THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Lá está ela, com seu vestido rosa, seus brincos de pérola e seu corte de cabelo em camadas suaves e irregulares. Lá está ela, com o olhar erguido, uma tristeza desconhecida e uma simpatia perfeita. Lá está ela, essa vela ao vento que alguém continua acendendo.
Apesar de ter morrido em um acidente de carro, em 1997, Diana, princesa de Gales, continua presente até hoje em todos os lugares: em peças teatrais, na televisão, em filmes e até em musicais. É uma preciosidade para o entretenimento: a mistura perfeita de estrelato, tragédia e perguntas sem respostas – o que a torna domínio público, como os romances de Charles Dickens.
Leia Também:
Só nos últimos dois anos, passei mais tempo com ela do que nos 36 anos em que esteve viva. Eu a vi em uma peça chamada Casey and Diana, produzida pelo Festival de Stratford, em Ontário, no Canadá, que agora está disponível online na plataforma digital Stratfest@Home. Foi uma presença espectral fora da Broadway em Dodi & Diana, drama matrimonial que se apropriou de sua história para dar vigor à própria narrativa.
O filme Spencer, de 2021, a que assisti novamente durante o Ano-Novo na plataforma de streaming Hulu, fez praticamente a mesma coisa, tentando extrair um pouco de glamour de seu cadáver. Na televisão, na primeira metade agitada de sua última temporada, The Crown focou os eventos que antecederam o acidente, inventando alegremente coisas sobre as quais não existem provas (segundo a Netflix, uma “dramatização ficcional”).
E o que se pode dizer sobre Diana, o Musical, que teve uma breve temporada na Broadway, em 2021, e também segue disponível na Netflix, mas que, em consequência de seu desempenho problemático, também acabou “morrendo em um desastre”?
Leitor, chorei ao ver todos eles (no musical, porque era muito ruim). Portanto, faço parte do problema de sua exploração, buscando mais conteúdo sobre Diana quando há pouco a ser dito. Com isso, estabeleço uma espécie de contrato com a cultura: dou a ela minha permissão para fazer o que quiser com o assunto, em troca de alimento para meus “sentimentos” por uma celebridade.
Mas, em primeiro lugar, que direito eu tenho – ou qualquer um de nós – de sentir afeição por Diana? No fundo, não a conhecemos, assim como desconhecíamos outras biografias pop – Elvis Presley, Judy Garland, J. Robert Oppenheimer e Leonard Bernstein, todos falsificados, adulterados ou “interpretados” em filmes recentes. A história não é o objetivo dessas iniciativas, é o obstáculo.
Portanto, qualquer um – todo mundo – está sujeito a isso?
Esse é meu lado crítico se queixando. O lado “fã” sente o contrário, e rejeitar seus sentimentos por Diana é negar algo fundamental sobre o porquê de ela ter se tornado famosa. Mesmo que sua imagem tenha sido fabricada – ela foi, durante algum tempo, produto da máquina do Palácio de Buckingham –, reflete algo que podemos dizer que era verdadeiro nela, e pessoalmente significativo.
Como gay, sou particularmente sensível às representações de seu trabalho em prol de pessoas com aids. Mostrá-la segurando a mão de um homem à beira da morte – bom, eu ia dizer que “perdoaria qualquer coisa”, mas (aqui aparece meu lado crítico novamente) isso não é verdade.
É que Diana está em uma categoria diferente de Elvis e dos outros, cuja vida e morte precederam a da princesa. A biografia ficcional dessas personalidades me irrita, mas não muito – e, se eu remover as camadas arqueológicas da exploração das celebridades, me incomoda ainda menos.
Filmes sanitizados (que frequentemente eliminaram o aspecto homossexual e o judaico) sobre gigantes do teatro musical, como Cole Porter e George Gershwin, uma ou duas gerações atrás, continuam sendo oportunidades desperdiçadas, mas, ainda assim, são muito divertidos. A respeito de personalidades do século XIX, como Franz Liszt no cinema, e Mark Twain no teatro, por mais absurda que seja a interpretação deles, não sinto nenhuma indignação historiográfica.
Existe uma distinção clara que determina o que é aceitável em relação à representação de figuras históricas? Um ponto em que poderíamos dizer: “Claro, vá em frente, transforme Franz Liszt em uma estrela do rock, mas deixe Judy Garland em paz”? No caso de Diana, sim. Ela ainda está muito viva para ser submetida a retratações que exploram excessivamente seu trauma sob a desculpa de revivê-la.
Três visitas a locais dedicados ao tratamento de pacientes com aids
Isso não quer dizer que ela não possa ser representada. Admiro a forma como isso foi feito em Casey and Diana, de Nick Green. A peça se passa em 1991, quando a princesa, durante uma visita oficial ao Canadá, percorreu a Casey House, hospício em Toronto, para passar algum tempo com homens que estavam em estado terminal. Isso é verdade. Mas, como o drama do hospício foi inventado, Green também transformou Diana, durante a maior parte da peça, em uma invenção.
