Conheça Key West, ilha dos EUA de influência cubana, e saiba como viajar economizando cada centavo


Destino paradisíaco da Flórida reserva casa de Ernest Hemingway, gastronomia latina de primeira e passeios em terra e mar; bicicleta alugada e hospedagem compartilhada ajudam no orçamento

Por Elaine Glusac

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em minha última visita a Key West, na Flórida, uma sereia me explicou por que os habitantes da ilha são chamados de “conchs” (conchas): “Tínhamos, há muito tempo, uma tradição: quando um bebê nascia – porque, naquela época, os bebês nasciam em casa –, colocava-se uma vara de pau no quintal e sobre ela uma concha do mar. Era assim que todo mundo ficava sabendo que tinha nascido um novo ou uma nova conch”.

Kristi Ann Mills, conch de segunda geração, conhecida por aqui como Sereia Kristi Ann, dirige o Festival da Sereia de Key West, promovido anualmente. Nós nos conhecemos em uma visita que fiz anteriormente à ilha e, para mim, ela é uma representante do que há de melhor nessa cidade insular: as pessoas.

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Famosa pelas galinhas soltas nas estradas, pelas farras nos bares e pelo estilo de vida descontraído – popularizado na música Margaritaville, de Jimmy Buffett –, há tempos Key West atrai para os trópicos do extremo sul norte-americano uma mistura de personagens boêmios como artistas, músicos, ambientalistas e dissidentes deslocados.

Durante a pandemia, a ilha se tornou um tipo alternativo de refúgio para um fluxo de recém-chegados em busca do estilo de vida ao ar livre. Em consequência, os preços imobiliários dispararam e, com a política de turismo aberto da Florida, o negócio hoteleiro floresceu.

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Perguntei a Kristi Ann se uma pessoa que viaja com pouco dinheiro poderia ainda aproveitar o local. Estávamos na varanda do Funky Rooster Coffee House and Wine Bar, na Cidade Velha, onde há uma vasilha de água para os pets com uma placa que diz: “Cães e galinhas bebem de graça”.

Minha amiga sereia e eu tomávamos água San Pellegrino, a US$ 2,95 a garrafa; ela me garantiu que é possível, sim, aproveitar Key West. Compartilhou algumas dicas de lugares de que gosta – muitos dos quais pude visitar – e, de quebra, apresentou-me a outros conchs cuja paixão faz dessa ilha um lugar único. “Não ande muito nos trilhos e você vai ver que aqui fazemos as coisas de um jeitinho diferente”, ela me aconselhou.

O Fort Zachary Taylor State Park, em Key West, Flórida, é um lugar onde os visitantes podem escapar do frenesi da Duval Street, principal via do lugar Foto: Mark Hedden/The New York Times
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Quartos e bicicletas para alugar

Outubro é um mês relativamente tranquilo para visitar Key West. No outono passado, acomodações baratas custavam cerca de US$ 175 por noite ou mais. No NYAH – a sigla para Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) –, a cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custava US$ 100 por noite. Foi uma oferta atraente, especialmente porque o albergue – uma série de chalés conectados – tem piscinas no pátio, inclui café da manhã (coberto pela taxa de hospedagem de US$ 10 por noite) e está localizado quase no centro da Cidade Velha.

Talvez você prefira reservar um quarto exclusivo com sua família ou com seus amigos, porque, se ficar em um albergue, corre o risco de ter colegas de quarto misteriosos. No meu caso, a única mulher que dividia comigo um quarto simples espalhou suas roupas pelos quatro beliches enquanto explicava que estava festejando o fim de um relacionamento. Felizmente, como ela voltava para o hotel às 5h e eu saía às 8h, raramente nos encontramos durante minha estada de duas noites.

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Meu horário favorito para pedalar por Key West eram as primeiras horas da manhã. Reservei uma bicicleta sem marchas no site da Eaton Bikes, que oferece um desconto de dez por cento em reservas antecipadas online. Por dois dias pedalando, paguei US$ 28,80. A empresa tem um serviço de entrega sem contato com o freguês. Encontrei a bicicleta trancada e estacionada nas prateleiras da NYAH antes de minha chegada e a deixei no mesmo local quando saí.

No NYAH - abreviação de Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) - uma cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custou US$ 100 por noite em outubro Foto: Mark Hedden/The New York Times

Andar de bicicleta é melhor do que caminhar, em matéria de velocidade e alcance, e evita a frustração, quando se está de carro, de não ter onde parar. Aqui não há estacionamento nas ruas, e existem poucas áreas de estacionamento, quase sempre lotadas, sem falar nas muitas ruas com restrição ao tráfego. Pedalar é a forma mais popular de se locomover pela ilha.

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Normalmente, passeio pelas rotas residenciais com pouco tráfego, pedalando por ruas de casas construídas pelos moradores, de arquitetura simples, cercadas de vegetação abundante e com venezianas pintadas com cores vivas. É uma visão deslumbrante da vida dos conchs.

Riqueza histórica e ‘camisetas de mau gosto’

Em meio às casas mais simples se encontram mansões impressionantes – muitas delas convertidas em museus ou hospedarias com café da manhã. Elas nos dão pistas sobre o passado da ilha: na década de 1830, Key West era a cidade mais rica, per capita, dos Estados Unidos.

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“Em cem anos, Key West ficou tão pobre que as pessoas se esqueceram desse passado de riqueza. Foi também a primeira cidade a declarar falência durante a Grande Depressão, no início dos anos 1930. Agora, somos lembrados por nossas camisetas de mau gosto e por nossa cerveja barata”, disse Thomas Greenwood, curador do Oldest House Museum and Garden (cuja entrada custa US$ 10).

Conheci Greenwood na casa relativamente modesta que abriga o museu. É um sobrado em estilo bahamense construído em 1829, com estrutura de madeira, telhado de águas-furtadas e uma varanda no alto. Fica na via principal, a Rua Duval. A casa está repleta de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington – capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual – residia nela, o que inclui uma mesa de jogo com cartas de baralho do século XIX.

O Oldest House Museum and Gardens, cuja estrutura principal é uma casa de madeira do século XIX, está repleto de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington, capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual, residia no local. Acima, a cozinha da propriedade Foto: Mark Hedden/The New York Times

Atrás da casa há limoeiros espanhóis e árvores gumbo-limbo que dão sombra a uma cozinha no jardim. É um local tranquilo, a poucos passos da rua principal. Aliás, naquela manhã a Rua Duval estava repleta de passageiros do navio gigante Carnival Glory que passou o dia no porto, em um cais privado, que foi controversamente autorizado a recebê-lo – apesar da votação de 2020 para restringir a entrada de navios de cruzeiro.

