O que sonhamos quando nosso sonho é sobre a covid-19


Vários estudos recentes procuram esclarecer as preocupações com a pandemia quando as pessoas dormem

Por Benedict Carey
Atualização:

Os enxames de insetos – às vezes são mosquitos, vespas ou formigas voadoras – apareceram este ano nos pesadelos. Com o verão, surgem sonhos igualmente perturbadores: ser pego nu e sem máscara em meio a uma multidão, sonhos com homens reunidos num laboratório com suas roupas brancas que declaram “Vamos nos desfazer dos idosos”.

O outono [no hemisfério norte] trouxe também dramas assustadores, particularmente para as mulheres cuidando de um parente vulnerável ou tentando dar aulas virtuais em casa para as crianças. “Estou dando aulas para meu filho de 10 anos”, disse uma mãe para os pesquisados em um recente estudo sobre sonhos na pandemia.

StockSnap/Pixabay 
continua após a publicidade

“Sonhei que a escola me contatou para dizer que havia decidido que a classe inteira do meu filho viria para minha casa e eu tinha de ensinar todas elas durante todo o tempo em que a escola permanecesse fechada”. Deirdre Barrett, psicóloga da Escola de Medicina de Harvard e autora do livro Pandemic Dreams (Sonhos da Pandemia, em tradução livre), fez várias pesquisas sobre sonhos com milhares de pessoas no ano passado, incluindo a feita com a mãe que dava aulas em casa para os filhos.

“Pelo menos qualitativamente, você observa algumas mudanças no conteúdo dos sonhos a partir do início da pandemia de coronavírus até os meses mais recentes. É uma indicação do que está preocupando mais as pessoas em vários pontos durante o ano”. Barrett é editora-chefe da revista Dreaming, que na sua edição de setembro trouxe quatro novos informes sobre como cérebro durante o sono tem incorporado a ameaça da covid-19.

As conclusões reforçam uma ideia corrente sobre como a ansiedade das pessoas quando acordadas interfere durante o sono REM (em inglês, Rapid Eye Movement, que é o período de sono durante o qual as pessoas sonham), em imagens ou metáforas representando as preocupações mais urgentes, se envolvem a captura do coronavírus (as nuvens de insetos) ou a violação dos protocolos sobre o uso de máscaras).

continua após a publicidade

No seu conjunto, os quatro estudos também inferem uma resposta a uma pergunta mais geral: qual é a finalidade do sonho, se é que existe uma? As respostas oferecidas pela ciência parecem se excluir mutuamente. Freud entendia o sonho como a realização de um desejo. O psicólogo finlandês Antti Revonsuo os vê como simulações de ameaças iminentes.

Nos últimos anos, cientistas que pesquisam o cérebro têm afirmado que o sono REM estimula o pensamento, o aprendizado e a saúde emocional, oferecendo uma espécie de psicoterapia inconsciente. E de novo, existem algumas evidências de que sonhar pouco, ou nada, atende a um objetivo psicológico, nada mais é do que um “estado mental em preparação para tomar consciência”, como afirmou o psiquiatra de Harvard J. Allan Hobson.

Os quatro novos estudos estão enraizados na ideia mais clara chamada de hipótese de continuidade, segundo a qual o conteúdo dos sonhos simplesmente reflete o que a pessoa pensou, sentiu e fez durante o dia – o bom e o mau, a esperança e o assustador. Em um estudo, Cassidy McKay e Tereza DeCicco, da Trent University, no Canadá, compararam diários de sonhos de alunos nas primeiras duas semanas de contágio do coronavírus na América do Norte, com diários de alunos registrados bem antes de se ouvir falar em covid-19.

continua após a publicidade

As pesquisadoras colocaram cada imagem, usando uma medida padronizada, em categorias tendo por base partes do corpo, animais, alimento e objetos médicos. As diferenças observadas nos registros no início da pandemia dispararam. “As pessoas estavam claramente pensando em eventos relacionados ao coronavírus, como esperar em filas de supermercados, e havia cabeças nos seus sonhos, uma parte do corpo associada à ideia de contrair e propagar o vírus”, disse DeCicco.

