Ela rege orquestras, luta boxe e adora desafiar estereótipos: ‘A pressão agora é insana’


Elim Chan entrou em cena como a primeira mulher a vencer um prestigiado concurso de regência

Por Javier C. Hernández

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA YORK — Quando Elim Chan chegou a Nova York no fim de fevereiro para se preparar para sua estreia na Filarmônica de Nova York, sua primeira parada não foi o David Geffen Hall, casa da orquestra, nem o estúdio de ensaios. Não foi nem na cidade.

Em vez disso, ela visitou o Smith College, sua alma mater em Massachusetts, para se encontrar com jovens interessadas em artes. Numa sala de aula, Chan, 37 anos, disse francamente que sentia que está cada vez mais difícil para as mulheres terem sucesso na regência.

“A pressão agora é insana”, ela se lembra de ter dito. “Tive muita sorte.”

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Elim Chan, nascida em Hong Kong e que chamou a atenção do mundo ao vencer o Concurso de Regência Donatella Flick, estreou na Filarmônica de Nova York no início de março Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Foi apenas dez anos atrás que Chan, natural de Hong Kong, apareceu em cena como a primeira mulher a vencer o estimado Concurso de Regência Donatella Flick, na Inglaterra. Desde então, ela entrou no circuito global de concertos e assumiu postos como o de regente principal da Orquestra Sinfônica da Antuérpia, na Bélgica.

Na quinta-feira, ela vai conduzir a Filarmônica nas apresentações do Primeiro Concerto para Violoncelo de Martinu, com a solista Sol Gabetta; a estreia mundial de Pisachi, de Jerod Tate; e Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, peça que ajudou Chan a conquistar sua vitória na rodada final da competição Flick.

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Chan adora superar as expectativas sobre regência e sobre si mesma. Ela desafiou seus parentes quando eles a desencorajaram a seguir na música porque temiam que essa carreira não pagaria as contas. Ela revidou quando colegas questionaram suas credenciais porque ela não frequentara o conservatório e começara a reger relativamente tarde – no segundo ano da faculdade, ainda interessada por psicologia e medicina.

E ela sorriu consigo mesma sempre que os músicos a consideraram muito baixinha ou jovem demais para estar no pódio. Ela também fez questão de manter uma vida ativa fora da música: virou uma boxeadora dedicada, treinando com um técnico entre os compromissos profissionais.

“Já ouvi gente rindo ou olhando para mim, tipo: ‘Meu Deus, será que vamos conseguir vê-la lá em cima? Será que dá para levantar um pouco o pódio? Quantos anos ela tem? Nove? Ha ha ha’”, disse Chan. “Podem rir o quanto quiserem. Mas eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.”

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Seus colaboradores dizem que ela é uma maestrina extraordinária, que consegue conquistar a confiança dos músicos rapidamente.“Ela é totalmente ela mesma, o que é muito maravilhoso”, disse a violinista Leila Josefowicz. “Ela é uma musicista muito ousada e tenta todo tipo de coisa, todo tipo de trabalho, todo tipo de jeito de fazer música.”

No ano passado, Chan anunciou que deixaria seu cargo na Antuérpia em maio de 2024, um ano antes do fim do contrato. (A pandemia, disse ela, fez com que ela repensasse em “como quero gastar minha energia, meu tempo e o que é mais urgente”). Ela não sabe exatamente qual será o próximo passo na carreira de regente, mas muitos imaginam que ela continuará sendo uma força no pódio.

“Ela é uma das luzes mais brilhantes da sua geração”, disse Chad Smith, presidente e executivo-chefe da Orquestra Sinfônica de Boston, que ajudou a contratar Chan quando esteve na Filarmônica de Los Angeles. “Ela tem essa musculatura e também uma eficiência que é muito incomum.”

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O pianista Igor Levit, um colaborador frequente, disse que Chan tem grandes expectativas tanto para si mesma quanto para os músicos com quem se apresenta. “E, ainda assim, ela não confunde essa expectativa com arrogância ou com um comportamento ditatorial”, acrescentou. “É uma mistura maravilhosa da mais alta expectativa com o mais alto grau de generosidade.”

Chan cresceu em Kowloon. Seu pai trabalhava como professor de artes e pintor, sua mãe era funcionária pública. Quando criança, gostava de histórias sobre crimes e pensava que poderia se tornar legista ou detetive. Mas também alimentou um amor pela música, cantando no coral da escola e aprendendo violoncelo.