Acompanhei a multidão vinda do porto que descia a rua por cerca de seis quadras para chegar à mansão mais conhecida da ilha, a Casa e Museu Hemingway (com entrada a US$ 18), onde o escritor Ernest Hemingway residiu de 1931 a 1939 com sua segunda esposa, Pauline Pfeiffer.

A casa dos Hemingway é a que mais fatura em todo o conjunto colonial espanhol da ilha. É cercada por um jardim exuberante habitado por algumas dezenas de gatos de seis dedos, descendentes, em grande parte, do animal de estimação original do autor, chamada Branca de Neve, que tinha essa anomalia genética. “Os animais polidáctilos – que apresentam um número maior de dedos – eram considerados amuletos de boa sorte. Hemingway, supersticioso e propenso a acidentes, percebeu que poderia usar toda a ajuda que conseguisse”, ironizou minha guia turística, Mary Jane Pierce.

Durante minha visita, 66 gatos – que têm a própria conta no Instagram – percorreram a propriedade. Para deleite de fãs literários e amantes de gatos, os guias ofereceram aos turistas um fluxo ininterrupto de histórias de farras, pescarias e comentários aos escritos de Hemingway, em uma casa repleta de fotos.

Na década de 1930, o escritor Ernest Hemingway e a segunda esposa, Pauline Pfeiffer, moraram na casa no que hoje é chamada de Hemingway Home and Museum. Mais de 60 gatos agora chamam o local de lar Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mas chega de Hemingway, pensei, enquanto pedalava até o Museu de Arte e História de Key West. Aqui encontrei um tesouro que valeu o preço do ingresso (US$ 15,50). Eram 59 desenhos em bico de pena de um artista dedicado a pintar a vida marinha, Guy Harvey. As telas retratavam O Velho e o Mar, a comovente obra de Hemingway. Desenhos e pinturas estavam expostos na grande escadaria central do edifício – que foi, originalmente, a alfândega do porto –, fundado em 1891, e onde o museu está instalado.

Circo ao pôr do sol e happy hours

Durante algumas horas, toda noite antes do pôr do sol, o centro energético de Key West se transfere para a Praça Mallory, à beira-mar, a poucos quarteirões da Alfândega. Em uma tradição que remonta à década de 1960, a praça pública, voltada para o oeste, atrai artistas e acrobatas de rua que entretêm as multidões que estão à espera da “luz verde” – uma breve mancha de cor esverdeada bem distinta que aparece, ocasionalmente, perto do Sol assim que ele desaparece no horizonte.

No passado, os malabaristas que ali se apresentavam jogavam com fogo, mas desapareceram assim que novos regulamentos de segurança foram adotados, em 2023, depois que um artista e um espectador ficaram feridos. Apresentações que usam chamas não são mais permitidas no cais. Mas as multidões estão sempre lá, assim como as barracas de artesanato, os videntes e os guitarristas.

A Praça Mallory atrai artistas e acrobatas de rua como Kevin Armour, acima, ávido a entreter as multidões Foto: Mark Hedden/The New York Times

É uma festa interessante, mas música boa mesmo só encontrei em alguns clubes que não cobram couvert artístico. No Smokin’ Tuna Saloon bebi uma cerveja de US$ 7 enquanto ouvia algumas canções inesquecíveis da música country tocadas pelo guitarrista Cliff Cody, artista que ali se apresenta com frequência.

Quando estava saindo com o copo ainda cheio, o barman recomendou que eu levasse a bebida em uma embalagem para viagem. “Os policiais não ligam, desde que não seja um recipiente de vidro e que você não esteja causando problemas”, aconselhou.

Mesmo que essa seja uma maneira comum de tomar uma bebida, é estranho fazer isso e pedalar a bicicleta ao mesmo tempo. Larguei o copo e segui até o Schooner Wharf Bar, que fica perto das docas. É um lugar agradável, onde tomei uma cerveja Key West Sunset Ale, de US$ 5, e pude observar veleiros deslizando ao vento.

O guitarrista Ken Fairbrother tocava covers de rock percussivo até que, de repente, executou uma canção natalina, Grandma Got Run Over By a Reindeer, porque alguma coisa na brisa de outubro, disse ele, “já me faz sentir a proximidade do Natal”.

Trajes da exposição Baile do Cocar de Key West no Museu de Arte e História de Key West Foto: Mark Hedden/The New York Times

Drinks no fim de tarde e comida cubana

Key West é, sem dúvida, um lugar simples, casual, e oferece muitas alternativas para jantar barato. Mas, para encontrar boa comida a preços acessíveis, é bom dispor de tempo. “Os visitantes jantam depois do pôr do sol, mas os moradores daqui vão te dizer para fazer o contrário”, disse Maria Wevers, proprietária do Grand Café, com um terraço convidativo na Rua Duval.

O local oferece o happy hour diariamente das 16h às 19h. Nesse horário, as bebidas e os aperitivos saem pela metade do preço. Foi assim que – antes do pôr do sol – experimentei a margarita de toranja, a US$ 9, e me fartei com ótimos pratos, pagando pouco pelas torradas de salmão defumado, a US$ 9, e por vôngoles cozidos no vapor, a US$ 8.

No fim da tarde do primeiro dia, depois de ter perdido mais uma vez a visão da famosa luz verde, pedalei por ruas tranquilas até chegar ao El Siboney, meu restaurante cubano favorito, decorado com pôsteres vintage que mostram paisagens de Cuba. As porções são tão grandes que embalei para viagem metade do meu frango assado com arroz amarelo e feijão-preto, pelo qual paguei US$ 14,95.

As mesas no deck do Schooner Wharf Bar têm vista para o porto repleto de barcos Foto: Mark Hedden/The New York Times

Key West está a apenas 145 quilômetros de Cuba. Desde a década de 1830, acolhe imigrantes da ilha caribenha, o que explica a abundância de opções de comida típica cubana.

No dia seguinte, fui até o Sandy’s Café – que é apenas uma janela em frente a uma lavanderia famosa – pegar meu almoço. O café do Sandy’s é forte e os sanduíches cubanos, a US$ 9,75, são prensados com camadas de carne de porco, presunto e queijo suíço. Não muito distante dali, há um antigo forte que remonta à Guerra Civil, onde está instalado o Key West Garden Club. Entrei gratuitamente e fiz um piquenique à beira-mar.

