salvação. Ela ainda se apoia nele. “Curar as pessoas me ajuda a me curar”, disse ela.

'Por causa da amarga experiência do ano passado, há um pouco de desespero.' Ruslan Kushka, 23 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Nos anos em que seus sonhos ainda pareciam viáveis, Ruslan Kushka decidiu estudar química na República Tcheca. Era uma ambição pouco comum, mas não totalmente inusitada. Para alcançar esse objetivo, ele estudou muito, e até começou a aprender tcheco. Quando chegou a hora, conquistou uma vaga em uma universidade de Praga.

Aceitar essa vaga agora se tornou impossível. Em meio a uma emergência nacional, uma oportunidade perdida de estudar no exterior pode parecer trivial e dificilmente digna de queixa, já que homens da sua idade estão morrendo aos milhares.

Mas, para Ruslan, o sonho frustrado não era uma mera abstração: era seu sonho. Agora, preso na lacuna entre a decepção e o dever, ele tem enfrentado a depressão, bem como a confusão e a apatia.

No outono setentrional passado, sua nova trajetória o levou a Bucha, nos arredores de Kiev, onde começou a trabalhar em uma farmácia na última primavera. Ruslan passou a guardar dinheiro para comprar um microscópio e se exercitar em uma academia três vezes por semana. “Preciso continuar”, disse ele na época.

Meses depois, a República Tcheca continuava sendo apenas um sonho. Sua batalha pela saúde mental persistia. Suas reflexões se tornaram amargas. “São os velhos que começam as guerras, mas os jovens é que sofrem com elas”, lamentou.

'Sempre tive essa força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.' Oleksandr 'Teren' Budko, 27 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na adolescência, Oleksandr Budko lia relatos sobre os heroicos combatentes da história da Ucrânia. Essas narrativas alimentaram seu patriotismo e o inspiraram a desejar servir seu país em batalha. No primeiro dia da invasão russa no ano passado, Oleksandr, conhecido como Teren, alistou-se no exército. Depois de passar pelo treinamento inicial e pelo serviço na defesa de Kiev, foi designado para participar de uma campanha de recuperação de território na região nordeste de Kharkiv.

Ele estava vivendo seu sonho, mas tudo mudou em um instante, quando um projétil caiu perto dele e lhe decepou a parte inferior das pernas. “Senti emoções ambíguas. A dor, o pânico e o medo. E, ao mesmo tempo, não entendia como aquilo tinha acontecido. O cérebro se recusa a acreditar”, disse ele sobre sua reação inicial.

Depois de um período extenso de internação hospitalar e reabilitação, ele agora está se ajustando à sua nova realidade. “Comecei a encarar minha condição não como uma limitação, mas como uma chance.”

Continua apaixonado por esportes, incluindo levantamento de peso, e em setembro representou a Ucrânia nos Jogos Invictus. Paralelamente, está escrevendo um livro de memórias, intitulado “História de um Homem Teimoso”, e expandindo sua presença nas redes sociais. Estas se tornaram ferramentas para não apenas promover uma mentalidade positiva, mas também advogar pela reforma dos serviços de apoio aos soldados feridos prestados pelo exército. Em muitos aspectos, ele enxerga essa missão como sua nova missão. “Sempre tive uma força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.”

“Para entrar no exército, escrevemos um relatório: 'Por favor, envie-nos para a linha de frente, para a primeira linha, para a primeira linha de frente.'” Mykhailo Panchyshyn, 25 anos (à esquerda) Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Por definição, a guerra representa o pior momento de todos. Mesmo assim, a intensidade do conflito atrai algumas pessoas, dando a elas um senso de direção. Mykhailo Panchyshyn buscava isso avidamente: “Minha existência não me satisfazia. Eu não conseguia vislumbrar um sentido, um propósito claro.”