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Quando ela tinha 8 anos, assistiu a um concerto da Filarmônica de Hong Kong. A regente era Yip Wing-sie, uma das relativamente poucas mulheres na área. “Na minha cabeça”, disse ela, “não havia a menor dúvida de que as mulheres pudessem ser regentes.”

Ela regeu pela primeira vez aos 13 anos, liderando o coral feminino de sua escola secundária em Hong Kong. Ela se lembra de ter sido inspirada por Mickey Mouse em Fantasia. “Eu queria ter uma varinha mágica”, disse ela, “e queria fazer umas coisas malucas.”

Chan estava convencida de que precisaria ir para o exterior se quisesse levar a música mais a sério. Na Smith, ela também teve aulas sobre psicologia anormal e literatura alemã e italiana. E começou a praticar regência com uma orquestra estudantil. Um belo dia, enquanto ensaiava Dies Irae do Réquiem de Verdi, ficou implicada com o som do bumbo, achando que não estava agitado o suficiente para evocar o inferno.

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Naquele momento, percebeu que queria ser regente. “Parecia que um raio tinha me atingido bem forte na cabeça”, disse Chan. “Ouvi uma voz que dizia: ‘Elim, é isso. É isso. Você tem que fazer isso.’”

Enquanto estava na Smith, ela começou a frequentar retiros de regência no acampamento Medomak, no Maine, e tempos depois se matriculou em um programa de doutorado na Universidade de Michigan. Seu professor lá, Kenneth Kiesler, se lembra de ela praticar por horas seguidas em frente a uma janela, onde ela podia ver o próprio reflexo. Ela emanava alegria durante os ensaios, disse ele, como quando exortava os violoncelos: “Cantem sua música!”

“Desde o início, ela demonstrou o dom especial de expressar sua música, de mostrar o que sentia, de ficar vulnerável e depois deixar tudo isso transparecer, para que as pessoas pudessem testemunhar”, disse Kiesler. “É um dom cinestésico e também uma espécie de resposta camaleônica à música.”

No ano de 2014, ainda em Michigan, ela participou da competição Flick. Na rodada final, os competidores se apresentaram com a Orquestra Sinfônica de Londres no Barbican Center. Ela estava nervosa enquanto se preparava para reger Scheherazade. Mas ficou aliviada quando um violoncelista lhe disse nos bastidores que ela deveria se concentrar em ser ela mesma, e não em impressionar os músicos da orquestra.

Chan ficou orgulhosa com a vitória, mas também se sentiu desconfortável com o foco no seu gênero e etnia. “Não quero receber nenhum tratamento especial por ser mulher”, escreveu ela no jornal The Guardian. “Não quero que meu gênero, minha feminilidade, se torne uma muleta para mim.”

O prêmio, entregue pelo então futuro rei Charles III, incluiu um ano como regente assistente na Sinfônica de Londres. Ela trabalhou com o maestro russo Valery Gergiev, então titular da orquestra, que a convidou para participar de uma turnê no México com sua Orquestra Mariinsky.

Outro mentor foi o renomado maestro Bernard Haitink. Durante uma masterclass, ele pediu a Chan, sem aviso prévio, que conduzisse o segundo movimento da Sinfonia nº 6 de Bruckner. Ela ficou apavorada, mas tomou coragem quando ele disse que a regência dela o fizera ouvir a música de verdade.

Chan disse que quando outros artistas a julgam à primeira vista, ela apenas ri consigo mesma: 'Eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.' Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Chan começou a praticar boxe quando se mudou para Londres, uma década atrás, em busca de um jeito de clarear a mente e de prevenir dores nas costas e nos ombros. Ela pratica várias vezes por semana. “Quando estou lutando boxe, não consigo pensar em mais nada, senão ficaria com o olho roxo”, disse ela. “Eu adoro.”

Como regente principal da orquestra da Antuérpia desde 2019, Chan recebeu elogios por sua energia e motivação. No futuro, disse ela, gostaria de passar um tempo explorando o repertório da ópera. E quer muito, um dia, assumir um cargo de tempo integral em alguma orquestra americana ou europeia.

