Convite para cruzeiro faz mulher questionar seus próprios medos


‘Eu não havia pensado no medo do mar agitado. Eu estava muito ocupada me preocupando com o mar calmo - a imensa extensão de nada além da água’

Por Pamela Paul

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu não estou animada para fazer um cruzeiro. Eu não sou uma “pessoa de cruzeiro”. Eu não ando de barco. Eu li Geoff Dyer e David Foster Wallace. Eu assisti a Mar em Fúria muitas vezes. E por mais que eu ame Conrad e Melville, não me passou despercebido que histórias que acontecem no mar muitas vezes terminam em desastre. Lembre-se, a última palavra no ensaio seminal de Wallace Uma coisa supostamente divertida que nunca mais farei é “medo”.

Aí está: estou com medo do meu cruzeiro.

Para David Foster Wallace, o medo era fazer Absolutamente Nada em um cruzeiro, enquanto que o meu medo é fazer absolutamente qualquer coisa em um cruzeiro. Suas preocupações eram sociológicas e existenciais: “Quem são esses passageiros de cruzeiro americanos e quem sou eu e por que estamos aqui?” Meu medo é de um nível mais básico: “E se eu quiser descer?”

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Esse seria um cruzeiro literário, e um mês antes de sua partida, eu me encontrei com uma futura companheira de navio em uma festa. Ela também era uma escritora, igualmente contratada para participar de uma série de palestras e painéis a bordo.

“Eu tenho medo de cruzeiro”, confessei.

“Ah, sim, por causa de tempestades?”, ela respondeu com um aceno de cabeça. “Parece que o mar pode estar bastante agitado nesta época do ano.”

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Pessoas acenam para um navio de cruzeiro no porto de Havana. Foto: Adalberto Roque / AFP

Eu não havia pensado no medo do mar agitado. Eu estava muito ocupada me preocupando com o mar calmo - a imensa extensão de nada além da água - para considerar que poderia haver ondas no Atlântico Norte em dezembro. Afastando-me da conversa, eu digitei “tempestades”, “travessias transatlânticas” e “inverno” no meu telefone e depois rapidamente apertei o “x” das janelas por autopreservação.

Algumas semanas depois, sem ter aprendido que isso não era um assunto animado para festas, eu mencionei o cruzeiro novamente. Mais uma vez, confessei meu medo.

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“Ah, por causa do enjoo ?”, perguntou um convidado da festa. Eu não havia pensado no medo do enjoo. Eu também não havia pensado em surtos de coronavírus ou norovírus ou outras ameaças baseadas na probabilidade ou na racionalidade. Isso levou a uma discussão sobre Dramamine e pulseiras psi, medicamentos antiansiedade e o intrigante uso off-label de anti-histamínicos para tratar ataques de pânico.

Podia ser que eu tivesse uma fobia. A talassofobia é o medo de grandes corpos d’água, e a navifobia é o medo de barcos e navios de cruzeiro. Mas minha fobia mais provável a bordo se resumia a uma das duas possibilidades. Acima do convés: agorafobia, o medo de espaços abertos amplos e de situações em que a fuga pode ser difícil. Ou abaixo do convés: claustrofobia, o medo de espaços pequenos e fechados.

Essas não são fobias especialmente populares. De acordo com o site YouGov, espaços abertos, confinamento e o oceano não são as três principais fobias dos americanos, que são, em ordem decrescente, cobras, alturas e aranhas. Mais pessoas têm medo de falar em público do que têm medo de grandes corpos d’água. (A pesquisa não perguntou sobre cruzeiros.)

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Os medos vêm em várias formas, de acordo com Mohammed Milad, professor de psiquiatria na NYU Grossman School of Medicine. Há o medo inato, com o qual nós e outros animais nascemos para garantir que cumpramos nosso trabalho aqui e procriemos. É o que faz um rato congelar de medo ao ver um gato em um laboratório, mesmo que ele nunca tenha visto um antes. Depois, há os medos adquiridos, que aprendemos desde cedo. Esses tipos de medos são irracionais e muitas vezes associativos. Não sabemos por que temos medo de algo, mas muitas vezes criamos uma história. Digamos, um médico sorri beatificamente antes de espetar seu dedo com uma agulha; você aprende a pular pela janela quando se depara com um profissional médico ou objeto afiado. Milad diz: “Criamos narrativas para ajudar a explicar e justificar emoções negativas como o medo”.

