Análise|Como reexplorar sucessos da música do passado tem dificultado descoberta de novos artistas


O private equity está canibalizando a indústria da música ao comprar hits antigos e empurrá-los de volta para a nossa consciência cultural

Por Marc Hogan

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Você acha que já ouviu em algum lugar aquela música no seu celular, na rádio ou no cinema? O private equity – setor responsável pela falência de empresas, pela destruição de postos de trabalho e pelo aumento das taxas de mortalidade nos lares de idosos que adquire – está ganhando dinheiro ao devorar os direitos de sucessos antigos e trazê-los de volta ao nosso presente.

O resultado é uma cena musical visivelmente mais medíocre, uma vez que os financistas canibalizam o passado à custa do futuro e dificultam ainda mais o desenvolvimento de novos artistas que possam contribuir para enriquecer toda a nossa cultura.

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Veja por exemplo o sucesso de Whitney Houston de 1987, I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me), que foi comprado no final de 2022 como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com a Primary Wave, uma editora musical financiada por duas empresas de private equity.

A música recentemente voltou ao nosso hipocampo coletivo por causa de um filme sobre a cantora, intitulado, naturalmente, I Wanna Dance With Somebody, que ajudou a bombar as reproduções da música e de toda a coleção de sucessos de Houston.

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A Primary Wave – que fechou vários acordos com artistas ou seus espólios que podem incluir direitos de publicação, direitos de imagem e receitas de serviços de streaming de músicas gravadas – também ajudou a lançar uma fragrância exclusiva de Whitney Houston e um token não fungível baseado em uma gravação inédita da cantora.

Comprar os direitos de um sucesso comprovado, tirar o pó e reempacotá-lo como um filme pode causar boa impressão na conferência de acionistas, mas pouco colabora para um ecossistema musical sustentável e vibrante. Assim como os lavradores que sofrem para sobreviver ao inverno – pensando em outra indústria abalada pelo capital privado – estamos comendo a nossa semente de milho artística.

Sucesso de Whitney Houston 'I Wanna Dance With Somebody' foi comprado como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões Foto: Johanna Burai/The New York Times
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Empresas de private equity investiram bilhões de dólares na música, acreditando que seria uma fonte de rendimento crescente e confiável. Os investidores gastaram US$ 12 bilhões em direitos musicais só em 2021 – mais do que em toda a década anterior à pandemia. Embora seja mixaria para um setor com 2,59 trilhões de dólares em ativos não investidos, os veteranos da música encararam os investimentos como um sinal de confiança para uma indústria que, puxada pelo streaming, ainda se recupera de uma década e meia de resultados ruins.

O clima turbulento – combinado com a perda da receitas de turnês por causa da covid e as preocupações com aumentos de impostos – fez com que muitos artistas, como Stevie Nicks e Shakira, achassem que era boa ideia vender seus catálogos, alguns por centenas de milhões de dólares.

Quanto Wall Street vem comprando? Na próxima vez que você ouvir Firework, de Katy Perry, Can’t Stop the Feeling, de Justin Timberlake, e Born to Run, de Bruce Springsteen, no Spotify ou no Apple Music, você estará enchendo os bolsos das empresas de investimento privado Carlyle, Blackstone e Eldridge. Uma parte dos royalties de Despacito, de Luis Fonsi, vai para a Apollo. E Do Ya Think I’m Sexy, de Rod Stewart, significa mais dinheiro no caixa da HPS Investment Partners.

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Assim como os grandes estúdios de Hollywood continuam lançando filmes ligados a produtos já populares, os novos senhores da música estão explorando suas aquisições por meio da construção de universos multimídia em torno de canções, muitas das quais foram sucessos na Guerra Fria – alguns exemplos são programas de TV, cinebiografias de celebridades e até shows estrelando versões holográficas de artistas que morreram faz tempo. Enquanto a grana arrasta essas cantigas envelhecidas de volta à nossa consciência cultural, os artistas dos escalões inferiores ficam abandonados na guerra pelos restos algorítmicos – recentemente, a gigante de streaming de música Spotify cancelou pagamentos para faixas com menos de mil reproduções anuais.

A lógica sombria que fechou a rede de lojas Toys “R” Us e derrubou a marca de mídia Vice também está tomando conta da nossa música. Historicamente, os selos discográficos e as editoras musicais podiam utilizar os royalties de seus sucessos mais antigos para fazer apostas arriscadas em talentos ainda não comprovados. Mas por que “você perderia tempo tentando criar algo novo, se você tem um catálogo?”, perguntou Merck Mercuriadis, ex-empresário de Beyoncé e Elton John que fundou a Hipgnosis.

Em vez disso, os autoproclamados inovadores podem garimpar sucessos antigos e transformá-los em novos. Quase quatro anos atrás, o fundo de capital aberto Hipgnosis Songs comprou uma participação de 50% no catálogo do astro do funk Rick James, que inclui seu sucesso irresistível, Super Freak, de 1981. Para monetizar sua conquista, o Hipgnosis encontrou uma atualização levemente modernizada de Super Freak, fez Nicki Minaj montar uma equipe de compositores e voilà: em 2022, Super Freaky Girl de Minaj virou seu primeiro single no primeiro lugar das paradas que não era um lançamento em colaboração com outro artista. O Hipgnosis alardeou a vitória em seu relatório anual.