Cinco anos antes, ele estava no auge, recém-coroado vencedor da versão ucraniana do reality show musical “X Factor”. A fama e a fortuna o aguardavam. Mas o mundo da música, que o catapultou, logo o trouxe de volta à realidade. Ele aspirava ser um astro do rock, mas a indústria musical o via como um popstar. À primeira vista, essa distinção pode parecer ínfima, mas, para um artista sensível lançado aos olhos do público, foi um dilema existencial. Desiludido e desencorajado, Mykhailo deixou a música totalmente de lado. Poucos dias depois do início da invasão russa, juntou-se à defesa territorial. A guerra, estranhamente, revelou-se como um caminho a seguir, e então ele mergulhou nela.

Entretanto, insatisfeito com a falta de ação, ele e dois amigos resolveram ingressar nas fileiras do exército em busca de posições mais próximas ao front de batalha. Imploraram que fossem enviados para a linha de frente, e seu pedido foi atendido. Mas o serviço em Bakhmut cobrou seu preço: depois de inúmeros dias de intensos bombardeios, ele e seus companheiros sofreram graves concussões, e acabaram sendo dispensados. Mas a guerra havia transformado Mykhailo e restaurado sua paixão pela música.

Nas trincheiras, retomou a composição de letras de música e se apresentou para soldados feridos em hospitais, angariando fundos para apoiar as forças armadas “A guerra remodelou meu futuro, ampliando minha compreensão e minha perspectiva da vida. Parece que antes eu estava à deriva, sem um propósito claro.” Atualmente, encara sua notoriedade, que antes considerava um fardo, como uma vantagem.

“Nossa geração estava em busca de uma direção e um propósito para a vida, e a guerra nos proporcionou um impulso significativo. Foi assim que nossa geração foi para a guerra e amadureceu.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os primeiros anos da vida adulta são geralmente associados à ampliação de horizontes. É o momento de fazer amigos, viver aventuras e dar os primeiros passos rumo à independência no trabalho, nos estudos e no amor. Para muitos jovens ucranianos, no entanto, a guerra com a Rússia subverteu essa realidade, substituindo-a por perigo e morte, depressão e deslocamento.

Nestas entrevistas, seis jovens que vivem na capital ucraniana, Kiev, e nos arredores compartilham suas experiências sobre os desafios de transitar para a vida adulta durante um período marcado pelo conflito. Alguns viram e sentiram de perto o custo da guerra. Outros descrevem seu cotidiano como banal. Mas todos concordam que o conflito alterou permanentemente o curso do que deveriam ser seus anos formativos como adultos.

Guerra na Ucrânia: entenda a invasão russa e veja como está a situação do país

'Estou com meus filhos 24 horas por dia, 7 dias por semana e tenho que administrar tudo. Eu estou tão cansado. Eu sonho com a vitória.' Maryna Bodnar, 24 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Maryna Bodnar cresceu na cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, e descreve sua adolescência como uma fase ousada e ávida por emoções e aventuras. Ela conheceu Vitalik em um site de relacionamentos. Apaixonaram-se e tiveram dois filhos.

Embora o casamento estivesse nos planos de Maryna e Vitalik, decidiram que poderiam adiá-lo. “Não sentíamos necessidade disso. Estávamos satisfeitos como pais de duas crianças”, comentou ela. Sua prioridade era criar os filhos, construir uma casa e conhecer o mundo.

Mas Vitalik era um soldado. Ingressara nas forças armadas em 2014, quando as tropas russas anexaram a Crimeia e tomaram territórios no leste da Ucrânia. Quando a Rússia lançou uma nova ofensiva em fevereiro de 2022, Vitalik foi enviado para Mariupol. Sua morte ali, um mês depois do início da luta pelo controle da cidade, destruiu os sonhos do casal. Além disso, Maryna se viu sozinha na missão de criar seus filhos, Matviy, agora com três anos, e Gennady, de dois.

Ela mora com as crianças em um apartamento na cidade natal de Vitalik, Chernihiv, cerca de 130 quilômetros a nordeste de Kiev. Lá, as crianças ficam perto dos avós, enquanto ela administra uma loja que vende velas: literalmente, trazendo um pouco de luz à sua escuridão.

Suas emoções oscilam entre o luto e a fé de que um dia haverá um futuro melhor. “Não me sinto forte, mas estou buscando forças para continuar”, disse ela.