Pessoas que sofrem de uma ansiedade persistente, quando acordadas, também tendem a desenvolver cenários envolvendo um trabalho futuro, relacionamentos e a vida durante o dia. Uma pesquisa anterior correlacionou este padrão à mudança de cenário nos sonhos: mudança frequente de local, de dentro para fora, de cidade para país, de montanhas para a costa.

reference
continua após a publicidade

MacKay e DeCicco concluíram que, durante a primeira fase da pandemia, as pessoas registraram mudanças desse tipo com muito mais frequência nos seus minidramas durante o sono. “Estes são sonhos clássicos de ansiedade”, disse DeCicco. Em um outro estudo, Barrett recrutou quase três mil pessoas on-line para monitorarem, descreverem e escreverem sobre seus sonhos.

Ela avaliou o conteúdo desses ensaios usando um algoritmo de análise de linguagem que mapeia as palavras em categorias como “cólera”, “tristeza”, “corpo”, saúde” e “morte”. Estes sonhos também tinham todos a marca distintiva da ansiedade aumentada quando a pessoa estava desperta, mas as emoções como cólera e tristeza eram muito mais prevalentes nas mulheres do que nos homens.

“Não esperava isto, mas as conclusões sugerem para mim a ideia de que os homens estão vivenciando principalmente o temor de adoecerem e morrerem, medos com a saúde”, disse Barrett. “As mulheres vêm sofrendo efeitos mais secundários: elas costumam ser as que cuidam dos membros da família doentes, com mais frequência do que os homens, por exemplo”.

continua após a publicidade

Nem todos os sonhos, nos quatro estudos, estavam impregnados de trevas e medo. Muitos eram prazerosos, ou sugerindo o controle e a eliminação do vírus. Esses sonhos incluíam desejos e ameaças, medidas saudáveis e erros e ajustes às notícias da propagação: um processo emocional e de aprendizado.

E havia também injeções periódicas de esperança. Em resumo, os estudos sugerem que sonhar não atende apenas um único propósito, mas muitos. Para os que sonham diariamente durante a pandemia basta saber que os pesadelos com a covid-19, como outros, tendem a ser exagerados. “Foi assustador no sonho, mas você acorda e é engraçado. A crise é menor do que você imagina”. Os alunos da sua turma não estão invadindo sua casa. As roupas de proteção não estão do lado de fora da porta. Podemos sobreviver a isto, afinal. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Os enxames de insetos – às vezes são mosquitos, vespas ou formigas voadoras – apareceram este ano nos pesadelos. Com o verão, surgem sonhos igualmente perturbadores: ser pego nu e sem máscara em meio a uma multidão, sonhos com homens reunidos num laboratório com suas roupas brancas que declaram “Vamos nos desfazer dos idosos”.

O outono [no hemisfério norte] trouxe também dramas assustadores, particularmente para as mulheres cuidando de um parente vulnerável ou tentando dar aulas virtuais em casa para as crianças. “Estou dando aulas para meu filho de 10 anos”, disse uma mãe para os pesquisados em um recente estudo sobre sonhos na pandemia.

StockSnap/Pixabay 

“Sonhei que a escola me contatou para dizer que havia decidido que a classe inteira do meu filho viria para minha casa e eu tinha de ensinar todas elas durante todo o tempo em que a escola permanecesse fechada”. Deirdre Barrett, psicóloga da Escola de Medicina de Harvard e autora do livro Pandemic Dreams (Sonhos da Pandemia, em tradução livre), fez várias pesquisas sobre sonhos com milhares de pessoas no ano passado, incluindo a feita com a mãe que dava aulas em casa para os filhos.

“Pelo menos qualitativamente, você observa algumas mudanças no conteúdo dos sonhos a partir do início da pandemia de coronavírus até os meses mais recentes. É uma indicação do que está preocupando mais as pessoas em vários pontos durante o ano”. Barrett é editora-chefe da revista Dreaming, que na sua edição de setembro trouxe quatro novos informes sobre como cérebro durante o sono tem incorporado a ameaça da covid-19.

As conclusões reforçam uma ideia corrente sobre como a ansiedade das pessoas quando acordadas interfere durante o sono REM (em inglês, Rapid Eye Movement, que é o período de sono durante o qual as pessoas sonham), em imagens ou metáforas representando as preocupações mais urgentes, se envolvem a captura do coronavírus (as nuvens de insetos) ou a violação dos protocolos sobre o uso de máscaras).