Na tarde desse mesmo dia, visitei a destilaria Key West First Legal Rum, fundada em 2012. Os passeios gratuitos começam com degustação de piña colada e terminam com amostras de rum gratuitas. Um dos fundadores, o chef Paul Menta, deu um toque pessoal a uma categoria de bebida que, segundo ele, costuma ser adulterada para mascarar impurezas.

Sua abordagem única para destilar rum inclui um mergulho dos barris envelhecidos em água salgada do oceano antes de enchê-los e infundir sabores como limão em pequenos lotes. “Quando você é criativo, muitos lugares te consideram um estranho. Mas em Key West você está entre seu povo”, disse Menta depois da turnê.

Depois da visita à destilaria, fui ao happy hour do Milagro Restaurante & Bar, joia de sotaque latino onde o serviço de bebidas é do tipo “pague uma e beba duas”, no período entre 17h e 18h30. A margarita de hibisco custou US$ 14.

O Milagro Restaurant & Bar é uma joia com toques latinos, onde os drinques do happy hour custam dois por um Foto: Mark Hedden/The New York Times

O lado selvagem

Embora Key West seja conhecida por promover um “estilo de vida selvagem” – que tem mais a ver com festas do que com bichos –, sempre apreciei a vida animal que existe na região. Nas viagens anteriores, fui de barco aos bancos de areia que ficam nas proximidades da costa e visitei ilhotas repletas de conchas.

Eu poderia ter ultrapassado minha restrição orçamentária e reservado um mergulho com snorkel, para observar golfinhos, com a empresa Honest Eco, que oferece um passeio de quatro horas em um barco elétrico pela bagatela de US$ 99. Em vez disso, ao nascer do sol do meu último dia, fui nadar com peixes castanhetas-das-rochas e peixes-papagaios no Parque Estadual Histórico Fort Zachary Taylor, cuja entrada para pedestres ou bicicletas custa US$ 2,50.

Na saída, parei na instalação ao lado, o Florida Keys Eco-Discovery Center, com entrada gratuita. Essa entidade é especializada em proteger o Santuário Marinho Nacional de Florida Keys, a única barreira de recifes da América do Norte. As exposições mostram seus mais de dois mil naufrágios, os manguezais que funcionam como berçários para espécies aquáticas e leitos de plantas marinhas com capacidade para sequestrar carbono.

“As pessoas não associam, necessariamente, as alterações climáticas ao derretimento das calotas polares. Elas não percebem, na prática, o que acontece. Mas, aqui, todo mundo pode ver como o comportamento humano afeta os recifes e a fauna marinha”, disse a gerente do centro, Emily Kovacs. E, para comprovar o que afirmava, apontou os corais no mar, fora do museu, que haviam perdido a coloração durante o verão muito quente.

Os corais vivos são cultivados no Florida Keys Eco-Discovery Center Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mais tarde, visitei o modesto Key West Wildlife Center, também com entrada gratuita – santuário dedicado ao resgate e à reabilitação de aves selvagens. Em grandes gaiolas ao ar livre, pelicanos marrons se recuperavam de ferimentos nas bolsas da garganta, causados por ossos de peixes descartados, aves de rapina eram tratadas contra a desidratação e filhotes abandonados de galinha-d’água nadavam em uma banheira.

Quando as aves estão curadas, a maioria é devolvida à natureza no vizinho Parque Indígena Sonny McCoy, bloco meio escondido de árvores frondosas, muito popular entre os observadores de pássaros. Nessa tarde, o parque estava agitado com o canto de mariquitas-coroadas migratórias.

Um voluntário do Wildlife Center, usando longas luvas de couro, Chris Castro, retirou uma águia-pescadora majestosa do seu poleiro de reabilitação e lançou-a para o céu límpido. As asas da ave de rapina bateram energicamente, enquanto traçava uma rota sobre o mar, onde, poucos dias atrás, fora resgatada completamente encharcada.

Foi como a efêmera luz verde que se vê ao pôr do sol: o evento emocionante terminou em um instante, mas comprovou que, apesar do que dizem sobre a ilha, Key West recompensa qualquer pessoa que venha em busca do que ela oferece de melhor, não importa quanto tenha para gastar.

Tom Sweets, diretor executivo do Key West Wildlife Center, libera um falcão de asa larga reabilitado Foto: Mark Hedden/The New York Times

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em minha última visita a Key West, na Flórida, uma sereia me explicou por que os habitantes da ilha são chamados de “conchs” (conchas): “Tínhamos, há muito tempo, uma tradição: quando um bebê nascia – porque, naquela época, os bebês nasciam em casa –, colocava-se uma vara de pau no quintal e sobre ela uma concha do mar. Era assim que todo mundo ficava sabendo que tinha nascido um novo ou uma nova conch”.

Kristi Ann Mills, conch de segunda geração, conhecida por aqui como Sereia Kristi Ann, dirige o Festival da Sereia de Key West, promovido anualmente. Nós nos conhecemos em uma visita que fiz anteriormente à ilha e, para mim, ela é uma representante do que há de melhor nessa cidade insular: as pessoas.

Famosa pelas galinhas soltas nas estradas, pelas farras nos bares e pelo estilo de vida descontraído – popularizado na música Margaritaville, de Jimmy Buffett –, há tempos Key West atrai para os trópicos do extremo sul norte-americano uma mistura de personagens boêmios como artistas, músicos, ambientalistas e dissidentes deslocados.

Durante a pandemia, a ilha se tornou um tipo alternativo de refúgio para um fluxo de recém-chegados em busca do estilo de vida ao ar livre. Em consequência, os preços imobiliários dispararam e, com a política de turismo aberto da Florida, o negócio hoteleiro floresceu.

Perguntei a Kristi Ann se uma pessoa que viaja com pouco dinheiro poderia ainda aproveitar o local. Estávamos na varanda do Funky Rooster Coffee House and Wine Bar, na Cidade Velha, onde há uma vasilha de água para os pets com uma placa que diz: “Cães e galinhas bebem de graça”.

Minha amiga sereia e eu tomávamos água San Pellegrino, a US$ 2,95 a garrafa; ela me garantiu que é possível, sim, aproveitar Key West. Compartilhou algumas dicas de lugares de que gosta – muitos dos quais pude visitar – e, de quebra, apresentou-me a outros conchs cuja paixão faz dessa ilha um lugar único. “Não ande muito nos trilhos e você vai ver que aqui fazemos as coisas de um jeitinho diferente”, ela me aconselhou.