'Uma parte da minha juventude e da minha facilidade foram roubadas.' Emília Devoe, 18 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Emilia e Denys se conheceram em uma festa de aniversário em Kiev. O resultado desse encontro foi o primeiro relacionamento sério de ambos, período repleto de entusiasmo e possibilidades. Foi então que as bombas começaram a cair e tudo mudou.

Quando as tropas de Moscou avançaram sobre Kiev nas primeiras semanas da guerra, milhões de ucranianos se viram forçados a fugir. Emilia escapou com sua família para a Holanda, com a intenção de continuar seus estudos lá. Mas, por ser um homem adulto, Denys foi proibido de deixar a Ucrânia. “Tive de deixar tudo para trás, meu amor, meus amigos”, disse Emilia.

A separação foi devastadora. Sentindo falta de Denys, ela se percebeu incapaz de se concentrar totalmente em uma nova vida. Assim, quatro meses depois de sua partida, ela retornou a Kiev. Agora, ela e Denys estão construindo uma vida juntos, em sua antiga casa. A música e a composição desempenham um papel significativo em sua nova convivência, preenchendo os intervalos entre os estudos dela e o trabalho dele. “Aprendi a valorizar as coisas simples”, contou ela.

No entanto, a sombra da guerra permanece implacável, obrigando-os a assumir responsabilidades de adultos muito antes do previsto. Ela admite que, no início, estava com medo de voltar à Ucrânia, mas acabou acolhendo sua independência. “Uma parte da minha juventude e da minha leveza foi roubada. Não tive tempo de processar tudo que aconteceu.”

'Acredito firmemente que haverá um ponto de ruptura nesta guerra, principalmente por nossa causa, por causa dos jovens que não perdem a fé e a força.' Katerina Plechystova, 25 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Por mais de um ano, a vida de Kateryna Plechystova foi definida por uma ausência.

O Batalhão Azov da Ucrânia liderou a defesa de Mariupol, e seu marido, Oleh Krisenko, foi um de seus combatentes. Em maio, no ato final da batalha pela cidade devastada, as forças russas cercaram os combatentes ucranianos encurralados em búnqueres subterrâneos na siderúrgica Azovstal. Quando o cerco finalmente cedeu, Oleh e centenas de outros foram forçados a se render como prisioneiros de guerra.

Seu cativeiro se tornou uma causa internacional. Kateryna se engajou na campanha pela libertação deles como parte da Associação das Famílias dos Defensores de Azovstal. “Passei a compreender o significado de ser um ‘amigo na adversidade’”, observou ela. Ao mesmo tempo, viveu meses de incerteza, o que a levou à ansiedade e à depressão.

Então, em um dia de maio, recebeu uma ligação do exército. Oleh estava sendo libertado em uma troca de prisioneiros. No dia seguinte, ele voltou a viver com ela.

Ela temia não o reconhecer. Ele chegou em um ônibus com outros ex-prisioneiros, magro e marcado pelos abusos sofridos na detenção. Mas estava de volta ao lar.

O casal tentou restabelecer sua vida anterior. Mas os desafios - emocionais, físicos, mentais - às vezes tornam complicado para ambos saber como reagir, como se comportar, como viver. Nos meses em que seu marido estava desaparecido, o trabalho de Kateryna como fisioterapeuta se tornou um conforto e uma tábua de salvação. Ela ainda se apoia nele. “Curar as pessoas me ajuda a me curar”, disse ela.

'Por causa da amarga experiência do ano passado, há um pouco de desespero.' Ruslan Kushka, 23 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Nos anos em que seus sonhos ainda pareciam viáveis, Ruslan Kushka decidiu estudar química na República Tcheca. Era uma ambição pouco comum, mas não totalmente inusitada. Para alcançar esse objetivo, ele estudou muito, e até começou a aprender tcheco. Quando chegou a hora, conquistou uma vaga em uma universidade de Praga.

Aceitar essa vaga agora se tornou impossível. Em meio a uma emergência nacional, uma oportunidade perdida de estudar no exterior pode parecer trivial e dificilmente digna de queixa, já que homens da sua idade estão morrendo aos milhares.