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Essa destruição criativa enfraquece ainda mais uma indústria que já oferece poucos incentivos econômicos para quem quer fazer algo novo. Na década de 1990, como escreveu recentemente na Fast Company a musicista e fundadora de selo independente Jenny Toomey, uma banda podia vender 10 mil cópias de um álbum e gerar cerca de US$ 50 mil em receita.

Para ganhar a mesma quantia em 2024, o álbum inteiro da banda precisaria acumular um milhão de reproduções em plataformas de streaming – mais ou menos o suficiente para colocar cada música entre o 1% das faixas mais populares do Spotify. As receitas da indústria musical recentemente atingiram um novo máximo, com as grandes gravadoras batendo recordes de lucros, mas os modelos das plataformas de streaming fazem com que as frações de centavos que chegam aos artistas sejam desviadas para as megaestrelas.

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Felizmente, algumas das forças macroeconômicas que nos trouxeram aquele perfume Whitney Houston (forjado a partir de um acordo entre a Primary Wave, o espólio de Houston e um perfumista) e um relógio de pulso Smokey Robinson (por meio de uma parceria com a Shinola) estão mudando. Quando as taxas de juro subiram, o frenesi desapareceu.

Em fevereiro veio a notícia de que o gigante do private equity KKR estava se retirando silenciosamente do espaço musical. Mais recentemente, o Hipgnosis Songs Fund, proprietário de Super Freak, reduziu o valor de seu portfólio musical em mais de um quarto depois de uma revolta dos acionistas. Acordos há muito esperados para a venda dos catálogos do Pink Floyd, por uma proposta de US$ 500 milhões, e do Queen, por supostamente US$ 1,2 bilhão, ainda não vieram a público.

E tudo bem. Toda música é um pouco cópia de outras – fora dos tribunais ou das salas de reunião, a música tem uma longa tradição em que todo mundo empresta ideias de todo mundo – mas é difícil argumentar que artistas já ricos deveriam receber remunerações no nível da década de 1990 pelo tipo de mercadoria flagrantemente reciclada que o private equity exige. Um mundo da música sem, digamos, uma sequência do filme Bohemian Rhapsody ou uma atração de parque temático no estilo do álbum Dark Side of the Moon talvez seja um mundo onde sons mais renovados poderiam ter um pouco mais de espaço para respirar.

O crescimento das assinaturas de serviços de streaming como Spotify e Apple Music deve diminuir à medida que o número finito de possíveis clientes chega ao limite. Com um crescimento menor, espera-se que os valores dos direitos musicais se estabilizem, o que talvez deixe mais dinheiro disponível para os músicos que estão começando a carreira.

A música tem um valor inestimável, mas, para a indústria musical e para as empresas de tecnologia que agora distribuem seus produtos, as canções são doses rápidas de dopamina na infinita rolagem das telas – e os músicos são pagos de acordo com essa lógica. A presença de Wall Street não inaugurou a desvalorização sistemática da música, mas trouxe à tona esta triste realidade. A investida do capital privado nos direitos musicais talvez tenha sido menos uma corrida do ouro do que um canário de mina.

Grupos de músicos vêm lutando por remunerações mais justas e, este mês, os deputados Rashida Tlaib, de Michigan, e Jamaal Bowman, de Nova York, ambos democratas, apresentaram um projeto de lei destinado a aumentar os pagamentos de streaming aos artistas.

Embora tais esforços pareçam enfrentar forte oposição, já passou da hora de a indústria musical tentar algo novo. Precisamos garantir que a produção musical volte a ser importante o bastante para o futuro John Lennon pegar a guitarra.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Você acha que já ouviu em algum lugar aquela música no seu celular, na rádio ou no cinema? O private equity – setor responsável pela falência de empresas, pela destruição de postos de trabalho e pelo aumento das taxas de mortalidade nos lares de idosos que adquire – está ganhando dinheiro ao devorar os direitos de sucessos antigos e trazê-los de volta ao nosso presente.

O resultado é uma cena musical visivelmente mais medíocre, uma vez que os financistas canibalizam o passado à custa do futuro e dificultam ainda mais o desenvolvimento de novos artistas que possam contribuir para enriquecer toda a nossa cultura.

Veja por exemplo o sucesso de Whitney Houston de 1987, I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me), que foi comprado no final de 2022 como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com a Primary Wave, uma editora musical financiada por duas empresas de private equity.

A música recentemente voltou ao nosso hipocampo coletivo por causa de um filme sobre a cantora, intitulado, naturalmente, I Wanna Dance With Somebody, que ajudou a bombar as reproduções da música e de toda a coleção de sucessos de Houston.

A Primary Wave – que fechou vários acordos com artistas ou seus espólios que podem incluir direitos de publicação, direitos de imagem e receitas de serviços de streaming de músicas gravadas – também ajudou a lançar uma fragrância exclusiva de Whitney Houston e um token não fungível baseado em uma gravação inédita da cantora.

Comprar os direitos de um sucesso comprovado, tirar o pó e reempacotá-lo como um filme pode causar boa impressão na conferência de acionistas, mas pouco colabora para um ecossistema musical sustentável e vibrante. Assim como os lavradores que sofrem para sobreviver ao inverno – pensando em outra indústria abalada pelo capital privado – estamos comendo a nossa semente de milho artística.

