Diante de um futuro de seca, a Espanha se volta para soluções medievais e ‘sabedoria antiga’


As acéquias, uma rede de canais de água criada pelos mouros há mais de 1.000 anos, estão sendo escavadas e ressuscitadas para se adaptar às crises das mudanças climáticas

Por Constant Méheut

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No alto das montanhas do sul da Espanha, cerca de 40 pessoas armadas com forcados e pás removeram pedras e pilhas de grama de um canal de terraplenagem construído séculos atrás e que ainda mantém as encostas verdes.

Um grupo de voluntários e trabalhadores escavando “acequias” – canais de água construídos há centenas de anos – em junho, no alto da Serra Nevada, perto de Granada, no sul da Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

“É uma questão de vida”, disse Antonio Jesús Rodríguez García, um agricultor da aldeia vizinha de Pitres, de 400 habitantes. “Sem esta água, os agricultores não podem plantar nada, a aldeia não pode sobreviver.”

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O calor extremo que varreu grande parte do sul da Europa esta semana é apenas o último lembrete dos desafios que a mudança climática impôs à Espanha, onde as temperaturas atingiram 42 graus Celsius na terça-feira, colocando metade do território em alerta laranja e vermelho. Tanto calor e secas prolongadas representam a ameaça de que três quartos do país possam ser engolfados por desertos ao longo deste século.

Diante dessa realidade, agricultores, voluntários e pesquisadores espanhóis buscaram soluções na história, recorrendo a uma extensa rede de canais de irrigação construída pelos mouros, a população muçulmana que conquistou e se estabeleceu na Península Ibérica na Idade Média.

Os canais - chamados de “acéquias”, do árabe “as-saqiya”, que significa canal de água - tornaram possível a vida em uma das regiões mais secas da Europa, abastecendo as fontes do majestoso palácio de Alhambra e transformando a região, a Andaluzia, em uma potência agrícola.

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Muitas acéquias caíram em desuso por volta da década de 1960, quando a Espanha se voltou para um modelo agrícola que favorecia os reservatórios e levou muitos espanhóis a deixar as áreas rurais para as cidades. À medida que o uso da rede foi terminando, desapareceram também os antigos conhecimentos e tradições que levaram a água aos recantos mais remotos da Andaluzia.

A aldeia de Cañar, na região de Alpujarra, no sul de Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Agora, o intrincado sistema, visto como uma ferramenta eficaz e de baixo custo para mitigar a seca, está sendo ressuscitado, uma acéquia abandonada por vez.

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“As acéquias conseguiram resistir a pelo menos mil anos de mudanças climáticas, sociais e políticas”, disse José María Martín Civantos, arqueólogo e historiador que coordena um grande projeto de restauração. “Então, por que ficar sem isso agora?”

Civantos, um homem atarracado com cavanhaque, disse que os mouros construíram pelo menos 24.000 Km de acéquias nas províncias andaluzas de Granada e Almeria, no que era então Al-Andalus. Explicou que antes das acéquias era difícil cultivar alimentos no clima instável do Mediterrâneo, com secas periódicas.

A “genialidade do sistema”, disse ele, é que ele desacelera o fluxo de água das montanhas para as planícies para melhor retê-lo e distribuí-lo.

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Sem as acéquias, a neve derretida dos picos das montanhas fluiria diretamente para os rios e lagos que secam durante o verão. Com elas, o derretimento é desviado para múltiplas acéquias que serpenteiam pelas colinas. A água penetra no solo em “efeito esponja”, depois circula lentamente pelos aquíferos e aparece meses depois, encosta abaixo, em nascentes que irrigam as lavouras durante a estação seca.

Traços do sistema estão por toda parte nas montanhas do sul de Alpujarra, nas encostas ao sul da Sierra Nevada. A água jorra das montanhas a cada curva da estrada. Amolece o solo das planícies altas. Nasce nas fontes das típicas aldeias caiadas da região.

A fonte de água em Cañar. Foto: Samuel Aranda/The New York Times
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“Os mouros não nos deixaram apenas as acéquias, mas também a paisagem que criaram com elas”, disse Elena Correa Jiménez, pesquisadora do projeto de restauração, liderado pela Universidade de Granada.

Segurando uma pá, ela apontou para as terras verdejantes que se estendiam abaixo. “Nada disso existiria sem as acéquias”, disse ela. “Não haveria água para beber, nem fontes, nem colheitas. Seria quase um deserto.”