Mas, para Ruslan, o sonho frustrado não era uma mera abstração: era seu sonho. Agora, preso na lacuna entre a decepção e o dever, ele tem enfrentado a depressão, bem como a confusão e a apatia.

No outono setentrional passado, sua nova trajetória o levou a Bucha, nos arredores de Kiev, onde começou a trabalhar em uma farmácia na última primavera. Ruslan passou a guardar dinheiro para comprar um microscópio e se exercitar em uma academia três vezes por semana. “Preciso continuar”, disse ele na época.

Meses depois, a República Tcheca continuava sendo apenas um sonho. Sua batalha pela saúde mental persistia. Suas reflexões se tornaram amargas. “São os velhos que começam as guerras, mas os jovens é que sofrem com elas”, lamentou.

'Sempre tive essa força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.' Oleksandr 'Teren' Budko, 27 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na adolescência, Oleksandr Budko lia relatos sobre os heroicos combatentes da história da Ucrânia. Essas narrativas alimentaram seu patriotismo e o inspiraram a desejar servir seu país em batalha. No primeiro dia da invasão russa no ano passado, Oleksandr, conhecido como Teren, alistou-se no exército. Depois de passar pelo treinamento inicial e pelo serviço na defesa de Kiev, foi designado para participar de uma campanha de recuperação de território na região nordeste de Kharkiv.

Ele estava vivendo seu sonho, mas tudo mudou em um instante, quando um projétil caiu perto dele e lhe decepou a parte inferior das pernas. “Senti emoções ambíguas. A dor, o pânico e o medo. E, ao mesmo tempo, não entendia como aquilo tinha acontecido. O cérebro se recusa a acreditar”, disse ele sobre sua reação inicial.

Depois de um período extenso de internação hospitalar e reabilitação, ele agora está se ajustando à sua nova realidade. “Comecei a encarar minha condição não como uma limitação, mas como uma chance.”

Continua apaixonado por esportes, incluindo levantamento de peso, e em setembro representou a Ucrânia nos Jogos Invictus. Paralelamente, está escrevendo um livro de memórias, intitulado “História de um Homem Teimoso”, e expandindo sua presença nas redes sociais. Estas se tornaram ferramentas para não apenas promover uma mentalidade positiva, mas também advogar pela reforma dos serviços de apoio aos soldados feridos prestados pelo exército. Em muitos aspectos, ele enxerga essa missão como sua nova missão. “Sempre tive uma força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.”

“Para entrar no exército, escrevemos um relatório: 'Por favor, envie-nos para a linha de frente, para a primeira linha, para a primeira linha de frente.'” Mykhailo Panchyshyn, 25 anos (à esquerda) Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Por definição, a guerra representa o pior momento de todos. Mesmo assim, a intensidade do conflito atrai algumas pessoas, dando a elas um senso de direção. Mykhailo Panchyshyn buscava isso avidamente: “Minha existência não me satisfazia. Eu não conseguia vislumbrar um sentido, um propósito claro.”

Cinco anos antes, ele estava no auge, recém-coroado vencedor da versão ucraniana do reality show musical “X Factor”. A fama e a fortuna o aguardavam. Mas o mundo da música, que o catapultou, logo o trouxe de volta à realidade. Ele aspirava ser um astro do rock, mas a indústria musical o via como um popstar. À primeira vista, essa distinção pode parecer ínfima, mas, para um artista sensível lançado aos olhos do público, foi um dilema existencial. Desiludido e desencorajado, Mykhailo deixou a música totalmente de lado. Poucos dias depois do início da invasão russa, juntou-se à defesa territorial. A guerra, estranhamente, revelou-se como um caminho a seguir, e então ele mergulhou nela.

Entretanto, insatisfeito com a falta de ação, ele e dois amigos resolveram ingressar nas fileiras do exército em busca de posições mais próximas ao front de batalha. Imploraram que fossem enviados para a linha de frente, e seu pedido foi atendido. Mas o serviço em Bakhmut cobrou seu preço: depois de inúmeros dias de intensos bombardeios, ele e seus companheiros sofreram graves concussões, e acabaram sendo dispensados. Mas a guerra havia transformado Mykhailo e restaurado sua paixão pela música.