Sucesso de Whitney Houston 'I Wanna Dance With Somebody' foi comprado como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões Foto: Johanna Burai/The New York Times

Empresas de private equity investiram bilhões de dólares na música, acreditando que seria uma fonte de rendimento crescente e confiável. Os investidores gastaram US$ 12 bilhões em direitos musicais só em 2021 – mais do que em toda a década anterior à pandemia. Embora seja mixaria para um setor com 2,59 trilhões de dólares em ativos não investidos, os veteranos da música encararam os investimentos como um sinal de confiança para uma indústria que, puxada pelo streaming, ainda se recupera de uma década e meia de resultados ruins.

O clima turbulento – combinado com a perda da receitas de turnês por causa da covid e as preocupações com aumentos de impostos – fez com que muitos artistas, como Stevie Nicks e Shakira, achassem que era boa ideia vender seus catálogos, alguns por centenas de milhões de dólares.

Quanto Wall Street vem comprando? Na próxima vez que você ouvir Firework, de Katy Perry, Can’t Stop the Feeling, de Justin Timberlake, e Born to Run, de Bruce Springsteen, no Spotify ou no Apple Music, você estará enchendo os bolsos das empresas de investimento privado Carlyle, Blackstone e Eldridge. Uma parte dos royalties de Despacito, de Luis Fonsi, vai para a Apollo. E Do Ya Think I’m Sexy, de Rod Stewart, significa mais dinheiro no caixa da HPS Investment Partners.

Assim como os grandes estúdios de Hollywood continuam lançando filmes ligados a produtos já populares, os novos senhores da música estão explorando suas aquisições por meio da construção de universos multimídia em torno de canções, muitas das quais foram sucessos na Guerra Fria – alguns exemplos são programas de TV, cinebiografias de celebridades e até shows estrelando versões holográficas de artistas que morreram faz tempo. Enquanto a grana arrasta essas cantigas envelhecidas de volta à nossa consciência cultural, os artistas dos escalões inferiores ficam abandonados na guerra pelos restos algorítmicos – recentemente, a gigante de streaming de música Spotify cancelou pagamentos para faixas com menos de mil reproduções anuais.

A lógica sombria que fechou a rede de lojas Toys “R” Us e derrubou a marca de mídia Vice também está tomando conta da nossa música. Historicamente, os selos discográficos e as editoras musicais podiam utilizar os royalties de seus sucessos mais antigos para fazer apostas arriscadas em talentos ainda não comprovados. Mas por que “você perderia tempo tentando criar algo novo, se você tem um catálogo?”, perguntou Merck Mercuriadis, ex-empresário de Beyoncé e Elton John que fundou a Hipgnosis.

Em vez disso, os autoproclamados inovadores podem garimpar sucessos antigos e transformá-los em novos. Quase quatro anos atrás, o fundo de capital aberto Hipgnosis Songs comprou uma participação de 50% no catálogo do astro do funk Rick James, que inclui seu sucesso irresistível, Super Freak, de 1981. Para monetizar sua conquista, o Hipgnosis encontrou uma atualização levemente modernizada de Super Freak, fez Nicki Minaj montar uma equipe de compositores e voilà: em 2022, Super Freaky Girl de Minaj virou seu primeiro single no primeiro lugar das paradas que não era um lançamento em colaboração com outro artista. O Hipgnosis alardeou a vitória em seu relatório anual.

Essa destruição criativa enfraquece ainda mais uma indústria que já oferece poucos incentivos econômicos para quem quer fazer algo novo. Na década de 1990, como escreveu recentemente na Fast Company a musicista e fundadora de selo independente Jenny Toomey, uma banda podia vender 10 mil cópias de um álbum e gerar cerca de US$ 50 mil em receita.

Para ganhar a mesma quantia em 2024, o álbum inteiro da banda precisaria acumular um milhão de reproduções em plataformas de streaming – mais ou menos o suficiente para colocar cada música entre o 1% das faixas mais populares do Spotify. As receitas da indústria musical recentemente atingiram um novo máximo, com as grandes gravadoras batendo recordes de lucros, mas os modelos das plataformas de streaming fazem com que as frações de centavos que chegam aos artistas sejam desviadas para as megaestrelas.

Felizmente, algumas das forças macroeconômicas que nos trouxeram aquele perfume Whitney Houston (forjado a partir de um acordo entre a Primary Wave, o espólio de Houston e um perfumista) e um relógio de pulso Smokey Robinson (por meio de uma parceria com a Shinola) estão mudando. Quando as taxas de juro subiram, o frenesi desapareceu.

Em fevereiro veio a notícia de que o gigante do private equity KKR estava se retirando silenciosamente do espaço musical. Mais recentemente, o Hipgnosis Songs Fund, proprietário de Super Freak, reduziu o valor de seu portfólio musical em mais de um quarto depois de uma revolta dos acionistas. Acordos há muito esperados para a venda dos catálogos do Pink Floyd, por uma proposta de US$ 500 milhões, e do Queen, por supostamente US$ 1,2 bilhão, ainda não vieram a público.

E tudo bem. Toda música é um pouco cópia de outras – fora dos tribunais ou das salas de reunião, a música tem uma longa tradição em que todo mundo empresta ideias de todo mundo – mas é difícil argumentar que artistas já ricos deveriam receber remunerações no nível da década de 1990 pelo tipo de mercadoria flagrantemente reciclada que o private equity exige. Um mundo da música sem, digamos, uma sequência do filme Bohemian Rhapsody ou uma atração de parque temático no estilo do álbum Dark Side of the Moon talvez seja um mundo onde sons mais renovados poderiam ter um pouco mais de espaço para respirar.