A visão infantil dos medos é que, à medida que você envelhece, você naturalmente os supera, como pode acontecer com uma alergia. Não é até a idade adulta que você percebe que, mesmo que alguns medos desapareçam - do escuro e de monstros embaixo da cama -, você adquire um novo repertório inteiro. Para muitos, isso vem com a chegada dos filhos. Você não sabia antes que tinha medo de deixar cair um recém-nascido e ele bater a moleira ou de carros atropelando carrinhos de bebê na West 86th Street, mas aí está ele. Ao nos tornarmos mais velhos e mais vulneráveis, até mesmo os medos antigos podem ganhar novo significado.

E para algumas pessoas (oi!), novos medos surgem por conta própria, quando você menos espera. Nos meus dias de solteira, quando a má sorte costumava me juntar a namorados cujo sonho era navegar pelo mundo, tornando um futuro mútuo parecer instável, terminei com um namorado que não só gostava de nadar, mas também de mergulhar. Para enganá-lo e fazê-lo pensar que eu era destemida, consegui minha licença de mergulho e mergulhei.

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Mas, uma vez submersa abaixo de 70 pés no oceano, apesar dos peixes e dos cânions e da magia geral da experiência, um fio se desenrolaria em minha mente seguindo a linha: “Imagine se agora entrasse um pouco de água do mar debaixo da lente de contato”. Eu visualizava a mim mesma nadando na neblina da narcose por nitrogênio para juntar-me aos tubarões e nunca mais ser vista. Eu imaginava um alerta vermelho mental me impelindo à superfície, embora subir muito rapidamente possa resultar na “doença de descompressão”, e eu me imaginava como um Gumby bêbado, balançando e dançando ao longo de uma calçada, sem nunca mais recuperar a capacidade mental completa.

Eu não sabia que tinha medo de ficar presa embaixo d’água até estar, de fato, embaixo d’água. E se, durante meu cruzeiro, “eu quiser sair da água”? Mas, ao contrário de David Foster Wallace, eu nunca associara o oceano “ao medo e à morte”. Gosto bastante do oceano, da praia. A verdade é que eu não sei se vou ter medo do mar aberto. Nunca estive lá.

Então, na verdade, eu não tenho medo do meu cruzeiro. Tenho medo de ter medo do cruzeiro.

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Isso significa que não é exatamente um medo, que é uma resposta aguda e específica a um estímulo - tem um urso ali! -, mas sim uma forma de ansiedade, Milad me diz. Isso deveria ser reconfortante. Eu não tenho um medo, apenas um medo prévio de um medo, o que é, na sua hipótese mais fina, uma ansiedade, e na sua hipótese mais sem graça, simplesmente preocupação. É verdade que a hipocondria leve, a imaginação selvagem, a convicção de que o pior acontecerá no momento em que eu baixar a guarda e o senso afinado de que o ridículo sempre está à espreita são todas funções essenciais do meu sistema operacional.

Por tudo o que sei, eu sairei no mar aberto e me encontrarei banhada em paz e equilíbrio. Talvez eu encontre minhas pernas marítimas. Talvez eu olhe para a vasta extensão de água e alcance um estado meditativo até então indisponível para mim em terra. Talvez eu realmente goste de fazer um cruzeiro. E isso me assusta”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu não estou animada para fazer um cruzeiro. Eu não sou uma “pessoa de cruzeiro”. Eu não ando de barco. Eu li Geoff Dyer e David Foster Wallace. Eu assisti a Mar em Fúria muitas vezes. E por mais que eu ame Conrad e Melville, não me passou despercebido que histórias que acontecem no mar muitas vezes terminam em desastre. Lembre-se, a última palavra no ensaio seminal de Wallace Uma coisa supostamente divertida que nunca mais farei é “medo”.

Aí está: estou com medo do meu cruzeiro.

Para David Foster Wallace, o medo era fazer Absolutamente Nada em um cruzeiro, enquanto que o meu medo é fazer absolutamente qualquer coisa em um cruzeiro. Suas preocupações eram sociológicas e existenciais: “Quem são esses passageiros de cruzeiro americanos e quem sou eu e por que estamos aqui?” Meu medo é de um nível mais básico: “E se eu quiser descer?”