A água tem sido tão essencial aqui que os moradores falam dela como se fosse uma plantação. A água não é absorvida pelo subsolo, é “semeada”. Não é coletada para irrigação, é “colhida”.

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Quando a Espanha substituiu muitas acéquias por sistemas de gestão de água mais modernos, somente na Sierra Nevada, até um quinto das acéquias foram abandonadas, segundo dados do governo.

A revolução agrícola ajudou a transformar a Andaluzia no quintal da Europa, com grandes quantidades de romãs, limões e cevada enviadas para todo o continente. Mas também gerou uma sede insaciável de água que esgotou os aquíferos da região, agravando as secas.

Para piorar a situação, a mudança climática expôs a Espanha a ondas de calor cada vez mais frequentes. Esta primavera foi a mais quente já registrada na Espanha, de acordo com a agência meteorológica do país, com temperaturas de abril superiores a 37 graus Celsius na Andaluzia.

Ramón Fernández Fernández, à direita, disse que se lembrava de quando as casas em Cañar desabavam sob o peso da neve do inverno. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Cañar, uma pequena aldeia aninhada em Alpujarra, foi duramente atingida pela combinação de agricultura intensiva, temperaturas mais altas e abandono de uma acéquia próxima.

Vários lotes agrícolas da aldeia estão agora desolados. Em um café, uma placa diz: “Estou procurando uma fazenda irrigada”. E a maioria dos riachos de montanha da região agora contorna Cañar, alimentando um rio em um vale abaixo que abastece as estufas que cultivam abacates. Ninguém na aldeia trabalha lá.

Em 2014, a vila tornou-se o campo de testes para o projeto de restauração da acéquia de Civantos. Durante um mês, ele e 180 voluntários escavaram a terra sob um sol escaldante para recuperar o canal.

“Alguns fazendeiros com cerca de 80 anos choravam porque achavam que nunca mais veriam a água fluindo”, disse Civantos. Ele se lembra de um morador mais velho parado na vala quando a água começou a entrar, gesticulando com os braços como se para guiar a água em direção à aldeia.

Francisco Vílchez Álvarez, membro de um grupo de moradores que administram redes de irrigação em Cañar, disse que a restauração da acéquia permitiu que alguns moradores voltassem a cultivar cerejas e kiwis.

Água da neve derretida que desce pela Sierra Nevada. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Até o momento, Civantos e sua equipe recuperaram mais de 96 Km de canais de irrigação, levando grupos heterogêneos de pesquisadores, agricultores, ativistas ambientais e moradores locais através de Alpujarra, com ferramentas de jardinagem em mãos.

A iniciativa se espalhou para regiões espanholas no leste e norte. Mas Civantos e vários agricultores disseram que ainda careciam de apoio financeiro porque os políticos e as empresas muitas vezes consideram as acéquias ineficientes em comparação com as redes hidráulicas modernas.

“É difícil mudar mentalidades”, disse ele. “Mas se você entender a eficiência em termos de multifuncionalidade, os sistemas de irrigação tradicionais são muito mais eficientes. Eles retêm melhor a água, recarregam os aquíferos, melhoram a fertilidade dos solos”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No alto das montanhas do sul da Espanha, cerca de 40 pessoas armadas com forcados e pás removeram pedras e pilhas de grama de um canal de terraplenagem construído séculos atrás e que ainda mantém as encostas verdes.

Um grupo de voluntários e trabalhadores escavando “acequias” – canais de água construídos há centenas de anos – em junho, no alto da Serra Nevada, perto de Granada, no sul da Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

“É uma questão de vida”, disse Antonio Jesús Rodríguez García, um agricultor da aldeia vizinha de Pitres, de 400 habitantes. “Sem esta água, os agricultores não podem plantar nada, a aldeia não pode sobreviver.”

O calor extremo que varreu grande parte do sul da Europa esta semana é apenas o último lembrete dos desafios que a mudança climática impôs à Espanha, onde as temperaturas atingiram 42 graus Celsius na terça-feira, colocando metade do território em alerta laranja e vermelho. Tanto calor e secas prolongadas representam a ameaça de que três quartos do país possam ser engolfados por desertos ao longo deste século.

Diante dessa realidade, agricultores, voluntários e pesquisadores espanhóis buscaram soluções na história, recorrendo a uma extensa rede de canais de irrigação construída pelos mouros, a população muçulmana que conquistou e se estabeleceu na Península Ibérica na Idade Média.

