THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No início de março, ventos fortes derrubaram árvores e linhas de energia na área de Nashville, deixando milhares de casas sem eletricidade. Mas, a cerca de 32 quilômetros dali, a casa de John e Rachelle Reigard permaneceu com as luzes acesas, graças a uma picape elétrica. “Basta olhar para a vizinhança: todas as casas ao nosso redor estão apagadas. Muita gente nos pergunta como é possível que nossa casa sempre tenha luz”, disse John Reigard, que comprou a picape Ford F-150 Lightning há mais de um ano.
A família Reigard faz parte de um pequeno grupo de pioneiros que usam as baterias de seu veículo elétrico como fonte reserva de energia para sua casa. A previsão de especialistas em energia e automóveis é que muito mais pessoas façam o mesmo nos próximos anos, uma vez que as empresas automobilísticas e de energia facilitam o aproveitamento da energia dos carros elétricos para outras finalidades além de dirigir.
As redes elétricas têm sofrido cada vez mais com as condições meteorológicas extremas ligadas às mudanças climáticas, incluindo ondas de calor prolongadas, tempestades intensas e enchentes devastadoras. Para lidar com essas situações, muita gente comprou um gerador ou um sistema doméstico de energia solar e de bateria, muitas vezes com altos custos.
Para alguns, um veículo elétrico é uma alternativa melhor, por servir a várias funções. Outra grande vantagem: a bateria da F-150 Lightning ou da picape elétrica Chevrolet Silverado, que deve chegar ao mercado este ano, pode armazenar muito mais energia do que as baterias domésticas que às vezes acompanham painéis solares instalados no telhado. Ao combinar um caminhão elétrico com um sistema solar doméstico, a ideia é que uma família possa manter as luzes acesas durante dias ou até semanas.
O uso de veículos elétricos como fonte de energia tem despertado o interesse de executivos do setor de energia elétrica, incluindo Pedro Pizarro, presidente do Edison Electric Institute, principal empresa do setor, e CEO da Edison International, que fornece energia a milhões de residências e empresas no sul da Califórnia.
Além da empresa de Pizarro, outras concessionárias de serviços públicos estão avaliando se é prático e seguro enviar energia de veículos elétricos para a rede de abastecimento.
Segundo ele, ao absorver a energia excedente da rede e liberá-la em momentos de escassez, os veículos elétricos representariam uma reserva de emergência para lidar com quedas de energia diárias e semanais.
Quanto mais as concessionárias e os usuários utilizarem os veículos elétricos dessa forma, maior o potencial de redução das emissões de gases que causam o aquecimento do planeta, pois isso aumentará o uso de fontes renováveis de energia, como a solar e a eólica, que são intermitentes.
Por enquanto, poucos veículos elétricos são capazes de fornecer essa energia reserva, mas os executivos das principais montadoras, incluindo a Tesla, principal empresa de carros elétricos, afirmaram estar desenvolvendo atualizações para que muitos outros carros possam desempenhar essa função.
Quando falta energia no bairro da família Reigard em Mount Juliet, sua picape elétrica fornece energia suficiente para manter as luzes acesas e alimentar quatro geladeiras e um ventilador em um sistema de aquecimento por gás natural. A picape não tem capacidade para manter o ar-condicionado em funcionamento, mas outros itens essenciais são ligados poucos minutos depois do início da falta de energia.
Quando acabou a energia elétrica na época do Natal, os pais de Rachelle Reigard, que estavam visitando a família, se alarmaram, porque estava fazendo muito frio. “Eles ficaram preocupados, querendo entender o que estava acontecendo, mas eu os acalmei, garantindo que ficaríamos bem”, contou John Reigard.
O casal ficou tão satisfeito com a picape que comprou mais dez unidades para sua empresa, a Grade A Construction. Eles estimam que cada veículo esteja economizando US$ 300 por mês, porque o custo da eletricidade é mais baixo que o da gasolina.
Embora as picapes reduzam os custos operacionais, adaptar a residência para receber energia da F-150 exigiu a contratação de especialistas, além de um investimento de milhares de dólares. O casal contratou a Qmerit, empresa que gerencia o desenvolvimento, a instalação e a manutenção de veículos elétricos e de sistemas de armazenamento e de transmissão de energia de veículos para residências.
Não é assim tão fácil
Há diversos componentes que transmitem informações entre a picape e o sistema elétrico, os aparelhos e as luzes da residência. Uma vez configurado de acordo com as preferências do proprietário, o sistema decide quando a picape carrega as baterias e quando envia a eletricidade de volta para a casa. Mas esses sistemas podem ser complicados, e alguns dos primeiros usuários tiveram problemas.
Kevin Dyer, engenheiro de qualidade de software que mora perto de Los Angeles, usa veículos elétricos desde 2009 e comprou uma F-150 Lightning em setembro, para ajudar sua família a lidar com os apagões que se tornaram comuns na Califórnia nos últimos anos. “Quando terminamos a instalação, a picape realmente forneceu eletricidade à minha casa, e chegamos a comemorar. Foi aí que as coisas desandaram, porque basicamente o veículo funciona, mas desliga em seguida.”
No setor automotivo, alguns especialistas alertaram que o uso frequente de carros para abastecer residências ou a rede elétrica pode degradar as baterias mais rapidamente, reduzindo sua autonomia - a distância a ser percorrida com uma carga completa. Esse risco, porém, foi minimizado pelas fabricantes de automóveis.
A Ford e a General Motors estão interessadas em promover a versatilidade de seus modelos movidos a bateria para pessoas que sofreram quedas de energia ou temem apagões.
Ryan O’Gorman, gerente de serviços de desenvolvimento de negócios de energia da Ford, afirmou que esse seria realmente um divisor de águas, pois a picape é uma fonte de energia muito potente. “Os veículos elétricos são grandes e podem abastecer uma residência durante vários dias.”
Segundo Mark Bole, chefe de conectividade de energia e soluções de baterias da GM, a empresa planeja oferecer um pacote de dispositivos e serviços para que os clientes possam tirar o máximo proveito de seu veículo elétrico. “Consideramos absolutamente fundamental tornar o processo simples e acessível para o cliente.”
Mas, para Pizarro, o executivo da concessionária de energia elétrica, as empresas de energia e de automóveis ainda precisam refinar a tecnologia que permite aos carros enviar energia para as residências e para a rede. Ele espera que mais problemas sejam identificados à medida que mais pessoas começarem a usar um veículo elétrico como fonte de energia reserva. “Como estamos no início desse modelo, certamente vai haver surpresas.”
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