Como transportar peixes-boi resgatados de 450 quilos quando nadar não é uma opção


Três filhotes órfãs foram encontradas na Flórida. Em seguida, eles acumularam milhas de passageiro frequente.

Por Catrin Einhorn

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — As órfãs, três bebês fêmeas, chegaram uma depois da outra ao hospital de peixes-boi de ZooTampa.

A primeira tinha sido encontrada nadando sozinha em águas rasas, com o cordão umbilical ainda preso. Dois meses depois, a segunda foi resgatada de um canal. E então veio a menor de todas: os peixes-boi normalmente pesam cerca de 30 quilos ao nascer, mas esta pesava só 20.

Elas receberam os nomes Calliope, Soleil e Piccolina. Era 2021, um ano ruim para os peixes-boi da Flórida.

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Um funcionário da DHL checa um peixe-boi esperando para ser embarcado no avião  Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na costa leste do estado, décadas de poluição por esgotos e fertilizantes levaram a uma extinção em massa das ervas marinhas, das quais os animais dependem para se alimentar. Autoridades da vida selvagem registraram centenas de cadáveres magérrimos. Em outros locais, as outras ameaças continuavam: colisões com barcos e envenenamento pela maré vermelha, fenômeno provocado por algas tóxicas.

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Ninguém sabe o que aconteceu com as mães das três bebês, que foram resgatadas na costa oeste da Flórida. Normalmente, os filhotes ficam com a mãe por até dois anos, nadando logo atrás de uma de suas nadadeiras e aprendendo a encontrar comida e onde estão as áreas de água quente de que vão precisar para sobreviver aos períodos de frio.

“Obviamente, aconteceu algum tipo de trauma”, disse Molly Lippincott, que gerencia espécies da Flórida no ZooTampa.

Um jovem peixe-boi indo de Columbus, Ohio, de volta à Flórida Foto: Jason Gulley/The New York Times
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E assim Calliope, Soleil e Piccolina se juntaram ao grande número de peixes-boi que todos os anos recebem intervenções personalizadas, como atendimentos de ambulância, unidades de cuidados intensivos e reabilitação a longo prazo. Alguns até viajam de avião para serem soltos na natureza.

Os peixes-boi estiveram entre os primeiros animais listados na Lei de Espécies Ameaçadas de 1973, quando sua população era estimada em 1 mil indivíduos. Agora eles exemplificam tanto o poder da conservação quanto a fragilidade de seu sucesso. A estimativa populacional mais recente, para 2021-22, é de cerca de 10 mil animais. Os pesquisadores atribuem boa parte do aumento à proteção do habitat e às restrições de velocidade dos barcos. Em 2017, o governo federal reduziu a classificação de risco de extinção dos peixes-boi da Flórida.

Mas surgem novas ameaças.

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Estima-se que as mudanças climáticas e o crescimento populacional da Florida vão criar as condições para um aumento na proliferação de algas nocivas, de acordo com um relatório encomendado pelo estado. A maré vermelha pode matar os peixes-boi diretamente, e outros tipos de proliferação de algas podem sufocar as ervas marinhas de que esses animais precisam para sobreviver.

Em última análise, o destino da espécie vai depender do enfrentamento das causas profundas destas e de outras ameaças. Isso significa fazer coisas como diminuir a poluição causada por vazamentos de sistemas de esgoto e pelo escoamento de fertilizantes. No ano passado, vimos uma recuperação encorajadora das ervas marinhas nas lagoas do rio Indian, epicentro da mortandade em 2021. As autoridades responsáveis pela vida selvagem por enquanto interromperam um programa de alimentação suplementar na área.

AS três órfãs, fotografads em setembro de 2023, foram engordadas no Zoológico de Cincinnati Foto: Jason Gulley/The New York Times
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Da Flórida a Ohio: um lar temporário

Durante os mais de doze meses que passaram no ZooTampa, as três bebês ganharam bastante peso. Em novembro de 2022, a pequena Piccolina já pesava 170 quilos, Calliope estava com mais de 180 e Soleil chegava a 215 quilos.