O Fort Zachary Taylor State Park, em Key West, Flórida, é um lugar onde os visitantes podem escapar do frenesi da Duval Street, principal via do lugar Foto: Mark Hedden/The New York Times

Quartos e bicicletas para alugar

Outubro é um mês relativamente tranquilo para visitar Key West. No outono passado, acomodações baratas custavam cerca de US$ 175 por noite ou mais. No NYAH – a sigla para Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) –, a cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custava US$ 100 por noite. Foi uma oferta atraente, especialmente porque o albergue – uma série de chalés conectados – tem piscinas no pátio, inclui café da manhã (coberto pela taxa de hospedagem de US$ 10 por noite) e está localizado quase no centro da Cidade Velha.

Talvez você prefira reservar um quarto exclusivo com sua família ou com seus amigos, porque, se ficar em um albergue, corre o risco de ter colegas de quarto misteriosos. No meu caso, a única mulher que dividia comigo um quarto simples espalhou suas roupas pelos quatro beliches enquanto explicava que estava festejando o fim de um relacionamento. Felizmente, como ela voltava para o hotel às 5h e eu saía às 8h, raramente nos encontramos durante minha estada de duas noites.

Meu horário favorito para pedalar por Key West eram as primeiras horas da manhã. Reservei uma bicicleta sem marchas no site da Eaton Bikes, que oferece um desconto de dez por cento em reservas antecipadas online. Por dois dias pedalando, paguei US$ 28,80. A empresa tem um serviço de entrega sem contato com o freguês. Encontrei a bicicleta trancada e estacionada nas prateleiras da NYAH antes de minha chegada e a deixei no mesmo local quando saí.

No NYAH - abreviação de Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) - uma cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custou US$ 100 por noite em outubro Foto: Mark Hedden/The New York Times

Andar de bicicleta é melhor do que caminhar, em matéria de velocidade e alcance, e evita a frustração, quando se está de carro, de não ter onde parar. Aqui não há estacionamento nas ruas, e existem poucas áreas de estacionamento, quase sempre lotadas, sem falar nas muitas ruas com restrição ao tráfego. Pedalar é a forma mais popular de se locomover pela ilha.

Normalmente, passeio pelas rotas residenciais com pouco tráfego, pedalando por ruas de casas construídas pelos moradores, de arquitetura simples, cercadas de vegetação abundante e com venezianas pintadas com cores vivas. É uma visão deslumbrante da vida dos conchs.

Riqueza histórica e ‘camisetas de mau gosto’

Em meio às casas mais simples se encontram mansões impressionantes – muitas delas convertidas em museus ou hospedarias com café da manhã. Elas nos dão pistas sobre o passado da ilha: na década de 1830, Key West era a cidade mais rica, per capita, dos Estados Unidos.

“Em cem anos, Key West ficou tão pobre que as pessoas se esqueceram desse passado de riqueza. Foi também a primeira cidade a declarar falência durante a Grande Depressão, no início dos anos 1930. Agora, somos lembrados por nossas camisetas de mau gosto e por nossa cerveja barata”, disse Thomas Greenwood, curador do Oldest House Museum and Garden (cuja entrada custa US$ 10).

Conheci Greenwood na casa relativamente modesta que abriga o museu. É um sobrado em estilo bahamense construído em 1829, com estrutura de madeira, telhado de águas-furtadas e uma varanda no alto. Fica na via principal, a Rua Duval. A casa está repleta de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington – capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual – residia nela, o que inclui uma mesa de jogo com cartas de baralho do século XIX.

O Oldest House Museum and Gardens, cuja estrutura principal é uma casa de madeira do século XIX, está repleto de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington, capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual, residia no local. Acima, a cozinha da propriedade Foto: Mark Hedden/The New York Times

Atrás da casa há limoeiros espanhóis e árvores gumbo-limbo que dão sombra a uma cozinha no jardim. É um local tranquilo, a poucos passos da rua principal. Aliás, naquela manhã a Rua Duval estava repleta de passageiros do navio gigante Carnival Glory que passou o dia no porto, em um cais privado, que foi controversamente autorizado a recebê-lo – apesar da votação de 2020 para restringir a entrada de navios de cruzeiro.

Acompanhei a multidão vinda do porto que descia a rua por cerca de seis quadras para chegar à mansão mais conhecida da ilha, a Casa e Museu Hemingway (com entrada a US$ 18), onde o escritor Ernest Hemingway residiu de 1931 a 1939 com sua segunda esposa, Pauline Pfeiffer.

A casa dos Hemingway é a que mais fatura em todo o conjunto colonial espanhol da ilha. É cercada por um jardim exuberante habitado por algumas dezenas de gatos de seis dedos, descendentes, em grande parte, do animal de estimação original do autor, chamada Branca de Neve, que tinha essa anomalia genética. “Os animais polidáctilos – que apresentam um número maior de dedos – eram considerados amuletos de boa sorte. Hemingway, supersticioso e propenso a acidentes, percebeu que poderia usar toda a ajuda que conseguisse”, ironizou minha guia turística, Mary Jane Pierce.

Durante minha visita, 66 gatos – que têm a própria conta no Instagram – percorreram a propriedade. Para deleite de fãs literários e amantes de gatos, os guias ofereceram aos turistas um fluxo ininterrupto de histórias de farras, pescarias e comentários aos escritos de Hemingway, em uma casa repleta de fotos.

Na década de 1930, o escritor Ernest Hemingway e a segunda esposa, Pauline Pfeiffer, moraram na casa no que hoje é chamada de Hemingway Home and Museum. Mais de 60 gatos agora chamam o local de lar Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mas chega de Hemingway, pensei, enquanto pedalava até o Museu de Arte e História de Key West. Aqui encontrei um tesouro que valeu o preço do ingresso (US$ 15,50). Eram 59 desenhos em bico de pena de um artista dedicado a pintar a vida marinha, Guy Harvey. As telas retratavam O Velho e o Mar, a comovente obra de Hemingway. Desenhos e pinturas estavam expostos na grande escadaria central do edifício – que foi, originalmente, a alfândega do porto –, fundado em 1891, e onde o museu está instalado.