Esse seria um cruzeiro literário, e um mês antes de sua partida, eu me encontrei com uma futura companheira de navio em uma festa. Ela também era uma escritora, igualmente contratada para participar de uma série de palestras e painéis a bordo.

“Eu tenho medo de cruzeiro”, confessei.

“Ah, sim, por causa de tempestades?”, ela respondeu com um aceno de cabeça. “Parece que o mar pode estar bastante agitado nesta época do ano.”

Pessoas acenam para um navio de cruzeiro no porto de Havana. Foto: Adalberto Roque / AFP

Eu não havia pensado no medo do mar agitado. Eu estava muito ocupada me preocupando com o mar calmo - a imensa extensão de nada além da água - para considerar que poderia haver ondas no Atlântico Norte em dezembro. Afastando-me da conversa, eu digitei “tempestades”, “travessias transatlânticas” e “inverno” no meu telefone e depois rapidamente apertei o “x” das janelas por autopreservação.

Algumas semanas depois, sem ter aprendido que isso não era um assunto animado para festas, eu mencionei o cruzeiro novamente. Mais uma vez, confessei meu medo.

“Ah, por causa do enjoo ?”, perguntou um convidado da festa. Eu não havia pensado no medo do enjoo. Eu também não havia pensado em surtos de coronavírus ou norovírus ou outras ameaças baseadas na probabilidade ou na racionalidade. Isso levou a uma discussão sobre Dramamine e pulseiras psi, medicamentos antiansiedade e o intrigante uso off-label de anti-histamínicos para tratar ataques de pânico.

Podia ser que eu tivesse uma fobia. A talassofobia é o medo de grandes corpos d’água, e a navifobia é o medo de barcos e navios de cruzeiro. Mas minha fobia mais provável a bordo se resumia a uma das duas possibilidades. Acima do convés: agorafobia, o medo de espaços abertos amplos e de situações em que a fuga pode ser difícil. Ou abaixo do convés: claustrofobia, o medo de espaços pequenos e fechados.

Essas não são fobias especialmente populares. De acordo com o site YouGov, espaços abertos, confinamento e o oceano não são as três principais fobias dos americanos, que são, em ordem decrescente, cobras, alturas e aranhas. Mais pessoas têm medo de falar em público do que têm medo de grandes corpos d’água. (A pesquisa não perguntou sobre cruzeiros.)

Os medos vêm em várias formas, de acordo com Mohammed Milad, professor de psiquiatria na NYU Grossman School of Medicine. Há o medo inato, com o qual nós e outros animais nascemos para garantir que cumpramos nosso trabalho aqui e procriemos. É o que faz um rato congelar de medo ao ver um gato em um laboratório, mesmo que ele nunca tenha visto um antes. Depois, há os medos adquiridos, que aprendemos desde cedo. Esses tipos de medos são irracionais e muitas vezes associativos. Não sabemos por que temos medo de algo, mas muitas vezes criamos uma história. Digamos, um médico sorri beatificamente antes de espetar seu dedo com uma agulha; você aprende a pular pela janela quando se depara com um profissional médico ou objeto afiado. Milad diz: “Criamos narrativas para ajudar a explicar e justificar emoções negativas como o medo”.

A visão infantil dos medos é que, à medida que você envelhece, você naturalmente os supera, como pode acontecer com uma alergia. Não é até a idade adulta que você percebe que, mesmo que alguns medos desapareçam - do escuro e de monstros embaixo da cama -, você adquire um novo repertório inteiro. Para muitos, isso vem com a chegada dos filhos. Você não sabia antes que tinha medo de deixar cair um recém-nascido e ele bater a moleira ou de carros atropelando carrinhos de bebê na West 86th Street, mas aí está ele. Ao nos tornarmos mais velhos e mais vulneráveis, até mesmo os medos antigos podem ganhar novo significado.

E para algumas pessoas (oi!), novos medos surgem por conta própria, quando você menos espera. Nos meus dias de solteira, quando a má sorte costumava me juntar a namorados cujo sonho era navegar pelo mundo, tornando um futuro mútuo parecer instável, terminei com um namorado que não só gostava de nadar, mas também de mergulhar. Para enganá-lo e fazê-lo pensar que eu era destemida, consegui minha licença de mergulho e mergulhei.