Mas os peixes-boi só são soltos na natureza depois de atingirem pelo menos 270 quilos, tamanho que lhes dá um certo conforto, por assim dizer, enquanto aprendem a se defender sozinhos. Eles engordam cerca de meio quilo por dia, então ganhar tanto peso leva tempo. Para liberar espaço no tanque de cuidados intensivos, os peixes-boi são enviados para outro lar temporário.

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Para Calliope, Soleil e Piccolina, isso significou viajar quase 1.600 quilômetros até o Zoológico de Cincinnati.

O zoológico – uma das três instalações fora da Flórida que conseguem receber peixes-boi que precisam crescer – faz parte de um consórcio de mais de 20 agências e organizações que colaboram no resgate e na reabilitação de peixes-boi. Em Ohio, Calliope, Soleil e Piccolina jantavam endívia, couve, escarola, alface romana, alface verde e repolho-chinês. Muitas vezes, elas devoravam as verduras de recipientes colocados no fundo do tanque, dispostos para imitar as ervas marinhas.

Calliope é curiosa, inteligente e meio encrenqueira. “Ela quer participar de tudo que acontece no tanque”, disse um de seus tratadores de Cincinnati, Remy Romaine. “Ela tem que estar por dentro de tudo”, acrescentou Tara Lay, outra tratadora. “Ela se envolve muito. Não respeita o espaço pessoal de ninguém”.

Soleil, por sua vez, parecia doce e descontraída, muito feliz em atender aos pedidos de seus tratadores, especialmente quando tinha algo a ver com comida. “É a nossa comilona”, disse Lay.

Piccolina, apelidada de Pickles, parecia um pouco tímida e ficava perto das irmãs adotivas. Embora os peixes-boi sejam considerados apenas semissociais, as três pareciam confortar umas às outras.

De volta à Flórida: embaladas como carga preciosa

Funcionários do Zoológico de Cincinnati cuidaram dos peixes-boi depois que o tanque foi drenado. Uma esteira foi colocada sobre o peixe-boi no canto para mantê-lo calmo; a grossa tira à esquerda foi usada posteriormente para retirá-los do tanque Foto: Jason Gulley/The New York Times

Onze meses se passaram. No outono passado, chegou a hora de voltar para a Flórida. Só que agora elas estavam pesando o dobro. Para transportar um peixe-boi, você precisa começar tirando-o da água. Em Cincinnati, isso significava esvaziar o tanque de cuidados médicos.

Os funcionários do zoológico usaram tiras grossas para transferir fisicamente cada uma delas para uma maca de lona que, quando suspensa, forma um tipo de rede. Um guincho iça o animal até um contêiner personalizado, coberto com 20 centímetros de espuma.

Elas não foram sedadas, porque isso poderia ocultar uma emergência médica ou comprometer sua capacidade de respirar.

Não está claro se os peixes-boi ficam muito estressados ao serem içados no ar por uma rede e postos em um contêiner estranho e sem água. Mas eles parecem tolerar bem tais movimentos, dizem os especialistas, e ficam surpreendentemente calmos durante toda a operação. (Eu gostaria muito de entrevistá-los).

Cada uma das três peixes-boi foi marcada com a inicial do nome em preparação para voar de volta à Flórida em setembro de 2023 Foto: Jason Gulley/The New York Times

Rumo ao aeroporto

A DHL, uma empresa de transporte global, não se dedica ao transporte de animais. Mas abre algumas exceções para ajudar nos esforços de conservação e se tornou uma transportadora de referência para os peixes-boi voadores.

O grande motivo é a localização. O centro nacional da empresa fica a apenas 30 minutos do Zoológico de Cincinnati e a algumas horas do Zoológico de Columbus, que também reabilita peixes-boi.

“É muito legal fazer parte de uma coisa diferente, não é?”, disse Joe Collopy, diretor sênior da DHL que supervisiona o transporte dos animais. “O objetivo é que cada um deles volte para onde estava. E isso é muito especial.”