O crescimento das assinaturas de serviços de streaming como Spotify e Apple Music deve diminuir à medida que o número finito de possíveis clientes chega ao limite. Com um crescimento menor, espera-se que os valores dos direitos musicais se estabilizem, o que talvez deixe mais dinheiro disponível para os músicos que estão começando a carreira.

A música tem um valor inestimável, mas, para a indústria musical e para as empresas de tecnologia que agora distribuem seus produtos, as canções são doses rápidas de dopamina na infinita rolagem das telas – e os músicos são pagos de acordo com essa lógica. A presença de Wall Street não inaugurou a desvalorização sistemática da música, mas trouxe à tona esta triste realidade. A investida do capital privado nos direitos musicais talvez tenha sido menos uma corrida do ouro do que um canário de mina.

Grupos de músicos vêm lutando por remunerações mais justas e, este mês, os deputados Rashida Tlaib, de Michigan, e Jamaal Bowman, de Nova York, ambos democratas, apresentaram um projeto de lei destinado a aumentar os pagamentos de streaming aos artistas.

Embora tais esforços pareçam enfrentar forte oposição, já passou da hora de a indústria musical tentar algo novo. Precisamos garantir que a produção musical volte a ser importante o bastante para o futuro John Lennon pegar a guitarra.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Você acha que já ouviu em algum lugar aquela música no seu celular, na rádio ou no cinema? O private equity – setor responsável pela falência de empresas, pela destruição de postos de trabalho e pelo aumento das taxas de mortalidade nos lares de idosos que adquire – está ganhando dinheiro ao devorar os direitos de sucessos antigos e trazê-los de volta ao nosso presente.

O resultado é uma cena musical visivelmente mais medíocre, uma vez que os financistas canibalizam o passado à custa do futuro e dificultam ainda mais o desenvolvimento de novos artistas que possam contribuir para enriquecer toda a nossa cultura.

Veja por exemplo o sucesso de Whitney Houston de 1987, I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me), que foi comprado no final de 2022 como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com a Primary Wave, uma editora musical financiada por duas empresas de private equity.

A música recentemente voltou ao nosso hipocampo coletivo por causa de um filme sobre a cantora, intitulado, naturalmente, I Wanna Dance With Somebody, que ajudou a bombar as reproduções da música e de toda a coleção de sucessos de Houston.

A Primary Wave – que fechou vários acordos com artistas ou seus espólios que podem incluir direitos de publicação, direitos de imagem e receitas de serviços de streaming de músicas gravadas – também ajudou a lançar uma fragrância exclusiva de Whitney Houston e um token não fungível baseado em uma gravação inédita da cantora.

Comprar os direitos de um sucesso comprovado, tirar o pó e reempacotá-lo como um filme pode causar boa impressão na conferência de acionistas, mas pouco colabora para um ecossistema musical sustentável e vibrante. Assim como os lavradores que sofrem para sobreviver ao inverno – pensando em outra indústria abalada pelo capital privado – estamos comendo a nossa semente de milho artística.

Sucesso de Whitney Houston 'I Wanna Dance With Somebody' foi comprado como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões Foto: Johanna Burai/The New York Times

Empresas de private equity investiram bilhões de dólares na música, acreditando que seria uma fonte de rendimento crescente e confiável. Os investidores gastaram US$ 12 bilhões em direitos musicais só em 2021 – mais do que em toda a década anterior à pandemia. Embora seja mixaria para um setor com 2,59 trilhões de dólares em ativos não investidos, os veteranos da música encararam os investimentos como um sinal de confiança para uma indústria que, puxada pelo streaming, ainda se recupera de uma década e meia de resultados ruins.

O clima turbulento – combinado com a perda da receitas de turnês por causa da covid e as preocupações com aumentos de impostos – fez com que muitos artistas, como Stevie Nicks e Shakira, achassem que era boa ideia vender seus catálogos, alguns por centenas de milhões de dólares.

Quanto Wall Street vem comprando? Na próxima vez que você ouvir Firework, de Katy Perry, Can’t Stop the Feeling, de Justin Timberlake, e Born to Run, de Bruce Springsteen, no Spotify ou no Apple Music, você estará enchendo os bolsos das empresas de investimento privado Carlyle, Blackstone e Eldridge. Uma parte dos royalties de Despacito, de Luis Fonsi, vai para a Apollo. E Do Ya Think I’m Sexy, de Rod Stewart, significa mais dinheiro no caixa da HPS Investment Partners.

Assim como os grandes estúdios de Hollywood continuam lançando filmes ligados a produtos já populares, os novos senhores da música estão explorando suas aquisições por meio da construção de universos multimídia em torno de canções, muitas das quais foram sucessos na Guerra Fria – alguns exemplos são programas de TV, cinebiografias de celebridades e até shows estrelando versões holográficas de artistas que morreram faz tempo. Enquanto a grana arrasta essas cantigas envelhecidas de volta à nossa consciência cultural, os artistas dos escalões inferiores ficam abandonados na guerra pelos restos algorítmicos – recentemente, a gigante de streaming de música Spotify cancelou pagamentos para faixas com menos de mil reproduções anuais.

A lógica sombria que fechou a rede de lojas Toys “R” Us e derrubou a marca de mídia Vice também está tomando conta da nossa música. Historicamente, os selos discográficos e as editoras musicais podiam utilizar os royalties de seus sucessos mais antigos para fazer apostas arriscadas em talentos ainda não comprovados. Mas por que “você perderia tempo tentando criar algo novo, se você tem um catálogo?”, perguntou Merck Mercuriadis, ex-empresário de Beyoncé e Elton John que fundou a Hipgnosis.