Nas trincheiras, retomou a composição de letras de música e se apresentou para soldados feridos em hospitais, angariando fundos para apoiar as forças armadas “A guerra remodelou meu futuro, ampliando minha compreensão e minha perspectiva da vida. Parece que antes eu estava à deriva, sem um propósito claro.” Atualmente, encara sua notoriedade, que antes considerava um fardo, como uma vantagem.

“Nossa geração estava em busca de uma direção e um propósito para a vida, e a guerra nos proporcionou um impulso significativo. Foi assim que nossa geração foi para a guerra e amadureceu.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os primeiros anos da vida adulta são geralmente associados à ampliação de horizontes. É o momento de fazer amigos, viver aventuras e dar os primeiros passos rumo à independência no trabalho, nos estudos e no amor. Para muitos jovens ucranianos, no entanto, a guerra com a Rússia subverteu essa realidade, substituindo-a por perigo e morte, depressão e deslocamento.

Nestas entrevistas, seis jovens que vivem na capital ucraniana, Kiev, e nos arredores compartilham suas experiências sobre os desafios de transitar para a vida adulta durante um período marcado pelo conflito. Alguns viram e sentiram de perto o custo da guerra. Outros descrevem seu cotidiano como banal. Mas todos concordam que o conflito alterou permanentemente o curso do que deveriam ser seus anos formativos como adultos.

Guerra na Ucrânia: entenda a invasão russa e veja como está a situação do país

'Estou com meus filhos 24 horas por dia, 7 dias por semana e tenho que administrar tudo. Eu estou tão cansado. Eu sonho com a vitória.' Maryna Bodnar, 24 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Maryna Bodnar cresceu na cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, e descreve sua adolescência como uma fase ousada e ávida por emoções e aventuras. Ela conheceu Vitalik em um site de relacionamentos. Apaixonaram-se e tiveram dois filhos.

Embora o casamento estivesse nos planos de Maryna e Vitalik, decidiram que poderiam adiá-lo. “Não sentíamos necessidade disso. Estávamos satisfeitos como pais de duas crianças”, comentou ela. Sua prioridade era criar os filhos, construir uma casa e conhecer o mundo.

Mas Vitalik era um soldado. Ingressara nas forças armadas em 2014, quando as tropas russas anexaram a Crimeia e tomaram territórios no leste da Ucrânia. Quando a Rússia lançou uma nova ofensiva em fevereiro de 2022, Vitalik foi enviado para Mariupol. Sua morte ali, um mês depois do início da luta pelo controle da cidade, destruiu os sonhos do casal. Além disso, Maryna se viu sozinha na missão de criar seus filhos, Matviy, agora com três anos, e Gennady, de dois.

Ela mora com as crianças em um apartamento na cidade natal de Vitalik, Chernihiv, cerca de 130 quilômetros a nordeste de Kiev. Lá, as crianças ficam perto dos avós, enquanto ela administra uma loja que vende velas: literalmente, trazendo um pouco de luz à sua escuridão.

Suas emoções oscilam entre o luto e a fé de que um dia haverá um futuro melhor. “Não me sinto forte, mas estou buscando forças para continuar”, disse ela.

'Uma parte da minha juventude e da minha facilidade foram roubadas.' Emília Devoe, 18 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Emilia e Denys se conheceram em uma festa de aniversário em Kiev. O resultado desse encontro foi o primeiro relacionamento sério de ambos, período repleto de entusiasmo e possibilidades. Foi então que as bombas começaram a cair e tudo mudou.

Quando as tropas de Moscou avançaram sobre Kiev nas primeiras semanas da guerra, milhões de ucranianos se viram forçados a fugir. Emilia escapou com sua família para a Holanda, com a intenção de continuar seus estudos lá. Mas, por ser um homem adulto, Denys foi proibido de deixar a Ucrânia. “Tive de deixar tudo para trás, meu amor, meus amigos”, disse Emilia.