No seu conjunto, os quatro estudos também inferem uma resposta a uma pergunta mais geral: qual é a finalidade do sonho, se é que existe uma? As respostas oferecidas pela ciência parecem se excluir mutuamente. Freud entendia o sonho como a realização de um desejo. O psicólogo finlandês Antti Revonsuo os vê como simulações de ameaças iminentes.

Nos últimos anos, cientistas que pesquisam o cérebro têm afirmado que o sono REM estimula o pensamento, o aprendizado e a saúde emocional, oferecendo uma espécie de psicoterapia inconsciente. E de novo, existem algumas evidências de que sonhar pouco, ou nada, atende a um objetivo psicológico, nada mais é do que um “estado mental em preparação para tomar consciência”, como afirmou o psiquiatra de Harvard J. Allan Hobson.

Os quatro novos estudos estão enraizados na ideia mais clara chamada de hipótese de continuidade, segundo a qual o conteúdo dos sonhos simplesmente reflete o que a pessoa pensou, sentiu e fez durante o dia – o bom e o mau, a esperança e o assustador. Em um estudo, Cassidy McKay e Tereza DeCicco, da Trent University, no Canadá, compararam diários de sonhos de alunos nas primeiras duas semanas de contágio do coronavírus na América do Norte, com diários de alunos registrados bem antes de se ouvir falar em covid-19.

As pesquisadoras colocaram cada imagem, usando uma medida padronizada, em categorias tendo por base partes do corpo, animais, alimento e objetos médicos. As diferenças observadas nos registros no início da pandemia dispararam. “As pessoas estavam claramente pensando em eventos relacionados ao coronavírus, como esperar em filas de supermercados, e havia cabeças nos seus sonhos, uma parte do corpo associada à ideia de contrair e propagar o vírus”, disse DeCicco.

Pessoas que sofrem de uma ansiedade persistente, quando acordadas, também tendem a desenvolver cenários envolvendo um trabalho futuro, relacionamentos e a vida durante o dia. Uma pesquisa anterior correlacionou este padrão à mudança de cenário nos sonhos: mudança frequente de local, de dentro para fora, de cidade para país, de montanhas para a costa.

reference

MacKay e DeCicco concluíram que, durante a primeira fase da pandemia, as pessoas registraram mudanças desse tipo com muito mais frequência nos seus minidramas durante o sono. “Estes são sonhos clássicos de ansiedade”, disse DeCicco. Em um outro estudo, Barrett recrutou quase três mil pessoas on-line para monitorarem, descreverem e escreverem sobre seus sonhos.

Ela avaliou o conteúdo desses ensaios usando um algoritmo de análise de linguagem que mapeia as palavras em categorias como “cólera”, “tristeza”, “corpo”, saúde” e “morte”. Estes sonhos também tinham todos a marca distintiva da ansiedade aumentada quando a pessoa estava desperta, mas as emoções como cólera e tristeza eram muito mais prevalentes nas mulheres do que nos homens.

“Não esperava isto, mas as conclusões sugerem para mim a ideia de que os homens estão vivenciando principalmente o temor de adoecerem e morrerem, medos com a saúde”, disse Barrett. “As mulheres vêm sofrendo efeitos mais secundários: elas costumam ser as que cuidam dos membros da família doentes, com mais frequência do que os homens, por exemplo”.

Nem todos os sonhos, nos quatro estudos, estavam impregnados de trevas e medo. Muitos eram prazerosos, ou sugerindo o controle e a eliminação do vírus. Esses sonhos incluíam desejos e ameaças, medidas saudáveis e erros e ajustes às notícias da propagação: um processo emocional e de aprendizado.