Agora que está em Nova York, Chan tentou avaliar a acústica do recentemente reformado Geffen Hall. Ela disse que estava ansiosa para se apresentar com Gabetta, sua amiga, e retornar para Scheherazade. “Estou muito animada e curiosa, mas muito calma”, disse ela. “Parece que chegou a hora.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA YORK — Quando Elim Chan chegou a Nova York no fim de fevereiro para se preparar para sua estreia na Filarmônica de Nova York, sua primeira parada não foi o David Geffen Hall, casa da orquestra, nem o estúdio de ensaios. Não foi nem na cidade.

Em vez disso, ela visitou o Smith College, sua alma mater em Massachusetts, para se encontrar com jovens interessadas em artes. Numa sala de aula, Chan, 37 anos, disse francamente que sentia que está cada vez mais difícil para as mulheres terem sucesso na regência.

“A pressão agora é insana”, ela se lembra de ter dito. “Tive muita sorte.”

Elim Chan, nascida em Hong Kong e que chamou a atenção do mundo ao vencer o Concurso de Regência Donatella Flick, estreou na Filarmônica de Nova York no início de março Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Foi apenas dez anos atrás que Chan, natural de Hong Kong, apareceu em cena como a primeira mulher a vencer o estimado Concurso de Regência Donatella Flick, na Inglaterra. Desde então, ela entrou no circuito global de concertos e assumiu postos como o de regente principal da Orquestra Sinfônica da Antuérpia, na Bélgica.

Na quinta-feira, ela vai conduzir a Filarmônica nas apresentações do Primeiro Concerto para Violoncelo de Martinu, com a solista Sol Gabetta; a estreia mundial de Pisachi, de Jerod Tate; e Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, peça que ajudou Chan a conquistar sua vitória na rodada final da competição Flick.

Chan adora superar as expectativas sobre regência e sobre si mesma. Ela desafiou seus parentes quando eles a desencorajaram a seguir na música porque temiam que essa carreira não pagaria as contas. Ela revidou quando colegas questionaram suas credenciais porque ela não frequentara o conservatório e começara a reger relativamente tarde – no segundo ano da faculdade, ainda interessada por psicologia e medicina.

E ela sorriu consigo mesma sempre que os músicos a consideraram muito baixinha ou jovem demais para estar no pódio. Ela também fez questão de manter uma vida ativa fora da música: virou uma boxeadora dedicada, treinando com um técnico entre os compromissos profissionais.

“Já ouvi gente rindo ou olhando para mim, tipo: ‘Meu Deus, será que vamos conseguir vê-la lá em cima? Será que dá para levantar um pouco o pódio? Quantos anos ela tem? Nove? Ha ha ha’”, disse Chan. “Podem rir o quanto quiserem. Mas eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.”

Seus colaboradores dizem que ela é uma maestrina extraordinária, que consegue conquistar a confiança dos músicos rapidamente.“Ela é totalmente ela mesma, o que é muito maravilhoso”, disse a violinista Leila Josefowicz. “Ela é uma musicista muito ousada e tenta todo tipo de coisa, todo tipo de trabalho, todo tipo de jeito de fazer música.”

No ano passado, Chan anunciou que deixaria seu cargo na Antuérpia em maio de 2024, um ano antes do fim do contrato. (A pandemia, disse ela, fez com que ela repensasse em “como quero gastar minha energia, meu tempo e o que é mais urgente”). Ela não sabe exatamente qual será o próximo passo na carreira de regente, mas muitos imaginam que ela continuará sendo uma força no pódio.

“Ela é uma das luzes mais brilhantes da sua geração”, disse Chad Smith, presidente e executivo-chefe da Orquestra Sinfônica de Boston, que ajudou a contratar Chan quando esteve na Filarmônica de Los Angeles. “Ela tem essa musculatura e também uma eficiência que é muito incomum.”

O pianista Igor Levit, um colaborador frequente, disse que Chan tem grandes expectativas tanto para si mesma quanto para os músicos com quem se apresenta. “E, ainda assim, ela não confunde essa expectativa com arrogância ou com um comportamento ditatorial”, acrescentou. “É uma mistura maravilhosa da mais alta expectativa com o mais alto grau de generosidade.”

Chan cresceu em Kowloon. Seu pai trabalhava como professor de artes e pintor, sua mãe era funcionária pública. Quando criança, gostava de histórias sobre crimes e pensava que poderia se tornar legista ou detetive. Mas também alimentou um amor pela música, cantando no coral da escola e aprendendo violoncelo.