A separação foi devastadora. Sentindo falta de Denys, ela se percebeu incapaz de se concentrar totalmente em uma nova vida. Assim, quatro meses depois de sua partida, ela retornou a Kiev. Agora, ela e Denys estão construindo uma vida juntos, em sua antiga casa. A música e a composição desempenham um papel significativo em sua nova convivência, preenchendo os intervalos entre os estudos dela e o trabalho dele. “Aprendi a valorizar as coisas simples”, contou ela.

No entanto, a sombra da guerra permanece implacável, obrigando-os a assumir responsabilidades de adultos muito antes do previsto. Ela admite que, no início, estava com medo de voltar à Ucrânia, mas acabou acolhendo sua independência. “Uma parte da minha juventude e da minha leveza foi roubada. Não tive tempo de processar tudo que aconteceu.”

'Acredito firmemente que haverá um ponto de ruptura nesta guerra, principalmente por nossa causa, por causa dos jovens que não perdem a fé e a força.' Katerina Plechystova, 25 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Por mais de um ano, a vida de Kateryna Plechystova foi definida por uma ausência.

O Batalhão Azov da Ucrânia liderou a defesa de Mariupol, e seu marido, Oleh Krisenko, foi um de seus combatentes. Em maio, no ato final da batalha pela cidade devastada, as forças russas cercaram os combatentes ucranianos encurralados em búnqueres subterrâneos na siderúrgica Azovstal. Quando o cerco finalmente cedeu, Oleh e centenas de outros foram forçados a se render como prisioneiros de guerra.

Seu cativeiro se tornou uma causa internacional. Kateryna se engajou na campanha pela libertação deles como parte da Associação das Famílias dos Defensores de Azovstal. “Passei a compreender o significado de ser um ‘amigo na adversidade’”, observou ela. Ao mesmo tempo, viveu meses de incerteza, o que a levou à ansiedade e à depressão.

Então, em um dia de maio, recebeu uma ligação do exército. Oleh estava sendo libertado em uma troca de prisioneiros. No dia seguinte, ele voltou a viver com ela.

Ela temia não o reconhecer. Ele chegou em um ônibus com outros ex-prisioneiros, magro e marcado pelos abusos sofridos na detenção. Mas estava de volta ao lar.

O casal tentou restabelecer sua vida anterior. Mas os desafios - emocionais, físicos, mentais - às vezes tornam complicado para ambos saber como reagir, como se comportar, como viver. Nos meses em que seu marido estava desaparecido, o trabalho de Kateryna como fisioterapeuta se tornou um conforto e uma tábua de salvação. Ela ainda se apoia nele. “Curar as pessoas me ajuda a me curar”, disse ela.

'Por causa da amarga experiência do ano passado, há um pouco de desespero.' Ruslan Kushka, 23 anos Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Nos anos em que seus sonhos ainda pareciam viáveis, Ruslan Kushka decidiu estudar química na República Tcheca. Era uma ambição pouco comum, mas não totalmente inusitada. Para alcançar esse objetivo, ele estudou muito, e até começou a aprender tcheco. Quando chegou a hora, conquistou uma vaga em uma universidade de Praga.

Aceitar essa vaga agora se tornou impossível. Em meio a uma emergência nacional, uma oportunidade perdida de estudar no exterior pode parecer trivial e dificilmente digna de queixa, já que homens da sua idade estão morrendo aos milhares.

Mas, para Ruslan, o sonho frustrado não era uma mera abstração: era seu sonho. Agora, preso na lacuna entre a decepção e o dever, ele tem enfrentado a depressão, bem como a confusão e a apatia.

No outono setentrional passado, sua nova trajetória o levou a Bucha, nos arredores de Kiev, onde começou a trabalhar em uma farmácia na última primavera. Ruslan passou a guardar dinheiro para comprar um microscópio e se exercitar em uma academia três vezes por semana. “Preciso continuar”, disse ele na época.

Meses depois, a República Tcheca continuava sendo apenas um sonho. Sua batalha pela saúde mental persistia. Suas reflexões se tornaram amargas. “São os velhos que começam as guerras, mas os jovens é que sofrem com elas”, lamentou.