E havia também injeções periódicas de esperança. Em resumo, os estudos sugerem que sonhar não atende apenas um único propósito, mas muitos. Para os que sonham diariamente durante a pandemia basta saber que os pesadelos com a covid-19, como outros, tendem a ser exagerados. “Foi assustador no sonho, mas você acorda e é engraçado. A crise é menor do que você imagina”. Os alunos da sua turma não estão invadindo sua casa. As roupas de proteção não estão do lado de fora da porta. Podemos sobreviver a isto, afinal. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Os enxames de insetos – às vezes são mosquitos, vespas ou formigas voadoras – apareceram este ano nos pesadelos. Com o verão, surgem sonhos igualmente perturbadores: ser pego nu e sem máscara em meio a uma multidão, sonhos com homens reunidos num laboratório com suas roupas brancas que declaram “Vamos nos desfazer dos idosos”.

O outono [no hemisfério norte] trouxe também dramas assustadores, particularmente para as mulheres cuidando de um parente vulnerável ou tentando dar aulas virtuais em casa para as crianças. “Estou dando aulas para meu filho de 10 anos”, disse uma mãe para os pesquisados em um recente estudo sobre sonhos na pandemia.

StockSnap/Pixabay 

“Sonhei que a escola me contatou para dizer que havia decidido que a classe inteira do meu filho viria para minha casa e eu tinha de ensinar todas elas durante todo o tempo em que a escola permanecesse fechada”. Deirdre Barrett, psicóloga da Escola de Medicina de Harvard e autora do livro Pandemic Dreams (Sonhos da Pandemia, em tradução livre), fez várias pesquisas sobre sonhos com milhares de pessoas no ano passado, incluindo a feita com a mãe que dava aulas em casa para os filhos.

“Pelo menos qualitativamente, você observa algumas mudanças no conteúdo dos sonhos a partir do início da pandemia de coronavírus até os meses mais recentes. É uma indicação do que está preocupando mais as pessoas em vários pontos durante o ano”. Barrett é editora-chefe da revista Dreaming, que na sua edição de setembro trouxe quatro novos informes sobre como cérebro durante o sono tem incorporado a ameaça da covid-19.

As conclusões reforçam uma ideia corrente sobre como a ansiedade das pessoas quando acordadas interfere durante o sono REM (em inglês, Rapid Eye Movement, que é o período de sono durante o qual as pessoas sonham), em imagens ou metáforas representando as preocupações mais urgentes, se envolvem a captura do coronavírus (as nuvens de insetos) ou a violação dos protocolos sobre o uso de máscaras).

No seu conjunto, os quatro estudos também inferem uma resposta a uma pergunta mais geral: qual é a finalidade do sonho, se é que existe uma? As respostas oferecidas pela ciência parecem se excluir mutuamente. Freud entendia o sonho como a realização de um desejo. O psicólogo finlandês Antti Revonsuo os vê como simulações de ameaças iminentes.

Nos últimos anos, cientistas que pesquisam o cérebro têm afirmado que o sono REM estimula o pensamento, o aprendizado e a saúde emocional, oferecendo uma espécie de psicoterapia inconsciente. E de novo, existem algumas evidências de que sonhar pouco, ou nada, atende a um objetivo psicológico, nada mais é do que um “estado mental em preparação para tomar consciência”, como afirmou o psiquiatra de Harvard J. Allan Hobson.

Os quatro novos estudos estão enraizados na ideia mais clara chamada de hipótese de continuidade, segundo a qual o conteúdo dos sonhos simplesmente reflete o que a pessoa pensou, sentiu e fez durante o dia – o bom e o mau, a esperança e o assustador. Em um estudo, Cassidy McKay e Tereza DeCicco, da Trent University, no Canadá, compararam diários de sonhos de alunos nas primeiras duas semanas de contágio do coronavírus na América do Norte, com diários de alunos registrados bem antes de se ouvir falar em covid-19.

As pesquisadoras colocaram cada imagem, usando uma medida padronizada, em categorias tendo por base partes do corpo, animais, alimento e objetos médicos. As diferenças observadas nos registros no início da pandemia dispararam. “As pessoas estavam claramente pensando em eventos relacionados ao coronavírus, como esperar em filas de supermercados, e havia cabeças nos seus sonhos, uma parte do corpo associada à ideia de contrair e propagar o vírus”, disse DeCicco.