Após serem cuidadosamente içadas do tanque, colocadas em caixas acolchoadas construídas sob medida e embarcadas no avião, as peixes-boi estavam prontas para voar Foto: Jason Gulley/The New York Times

Este voo levou o maior número de peixes-boi que a DHL já havia transportado ao mesmo tempo: não apenas Calliope, Soleil e Piccolina, mas outros cinco animais do Zoológico de Columbus.

E, finalmente, de volta à natureza

Soleil passou três anos em Cincinnati para reabilitação e agora passa pela última vez por pesagem antes de ser solta de volta à natureza Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na última década, mais de 800 peixes-boi órfãos, doentes ou feridos foram levados para centros de cuidados intensivos. E a capacidade vem se expandindo: o ZooTampa está construindo mais dois tanques de cuidados médicos, e o SeaWorld Orlando, na Flórida, instalou mais três no ano passado.

Esses esforços consomem muitos recursos para um pequeno número de peixes-boi, mas também ajudam a educar o público sobre as ameaças à espécie, disse Roger Reep, professor emérito da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Flórida, que estuda peixes-boi e escreveu um livro sobre eles.

“A maioria das pessoas não está interessada em ler, ‘Oh, construímos uma nova estação de tratamento de água e eliminamos, sei lá, duas mil fossas sépticas’”, disse Reep. “As pessoas não entendem que isso traria benefícios mais duradouros para um número maior de peixes-boi.”

Calliope, an orphaned manatee that had spent three years in Cincinnati for rehabilitation, mingles with others of her kind moments after being released back into the wild at Three Sisters Springs, in the Crystal River National Wildlife Refuge in Florida on Feb. 13, 2024. More than 100 injured manatees are rescued annually, far fewer than need help. But acute care spaces are expanding, both in Florida and elsewhere. (Jason Gulley/The New York Times) Foto: Jason Gulley/The New York Times

Lippincott, do ZooTampa, disse que fica feliz por saber que faz parte de um coletivo maior que tenta ajudar os peixes-boi, com muitos parceiros focados nas causas mais profundas. E dado que os animais podem viver até aos 60 anos, um ou dois anos de reabilitação vale muito a pena, disse ela.

O local da soltura foi bem apropriado: Three Sisters Springs, ou seja, “Fontes das Três Irmãs.”

Calliope foi primeiro. Uma equipe a carregou para a água em uma das macas de lona. Ela deslizou de costas, depois saiu nadando lentamente.

“Tchau, Calliope!”, gritou Lay, que viajou de Cincinnati para testemunhar o momento. “Eu te amo! Por favor, fique bem.”

O dispositivo de rastreamento flutuou atrás de Calliope, fazendo-a parecer a novata nerd tentando se enturmar com as dezenas de peixes-boi selvagens que boiavam nas águas. Ela nadou por todo o perímetro, curiosa como sempre.

Uma hora depois, foi a vez de Soleil. E, no dia seguinte, Piccolina. Elas se encontraram e ficaram juntas por um instante, longe dos outros peixes-boi. Depois saíram nadando, cada uma para seu lado.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — As órfãs, três bebês fêmeas, chegaram uma depois da outra ao hospital de peixes-boi de ZooTampa.

A primeira tinha sido encontrada nadando sozinha em águas rasas, com o cordão umbilical ainda preso. Dois meses depois, a segunda foi resgatada de um canal. E então veio a menor de todas: os peixes-boi normalmente pesam cerca de 30 quilos ao nascer, mas esta pesava só 20.

Elas receberam os nomes Calliope, Soleil e Piccolina. Era 2021, um ano ruim para os peixes-boi da Flórida.

Um funcionário da DHL checa um peixe-boi esperando para ser embarcado no avião  Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na costa leste do estado, décadas de poluição por esgotos e fertilizantes levaram a uma extinção em massa das ervas marinhas, das quais os animais dependem para se alimentar. Autoridades da vida selvagem registraram centenas de cadáveres magérrimos. Em outros locais, as outras ameaças continuavam: colisões com barcos e envenenamento pela maré vermelha, fenômeno provocado por algas tóxicas.

Ninguém sabe o que aconteceu com as mães das três bebês, que foram resgatadas na costa oeste da Flórida. Normalmente, os filhotes ficam com a mãe por até dois anos, nadando logo atrás de uma de suas nadadeiras e aprendendo a encontrar comida e onde estão as áreas de água quente de que vão precisar para sobreviver aos períodos de frio.