Os canais - chamados de “acéquias”, do árabe “as-saqiya”, que significa canal de água - tornaram possível a vida em uma das regiões mais secas da Europa, abastecendo as fontes do majestoso palácio de Alhambra e transformando a região, a Andaluzia, em uma potência agrícola.

Muitas acéquias caíram em desuso por volta da década de 1960, quando a Espanha se voltou para um modelo agrícola que favorecia os reservatórios e levou muitos espanhóis a deixar as áreas rurais para as cidades. À medida que o uso da rede foi terminando, desapareceram também os antigos conhecimentos e tradições que levaram a água aos recantos mais remotos da Andaluzia.

A aldeia de Cañar, na região de Alpujarra, no sul de Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Agora, o intrincado sistema, visto como uma ferramenta eficaz e de baixo custo para mitigar a seca, está sendo ressuscitado, uma acéquia abandonada por vez.

“As acéquias conseguiram resistir a pelo menos mil anos de mudanças climáticas, sociais e políticas”, disse José María Martín Civantos, arqueólogo e historiador que coordena um grande projeto de restauração. “Então, por que ficar sem isso agora?”

Civantos, um homem atarracado com cavanhaque, disse que os mouros construíram pelo menos 24.000 Km de acéquias nas províncias andaluzas de Granada e Almeria, no que era então Al-Andalus. Explicou que antes das acéquias era difícil cultivar alimentos no clima instável do Mediterrâneo, com secas periódicas.

A “genialidade do sistema”, disse ele, é que ele desacelera o fluxo de água das montanhas para as planícies para melhor retê-lo e distribuí-lo.

Sem as acéquias, a neve derretida dos picos das montanhas fluiria diretamente para os rios e lagos que secam durante o verão. Com elas, o derretimento é desviado para múltiplas acéquias que serpenteiam pelas colinas. A água penetra no solo em “efeito esponja”, depois circula lentamente pelos aquíferos e aparece meses depois, encosta abaixo, em nascentes que irrigam as lavouras durante a estação seca.

Traços do sistema estão por toda parte nas montanhas do sul de Alpujarra, nas encostas ao sul da Sierra Nevada. A água jorra das montanhas a cada curva da estrada. Amolece o solo das planícies altas. Nasce nas fontes das típicas aldeias caiadas da região.

A fonte de água em Cañar. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

“Os mouros não nos deixaram apenas as acéquias, mas também a paisagem que criaram com elas”, disse Elena Correa Jiménez, pesquisadora do projeto de restauração, liderado pela Universidade de Granada.

Segurando uma pá, ela apontou para as terras verdejantes que se estendiam abaixo. “Nada disso existiria sem as acéquias”, disse ela. “Não haveria água para beber, nem fontes, nem colheitas. Seria quase um deserto.”

A água tem sido tão essencial aqui que os moradores falam dela como se fosse uma plantação. A água não é absorvida pelo subsolo, é “semeada”. Não é coletada para irrigação, é “colhida”.

Quando a Espanha substituiu muitas acéquias por sistemas de gestão de água mais modernos, somente na Sierra Nevada, até um quinto das acéquias foram abandonadas, segundo dados do governo.

A revolução agrícola ajudou a transformar a Andaluzia no quintal da Europa, com grandes quantidades de romãs, limões e cevada enviadas para todo o continente. Mas também gerou uma sede insaciável de água que esgotou os aquíferos da região, agravando as secas.

Para piorar a situação, a mudança climática expôs a Espanha a ondas de calor cada vez mais frequentes. Esta primavera foi a mais quente já registrada na Espanha, de acordo com a agência meteorológica do país, com temperaturas de abril superiores a 37 graus Celsius na Andaluzia.

Ramón Fernández Fernández, à direita, disse que se lembrava de quando as casas em Cañar desabavam sob o peso da neve do inverno. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Cañar, uma pequena aldeia aninhada em Alpujarra, foi duramente atingida pela combinação de agricultura intensiva, temperaturas mais altas e abandono de uma acéquia próxima.

Vários lotes agrícolas da aldeia estão agora desolados. Em um café, uma placa diz: “Estou procurando uma fazenda irrigada”. E a maioria dos riachos de montanha da região agora contorna Cañar, alimentando um rio em um vale abaixo que abastece as estufas que cultivam abacates. Ninguém na aldeia trabalha lá.