Em vez disso, os autoproclamados inovadores podem garimpar sucessos antigos e transformá-los em novos. Quase quatro anos atrás, o fundo de capital aberto Hipgnosis Songs comprou uma participação de 50% no catálogo do astro do funk Rick James, que inclui seu sucesso irresistível, Super Freak, de 1981. Para monetizar sua conquista, o Hipgnosis encontrou uma atualização levemente modernizada de Super Freak, fez Nicki Minaj montar uma equipe de compositores e voilà: em 2022, Super Freaky Girl de Minaj virou seu primeiro single no primeiro lugar das paradas que não era um lançamento em colaboração com outro artista. O Hipgnosis alardeou a vitória em seu relatório anual.

Essa destruição criativa enfraquece ainda mais uma indústria que já oferece poucos incentivos econômicos para quem quer fazer algo novo. Na década de 1990, como escreveu recentemente na Fast Company a musicista e fundadora de selo independente Jenny Toomey, uma banda podia vender 10 mil cópias de um álbum e gerar cerca de US$ 50 mil em receita.

Para ganhar a mesma quantia em 2024, o álbum inteiro da banda precisaria acumular um milhão de reproduções em plataformas de streaming – mais ou menos o suficiente para colocar cada música entre o 1% das faixas mais populares do Spotify. As receitas da indústria musical recentemente atingiram um novo máximo, com as grandes gravadoras batendo recordes de lucros, mas os modelos das plataformas de streaming fazem com que as frações de centavos que chegam aos artistas sejam desviadas para as megaestrelas.

Felizmente, algumas das forças macroeconômicas que nos trouxeram aquele perfume Whitney Houston (forjado a partir de um acordo entre a Primary Wave, o espólio de Houston e um perfumista) e um relógio de pulso Smokey Robinson (por meio de uma parceria com a Shinola) estão mudando. Quando as taxas de juro subiram, o frenesi desapareceu.

Em fevereiro veio a notícia de que o gigante do private equity KKR estava se retirando silenciosamente do espaço musical. Mais recentemente, o Hipgnosis Songs Fund, proprietário de Super Freak, reduziu o valor de seu portfólio musical em mais de um quarto depois de uma revolta dos acionistas. Acordos há muito esperados para a venda dos catálogos do Pink Floyd, por uma proposta de US$ 500 milhões, e do Queen, por supostamente US$ 1,2 bilhão, ainda não vieram a público.

E tudo bem. Toda música é um pouco cópia de outras – fora dos tribunais ou das salas de reunião, a música tem uma longa tradição em que todo mundo empresta ideias de todo mundo – mas é difícil argumentar que artistas já ricos deveriam receber remunerações no nível da década de 1990 pelo tipo de mercadoria flagrantemente reciclada que o private equity exige. Um mundo da música sem, digamos, uma sequência do filme Bohemian Rhapsody ou uma atração de parque temático no estilo do álbum Dark Side of the Moon talvez seja um mundo onde sons mais renovados poderiam ter um pouco mais de espaço para respirar.

O crescimento das assinaturas de serviços de streaming como Spotify e Apple Music deve diminuir à medida que o número finito de possíveis clientes chega ao limite. Com um crescimento menor, espera-se que os valores dos direitos musicais se estabilizem, o que talvez deixe mais dinheiro disponível para os músicos que estão começando a carreira.

A música tem um valor inestimável, mas, para a indústria musical e para as empresas de tecnologia que agora distribuem seus produtos, as canções são doses rápidas de dopamina na infinita rolagem das telas – e os músicos são pagos de acordo com essa lógica. A presença de Wall Street não inaugurou a desvalorização sistemática da música, mas trouxe à tona esta triste realidade. A investida do capital privado nos direitos musicais talvez tenha sido menos uma corrida do ouro do que um canário de mina.

Grupos de músicos vêm lutando por remunerações mais justas e, este mês, os deputados Rashida Tlaib, de Michigan, e Jamaal Bowman, de Nova York, ambos democratas, apresentaram um projeto de lei destinado a aumentar os pagamentos de streaming aos artistas.

Embora tais esforços pareçam enfrentar forte oposição, já passou da hora de a indústria musical tentar algo novo. Precisamos garantir que a produção musical volte a ser importante o bastante para o futuro John Lennon pegar a guitarra.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Você acha que já ouviu em algum lugar aquela música no seu celular, na rádio ou no cinema? O private equity – setor responsável pela falência de empresas, pela destruição de postos de trabalho e pelo aumento das taxas de mortalidade nos lares de idosos que adquire – está ganhando dinheiro ao devorar os direitos de sucessos antigos e trazê-los de volta ao nosso presente.

O resultado é uma cena musical visivelmente mais medíocre, uma vez que os financistas canibalizam o passado à custa do futuro e dificultam ainda mais o desenvolvimento de novos artistas que possam contribuir para enriquecer toda a nossa cultura.

Veja por exemplo o sucesso de Whitney Houston de 1987, I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me), que foi comprado no final de 2022 como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com a Primary Wave, uma editora musical financiada por duas empresas de private equity.

A música recentemente voltou ao nosso hipocampo coletivo por causa de um filme sobre a cantora, intitulado, naturalmente, I Wanna Dance With Somebody, que ajudou a bombar as reproduções da música e de toda a coleção de sucessos de Houston.