Pessoas que sofrem de uma ansiedade persistente, quando acordadas, também tendem a desenvolver cenários envolvendo um trabalho futuro, relacionamentos e a vida durante o dia. Uma pesquisa anterior correlacionou este padrão à mudança de cenário nos sonhos: mudança frequente de local, de dentro para fora, de cidade para país, de montanhas para a costa.

reference

MacKay e DeCicco concluíram que, durante a primeira fase da pandemia, as pessoas registraram mudanças desse tipo com muito mais frequência nos seus minidramas durante o sono. “Estes são sonhos clássicos de ansiedade”, disse DeCicco. Em um outro estudo, Barrett recrutou quase três mil pessoas on-line para monitorarem, descreverem e escreverem sobre seus sonhos.

Ela avaliou o conteúdo desses ensaios usando um algoritmo de análise de linguagem que mapeia as palavras em categorias como “cólera”, “tristeza”, “corpo”, saúde” e “morte”. Estes sonhos também tinham todos a marca distintiva da ansiedade aumentada quando a pessoa estava desperta, mas as emoções como cólera e tristeza eram muito mais prevalentes nas mulheres do que nos homens.

“Não esperava isto, mas as conclusões sugerem para mim a ideia de que os homens estão vivenciando principalmente o temor de adoecerem e morrerem, medos com a saúde”, disse Barrett. “As mulheres vêm sofrendo efeitos mais secundários: elas costumam ser as que cuidam dos membros da família doentes, com mais frequência do que os homens, por exemplo”.

Nem todos os sonhos, nos quatro estudos, estavam impregnados de trevas e medo. Muitos eram prazerosos, ou sugerindo o controle e a eliminação do vírus. Esses sonhos incluíam desejos e ameaças, medidas saudáveis e erros e ajustes às notícias da propagação: um processo emocional e de aprendizado.

E havia também injeções periódicas de esperança. Em resumo, os estudos sugerem que sonhar não atende apenas um único propósito, mas muitos. Para os que sonham diariamente durante a pandemia basta saber que os pesadelos com a covid-19, como outros, tendem a ser exagerados. “Foi assustador no sonho, mas você acorda e é engraçado. A crise é menor do que você imagina”. Os alunos da sua turma não estão invadindo sua casa. As roupas de proteção não estão do lado de fora da porta. Podemos sobreviver a isto, afinal. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Os enxames de insetos – às vezes são mosquitos, vespas ou formigas voadoras – apareceram este ano nos pesadelos. Com o verão, surgem sonhos igualmente perturbadores: ser pego nu e sem máscara em meio a uma multidão, sonhos com homens reunidos num laboratório com suas roupas brancas que declaram “Vamos nos desfazer dos idosos”.

O outono [no hemisfério norte] trouxe também dramas assustadores, particularmente para as mulheres cuidando de um parente vulnerável ou tentando dar aulas virtuais em casa para as crianças. “Estou dando aulas para meu filho de 10 anos”, disse uma mãe para os pesquisados em um recente estudo sobre sonhos na pandemia.

StockSnap/Pixabay 

“Sonhei que a escola me contatou para dizer que havia decidido que a classe inteira do meu filho viria para minha casa e eu tinha de ensinar todas elas durante todo o tempo em que a escola permanecesse fechada”. Deirdre Barrett, psicóloga da Escola de Medicina de Harvard e autora do livro Pandemic Dreams (Sonhos da Pandemia, em tradução livre), fez várias pesquisas sobre sonhos com milhares de pessoas no ano passado, incluindo a feita com a mãe que dava aulas em casa para os filhos.

“Pelo menos qualitativamente, você observa algumas mudanças no conteúdo dos sonhos a partir do início da pandemia de coronavírus até os meses mais recentes. É uma indicação do que está preocupando mais as pessoas em vários pontos durante o ano”. Barrett é editora-chefe da revista Dreaming, que na sua edição de setembro trouxe quatro novos informes sobre como cérebro durante o sono tem incorporado a ameaça da covid-19.

As conclusões reforçam uma ideia corrente sobre como a ansiedade das pessoas quando acordadas interfere durante o sono REM (em inglês, Rapid Eye Movement, que é o período de sono durante o qual as pessoas sonham), em imagens ou metáforas representando as preocupações mais urgentes, se envolvem a captura do coronavírus (as nuvens de insetos) ou a violação dos protocolos sobre o uso de máscaras).