Quando ela tinha 8 anos, assistiu a um concerto da Filarmônica de Hong Kong. A regente era Yip Wing-sie, uma das relativamente poucas mulheres na área. “Na minha cabeça”, disse ela, “não havia a menor dúvida de que as mulheres pudessem ser regentes.”

Ela regeu pela primeira vez aos 13 anos, liderando o coral feminino de sua escola secundária em Hong Kong. Ela se lembra de ter sido inspirada por Mickey Mouse em Fantasia. “Eu queria ter uma varinha mágica”, disse ela, “e queria fazer umas coisas malucas.”

Chan estava convencida de que precisaria ir para o exterior se quisesse levar a música mais a sério. Na Smith, ela também teve aulas sobre psicologia anormal e literatura alemã e italiana. E começou a praticar regência com uma orquestra estudantil. Um belo dia, enquanto ensaiava Dies Irae do Réquiem de Verdi, ficou implicada com o som do bumbo, achando que não estava agitado o suficiente para evocar o inferno.

Naquele momento, percebeu que queria ser regente. “Parecia que um raio tinha me atingido bem forte na cabeça”, disse Chan. “Ouvi uma voz que dizia: ‘Elim, é isso. É isso. Você tem que fazer isso.’”

Enquanto estava na Smith, ela começou a frequentar retiros de regência no acampamento Medomak, no Maine, e tempos depois se matriculou em um programa de doutorado na Universidade de Michigan. Seu professor lá, Kenneth Kiesler, se lembra de ela praticar por horas seguidas em frente a uma janela, onde ela podia ver o próprio reflexo. Ela emanava alegria durante os ensaios, disse ele, como quando exortava os violoncelos: “Cantem sua música!”

“Desde o início, ela demonstrou o dom especial de expressar sua música, de mostrar o que sentia, de ficar vulnerável e depois deixar tudo isso transparecer, para que as pessoas pudessem testemunhar”, disse Kiesler. “É um dom cinestésico e também uma espécie de resposta camaleônica à música.”

No ano de 2014, ainda em Michigan, ela participou da competição Flick. Na rodada final, os competidores se apresentaram com a Orquestra Sinfônica de Londres no Barbican Center. Ela estava nervosa enquanto se preparava para reger Scheherazade. Mas ficou aliviada quando um violoncelista lhe disse nos bastidores que ela deveria se concentrar em ser ela mesma, e não em impressionar os músicos da orquestra.

Chan ficou orgulhosa com a vitória, mas também se sentiu desconfortável com o foco no seu gênero e etnia. “Não quero receber nenhum tratamento especial por ser mulher”, escreveu ela no jornal The Guardian. “Não quero que meu gênero, minha feminilidade, se torne uma muleta para mim.”

O prêmio, entregue pelo então futuro rei Charles III, incluiu um ano como regente assistente na Sinfônica de Londres. Ela trabalhou com o maestro russo Valery Gergiev, então titular da orquestra, que a convidou para participar de uma turnê no México com sua Orquestra Mariinsky.

Outro mentor foi o renomado maestro Bernard Haitink. Durante uma masterclass, ele pediu a Chan, sem aviso prévio, que conduzisse o segundo movimento da Sinfonia nº 6 de Bruckner. Ela ficou apavorada, mas tomou coragem quando ele disse que a regência dela o fizera ouvir a música de verdade.

Chan disse que quando outros artistas a julgam à primeira vista, ela apenas ri consigo mesma: 'Eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.' Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Chan começou a praticar boxe quando se mudou para Londres, uma década atrás, em busca de um jeito de clarear a mente e de prevenir dores nas costas e nos ombros. Ela pratica várias vezes por semana. “Quando estou lutando boxe, não consigo pensar em mais nada, senão ficaria com o olho roxo”, disse ela. “Eu adoro.”

Como regente principal da orquestra da Antuérpia desde 2019, Chan recebeu elogios por sua energia e motivação. No futuro, disse ela, gostaria de passar um tempo explorando o repertório da ópera. E quer muito, um dia, assumir um cargo de tempo integral em alguma orquestra americana ou europeia.