Mas, uma vez submersa abaixo de 70 pés no oceano, apesar dos peixes e dos cânions e da magia geral da experiência, um fio se desenrolaria em minha mente seguindo a linha: “Imagine se agora entrasse um pouco de água do mar debaixo da lente de contato”. Eu visualizava a mim mesma nadando na neblina da narcose por nitrogênio para juntar-me aos tubarões e nunca mais ser vista. Eu imaginava um alerta vermelho mental me impelindo à superfície, embora subir muito rapidamente possa resultar na “doença de descompressão”, e eu me imaginava como um Gumby bêbado, balançando e dançando ao longo de uma calçada, sem nunca mais recuperar a capacidade mental completa.

Eu não sabia que tinha medo de ficar presa embaixo d’água até estar, de fato, embaixo d’água. E se, durante meu cruzeiro, “eu quiser sair da água”? Mas, ao contrário de David Foster Wallace, eu nunca associara o oceano “ao medo e à morte”. Gosto bastante do oceano, da praia. A verdade é que eu não sei se vou ter medo do mar aberto. Nunca estive lá.

Então, na verdade, eu não tenho medo do meu cruzeiro. Tenho medo de ter medo do cruzeiro.

Isso significa que não é exatamente um medo, que é uma resposta aguda e específica a um estímulo - tem um urso ali! -, mas sim uma forma de ansiedade, Milad me diz. Isso deveria ser reconfortante. Eu não tenho um medo, apenas um medo prévio de um medo, o que é, na sua hipótese mais fina, uma ansiedade, e na sua hipótese mais sem graça, simplesmente preocupação. É verdade que a hipocondria leve, a imaginação selvagem, a convicção de que o pior acontecerá no momento em que eu baixar a guarda e o senso afinado de que o ridículo sempre está à espreita são todas funções essenciais do meu sistema operacional.

Por tudo o que sei, eu sairei no mar aberto e me encontrarei banhada em paz e equilíbrio. Talvez eu encontre minhas pernas marítimas. Talvez eu olhe para a vasta extensão de água e alcance um estado meditativo até então indisponível para mim em terra. Talvez eu realmente goste de fazer um cruzeiro. E isso me assusta”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu não estou animada para fazer um cruzeiro. Eu não sou uma “pessoa de cruzeiro”. Eu não ando de barco. Eu li Geoff Dyer e David Foster Wallace. Eu assisti a Mar em Fúria muitas vezes. E por mais que eu ame Conrad e Melville, não me passou despercebido que histórias que acontecem no mar muitas vezes terminam em desastre. Lembre-se, a última palavra no ensaio seminal de Wallace Uma coisa supostamente divertida que nunca mais farei é “medo”.

Aí está: estou com medo do meu cruzeiro.

Para David Foster Wallace, o medo era fazer Absolutamente Nada em um cruzeiro, enquanto que o meu medo é fazer absolutamente qualquer coisa em um cruzeiro. Suas preocupações eram sociológicas e existenciais: “Quem são esses passageiros de cruzeiro americanos e quem sou eu e por que estamos aqui?” Meu medo é de um nível mais básico: “E se eu quiser descer?”

Esse seria um cruzeiro literário, e um mês antes de sua partida, eu me encontrei com uma futura companheira de navio em uma festa. Ela também era uma escritora, igualmente contratada para participar de uma série de palestras e painéis a bordo.

“Eu tenho medo de cruzeiro”, confessei.

“Ah, sim, por causa de tempestades?”, ela respondeu com um aceno de cabeça. “Parece que o mar pode estar bastante agitado nesta época do ano.”

Pessoas acenam para um navio de cruzeiro no porto de Havana. Foto: Adalberto Roque / AFP

Eu não havia pensado no medo do mar agitado. Eu estava muito ocupada me preocupando com o mar calmo - a imensa extensão de nada além da água - para considerar que poderia haver ondas no Atlântico Norte em dezembro. Afastando-me da conversa, eu digitei “tempestades”, “travessias transatlânticas” e “inverno” no meu telefone e depois rapidamente apertei o “x” das janelas por autopreservação.

Algumas semanas depois, sem ter aprendido que isso não era um assunto animado para festas, eu mencionei o cruzeiro novamente. Mais uma vez, confessei meu medo.