“Obviamente, aconteceu algum tipo de trauma”, disse Molly Lippincott, que gerencia espécies da Flórida no ZooTampa.

Um jovem peixe-boi indo de Columbus, Ohio, de volta à Flórida Foto: Jason Gulley/The New York Times

E assim Calliope, Soleil e Piccolina se juntaram ao grande número de peixes-boi que todos os anos recebem intervenções personalizadas, como atendimentos de ambulância, unidades de cuidados intensivos e reabilitação a longo prazo. Alguns até viajam de avião para serem soltos na natureza.

Os peixes-boi estiveram entre os primeiros animais listados na Lei de Espécies Ameaçadas de 1973, quando sua população era estimada em 1 mil indivíduos. Agora eles exemplificam tanto o poder da conservação quanto a fragilidade de seu sucesso. A estimativa populacional mais recente, para 2021-22, é de cerca de 10 mil animais. Os pesquisadores atribuem boa parte do aumento à proteção do habitat e às restrições de velocidade dos barcos. Em 2017, o governo federal reduziu a classificação de risco de extinção dos peixes-boi da Flórida.

Mas surgem novas ameaças.

Estima-se que as mudanças climáticas e o crescimento populacional da Florida vão criar as condições para um aumento na proliferação de algas nocivas, de acordo com um relatório encomendado pelo estado. A maré vermelha pode matar os peixes-boi diretamente, e outros tipos de proliferação de algas podem sufocar as ervas marinhas de que esses animais precisam para sobreviver.

Em última análise, o destino da espécie vai depender do enfrentamento das causas profundas destas e de outras ameaças. Isso significa fazer coisas como diminuir a poluição causada por vazamentos de sistemas de esgoto e pelo escoamento de fertilizantes. No ano passado, vimos uma recuperação encorajadora das ervas marinhas nas lagoas do rio Indian, epicentro da mortandade em 2021. As autoridades responsáveis pela vida selvagem por enquanto interromperam um programa de alimentação suplementar na área.

AS três órfãs, fotografads em setembro de 2023, foram engordadas no Zoológico de Cincinnati Foto: Jason Gulley/The New York Times

Da Flórida a Ohio: um lar temporário

Durante os mais de doze meses que passaram no ZooTampa, as três bebês ganharam bastante peso. Em novembro de 2022, a pequena Piccolina já pesava 170 quilos, Calliope estava com mais de 180 e Soleil chegava a 215 quilos.

Mas os peixes-boi só são soltos na natureza depois de atingirem pelo menos 270 quilos, tamanho que lhes dá um certo conforto, por assim dizer, enquanto aprendem a se defender sozinhos. Eles engordam cerca de meio quilo por dia, então ganhar tanto peso leva tempo. Para liberar espaço no tanque de cuidados intensivos, os peixes-boi são enviados para outro lar temporário.

Para Calliope, Soleil e Piccolina, isso significou viajar quase 1.600 quilômetros até o Zoológico de Cincinnati.

O zoológico – uma das três instalações fora da Flórida que conseguem receber peixes-boi que precisam crescer – faz parte de um consórcio de mais de 20 agências e organizações que colaboram no resgate e na reabilitação de peixes-boi. Em Ohio, Calliope, Soleil e Piccolina jantavam endívia, couve, escarola, alface romana, alface verde e repolho-chinês. Muitas vezes, elas devoravam as verduras de recipientes colocados no fundo do tanque, dispostos para imitar as ervas marinhas.

Calliope é curiosa, inteligente e meio encrenqueira. “Ela quer participar de tudo que acontece no tanque”, disse um de seus tratadores de Cincinnati, Remy Romaine. “Ela tem que estar por dentro de tudo”, acrescentou Tara Lay, outra tratadora. “Ela se envolve muito. Não respeita o espaço pessoal de ninguém”.

Soleil, por sua vez, parecia doce e descontraída, muito feliz em atender aos pedidos de seus tratadores, especialmente quando tinha algo a ver com comida. “É a nossa comilona”, disse Lay.