Em 2014, a vila tornou-se o campo de testes para o projeto de restauração da acéquia de Civantos. Durante um mês, ele e 180 voluntários escavaram a terra sob um sol escaldante para recuperar o canal.

“Alguns fazendeiros com cerca de 80 anos choravam porque achavam que nunca mais veriam a água fluindo”, disse Civantos. Ele se lembra de um morador mais velho parado na vala quando a água começou a entrar, gesticulando com os braços como se para guiar a água em direção à aldeia.

Francisco Vílchez Álvarez, membro de um grupo de moradores que administram redes de irrigação em Cañar, disse que a restauração da acéquia permitiu que alguns moradores voltassem a cultivar cerejas e kiwis.

Água da neve derretida que desce pela Sierra Nevada. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Até o momento, Civantos e sua equipe recuperaram mais de 96 Km de canais de irrigação, levando grupos heterogêneos de pesquisadores, agricultores, ativistas ambientais e moradores locais através de Alpujarra, com ferramentas de jardinagem em mãos.

A iniciativa se espalhou para regiões espanholas no leste e norte. Mas Civantos e vários agricultores disseram que ainda careciam de apoio financeiro porque os políticos e as empresas muitas vezes consideram as acéquias ineficientes em comparação com as redes hidráulicas modernas.

“É difícil mudar mentalidades”, disse ele. “Mas se você entender a eficiência em termos de multifuncionalidade, os sistemas de irrigação tradicionais são muito mais eficientes. Eles retêm melhor a água, recarregam os aquíferos, melhoram a fertilidade dos solos”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No alto das montanhas do sul da Espanha, cerca de 40 pessoas armadas com forcados e pás removeram pedras e pilhas de grama de um canal de terraplenagem construído séculos atrás e que ainda mantém as encostas verdes.

Um grupo de voluntários e trabalhadores escavando “acequias” – canais de água construídos há centenas de anos – em junho, no alto da Serra Nevada, perto de Granada, no sul da Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

“É uma questão de vida”, disse Antonio Jesús Rodríguez García, um agricultor da aldeia vizinha de Pitres, de 400 habitantes. “Sem esta água, os agricultores não podem plantar nada, a aldeia não pode sobreviver.”

O calor extremo que varreu grande parte do sul da Europa esta semana é apenas o último lembrete dos desafios que a mudança climática impôs à Espanha, onde as temperaturas atingiram 42 graus Celsius na terça-feira, colocando metade do território em alerta laranja e vermelho. Tanto calor e secas prolongadas representam a ameaça de que três quartos do país possam ser engolfados por desertos ao longo deste século.

Diante dessa realidade, agricultores, voluntários e pesquisadores espanhóis buscaram soluções na história, recorrendo a uma extensa rede de canais de irrigação construída pelos mouros, a população muçulmana que conquistou e se estabeleceu na Península Ibérica na Idade Média.

Os canais - chamados de “acéquias”, do árabe “as-saqiya”, que significa canal de água - tornaram possível a vida em uma das regiões mais secas da Europa, abastecendo as fontes do majestoso palácio de Alhambra e transformando a região, a Andaluzia, em uma potência agrícola.

Muitas acéquias caíram em desuso por volta da década de 1960, quando a Espanha se voltou para um modelo agrícola que favorecia os reservatórios e levou muitos espanhóis a deixar as áreas rurais para as cidades. À medida que o uso da rede foi terminando, desapareceram também os antigos conhecimentos e tradições que levaram a água aos recantos mais remotos da Andaluzia.

A aldeia de Cañar, na região de Alpujarra, no sul de Espanha. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Agora, o intrincado sistema, visto como uma ferramenta eficaz e de baixo custo para mitigar a seca, está sendo ressuscitado, uma acéquia abandonada por vez.

“As acéquias conseguiram resistir a pelo menos mil anos de mudanças climáticas, sociais e políticas”, disse José María Martín Civantos, arqueólogo e historiador que coordena um grande projeto de restauração. “Então, por que ficar sem isso agora?”

Civantos, um homem atarracado com cavanhaque, disse que os mouros construíram pelo menos 24.000 Km de acéquias nas províncias andaluzas de Granada e Almeria, no que era então Al-Andalus. Explicou que antes das acéquias era difícil cultivar alimentos no clima instável do Mediterrâneo, com secas periódicas.

A “genialidade do sistema”, disse ele, é que ele desacelera o fluxo de água das montanhas para as planícies para melhor retê-lo e distribuí-lo.