Circo ao pôr do sol e happy hours

Durante algumas horas, toda noite antes do pôr do sol, o centro energético de Key West se transfere para a Praça Mallory, à beira-mar, a poucos quarteirões da Alfândega. Em uma tradição que remonta à década de 1960, a praça pública, voltada para o oeste, atrai artistas e acrobatas de rua que entretêm as multidões que estão à espera da “luz verde” – uma breve mancha de cor esverdeada bem distinta que aparece, ocasionalmente, perto do Sol assim que ele desaparece no horizonte.

No passado, os malabaristas que ali se apresentavam jogavam com fogo, mas desapareceram assim que novos regulamentos de segurança foram adotados, em 2023, depois que um artista e um espectador ficaram feridos. Apresentações que usam chamas não são mais permitidas no cais. Mas as multidões estão sempre lá, assim como as barracas de artesanato, os videntes e os guitarristas.

A Praça Mallory atrai artistas e acrobatas de rua como Kevin Armour, acima, ávido a entreter as multidões Foto: Mark Hedden/The New York Times

É uma festa interessante, mas música boa mesmo só encontrei em alguns clubes que não cobram couvert artístico. No Smokin’ Tuna Saloon bebi uma cerveja de US$ 7 enquanto ouvia algumas canções inesquecíveis da música country tocadas pelo guitarrista Cliff Cody, artista que ali se apresenta com frequência.

Quando estava saindo com o copo ainda cheio, o barman recomendou que eu levasse a bebida em uma embalagem para viagem. “Os policiais não ligam, desde que não seja um recipiente de vidro e que você não esteja causando problemas”, aconselhou.

Mesmo que essa seja uma maneira comum de tomar uma bebida, é estranho fazer isso e pedalar a bicicleta ao mesmo tempo. Larguei o copo e segui até o Schooner Wharf Bar, que fica perto das docas. É um lugar agradável, onde tomei uma cerveja Key West Sunset Ale, de US$ 5, e pude observar veleiros deslizando ao vento.

O guitarrista Ken Fairbrother tocava covers de rock percussivo até que, de repente, executou uma canção natalina, Grandma Got Run Over By a Reindeer, porque alguma coisa na brisa de outubro, disse ele, “já me faz sentir a proximidade do Natal”.

Trajes da exposição Baile do Cocar de Key West no Museu de Arte e História de Key West Foto: Mark Hedden/The New York Times

Drinks no fim de tarde e comida cubana

Key West é, sem dúvida, um lugar simples, casual, e oferece muitas alternativas para jantar barato. Mas, para encontrar boa comida a preços acessíveis, é bom dispor de tempo. “Os visitantes jantam depois do pôr do sol, mas os moradores daqui vão te dizer para fazer o contrário”, disse Maria Wevers, proprietária do Grand Café, com um terraço convidativo na Rua Duval.

O local oferece o happy hour diariamente das 16h às 19h. Nesse horário, as bebidas e os aperitivos saem pela metade do preço. Foi assim que – antes do pôr do sol – experimentei a margarita de toranja, a US$ 9, e me fartei com ótimos pratos, pagando pouco pelas torradas de salmão defumado, a US$ 9, e por vôngoles cozidos no vapor, a US$ 8.

No fim da tarde do primeiro dia, depois de ter perdido mais uma vez a visão da famosa luz verde, pedalei por ruas tranquilas até chegar ao El Siboney, meu restaurante cubano favorito, decorado com pôsteres vintage que mostram paisagens de Cuba. As porções são tão grandes que embalei para viagem metade do meu frango assado com arroz amarelo e feijão-preto, pelo qual paguei US$ 14,95.

As mesas no deck do Schooner Wharf Bar têm vista para o porto repleto de barcos Foto: Mark Hedden/The New York Times

Key West está a apenas 145 quilômetros de Cuba. Desde a década de 1830, acolhe imigrantes da ilha caribenha, o que explica a abundância de opções de comida típica cubana.

No dia seguinte, fui até o Sandy’s Café – que é apenas uma janela em frente a uma lavanderia famosa – pegar meu almoço. O café do Sandy’s é forte e os sanduíches cubanos, a US$ 9,75, são prensados com camadas de carne de porco, presunto e queijo suíço. Não muito distante dali, há um antigo forte que remonta à Guerra Civil, onde está instalado o Key West Garden Club. Entrei gratuitamente e fiz um piquenique à beira-mar.

Na tarde desse mesmo dia, visitei a destilaria Key West First Legal Rum, fundada em 2012. Os passeios gratuitos começam com degustação de piña colada e terminam com amostras de rum gratuitas. Um dos fundadores, o chef Paul Menta, deu um toque pessoal a uma categoria de bebida que, segundo ele, costuma ser adulterada para mascarar impurezas.

Sua abordagem única para destilar rum inclui um mergulho dos barris envelhecidos em água salgada do oceano antes de enchê-los e infundir sabores como limão em pequenos lotes. “Quando você é criativo, muitos lugares te consideram um estranho. Mas em Key West você está entre seu povo”, disse Menta depois da turnê.

Depois da visita à destilaria, fui ao happy hour do Milagro Restaurante & Bar, joia de sotaque latino onde o serviço de bebidas é do tipo “pague uma e beba duas”, no período entre 17h e 18h30. A margarita de hibisco custou US$ 14.

O Milagro Restaurant & Bar é uma joia com toques latinos, onde os drinques do happy hour custam dois por um Foto: Mark Hedden/The New York Times

O lado selvagem

Embora Key West seja conhecida por promover um “estilo de vida selvagem” – que tem mais a ver com festas do que com bichos –, sempre apreciei a vida animal que existe na região. Nas viagens anteriores, fui de barco aos bancos de areia que ficam nas proximidades da costa e visitei ilhotas repletas de conchas.

Eu poderia ter ultrapassado minha restrição orçamentária e reservado um mergulho com snorkel, para observar golfinhos, com a empresa Honest Eco, que oferece um passeio de quatro horas em um barco elétrico pela bagatela de US$ 99. Em vez disso, ao nascer do sol do meu último dia, fui nadar com peixes castanhetas-das-rochas e peixes-papagaios no Parque Estadual Histórico Fort Zachary Taylor, cuja entrada para pedestres ou bicicletas custa US$ 2,50.

Na saída, parei na instalação ao lado, o Florida Keys Eco-Discovery Center, com entrada gratuita. Essa entidade é especializada em proteger o Santuário Marinho Nacional de Florida Keys, a única barreira de recifes da América do Norte. As exposições mostram seus mais de dois mil naufrágios, os manguezais que funcionam como berçários para espécies aquáticas e leitos de plantas marinhas com capacidade para sequestrar carbono.