Piccolina, apelidada de Pickles, parecia um pouco tímida e ficava perto das irmãs adotivas. Embora os peixes-boi sejam considerados apenas semissociais, as três pareciam confortar umas às outras.

De volta à Flórida: embaladas como carga preciosa

Funcionários do Zoológico de Cincinnati cuidaram dos peixes-boi depois que o tanque foi drenado. Uma esteira foi colocada sobre o peixe-boi no canto para mantê-lo calmo; a grossa tira à esquerda foi usada posteriormente para retirá-los do tanque Foto: Jason Gulley/The New York Times

Onze meses se passaram. No outono passado, chegou a hora de voltar para a Flórida. Só que agora elas estavam pesando o dobro. Para transportar um peixe-boi, você precisa começar tirando-o da água. Em Cincinnati, isso significava esvaziar o tanque de cuidados médicos.

Os funcionários do zoológico usaram tiras grossas para transferir fisicamente cada uma delas para uma maca de lona que, quando suspensa, forma um tipo de rede. Um guincho iça o animal até um contêiner personalizado, coberto com 20 centímetros de espuma.

Elas não foram sedadas, porque isso poderia ocultar uma emergência médica ou comprometer sua capacidade de respirar.

Não está claro se os peixes-boi ficam muito estressados ao serem içados no ar por uma rede e postos em um contêiner estranho e sem água. Mas eles parecem tolerar bem tais movimentos, dizem os especialistas, e ficam surpreendentemente calmos durante toda a operação. (Eu gostaria muito de entrevistá-los).

Cada uma das três peixes-boi foi marcada com a inicial do nome em preparação para voar de volta à Flórida em setembro de 2023 Foto: Jason Gulley/The New York Times

Rumo ao aeroporto

A DHL, uma empresa de transporte global, não se dedica ao transporte de animais. Mas abre algumas exceções para ajudar nos esforços de conservação e se tornou uma transportadora de referência para os peixes-boi voadores.

O grande motivo é a localização. O centro nacional da empresa fica a apenas 30 minutos do Zoológico de Cincinnati e a algumas horas do Zoológico de Columbus, que também reabilita peixes-boi.

“É muito legal fazer parte de uma coisa diferente, não é?”, disse Joe Collopy, diretor sênior da DHL que supervisiona o transporte dos animais. “O objetivo é que cada um deles volte para onde estava. E isso é muito especial.”

Após serem cuidadosamente içadas do tanque, colocadas em caixas acolchoadas construídas sob medida e embarcadas no avião, as peixes-boi estavam prontas para voar Foto: Jason Gulley/The New York Times

Este voo levou o maior número de peixes-boi que a DHL já havia transportado ao mesmo tempo: não apenas Calliope, Soleil e Piccolina, mas outros cinco animais do Zoológico de Columbus.

E, finalmente, de volta à natureza

Soleil passou três anos em Cincinnati para reabilitação e agora passa pela última vez por pesagem antes de ser solta de volta à natureza Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na última década, mais de 800 peixes-boi órfãos, doentes ou feridos foram levados para centros de cuidados intensivos. E a capacidade vem se expandindo: o ZooTampa está construindo mais dois tanques de cuidados médicos, e o SeaWorld Orlando, na Flórida, instalou mais três no ano passado.

Esses esforços consomem muitos recursos para um pequeno número de peixes-boi, mas também ajudam a educar o público sobre as ameaças à espécie, disse Roger Reep, professor emérito da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Flórida, que estuda peixes-boi e escreveu um livro sobre eles.

“A maioria das pessoas não está interessada em ler, ‘Oh, construímos uma nova estação de tratamento de água e eliminamos, sei lá, duas mil fossas sépticas’”, disse Reep. “As pessoas não entendem que isso traria benefícios mais duradouros para um número maior de peixes-boi.”