Sem as acéquias, a neve derretida dos picos das montanhas fluiria diretamente para os rios e lagos que secam durante o verão. Com elas, o derretimento é desviado para múltiplas acéquias que serpenteiam pelas colinas. A água penetra no solo em “efeito esponja”, depois circula lentamente pelos aquíferos e aparece meses depois, encosta abaixo, em nascentes que irrigam as lavouras durante a estação seca.

Traços do sistema estão por toda parte nas montanhas do sul de Alpujarra, nas encostas ao sul da Sierra Nevada. A água jorra das montanhas a cada curva da estrada. Amolece o solo das planícies altas. Nasce nas fontes das típicas aldeias caiadas da região.

A fonte de água em Cañar. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

“Os mouros não nos deixaram apenas as acéquias, mas também a paisagem que criaram com elas”, disse Elena Correa Jiménez, pesquisadora do projeto de restauração, liderado pela Universidade de Granada.

Segurando uma pá, ela apontou para as terras verdejantes que se estendiam abaixo. “Nada disso existiria sem as acéquias”, disse ela. “Não haveria água para beber, nem fontes, nem colheitas. Seria quase um deserto.”

A água tem sido tão essencial aqui que os moradores falam dela como se fosse uma plantação. A água não é absorvida pelo subsolo, é “semeada”. Não é coletada para irrigação, é “colhida”.

Quando a Espanha substituiu muitas acéquias por sistemas de gestão de água mais modernos, somente na Sierra Nevada, até um quinto das acéquias foram abandonadas, segundo dados do governo.

A revolução agrícola ajudou a transformar a Andaluzia no quintal da Europa, com grandes quantidades de romãs, limões e cevada enviadas para todo o continente. Mas também gerou uma sede insaciável de água que esgotou os aquíferos da região, agravando as secas.

Para piorar a situação, a mudança climática expôs a Espanha a ondas de calor cada vez mais frequentes. Esta primavera foi a mais quente já registrada na Espanha, de acordo com a agência meteorológica do país, com temperaturas de abril superiores a 37 graus Celsius na Andaluzia.

Ramón Fernández Fernández, à direita, disse que se lembrava de quando as casas em Cañar desabavam sob o peso da neve do inverno. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Cañar, uma pequena aldeia aninhada em Alpujarra, foi duramente atingida pela combinação de agricultura intensiva, temperaturas mais altas e abandono de uma acéquia próxima.

Vários lotes agrícolas da aldeia estão agora desolados. Em um café, uma placa diz: “Estou procurando uma fazenda irrigada”. E a maioria dos riachos de montanha da região agora contorna Cañar, alimentando um rio em um vale abaixo que abastece as estufas que cultivam abacates. Ninguém na aldeia trabalha lá.

Em 2014, a vila tornou-se o campo de testes para o projeto de restauração da acéquia de Civantos. Durante um mês, ele e 180 voluntários escavaram a terra sob um sol escaldante para recuperar o canal.

“Alguns fazendeiros com cerca de 80 anos choravam porque achavam que nunca mais veriam a água fluindo”, disse Civantos. Ele se lembra de um morador mais velho parado na vala quando a água começou a entrar, gesticulando com os braços como se para guiar a água em direção à aldeia.

Francisco Vílchez Álvarez, membro de um grupo de moradores que administram redes de irrigação em Cañar, disse que a restauração da acéquia permitiu que alguns moradores voltassem a cultivar cerejas e kiwis.

Água da neve derretida que desce pela Sierra Nevada. Foto: Samuel Aranda/The New York Times

Até o momento, Civantos e sua equipe recuperaram mais de 96 Km de canais de irrigação, levando grupos heterogêneos de pesquisadores, agricultores, ativistas ambientais e moradores locais através de Alpujarra, com ferramentas de jardinagem em mãos.

A iniciativa se espalhou para regiões espanholas no leste e norte. Mas Civantos e vários agricultores disseram que ainda careciam de apoio financeiro porque os políticos e as empresas muitas vezes consideram as acéquias ineficientes em comparação com as redes hidráulicas modernas.

“É difícil mudar mentalidades”, disse ele. “Mas se você entender a eficiência em termos de multifuncionalidade, os sistemas de irrigação tradicionais são muito mais eficientes. Eles retêm melhor a água, recarregam os aquíferos, melhoram a fertilidade dos solos”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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