'Sempre tive essa força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.' Oleksandr 'Teren' Budko, 27 Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na adolescência, Oleksandr Budko lia relatos sobre os heroicos combatentes da história da Ucrânia. Essas narrativas alimentaram seu patriotismo e o inspiraram a desejar servir seu país em batalha. No primeiro dia da invasão russa no ano passado, Oleksandr, conhecido como Teren, alistou-se no exército. Depois de passar pelo treinamento inicial e pelo serviço na defesa de Kiev, foi designado para participar de uma campanha de recuperação de território na região nordeste de Kharkiv.

Ele estava vivendo seu sonho, mas tudo mudou em um instante, quando um projétil caiu perto dele e lhe decepou a parte inferior das pernas. “Senti emoções ambíguas. A dor, o pânico e o medo. E, ao mesmo tempo, não entendia como aquilo tinha acontecido. O cérebro se recusa a acreditar”, disse ele sobre sua reação inicial.

Depois de um período extenso de internação hospitalar e reabilitação, ele agora está se ajustando à sua nova realidade. “Comecei a encarar minha condição não como uma limitação, mas como uma chance.”

Continua apaixonado por esportes, incluindo levantamento de peso, e em setembro representou a Ucrânia nos Jogos Invictus. Paralelamente, está escrevendo um livro de memórias, intitulado “História de um Homem Teimoso”, e expandindo sua presença nas redes sociais. Estas se tornaram ferramentas para não apenas promover uma mentalidade positiva, mas também advogar pela reforma dos serviços de apoio aos soldados feridos prestados pelo exército. Em muitos aspectos, ele enxerga essa missão como sua nova missão. “Sempre tive uma força interna em mim. Sou uma pessoa determinada.”

“Para entrar no exército, escrevemos um relatório: 'Por favor, envie-nos para a linha de frente, para a primeira linha, para a primeira linha de frente.'” Mykhailo Panchyshyn, 25 anos (à esquerda) Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Por definição, a guerra representa o pior momento de todos. Mesmo assim, a intensidade do conflito atrai algumas pessoas, dando a elas um senso de direção. Mykhailo Panchyshyn buscava isso avidamente: “Minha existência não me satisfazia. Eu não conseguia vislumbrar um sentido, um propósito claro.”

Cinco anos antes, ele estava no auge, recém-coroado vencedor da versão ucraniana do reality show musical “X Factor”. A fama e a fortuna o aguardavam. Mas o mundo da música, que o catapultou, logo o trouxe de volta à realidade. Ele aspirava ser um astro do rock, mas a indústria musical o via como um popstar. À primeira vista, essa distinção pode parecer ínfima, mas, para um artista sensível lançado aos olhos do público, foi um dilema existencial. Desiludido e desencorajado, Mykhailo deixou a música totalmente de lado. Poucos dias depois do início da invasão russa, juntou-se à defesa territorial. A guerra, estranhamente, revelou-se como um caminho a seguir, e então ele mergulhou nela.

Entretanto, insatisfeito com a falta de ação, ele e dois amigos resolveram ingressar nas fileiras do exército em busca de posições mais próximas ao front de batalha. Imploraram que fossem enviados para a linha de frente, e seu pedido foi atendido. Mas o serviço em Bakhmut cobrou seu preço: depois de inúmeros dias de intensos bombardeios, ele e seus companheiros sofreram graves concussões, e acabaram sendo dispensados. Mas a guerra havia transformado Mykhailo e restaurado sua paixão pela música.

Nas trincheiras, retomou a composição de letras de música e se apresentou para soldados feridos em hospitais, angariando fundos para apoiar as forças armadas “A guerra remodelou meu futuro, ampliando minha compreensão e minha perspectiva da vida. Parece que antes eu estava à deriva, sem um propósito claro.” Atualmente, encara sua notoriedade, que antes considerava um fardo, como uma vantagem.

“Nossa geração estava em busca de uma direção e um propósito para a vida, e a guerra nos proporcionou um impulso significativo. Foi assim que nossa geração foi para a guerra e amadureceu.”

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