Calliope, an orphaned manatee that had spent three years in Cincinnati for rehabilitation, mingles with others of her kind moments after being released back into the wild at Three Sisters Springs, in the Crystal River National Wildlife Refuge in Florida on Feb. 13, 2024. More than 100 injured manatees are rescued annually, far fewer than need help. But acute care spaces are expanding, both in Florida and elsewhere. (Jason Gulley/The New York Times) Foto: Jason Gulley/The New York Times

Lippincott, do ZooTampa, disse que fica feliz por saber que faz parte de um coletivo maior que tenta ajudar os peixes-boi, com muitos parceiros focados nas causas mais profundas. E dado que os animais podem viver até aos 60 anos, um ou dois anos de reabilitação vale muito a pena, disse ela.

O local da soltura foi bem apropriado: Three Sisters Springs, ou seja, “Fontes das Três Irmãs.”

Calliope foi primeiro. Uma equipe a carregou para a água em uma das macas de lona. Ela deslizou de costas, depois saiu nadando lentamente.

“Tchau, Calliope!”, gritou Lay, que viajou de Cincinnati para testemunhar o momento. “Eu te amo! Por favor, fique bem.”

O dispositivo de rastreamento flutuou atrás de Calliope, fazendo-a parecer a novata nerd tentando se enturmar com as dezenas de peixes-boi selvagens que boiavam nas águas. Ela nadou por todo o perímetro, curiosa como sempre.

Uma hora depois, foi a vez de Soleil. E, no dia seguinte, Piccolina. Elas se encontraram e ficaram juntas por um instante, longe dos outros peixes-boi. Depois saíram nadando, cada uma para seu lado.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — As órfãs, três bebês fêmeas, chegaram uma depois da outra ao hospital de peixes-boi de ZooTampa.

A primeira tinha sido encontrada nadando sozinha em águas rasas, com o cordão umbilical ainda preso. Dois meses depois, a segunda foi resgatada de um canal. E então veio a menor de todas: os peixes-boi normalmente pesam cerca de 30 quilos ao nascer, mas esta pesava só 20.

Elas receberam os nomes Calliope, Soleil e Piccolina. Era 2021, um ano ruim para os peixes-boi da Flórida.

Um funcionário da DHL checa um peixe-boi esperando para ser embarcado no avião  Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na costa leste do estado, décadas de poluição por esgotos e fertilizantes levaram a uma extinção em massa das ervas marinhas, das quais os animais dependem para se alimentar. Autoridades da vida selvagem registraram centenas de cadáveres magérrimos. Em outros locais, as outras ameaças continuavam: colisões com barcos e envenenamento pela maré vermelha, fenômeno provocado por algas tóxicas.

Ninguém sabe o que aconteceu com as mães das três bebês, que foram resgatadas na costa oeste da Flórida. Normalmente, os filhotes ficam com a mãe por até dois anos, nadando logo atrás de uma de suas nadadeiras e aprendendo a encontrar comida e onde estão as áreas de água quente de que vão precisar para sobreviver aos períodos de frio.

“Obviamente, aconteceu algum tipo de trauma”, disse Molly Lippincott, que gerencia espécies da Flórida no ZooTampa.

Um jovem peixe-boi indo de Columbus, Ohio, de volta à Flórida Foto: Jason Gulley/The New York Times

E assim Calliope, Soleil e Piccolina se juntaram ao grande número de peixes-boi que todos os anos recebem intervenções personalizadas, como atendimentos de ambulância, unidades de cuidados intensivos e reabilitação a longo prazo. Alguns até viajam de avião para serem soltos na natureza.

Os peixes-boi estiveram entre os primeiros animais listados na Lei de Espécies Ameaçadas de 1973, quando sua população era estimada em 1 mil indivíduos. Agora eles exemplificam tanto o poder da conservação quanto a fragilidade de seu sucesso. A estimativa populacional mais recente, para 2021-22, é de cerca de 10 mil animais. Os pesquisadores atribuem boa parte do aumento à proteção do habitat e às restrições de velocidade dos barcos. Em 2017, o governo federal reduziu a classificação de risco de extinção dos peixes-boi da Flórida.

Mas surgem novas ameaças.