“Ah, por causa do enjoo ?”, perguntou um convidado da festa. Eu não havia pensado no medo do enjoo. Eu também não havia pensado em surtos de coronavírus ou norovírus ou outras ameaças baseadas na probabilidade ou na racionalidade. Isso levou a uma discussão sobre Dramamine e pulseiras psi, medicamentos antiansiedade e o intrigante uso off-label de anti-histamínicos para tratar ataques de pânico.

Podia ser que eu tivesse uma fobia. A talassofobia é o medo de grandes corpos d’água, e a navifobia é o medo de barcos e navios de cruzeiro. Mas minha fobia mais provável a bordo se resumia a uma das duas possibilidades. Acima do convés: agorafobia, o medo de espaços abertos amplos e de situações em que a fuga pode ser difícil. Ou abaixo do convés: claustrofobia, o medo de espaços pequenos e fechados.

Essas não são fobias especialmente populares. De acordo com o site YouGov, espaços abertos, confinamento e o oceano não são as três principais fobias dos americanos, que são, em ordem decrescente, cobras, alturas e aranhas. Mais pessoas têm medo de falar em público do que têm medo de grandes corpos d’água. (A pesquisa não perguntou sobre cruzeiros.)

Os medos vêm em várias formas, de acordo com Mohammed Milad, professor de psiquiatria na NYU Grossman School of Medicine. Há o medo inato, com o qual nós e outros animais nascemos para garantir que cumpramos nosso trabalho aqui e procriemos. É o que faz um rato congelar de medo ao ver um gato em um laboratório, mesmo que ele nunca tenha visto um antes. Depois, há os medos adquiridos, que aprendemos desde cedo. Esses tipos de medos são irracionais e muitas vezes associativos. Não sabemos por que temos medo de algo, mas muitas vezes criamos uma história. Digamos, um médico sorri beatificamente antes de espetar seu dedo com uma agulha; você aprende a pular pela janela quando se depara com um profissional médico ou objeto afiado. Milad diz: “Criamos narrativas para ajudar a explicar e justificar emoções negativas como o medo”.

A visão infantil dos medos é que, à medida que você envelhece, você naturalmente os supera, como pode acontecer com uma alergia. Não é até a idade adulta que você percebe que, mesmo que alguns medos desapareçam - do escuro e de monstros embaixo da cama -, você adquire um novo repertório inteiro. Para muitos, isso vem com a chegada dos filhos. Você não sabia antes que tinha medo de deixar cair um recém-nascido e ele bater a moleira ou de carros atropelando carrinhos de bebê na West 86th Street, mas aí está ele. Ao nos tornarmos mais velhos e mais vulneráveis, até mesmo os medos antigos podem ganhar novo significado.

E para algumas pessoas (oi!), novos medos surgem por conta própria, quando você menos espera. Nos meus dias de solteira, quando a má sorte costumava me juntar a namorados cujo sonho era navegar pelo mundo, tornando um futuro mútuo parecer instável, terminei com um namorado que não só gostava de nadar, mas também de mergulhar. Para enganá-lo e fazê-lo pensar que eu era destemida, consegui minha licença de mergulho e mergulhei.

Mas, uma vez submersa abaixo de 70 pés no oceano, apesar dos peixes e dos cânions e da magia geral da experiência, um fio se desenrolaria em minha mente seguindo a linha: “Imagine se agora entrasse um pouco de água do mar debaixo da lente de contato”. Eu visualizava a mim mesma nadando na neblina da narcose por nitrogênio para juntar-me aos tubarões e nunca mais ser vista. Eu imaginava um alerta vermelho mental me impelindo à superfície, embora subir muito rapidamente possa resultar na “doença de descompressão”, e eu me imaginava como um Gumby bêbado, balançando e dançando ao longo de uma calçada, sem nunca mais recuperar a capacidade mental completa.

Eu não sabia que tinha medo de ficar presa embaixo d’água até estar, de fato, embaixo d’água. E se, durante meu cruzeiro, “eu quiser sair da água”? Mas, ao contrário de David Foster Wallace, eu nunca associara o oceano “ao medo e à morte”. Gosto bastante do oceano, da praia. A verdade é que eu não sei se vou ter medo do mar aberto. Nunca estive lá.