No seu conjunto, os quatro estudos também inferem uma resposta a uma pergunta mais geral: qual é a finalidade do sonho, se é que existe uma? As respostas oferecidas pela ciência parecem se excluir mutuamente. Freud entendia o sonho como a realização de um desejo. O psicólogo finlandês Antti Revonsuo os vê como simulações de ameaças iminentes.

Nos últimos anos, cientistas que pesquisam o cérebro têm afirmado que o sono REM estimula o pensamento, o aprendizado e a saúde emocional, oferecendo uma espécie de psicoterapia inconsciente. E de novo, existem algumas evidências de que sonhar pouco, ou nada, atende a um objetivo psicológico, nada mais é do que um “estado mental em preparação para tomar consciência”, como afirmou o psiquiatra de Harvard J. Allan Hobson.

Os quatro novos estudos estão enraizados na ideia mais clara chamada de hipótese de continuidade, segundo a qual o conteúdo dos sonhos simplesmente reflete o que a pessoa pensou, sentiu e fez durante o dia – o bom e o mau, a esperança e o assustador. Em um estudo, Cassidy McKay e Tereza DeCicco, da Trent University, no Canadá, compararam diários de sonhos de alunos nas primeiras duas semanas de contágio do coronavírus na América do Norte, com diários de alunos registrados bem antes de se ouvir falar em covid-19.

As pesquisadoras colocaram cada imagem, usando uma medida padronizada, em categorias tendo por base partes do corpo, animais, alimento e objetos médicos. As diferenças observadas nos registros no início da pandemia dispararam. “As pessoas estavam claramente pensando em eventos relacionados ao coronavírus, como esperar em filas de supermercados, e havia cabeças nos seus sonhos, uma parte do corpo associada à ideia de contrair e propagar o vírus”, disse DeCicco.

Pessoas que sofrem de uma ansiedade persistente, quando acordadas, também tendem a desenvolver cenários envolvendo um trabalho futuro, relacionamentos e a vida durante o dia. Uma pesquisa anterior correlacionou este padrão à mudança de cenário nos sonhos: mudança frequente de local, de dentro para fora, de cidade para país, de montanhas para a costa.

reference

MacKay e DeCicco concluíram que, durante a primeira fase da pandemia, as pessoas registraram mudanças desse tipo com muito mais frequência nos seus minidramas durante o sono. “Estes são sonhos clássicos de ansiedade”, disse DeCicco. Em um outro estudo, Barrett recrutou quase três mil pessoas on-line para monitorarem, descreverem e escreverem sobre seus sonhos.

Ela avaliou o conteúdo desses ensaios usando um algoritmo de análise de linguagem que mapeia as palavras em categorias como “cólera”, “tristeza”, “corpo”, saúde” e “morte”. Estes sonhos também tinham todos a marca distintiva da ansiedade aumentada quando a pessoa estava desperta, mas as emoções como cólera e tristeza eram muito mais prevalentes nas mulheres do que nos homens.

“Não esperava isto, mas as conclusões sugerem para mim a ideia de que os homens estão vivenciando principalmente o temor de adoecerem e morrerem, medos com a saúde”, disse Barrett. “As mulheres vêm sofrendo efeitos mais secundários: elas costumam ser as que cuidam dos membros da família doentes, com mais frequência do que os homens, por exemplo”.

Nem todos os sonhos, nos quatro estudos, estavam impregnados de trevas e medo. Muitos eram prazerosos, ou sugerindo o controle e a eliminação do vírus. Esses sonhos incluíam desejos e ameaças, medidas saudáveis e erros e ajustes às notícias da propagação: um processo emocional e de aprendizado.

E havia também injeções periódicas de esperança. Em resumo, os estudos sugerem que sonhar não atende apenas um único propósito, mas muitos. Para os que sonham diariamente durante a pandemia basta saber que os pesadelos com a covid-19, como outros, tendem a ser exagerados. “Foi assustador no sonho, mas você acorda e é engraçado. A crise é menor do que você imagina”. Os alunos da sua turma não estão invadindo sua casa. As roupas de proteção não estão do lado de fora da porta. Podemos sobreviver a isto, afinal. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.