Estima-se que as mudanças climáticas e o crescimento populacional da Florida vão criar as condições para um aumento na proliferação de algas nocivas, de acordo com um relatório encomendado pelo estado. A maré vermelha pode matar os peixes-boi diretamente, e outros tipos de proliferação de algas podem sufocar as ervas marinhas de que esses animais precisam para sobreviver.

Em última análise, o destino da espécie vai depender do enfrentamento das causas profundas destas e de outras ameaças. Isso significa fazer coisas como diminuir a poluição causada por vazamentos de sistemas de esgoto e pelo escoamento de fertilizantes. No ano passado, vimos uma recuperação encorajadora das ervas marinhas nas lagoas do rio Indian, epicentro da mortandade em 2021. As autoridades responsáveis pela vida selvagem por enquanto interromperam um programa de alimentação suplementar na área.

AS três órfãs, fotografads em setembro de 2023, foram engordadas no Zoológico de Cincinnati Foto: Jason Gulley/The New York Times

Da Flórida a Ohio: um lar temporário

Durante os mais de doze meses que passaram no ZooTampa, as três bebês ganharam bastante peso. Em novembro de 2022, a pequena Piccolina já pesava 170 quilos, Calliope estava com mais de 180 e Soleil chegava a 215 quilos.

Mas os peixes-boi só são soltos na natureza depois de atingirem pelo menos 270 quilos, tamanho que lhes dá um certo conforto, por assim dizer, enquanto aprendem a se defender sozinhos. Eles engordam cerca de meio quilo por dia, então ganhar tanto peso leva tempo. Para liberar espaço no tanque de cuidados intensivos, os peixes-boi são enviados para outro lar temporário.

Para Calliope, Soleil e Piccolina, isso significou viajar quase 1.600 quilômetros até o Zoológico de Cincinnati.

O zoológico – uma das três instalações fora da Flórida que conseguem receber peixes-boi que precisam crescer – faz parte de um consórcio de mais de 20 agências e organizações que colaboram no resgate e na reabilitação de peixes-boi. Em Ohio, Calliope, Soleil e Piccolina jantavam endívia, couve, escarola, alface romana, alface verde e repolho-chinês. Muitas vezes, elas devoravam as verduras de recipientes colocados no fundo do tanque, dispostos para imitar as ervas marinhas.

Calliope é curiosa, inteligente e meio encrenqueira. “Ela quer participar de tudo que acontece no tanque”, disse um de seus tratadores de Cincinnati, Remy Romaine. “Ela tem que estar por dentro de tudo”, acrescentou Tara Lay, outra tratadora. “Ela se envolve muito. Não respeita o espaço pessoal de ninguém”.

Soleil, por sua vez, parecia doce e descontraída, muito feliz em atender aos pedidos de seus tratadores, especialmente quando tinha algo a ver com comida. “É a nossa comilona”, disse Lay.

Piccolina, apelidada de Pickles, parecia um pouco tímida e ficava perto das irmãs adotivas. Embora os peixes-boi sejam considerados apenas semissociais, as três pareciam confortar umas às outras.

De volta à Flórida: embaladas como carga preciosa

Funcionários do Zoológico de Cincinnati cuidaram dos peixes-boi depois que o tanque foi drenado. Uma esteira foi colocada sobre o peixe-boi no canto para mantê-lo calmo; a grossa tira à esquerda foi usada posteriormente para retirá-los do tanque Foto: Jason Gulley/The New York Times

Onze meses se passaram. No outono passado, chegou a hora de voltar para a Flórida. Só que agora elas estavam pesando o dobro. Para transportar um peixe-boi, você precisa começar tirando-o da água. Em Cincinnati, isso significava esvaziar o tanque de cuidados médicos.

Os funcionários do zoológico usaram tiras grossas para transferir fisicamente cada uma delas para uma maca de lona que, quando suspensa, forma um tipo de rede. Um guincho iça o animal até um contêiner personalizado, coberto com 20 centímetros de espuma.

Elas não foram sedadas, porque isso poderia ocultar uma emergência médica ou comprometer sua capacidade de respirar.

Não está claro se os peixes-boi ficam muito estressados ao serem içados no ar por uma rede e postos em um contêiner estranho e sem água. Mas eles parecem tolerar bem tais movimentos, dizem os especialistas, e ficam surpreendentemente calmos durante toda a operação. (Eu gostaria muito de entrevistá-los).