“As pessoas não associam, necessariamente, as alterações climáticas ao derretimento das calotas polares. Elas não percebem, na prática, o que acontece. Mas, aqui, todo mundo pode ver como o comportamento humano afeta os recifes e a fauna marinha”, disse a gerente do centro, Emily Kovacs. E, para comprovar o que afirmava, apontou os corais no mar, fora do museu, que haviam perdido a coloração durante o verão muito quente.

Os corais vivos são cultivados no Florida Keys Eco-Discovery Center Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mais tarde, visitei o modesto Key West Wildlife Center, também com entrada gratuita – santuário dedicado ao resgate e à reabilitação de aves selvagens. Em grandes gaiolas ao ar livre, pelicanos marrons se recuperavam de ferimentos nas bolsas da garganta, causados por ossos de peixes descartados, aves de rapina eram tratadas contra a desidratação e filhotes abandonados de galinha-d’água nadavam em uma banheira.

Quando as aves estão curadas, a maioria é devolvida à natureza no vizinho Parque Indígena Sonny McCoy, bloco meio escondido de árvores frondosas, muito popular entre os observadores de pássaros. Nessa tarde, o parque estava agitado com o canto de mariquitas-coroadas migratórias.

Um voluntário do Wildlife Center, usando longas luvas de couro, Chris Castro, retirou uma águia-pescadora majestosa do seu poleiro de reabilitação e lançou-a para o céu límpido. As asas da ave de rapina bateram energicamente, enquanto traçava uma rota sobre o mar, onde, poucos dias atrás, fora resgatada completamente encharcada.

Foi como a efêmera luz verde que se vê ao pôr do sol: o evento emocionante terminou em um instante, mas comprovou que, apesar do que dizem sobre a ilha, Key West recompensa qualquer pessoa que venha em busca do que ela oferece de melhor, não importa quanto tenha para gastar.

Tom Sweets, diretor executivo do Key West Wildlife Center, libera um falcão de asa larga reabilitado Foto: Mark Hedden/The New York Times

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em minha última visita a Key West, na Flórida, uma sereia me explicou por que os habitantes da ilha são chamados de “conchs” (conchas): “Tínhamos, há muito tempo, uma tradição: quando um bebê nascia – porque, naquela época, os bebês nasciam em casa –, colocava-se uma vara de pau no quintal e sobre ela uma concha do mar. Era assim que todo mundo ficava sabendo que tinha nascido um novo ou uma nova conch”.

Kristi Ann Mills, conch de segunda geração, conhecida por aqui como Sereia Kristi Ann, dirige o Festival da Sereia de Key West, promovido anualmente. Nós nos conhecemos em uma visita que fiz anteriormente à ilha e, para mim, ela é uma representante do que há de melhor nessa cidade insular: as pessoas.

Famosa pelas galinhas soltas nas estradas, pelas farras nos bares e pelo estilo de vida descontraído – popularizado na música Margaritaville, de Jimmy Buffett –, há tempos Key West atrai para os trópicos do extremo sul norte-americano uma mistura de personagens boêmios como artistas, músicos, ambientalistas e dissidentes deslocados.

Durante a pandemia, a ilha se tornou um tipo alternativo de refúgio para um fluxo de recém-chegados em busca do estilo de vida ao ar livre. Em consequência, os preços imobiliários dispararam e, com a política de turismo aberto da Florida, o negócio hoteleiro floresceu.

Perguntei a Kristi Ann se uma pessoa que viaja com pouco dinheiro poderia ainda aproveitar o local. Estávamos na varanda do Funky Rooster Coffee House and Wine Bar, na Cidade Velha, onde há uma vasilha de água para os pets com uma placa que diz: “Cães e galinhas bebem de graça”.

Minha amiga sereia e eu tomávamos água San Pellegrino, a US$ 2,95 a garrafa; ela me garantiu que é possível, sim, aproveitar Key West. Compartilhou algumas dicas de lugares de que gosta – muitos dos quais pude visitar – e, de quebra, apresentou-me a outros conchs cuja paixão faz dessa ilha um lugar único. “Não ande muito nos trilhos e você vai ver que aqui fazemos as coisas de um jeitinho diferente”, ela me aconselhou.

O Fort Zachary Taylor State Park, em Key West, Flórida, é um lugar onde os visitantes podem escapar do frenesi da Duval Street, principal via do lugar Foto: Mark Hedden/The New York Times

Quartos e bicicletas para alugar

Outubro é um mês relativamente tranquilo para visitar Key West. No outono passado, acomodações baratas custavam cerca de US$ 175 por noite ou mais. No NYAH – a sigla para Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) –, a cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custava US$ 100 por noite. Foi uma oferta atraente, especialmente porque o albergue – uma série de chalés conectados – tem piscinas no pátio, inclui café da manhã (coberto pela taxa de hospedagem de US$ 10 por noite) e está localizado quase no centro da Cidade Velha.

Talvez você prefira reservar um quarto exclusivo com sua família ou com seus amigos, porque, se ficar em um albergue, corre o risco de ter colegas de quarto misteriosos. No meu caso, a única mulher que dividia comigo um quarto simples espalhou suas roupas pelos quatro beliches enquanto explicava que estava festejando o fim de um relacionamento. Felizmente, como ela voltava para o hotel às 5h e eu saía às 8h, raramente nos encontramos durante minha estada de duas noites.

Meu horário favorito para pedalar por Key West eram as primeiras horas da manhã. Reservei uma bicicleta sem marchas no site da Eaton Bikes, que oferece um desconto de dez por cento em reservas antecipadas online. Por dois dias pedalando, paguei US$ 28,80. A empresa tem um serviço de entrega sem contato com o freguês. Encontrei a bicicleta trancada e estacionada nas prateleiras da NYAH antes de minha chegada e a deixei no mesmo local quando saí.

No NYAH - abreviação de Not Your Average Hotel (Um Hotel Diferente) - uma cama em um dormitório quádruplo com banheiro privativo custou US$ 100 por noite em outubro Foto: Mark Hedden/The New York Times

Andar de bicicleta é melhor do que caminhar, em matéria de velocidade e alcance, e evita a frustração, quando se está de carro, de não ter onde parar. Aqui não há estacionamento nas ruas, e existem poucas áreas de estacionamento, quase sempre lotadas, sem falar nas muitas ruas com restrição ao tráfego. Pedalar é a forma mais popular de se locomover pela ilha.