Então, na verdade, eu não tenho medo do meu cruzeiro. Tenho medo de ter medo do cruzeiro.

Isso significa que não é exatamente um medo, que é uma resposta aguda e específica a um estímulo - tem um urso ali! -, mas sim uma forma de ansiedade, Milad me diz. Isso deveria ser reconfortante. Eu não tenho um medo, apenas um medo prévio de um medo, o que é, na sua hipótese mais fina, uma ansiedade, e na sua hipótese mais sem graça, simplesmente preocupação. É verdade que a hipocondria leve, a imaginação selvagem, a convicção de que o pior acontecerá no momento em que eu baixar a guarda e o senso afinado de que o ridículo sempre está à espreita são todas funções essenciais do meu sistema operacional.

Por tudo o que sei, eu sairei no mar aberto e me encontrarei banhada em paz e equilíbrio. Talvez eu encontre minhas pernas marítimas. Talvez eu olhe para a vasta extensão de água e alcance um estado meditativo até então indisponível para mim em terra. Talvez eu realmente goste de fazer um cruzeiro. E isso me assusta”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu não estou animada para fazer um cruzeiro. Eu não sou uma “pessoa de cruzeiro”. Eu não ando de barco. Eu li Geoff Dyer e David Foster Wallace. Eu assisti a Mar em Fúria muitas vezes. E por mais que eu ame Conrad e Melville, não me passou despercebido que histórias que acontecem no mar muitas vezes terminam em desastre. Lembre-se, a última palavra no ensaio seminal de Wallace Uma coisa supostamente divertida que nunca mais farei é “medo”.

Aí está: estou com medo do meu cruzeiro.

Para David Foster Wallace, o medo era fazer Absolutamente Nada em um cruzeiro, enquanto que o meu medo é fazer absolutamente qualquer coisa em um cruzeiro. Suas preocupações eram sociológicas e existenciais: “Quem são esses passageiros de cruzeiro americanos e quem sou eu e por que estamos aqui?” Meu medo é de um nível mais básico: “E se eu quiser descer?”

Esse seria um cruzeiro literário, e um mês antes de sua partida, eu me encontrei com uma futura companheira de navio em uma festa. Ela também era uma escritora, igualmente contratada para participar de uma série de palestras e painéis a bordo.

“Eu tenho medo de cruzeiro”, confessei.

“Ah, sim, por causa de tempestades?”, ela respondeu com um aceno de cabeça. “Parece que o mar pode estar bastante agitado nesta época do ano.”

Pessoas acenam para um navio de cruzeiro no porto de Havana. Foto: Adalberto Roque / AFP

Eu não havia pensado no medo do mar agitado. Eu estava muito ocupada me preocupando com o mar calmo - a imensa extensão de nada além da água - para considerar que poderia haver ondas no Atlântico Norte em dezembro. Afastando-me da conversa, eu digitei “tempestades”, “travessias transatlânticas” e “inverno” no meu telefone e depois rapidamente apertei o “x” das janelas por autopreservação.

Algumas semanas depois, sem ter aprendido que isso não era um assunto animado para festas, eu mencionei o cruzeiro novamente. Mais uma vez, confessei meu medo.

“Ah, por causa do enjoo ?”, perguntou um convidado da festa. Eu não havia pensado no medo do enjoo. Eu também não havia pensado em surtos de coronavírus ou norovírus ou outras ameaças baseadas na probabilidade ou na racionalidade. Isso levou a uma discussão sobre Dramamine e pulseiras psi, medicamentos antiansiedade e o intrigante uso off-label de anti-histamínicos para tratar ataques de pânico.

Podia ser que eu tivesse uma fobia. A talassofobia é o medo de grandes corpos d’água, e a navifobia é o medo de barcos e navios de cruzeiro. Mas minha fobia mais provável a bordo se resumia a uma das duas possibilidades. Acima do convés: agorafobia, o medo de espaços abertos amplos e de situações em que a fuga pode ser difícil. Ou abaixo do convés: claustrofobia, o medo de espaços pequenos e fechados.

Essas não são fobias especialmente populares. De acordo com o site YouGov, espaços abertos, confinamento e o oceano não são as três principais fobias dos americanos, que são, em ordem decrescente, cobras, alturas e aranhas. Mais pessoas têm medo de falar em público do que têm medo de grandes corpos d’água. (A pesquisa não perguntou sobre cruzeiros.)