Cada uma das três peixes-boi foi marcada com a inicial do nome em preparação para voar de volta à Flórida em setembro de 2023 Foto: Jason Gulley/The New York Times

Rumo ao aeroporto

A DHL, uma empresa de transporte global, não se dedica ao transporte de animais. Mas abre algumas exceções para ajudar nos esforços de conservação e se tornou uma transportadora de referência para os peixes-boi voadores.

O grande motivo é a localização. O centro nacional da empresa fica a apenas 30 minutos do Zoológico de Cincinnati e a algumas horas do Zoológico de Columbus, que também reabilita peixes-boi.

“É muito legal fazer parte de uma coisa diferente, não é?”, disse Joe Collopy, diretor sênior da DHL que supervisiona o transporte dos animais. “O objetivo é que cada um deles volte para onde estava. E isso é muito especial.”

Após serem cuidadosamente içadas do tanque, colocadas em caixas acolchoadas construídas sob medida e embarcadas no avião, as peixes-boi estavam prontas para voar Foto: Jason Gulley/The New York Times

Este voo levou o maior número de peixes-boi que a DHL já havia transportado ao mesmo tempo: não apenas Calliope, Soleil e Piccolina, mas outros cinco animais do Zoológico de Columbus.

E, finalmente, de volta à natureza

Soleil passou três anos em Cincinnati para reabilitação e agora passa pela última vez por pesagem antes de ser solta de volta à natureza Foto: Jason Gulley/The New York Times

Na última década, mais de 800 peixes-boi órfãos, doentes ou feridos foram levados para centros de cuidados intensivos. E a capacidade vem se expandindo: o ZooTampa está construindo mais dois tanques de cuidados médicos, e o SeaWorld Orlando, na Flórida, instalou mais três no ano passado.

Esses esforços consomem muitos recursos para um pequeno número de peixes-boi, mas também ajudam a educar o público sobre as ameaças à espécie, disse Roger Reep, professor emérito da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Flórida, que estuda peixes-boi e escreveu um livro sobre eles.

“A maioria das pessoas não está interessada em ler, ‘Oh, construímos uma nova estação de tratamento de água e eliminamos, sei lá, duas mil fossas sépticas’”, disse Reep. “As pessoas não entendem que isso traria benefícios mais duradouros para um número maior de peixes-boi.”

Calliope, an orphaned manatee that had spent three years in Cincinnati for rehabilitation, mingles with others of her kind moments after being released back into the wild at Three Sisters Springs, in the Crystal River National Wildlife Refuge in Florida on Feb. 13, 2024. More than 100 injured manatees are rescued annually, far fewer than need help. But acute care spaces are expanding, both in Florida and elsewhere. (Jason Gulley/The New York Times) Foto: Jason Gulley/The New York Times

Lippincott, do ZooTampa, disse que fica feliz por saber que faz parte de um coletivo maior que tenta ajudar os peixes-boi, com muitos parceiros focados nas causas mais profundas. E dado que os animais podem viver até aos 60 anos, um ou dois anos de reabilitação vale muito a pena, disse ela.

O local da soltura foi bem apropriado: Three Sisters Springs, ou seja, “Fontes das Três Irmãs.”

Calliope foi primeiro. Uma equipe a carregou para a água em uma das macas de lona. Ela deslizou de costas, depois saiu nadando lentamente.

“Tchau, Calliope!”, gritou Lay, que viajou de Cincinnati para testemunhar o momento. “Eu te amo! Por favor, fique bem.”

O dispositivo de rastreamento flutuou atrás de Calliope, fazendo-a parecer a novata nerd tentando se enturmar com as dezenas de peixes-boi selvagens que boiavam nas águas. Ela nadou por todo o perímetro, curiosa como sempre.

Uma hora depois, foi a vez de Soleil. E, no dia seguinte, Piccolina. Elas se encontraram e ficaram juntas por um instante, longe dos outros peixes-boi. Depois saíram nadando, cada uma para seu lado.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

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