Normalmente, passeio pelas rotas residenciais com pouco tráfego, pedalando por ruas de casas construídas pelos moradores, de arquitetura simples, cercadas de vegetação abundante e com venezianas pintadas com cores vivas. É uma visão deslumbrante da vida dos conchs.

Riqueza histórica e ‘camisetas de mau gosto’

Em meio às casas mais simples se encontram mansões impressionantes – muitas delas convertidas em museus ou hospedarias com café da manhã. Elas nos dão pistas sobre o passado da ilha: na década de 1830, Key West era a cidade mais rica, per capita, dos Estados Unidos.

“Em cem anos, Key West ficou tão pobre que as pessoas se esqueceram desse passado de riqueza. Foi também a primeira cidade a declarar falência durante a Grande Depressão, no início dos anos 1930. Agora, somos lembrados por nossas camisetas de mau gosto e por nossa cerveja barata”, disse Thomas Greenwood, curador do Oldest House Museum and Garden (cuja entrada custa US$ 10).

Conheci Greenwood na casa relativamente modesta que abriga o museu. É um sobrado em estilo bahamense construído em 1829, com estrutura de madeira, telhado de águas-furtadas e uma varanda no alto. Fica na via principal, a Rua Duval. A casa está repleta de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington – capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual – residia nela, o que inclui uma mesa de jogo com cartas de baralho do século XIX.

O Oldest House Museum and Gardens, cuja estrutura principal é uma casa de madeira do século XIX, está repleto de antiguidades do período em que a família de Francis Watlington, capitão do mar, capitão do porto e legislador estadual, residia no local. Acima, a cozinha da propriedade Foto: Mark Hedden/The New York Times

Atrás da casa há limoeiros espanhóis e árvores gumbo-limbo que dão sombra a uma cozinha no jardim. É um local tranquilo, a poucos passos da rua principal. Aliás, naquela manhã a Rua Duval estava repleta de passageiros do navio gigante Carnival Glory que passou o dia no porto, em um cais privado, que foi controversamente autorizado a recebê-lo – apesar da votação de 2020 para restringir a entrada de navios de cruzeiro.

Acompanhei a multidão vinda do porto que descia a rua por cerca de seis quadras para chegar à mansão mais conhecida da ilha, a Casa e Museu Hemingway (com entrada a US$ 18), onde o escritor Ernest Hemingway residiu de 1931 a 1939 com sua segunda esposa, Pauline Pfeiffer.

A casa dos Hemingway é a que mais fatura em todo o conjunto colonial espanhol da ilha. É cercada por um jardim exuberante habitado por algumas dezenas de gatos de seis dedos, descendentes, em grande parte, do animal de estimação original do autor, chamada Branca de Neve, que tinha essa anomalia genética. “Os animais polidáctilos – que apresentam um número maior de dedos – eram considerados amuletos de boa sorte. Hemingway, supersticioso e propenso a acidentes, percebeu que poderia usar toda a ajuda que conseguisse”, ironizou minha guia turística, Mary Jane Pierce.

Durante minha visita, 66 gatos – que têm a própria conta no Instagram – percorreram a propriedade. Para deleite de fãs literários e amantes de gatos, os guias ofereceram aos turistas um fluxo ininterrupto de histórias de farras, pescarias e comentários aos escritos de Hemingway, em uma casa repleta de fotos.

Na década de 1930, o escritor Ernest Hemingway e a segunda esposa, Pauline Pfeiffer, moraram na casa no que hoje é chamada de Hemingway Home and Museum. Mais de 60 gatos agora chamam o local de lar Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mas chega de Hemingway, pensei, enquanto pedalava até o Museu de Arte e História de Key West. Aqui encontrei um tesouro que valeu o preço do ingresso (US$ 15,50). Eram 59 desenhos em bico de pena de um artista dedicado a pintar a vida marinha, Guy Harvey. As telas retratavam O Velho e o Mar, a comovente obra de Hemingway. Desenhos e pinturas estavam expostos na grande escadaria central do edifício – que foi, originalmente, a alfândega do porto –, fundado em 1891, e onde o museu está instalado.

Circo ao pôr do sol e happy hours

Durante algumas horas, toda noite antes do pôr do sol, o centro energético de Key West se transfere para a Praça Mallory, à beira-mar, a poucos quarteirões da Alfândega. Em uma tradição que remonta à década de 1960, a praça pública, voltada para o oeste, atrai artistas e acrobatas de rua que entretêm as multidões que estão à espera da “luz verde” – uma breve mancha de cor esverdeada bem distinta que aparece, ocasionalmente, perto do Sol assim que ele desaparece no horizonte.

No passado, os malabaristas que ali se apresentavam jogavam com fogo, mas desapareceram assim que novos regulamentos de segurança foram adotados, em 2023, depois que um artista e um espectador ficaram feridos. Apresentações que usam chamas não são mais permitidas no cais. Mas as multidões estão sempre lá, assim como as barracas de artesanato, os videntes e os guitarristas.

A Praça Mallory atrai artistas e acrobatas de rua como Kevin Armour, acima, ávido a entreter as multidões Foto: Mark Hedden/The New York Times

É uma festa interessante, mas música boa mesmo só encontrei em alguns clubes que não cobram couvert artístico. No Smokin’ Tuna Saloon bebi uma cerveja de US$ 7 enquanto ouvia algumas canções inesquecíveis da música country tocadas pelo guitarrista Cliff Cody, artista que ali se apresenta com frequência.

Quando estava saindo com o copo ainda cheio, o barman recomendou que eu levasse a bebida em uma embalagem para viagem. “Os policiais não ligam, desde que não seja um recipiente de vidro e que você não esteja causando problemas”, aconselhou.

Mesmo que essa seja uma maneira comum de tomar uma bebida, é estranho fazer isso e pedalar a bicicleta ao mesmo tempo. Larguei o copo e segui até o Schooner Wharf Bar, que fica perto das docas. É um lugar agradável, onde tomei uma cerveja Key West Sunset Ale, de US$ 5, e pude observar veleiros deslizando ao vento.

O guitarrista Ken Fairbrother tocava covers de rock percussivo até que, de repente, executou uma canção natalina, Grandma Got Run Over By a Reindeer, porque alguma coisa na brisa de outubro, disse ele, “já me faz sentir a proximidade do Natal”.