Os medos vêm em várias formas, de acordo com Mohammed Milad, professor de psiquiatria na NYU Grossman School of Medicine. Há o medo inato, com o qual nós e outros animais nascemos para garantir que cumpramos nosso trabalho aqui e procriemos. É o que faz um rato congelar de medo ao ver um gato em um laboratório, mesmo que ele nunca tenha visto um antes. Depois, há os medos adquiridos, que aprendemos desde cedo. Esses tipos de medos são irracionais e muitas vezes associativos. Não sabemos por que temos medo de algo, mas muitas vezes criamos uma história. Digamos, um médico sorri beatificamente antes de espetar seu dedo com uma agulha; você aprende a pular pela janela quando se depara com um profissional médico ou objeto afiado. Milad diz: “Criamos narrativas para ajudar a explicar e justificar emoções negativas como o medo”.

A visão infantil dos medos é que, à medida que você envelhece, você naturalmente os supera, como pode acontecer com uma alergia. Não é até a idade adulta que você percebe que, mesmo que alguns medos desapareçam - do escuro e de monstros embaixo da cama -, você adquire um novo repertório inteiro. Para muitos, isso vem com a chegada dos filhos. Você não sabia antes que tinha medo de deixar cair um recém-nascido e ele bater a moleira ou de carros atropelando carrinhos de bebê na West 86th Street, mas aí está ele. Ao nos tornarmos mais velhos e mais vulneráveis, até mesmo os medos antigos podem ganhar novo significado.

E para algumas pessoas (oi!), novos medos surgem por conta própria, quando você menos espera. Nos meus dias de solteira, quando a má sorte costumava me juntar a namorados cujo sonho era navegar pelo mundo, tornando um futuro mútuo parecer instável, terminei com um namorado que não só gostava de nadar, mas também de mergulhar. Para enganá-lo e fazê-lo pensar que eu era destemida, consegui minha licença de mergulho e mergulhei.

Mas, uma vez submersa abaixo de 70 pés no oceano, apesar dos peixes e dos cânions e da magia geral da experiência, um fio se desenrolaria em minha mente seguindo a linha: “Imagine se agora entrasse um pouco de água do mar debaixo da lente de contato”. Eu visualizava a mim mesma nadando na neblina da narcose por nitrogênio para juntar-me aos tubarões e nunca mais ser vista. Eu imaginava um alerta vermelho mental me impelindo à superfície, embora subir muito rapidamente possa resultar na “doença de descompressão”, e eu me imaginava como um Gumby bêbado, balançando e dançando ao longo de uma calçada, sem nunca mais recuperar a capacidade mental completa.

Eu não sabia que tinha medo de ficar presa embaixo d’água até estar, de fato, embaixo d’água. E se, durante meu cruzeiro, “eu quiser sair da água”? Mas, ao contrário de David Foster Wallace, eu nunca associara o oceano “ao medo e à morte”. Gosto bastante do oceano, da praia. A verdade é que eu não sei se vou ter medo do mar aberto. Nunca estive lá.

Então, na verdade, eu não tenho medo do meu cruzeiro. Tenho medo de ter medo do cruzeiro.

Isso significa que não é exatamente um medo, que é uma resposta aguda e específica a um estímulo - tem um urso ali! -, mas sim uma forma de ansiedade, Milad me diz. Isso deveria ser reconfortante. Eu não tenho um medo, apenas um medo prévio de um medo, o que é, na sua hipótese mais fina, uma ansiedade, e na sua hipótese mais sem graça, simplesmente preocupação. É verdade que a hipocondria leve, a imaginação selvagem, a convicção de que o pior acontecerá no momento em que eu baixar a guarda e o senso afinado de que o ridículo sempre está à espreita são todas funções essenciais do meu sistema operacional.

Por tudo o que sei, eu sairei no mar aberto e me encontrarei banhada em paz e equilíbrio. Talvez eu encontre minhas pernas marítimas. Talvez eu olhe para a vasta extensão de água e alcance um estado meditativo até então indisponível para mim em terra. Talvez eu realmente goste de fazer um cruzeiro. E isso me assusta”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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