Ela nem sequer é a personagem principal, mas sim Thomas, um dos pacientes, que passa a semana que antecede sua visita imaginando como ela será — se ele sobreviver até lá. Até o momento em que Diana (interpretada por Krystin Pellerin) aparece no palco, tudo se resume a como ele espera que ela seja – e como nós também esperamos: espirituosa, encantadora, calorosa e destemida.
Pelo menos Casey and Diana minimiza a ironia HIV-HRH (siglas para “vírus da imunodeficiência humana” e “Sua Alteza Real”), enquanto outros programas recentes a destacam. Em The Crown, Diana, viajando pelos Estados Unidos, em 1989, visita a unidade dedicada à aids de um hospital no Harlem, bairro de Nova York, onde abraça uma criança de sete anos, sobre a qual não recebemos nenhuma informação. O drama se concentra totalmente na bondade da princesa e no que a série promove como sua estigmatização e seu caminho para a morte.
Em Diana, o Musical, a princesa é retratada em outra visita a um hospital, dessa vez em 1987, em Londres. Lá, ela aperta as mãos dos pacientes sem usar luvas, além de posar para a imprensa. Embora na época o gesto fosse significativo, os autores do musical não conseguem destacar a importância do momento.
Em vez disso, obrigam um dos pacientes, inicialmente inseguro sobre ser fotografado, a cantar uma música que inclui versos grosseiros, como: “Posso estar doente, mas sou muito bonito”. Diana, interpretada como uma pessoa ardilosa por Jeanna de Waal, promete enviar a ele um estojo de maquiagem.
Dado que a princesa em versão humana é, de certa forma, uma pessoa mais reservada, algo precisava ser feito para preencher as lacunas. A discrição que a torna interessante também faz dela uma pessoa difícil de ser compreendida.
‘Uma fábula de uma tragédia real’
Todos em The Crown receberam esse tratamento. Como Diana – ou até mais –, a rainha também foi transformada em uma versão do monstro Frankenstein, comportando-se de maneira contraditória, e até errática, para se adequar às necessidades de cada temporada e episódio.
Mas uma Elizabeth inventada é menos condenável do que uma Diana. Ao afirmar seu direito de ficcionalizar a realeza, os criadores de The Crown (e os de Spencer e de Diana, o Musical) fazem referência às prerrogativas da arte e do espetáculo, mas evitam as da moralidade, ignorando a diferença entre a exploração de uma figura trágica, como Diana, e outra essencialmente triunfante, como Elizabeth.
Afinal, esta foi uma rainha longeva, o que a torna um veículo digno para a investigação da natureza e dos usos do poder. Mestra das intrigas palacianas das quais Diana foi, principalmente, vítima, Elizabeth também proporciona um bom drama, como William Shakespeare poderia nos ter dito se tivesse vivido nessa época. O dramaturgo inglês, que retratava a realeza de maneira lisonjeira (Henrique V) ou desfavorável (Macbeth) para agradar a seus mecenas e apoiar a monarquia, foi pioneiro em técnicas dramáticas que funcionam igualmente bem para atacar a instituição monárquica.
Atualmente, os membros da realeza são, frequentemente, objetos de discussões sobre legitimidade, custo e crueldade, em um mundo em processo de democratização, por impostores disfarçados de Mountbatten (família nobre britânica com conexões históricas com a família real).
Spencer não perde tempo anunciando esse tema. Quando Diana, interpretada por Kristen Stewart, chega à propriedade de Sandringham, da rainha Elizabeth, para passar três dias, no Natal de 1991, descobre imediatamente que alguém deixou um presente para ela. Ou é um aviso?
A câmera dá um zoom no livro empoeirado com capa de couro: Anne Boleyn: Life and Death of a Martyr (Ana Bolena: vida e morte de uma mártir, em tradução livre). Como leitura para um feriado, a biografia de uma rainha decapitada a mando de Henrique VIII é um pouco óbvia para a esposa desprezada do príncipe Charles. Cuidado com o pescoço, moça!
O presente e o próprio livro são fictícios. O filme de 2021, dirigido por Pablo Larraín, parte do princípio de que onde existe um mártir, deve haver um monstro. Elizabeth é uma bruxa gélida, e Charles, um moralista carrancudo. Talvez para evitar acusações de difamação, os cineastas identificam sua história, em uma legenda preliminar, como “uma fábula de uma tragédia real”.
Certamente, devemos deixar os vivos em paz. Por outro lado, o ensinamento judaico de que a responsabilidade moral dura sete gerações talvez seja muito rigoroso (fiquem à vontade para escrever sobre meu ta-ta-taravô Shmuel). Se as criações artísticas perdem a proteção dos direitos autorais depois de 95 anos, será que as pessoas devem ser menos protegidas do que isso? Vamos arredondar: cem anos. Um século desde a morte de uma pessoa deve ser tempo suficiente para garantir que ninguém que ainda esteja vivo a amou, incluindo, em grande parte, seus filhos.
Talvez em 2097 o mundo inteiro saiba o bastante, ou tenha esquecido o suficiente, para justificar a exumação de Diana para a arte e o comércio. Até lá, vamos deixá-la descansar. Se ela não foi uma mártir em vida, certamente é agora.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times