Trajes da exposição Baile do Cocar de Key West no Museu de Arte e História de Key West Foto: Mark Hedden/The New York Times

Drinks no fim de tarde e comida cubana

Key West é, sem dúvida, um lugar simples, casual, e oferece muitas alternativas para jantar barato. Mas, para encontrar boa comida a preços acessíveis, é bom dispor de tempo. “Os visitantes jantam depois do pôr do sol, mas os moradores daqui vão te dizer para fazer o contrário”, disse Maria Wevers, proprietária do Grand Café, com um terraço convidativo na Rua Duval.

O local oferece o happy hour diariamente das 16h às 19h. Nesse horário, as bebidas e os aperitivos saem pela metade do preço. Foi assim que – antes do pôr do sol – experimentei a margarita de toranja, a US$ 9, e me fartei com ótimos pratos, pagando pouco pelas torradas de salmão defumado, a US$ 9, e por vôngoles cozidos no vapor, a US$ 8.

No fim da tarde do primeiro dia, depois de ter perdido mais uma vez a visão da famosa luz verde, pedalei por ruas tranquilas até chegar ao El Siboney, meu restaurante cubano favorito, decorado com pôsteres vintage que mostram paisagens de Cuba. As porções são tão grandes que embalei para viagem metade do meu frango assado com arroz amarelo e feijão-preto, pelo qual paguei US$ 14,95.

As mesas no deck do Schooner Wharf Bar têm vista para o porto repleto de barcos Foto: Mark Hedden/The New York Times

Key West está a apenas 145 quilômetros de Cuba. Desde a década de 1830, acolhe imigrantes da ilha caribenha, o que explica a abundância de opções de comida típica cubana.

No dia seguinte, fui até o Sandy’s Café – que é apenas uma janela em frente a uma lavanderia famosa – pegar meu almoço. O café do Sandy’s é forte e os sanduíches cubanos, a US$ 9,75, são prensados com camadas de carne de porco, presunto e queijo suíço. Não muito distante dali, há um antigo forte que remonta à Guerra Civil, onde está instalado o Key West Garden Club. Entrei gratuitamente e fiz um piquenique à beira-mar.

Na tarde desse mesmo dia, visitei a destilaria Key West First Legal Rum, fundada em 2012. Os passeios gratuitos começam com degustação de piña colada e terminam com amostras de rum gratuitas. Um dos fundadores, o chef Paul Menta, deu um toque pessoal a uma categoria de bebida que, segundo ele, costuma ser adulterada para mascarar impurezas.

Sua abordagem única para destilar rum inclui um mergulho dos barris envelhecidos em água salgada do oceano antes de enchê-los e infundir sabores como limão em pequenos lotes. “Quando você é criativo, muitos lugares te consideram um estranho. Mas em Key West você está entre seu povo”, disse Menta depois da turnê.

Depois da visita à destilaria, fui ao happy hour do Milagro Restaurante & Bar, joia de sotaque latino onde o serviço de bebidas é do tipo “pague uma e beba duas”, no período entre 17h e 18h30. A margarita de hibisco custou US$ 14.

O Milagro Restaurant & Bar é uma joia com toques latinos, onde os drinques do happy hour custam dois por um Foto: Mark Hedden/The New York Times

O lado selvagem

Embora Key West seja conhecida por promover um “estilo de vida selvagem” – que tem mais a ver com festas do que com bichos –, sempre apreciei a vida animal que existe na região. Nas viagens anteriores, fui de barco aos bancos de areia que ficam nas proximidades da costa e visitei ilhotas repletas de conchas.

Eu poderia ter ultrapassado minha restrição orçamentária e reservado um mergulho com snorkel, para observar golfinhos, com a empresa Honest Eco, que oferece um passeio de quatro horas em um barco elétrico pela bagatela de US$ 99. Em vez disso, ao nascer do sol do meu último dia, fui nadar com peixes castanhetas-das-rochas e peixes-papagaios no Parque Estadual Histórico Fort Zachary Taylor, cuja entrada para pedestres ou bicicletas custa US$ 2,50.

Na saída, parei na instalação ao lado, o Florida Keys Eco-Discovery Center, com entrada gratuita. Essa entidade é especializada em proteger o Santuário Marinho Nacional de Florida Keys, a única barreira de recifes da América do Norte. As exposições mostram seus mais de dois mil naufrágios, os manguezais que funcionam como berçários para espécies aquáticas e leitos de plantas marinhas com capacidade para sequestrar carbono.

“As pessoas não associam, necessariamente, as alterações climáticas ao derretimento das calotas polares. Elas não percebem, na prática, o que acontece. Mas, aqui, todo mundo pode ver como o comportamento humano afeta os recifes e a fauna marinha”, disse a gerente do centro, Emily Kovacs. E, para comprovar o que afirmava, apontou os corais no mar, fora do museu, que haviam perdido a coloração durante o verão muito quente.

Os corais vivos são cultivados no Florida Keys Eco-Discovery Center Foto: Mark Hedden/The New York Times

Mais tarde, visitei o modesto Key West Wildlife Center, também com entrada gratuita – santuário dedicado ao resgate e à reabilitação de aves selvagens. Em grandes gaiolas ao ar livre, pelicanos marrons se recuperavam de ferimentos nas bolsas da garganta, causados por ossos de peixes descartados, aves de rapina eram tratadas contra a desidratação e filhotes abandonados de galinha-d’água nadavam em uma banheira.

Quando as aves estão curadas, a maioria é devolvida à natureza no vizinho Parque Indígena Sonny McCoy, bloco meio escondido de árvores frondosas, muito popular entre os observadores de pássaros. Nessa tarde, o parque estava agitado com o canto de mariquitas-coroadas migratórias.

Um voluntário do Wildlife Center, usando longas luvas de couro, Chris Castro, retirou uma águia-pescadora majestosa do seu poleiro de reabilitação e lançou-a para o céu límpido. As asas da ave de rapina bateram energicamente, enquanto traçava uma rota sobre o mar, onde, poucos dias atrás, fora resgatada completamente encharcada.

Foi como a efêmera luz verde que se vê ao pôr do sol: o evento emocionante terminou em um instante, mas comprovou que, apesar do que dizem sobre a ilha, Key West recompensa qualquer pessoa que venha em busca do que ela oferece de melhor, não importa quanto tenha para gastar.

Tom Sweets, diretor executivo do Key West Wildlife Center, libera um falcão de asa larga reabilitado Foto: Mark Hedden/The New York Times

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