A Primary Wave – que fechou vários acordos com artistas ou seus espólios que podem incluir direitos de publicação, direitos de imagem e receitas de serviços de streaming de músicas gravadas – também ajudou a lançar uma fragrância exclusiva de Whitney Houston e um token não fungível baseado em uma gravação inédita da cantora.

Comprar os direitos de um sucesso comprovado, tirar o pó e reempacotá-lo como um filme pode causar boa impressão na conferência de acionistas, mas pouco colabora para um ecossistema musical sustentável e vibrante. Assim como os lavradores que sofrem para sobreviver ao inverno – pensando em outra indústria abalada pelo capital privado – estamos comendo a nossa semente de milho artística.

Sucesso de Whitney Houston 'I Wanna Dance With Somebody' foi comprado como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões Foto: Johanna Burai/The New York Times

Empresas de private equity investiram bilhões de dólares na música, acreditando que seria uma fonte de rendimento crescente e confiável. Os investidores gastaram US$ 12 bilhões em direitos musicais só em 2021 – mais do que em toda a década anterior à pandemia. Embora seja mixaria para um setor com 2,59 trilhões de dólares em ativos não investidos, os veteranos da música encararam os investimentos como um sinal de confiança para uma indústria que, puxada pelo streaming, ainda se recupera de uma década e meia de resultados ruins.

O clima turbulento – combinado com a perda da receitas de turnês por causa da covid e as preocupações com aumentos de impostos – fez com que muitos artistas, como Stevie Nicks e Shakira, achassem que era boa ideia vender seus catálogos, alguns por centenas de milhões de dólares.

Quanto Wall Street vem comprando? Na próxima vez que você ouvir Firework, de Katy Perry, Can’t Stop the Feeling, de Justin Timberlake, e Born to Run, de Bruce Springsteen, no Spotify ou no Apple Music, você estará enchendo os bolsos das empresas de investimento privado Carlyle, Blackstone e Eldridge. Uma parte dos royalties de Despacito, de Luis Fonsi, vai para a Apollo. E Do Ya Think I’m Sexy, de Rod Stewart, significa mais dinheiro no caixa da HPS Investment Partners.

Assim como os grandes estúdios de Hollywood continuam lançando filmes ligados a produtos já populares, os novos senhores da música estão explorando suas aquisições por meio da construção de universos multimídia em torno de canções, muitas das quais foram sucessos na Guerra Fria – alguns exemplos são programas de TV, cinebiografias de celebridades e até shows estrelando versões holográficas de artistas que morreram faz tempo. Enquanto a grana arrasta essas cantigas envelhecidas de volta à nossa consciência cultural, os artistas dos escalões inferiores ficam abandonados na guerra pelos restos algorítmicos – recentemente, a gigante de streaming de música Spotify cancelou pagamentos para faixas com menos de mil reproduções anuais.

A lógica sombria que fechou a rede de lojas Toys “R” Us e derrubou a marca de mídia Vice também está tomando conta da nossa música. Historicamente, os selos discográficos e as editoras musicais podiam utilizar os royalties de seus sucessos mais antigos para fazer apostas arriscadas em talentos ainda não comprovados. Mas por que “você perderia tempo tentando criar algo novo, se você tem um catálogo?”, perguntou Merck Mercuriadis, ex-empresário de Beyoncé e Elton John que fundou a Hipgnosis.

Em vez disso, os autoproclamados inovadores podem garimpar sucessos antigos e transformá-los em novos. Quase quatro anos atrás, o fundo de capital aberto Hipgnosis Songs comprou uma participação de 50% no catálogo do astro do funk Rick James, que inclui seu sucesso irresistível, Super Freak, de 1981. Para monetizar sua conquista, o Hipgnosis encontrou uma atualização levemente modernizada de Super Freak, fez Nicki Minaj montar uma equipe de compositores e voilà: em 2022, Super Freaky Girl de Minaj virou seu primeiro single no primeiro lugar das paradas que não era um lançamento em colaboração com outro artista. O Hipgnosis alardeou a vitória em seu relatório anual.

Essa destruição criativa enfraquece ainda mais uma indústria que já oferece poucos incentivos econômicos para quem quer fazer algo novo. Na década de 1990, como escreveu recentemente na Fast Company a musicista e fundadora de selo independente Jenny Toomey, uma banda podia vender 10 mil cópias de um álbum e gerar cerca de US$ 50 mil em receita.

Para ganhar a mesma quantia em 2024, o álbum inteiro da banda precisaria acumular um milhão de reproduções em plataformas de streaming – mais ou menos o suficiente para colocar cada música entre o 1% das faixas mais populares do Spotify. As receitas da indústria musical recentemente atingiram um novo máximo, com as grandes gravadoras batendo recordes de lucros, mas os modelos das plataformas de streaming fazem com que as frações de centavos que chegam aos artistas sejam desviadas para as megaestrelas.

Felizmente, algumas das forças macroeconômicas que nos trouxeram aquele perfume Whitney Houston (forjado a partir de um acordo entre a Primary Wave, o espólio de Houston e um perfumista) e um relógio de pulso Smokey Robinson (por meio de uma parceria com a Shinola) estão mudando. Quando as taxas de juro subiram, o frenesi desapareceu.

Em fevereiro veio a notícia de que o gigante do private equity KKR estava se retirando silenciosamente do espaço musical. Mais recentemente, o Hipgnosis Songs Fund, proprietário de Super Freak, reduziu o valor de seu portfólio musical em mais de um quarto depois de uma revolta dos acionistas. Acordos há muito esperados para a venda dos catálogos do Pink Floyd, por uma proposta de US$ 500 milhões, e do Queen, por supostamente US$ 1,2 bilhão, ainda não vieram a público.

E tudo bem. Toda música é um pouco cópia de outras – fora dos tribunais ou das salas de reunião, a música tem uma longa tradição em que todo mundo empresta ideias de todo mundo – mas é difícil argumentar que artistas já ricos deveriam receber remunerações no nível da década de 1990 pelo tipo de mercadoria flagrantemente reciclada que o private equity exige. Um mundo da música sem, digamos, uma sequência do filme Bohemian Rhapsody ou uma atração de parque temático no estilo do álbum Dark Side of the Moon talvez seja um mundo onde sons mais renovados poderiam ter um pouco mais de espaço para respirar.

O crescimento das assinaturas de serviços de streaming como Spotify e Apple Music deve diminuir à medida que o número finito de possíveis clientes chega ao limite. Com um crescimento menor, espera-se que os valores dos direitos musicais se estabilizem, o que talvez deixe mais dinheiro disponível para os músicos que estão começando a carreira.

A música tem um valor inestimável, mas, para a indústria musical e para as empresas de tecnologia que agora distribuem seus produtos, as canções são doses rápidas de dopamina na infinita rolagem das telas – e os músicos são pagos de acordo com essa lógica. A presença de Wall Street não inaugurou a desvalorização sistemática da música, mas trouxe à tona esta triste realidade. A investida do capital privado nos direitos musicais talvez tenha sido menos uma corrida do ouro do que um canário de mina.

Grupos de músicos vêm lutando por remunerações mais justas e, este mês, os deputados Rashida Tlaib, de Michigan, e Jamaal Bowman, de Nova York, ambos democratas, apresentaram um projeto de lei destinado a aumentar os pagamentos de streaming aos artistas.

Embora tais esforços pareçam enfrentar forte oposição, já passou da hora de a indústria musical tentar algo novo. Precisamos garantir que a produção musical volte a ser importante o bastante para o futuro John Lennon pegar a guitarra.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Você acha que já ouviu em algum lugar aquela música no seu celular, na rádio ou no cinema? O private equity – setor responsável pela falência de empresas, pela destruição de postos de trabalho e pelo aumento das taxas de mortalidade nos lares de idosos que adquire – está ganhando dinheiro ao devorar os direitos de sucessos antigos e trazê-los de volta ao nosso presente.

O resultado é uma cena musical visivelmente mais medíocre, uma vez que os financistas canibalizam o passado à custa do futuro e dificultam ainda mais o desenvolvimento de novos artistas que possam contribuir para enriquecer toda a nossa cultura.

Veja por exemplo o sucesso de Whitney Houston de 1987, I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me), que foi comprado no final de 2022 como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões com a Primary Wave, uma editora musical financiada por duas empresas de private equity.

A música recentemente voltou ao nosso hipocampo coletivo por causa de um filme sobre a cantora, intitulado, naturalmente, I Wanna Dance With Somebody, que ajudou a bombar as reproduções da música e de toda a coleção de sucessos de Houston.

A Primary Wave – que fechou vários acordos com artistas ou seus espólios que podem incluir direitos de publicação, direitos de imagem e receitas de serviços de streaming de músicas gravadas – também ajudou a lançar uma fragrância exclusiva de Whitney Houston e um token não fungível baseado em uma gravação inédita da cantora.

Comprar os direitos de um sucesso comprovado, tirar o pó e reempacotá-lo como um filme pode causar boa impressão na conferência de acionistas, mas pouco colabora para um ecossistema musical sustentável e vibrante. Assim como os lavradores que sofrem para sobreviver ao inverno – pensando em outra indústria abalada pelo capital privado – estamos comendo a nossa semente de milho artística.

Sucesso de Whitney Houston 'I Wanna Dance With Somebody' foi comprado como parte de um acordo de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões Foto: Johanna Burai/The New York Times

Empresas de private equity investiram bilhões de dólares na música, acreditando que seria uma fonte de rendimento crescente e confiável. Os investidores gastaram US$ 12 bilhões em direitos musicais só em 2021 – mais do que em toda a década anterior à pandemia. Embora seja mixaria para um setor com 2,59 trilhões de dólares em ativos não investidos, os veteranos da música encararam os investimentos como um sinal de confiança para uma indústria que, puxada pelo streaming, ainda se recupera de uma década e meia de resultados ruins.

O clima turbulento – combinado com a perda da receitas de turnês por causa da covid e as preocupações com aumentos de impostos – fez com que muitos artistas, como Stevie Nicks e Shakira, achassem que era boa ideia vender seus catálogos, alguns por centenas de milhões de dólares.

Quanto Wall Street vem comprando? Na próxima vez que você ouvir Firework, de Katy Perry, Can’t Stop the Feeling, de Justin Timberlake, e Born to Run, de Bruce Springsteen, no Spotify ou no Apple Music, você estará enchendo os bolsos das empresas de investimento privado Carlyle, Blackstone e Eldridge. Uma parte dos royalties de Despacito, de Luis Fonsi, vai para a Apollo. E Do Ya Think I’m Sexy, de Rod Stewart, significa mais dinheiro no caixa da HPS Investment Partners.

Assim como os grandes estúdios de Hollywood continuam lançando filmes ligados a produtos já populares, os novos senhores da música estão explorando suas aquisições por meio da construção de universos multimídia em torno de canções, muitas das quais foram sucessos na Guerra Fria – alguns exemplos são programas de TV, cinebiografias de celebridades e até shows estrelando versões holográficas de artistas que morreram faz tempo. Enquanto a grana arrasta essas cantigas envelhecidas de volta à nossa consciência cultural, os artistas dos escalões inferiores ficam abandonados na guerra pelos restos algorítmicos – recentemente, a gigante de streaming de música Spotify cancelou pagamentos para faixas com menos de mil reproduções anuais.

A lógica sombria que fechou a rede de lojas Toys “R” Us e derrubou a marca de mídia Vice também está tomando conta da nossa música. Historicamente, os selos discográficos e as editoras musicais podiam utilizar os royalties de seus sucessos mais antigos para fazer apostas arriscadas em talentos ainda não comprovados. Mas por que “você perderia tempo tentando criar algo novo, se você tem um catálogo?”, perguntou Merck Mercuriadis, ex-empresário de Beyoncé e Elton John que fundou a Hipgnosis.

Em vez disso, os autoproclamados inovadores podem garimpar sucessos antigos e transformá-los em novos. Quase quatro anos atrás, o fundo de capital aberto Hipgnosis Songs comprou uma participação de 50% no catálogo do astro do funk Rick James, que inclui seu sucesso irresistível, Super Freak, de 1981. Para monetizar sua conquista, o Hipgnosis encontrou uma atualização levemente modernizada de Super Freak, fez Nicki Minaj montar uma equipe de compositores e voilà: em 2022, Super Freaky Girl de Minaj virou seu primeiro single no primeiro lugar das paradas que não era um lançamento em colaboração com outro artista. O Hipgnosis alardeou a vitória em seu relatório anual.

Essa destruição criativa enfraquece ainda mais uma indústria que já oferece poucos incentivos econômicos para quem quer fazer algo novo. Na década de 1990, como escreveu recentemente na Fast Company a musicista e fundadora de selo independente Jenny Toomey, uma banda podia vender 10 mil cópias de um álbum e gerar cerca de US$ 50 mil em receita.

Para ganhar a mesma quantia em 2024, o álbum inteiro da banda precisaria acumular um milhão de reproduções em plataformas de streaming – mais ou menos o suficiente para colocar cada música entre o 1% das faixas mais populares do Spotify. As receitas da indústria musical recentemente atingiram um novo máximo, com as grandes gravadoras batendo recordes de lucros, mas os modelos das plataformas de streaming fazem com que as frações de centavos que chegam aos artistas sejam desviadas para as megaestrelas.

Felizmente, algumas das forças macroeconômicas que nos trouxeram aquele perfume Whitney Houston (forjado a partir de um acordo entre a Primary Wave, o espólio de Houston e um perfumista) e um relógio de pulso Smokey Robinson (por meio de uma parceria com a Shinola) estão mudando. Quando as taxas de juro subiram, o frenesi desapareceu.

Em fevereiro veio a notícia de que o gigante do private equity KKR estava se retirando silenciosamente do espaço musical. Mais recentemente, o Hipgnosis Songs Fund, proprietário de Super Freak, reduziu o valor de seu portfólio musical em mais de um quarto depois de uma revolta dos acionistas. Acordos há muito esperados para a venda dos catálogos do Pink Floyd, por uma proposta de US$ 500 milhões, e do Queen, por supostamente US$ 1,2 bilhão, ainda não vieram a público.

E tudo bem. Toda música é um pouco cópia de outras – fora dos tribunais ou das salas de reunião, a música tem uma longa tradição em que todo mundo empresta ideias de todo mundo – mas é difícil argumentar que artistas já ricos deveriam receber remunerações no nível da década de 1990 pelo tipo de mercadoria flagrantemente reciclada que o private equity exige. Um mundo da música sem, digamos, uma sequência do filme Bohemian Rhapsody ou uma atração de parque temático no estilo do álbum Dark Side of the Moon talvez seja um mundo onde sons mais renovados poderiam ter um pouco mais de espaço para respirar.

O crescimento das assinaturas de serviços de streaming como Spotify e Apple Music deve diminuir à medida que o número finito de possíveis clientes chega ao limite. Com um crescimento menor, espera-se que os valores dos direitos musicais se estabilizem, o que talvez deixe mais dinheiro disponível para os músicos que estão começando a carreira.

A música tem um valor inestimável, mas, para a indústria musical e para as empresas de tecnologia que agora distribuem seus produtos, as canções são doses rápidas de dopamina na infinita rolagem das telas – e os músicos são pagos de acordo com essa lógica. A presença de Wall Street não inaugurou a desvalorização sistemática da música, mas trouxe à tona esta triste realidade. A investida do capital privado nos direitos musicais talvez tenha sido menos uma corrida do ouro do que um canário de mina.

Grupos de músicos vêm lutando por remunerações mais justas e, este mês, os deputados Rashida Tlaib, de Michigan, e Jamaal Bowman, de Nova York, ambos democratas, apresentaram um projeto de lei destinado a aumentar os pagamentos de streaming aos artistas.

Embora tais esforços pareçam enfrentar forte oposição, já passou da hora de a indústria musical tentar algo novo. Precisamos garantir que a produção musical volte a ser importante o bastante para o futuro John Lennon pegar a guitarra.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Análise por Marc Hogan

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