Agora que está em Nova York, Chan tentou avaliar a acústica do recentemente reformado Geffen Hall. Ela disse que estava ansiosa para se apresentar com Gabetta, sua amiga, e retornar para Scheherazade. “Estou muito animada e curiosa, mas muito calma”, disse ela. “Parece que chegou a hora.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA YORK — Quando Elim Chan chegou a Nova York no fim de fevereiro para se preparar para sua estreia na Filarmônica de Nova York, sua primeira parada não foi o David Geffen Hall, casa da orquestra, nem o estúdio de ensaios. Não foi nem na cidade.

Em vez disso, ela visitou o Smith College, sua alma mater em Massachusetts, para se encontrar com jovens interessadas em artes. Numa sala de aula, Chan, 37 anos, disse francamente que sentia que está cada vez mais difícil para as mulheres terem sucesso na regência.

“A pressão agora é insana”, ela se lembra de ter dito. “Tive muita sorte.”

Elim Chan, nascida em Hong Kong e que chamou a atenção do mundo ao vencer o Concurso de Regência Donatella Flick, estreou na Filarmônica de Nova York no início de março Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Foi apenas dez anos atrás que Chan, natural de Hong Kong, apareceu em cena como a primeira mulher a vencer o estimado Concurso de Regência Donatella Flick, na Inglaterra. Desde então, ela entrou no circuito global de concertos e assumiu postos como o de regente principal da Orquestra Sinfônica da Antuérpia, na Bélgica.

Na quinta-feira, ela vai conduzir a Filarmônica nas apresentações do Primeiro Concerto para Violoncelo de Martinu, com a solista Sol Gabetta; a estreia mundial de Pisachi, de Jerod Tate; e Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, peça que ajudou Chan a conquistar sua vitória na rodada final da competição Flick.

Chan adora superar as expectativas sobre regência e sobre si mesma. Ela desafiou seus parentes quando eles a desencorajaram a seguir na música porque temiam que essa carreira não pagaria as contas. Ela revidou quando colegas questionaram suas credenciais porque ela não frequentara o conservatório e começara a reger relativamente tarde – no segundo ano da faculdade, ainda interessada por psicologia e medicina.

E ela sorriu consigo mesma sempre que os músicos a consideraram muito baixinha ou jovem demais para estar no pódio. Ela também fez questão de manter uma vida ativa fora da música: virou uma boxeadora dedicada, treinando com um técnico entre os compromissos profissionais.

“Já ouvi gente rindo ou olhando para mim, tipo: ‘Meu Deus, será que vamos conseguir vê-la lá em cima? Será que dá para levantar um pouco o pódio? Quantos anos ela tem? Nove? Ha ha ha’”, disse Chan. “Podem rir o quanto quiserem. Mas eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.”

Seus colaboradores dizem que ela é uma maestrina extraordinária, que consegue conquistar a confiança dos músicos rapidamente.“Ela é totalmente ela mesma, o que é muito maravilhoso”, disse a violinista Leila Josefowicz. “Ela é uma musicista muito ousada e tenta todo tipo de coisa, todo tipo de trabalho, todo tipo de jeito de fazer música.”

No ano passado, Chan anunciou que deixaria seu cargo na Antuérpia em maio de 2024, um ano antes do fim do contrato. (A pandemia, disse ela, fez com que ela repensasse em “como quero gastar minha energia, meu tempo e o que é mais urgente”). Ela não sabe exatamente qual será o próximo passo na carreira de regente, mas muitos imaginam que ela continuará sendo uma força no pódio.

“Ela é uma das luzes mais brilhantes da sua geração”, disse Chad Smith, presidente e executivo-chefe da Orquestra Sinfônica de Boston, que ajudou a contratar Chan quando esteve na Filarmônica de Los Angeles. “Ela tem essa musculatura e também uma eficiência que é muito incomum.”

O pianista Igor Levit, um colaborador frequente, disse que Chan tem grandes expectativas tanto para si mesma quanto para os músicos com quem se apresenta. “E, ainda assim, ela não confunde essa expectativa com arrogância ou com um comportamento ditatorial”, acrescentou. “É uma mistura maravilhosa da mais alta expectativa com o mais alto grau de generosidade.”

Chan cresceu em Kowloon. Seu pai trabalhava como professor de artes e pintor, sua mãe era funcionária pública. Quando criança, gostava de histórias sobre crimes e pensava que poderia se tornar legista ou detetive. Mas também alimentou um amor pela música, cantando no coral da escola e aprendendo violoncelo.

Quando ela tinha 8 anos, assistiu a um concerto da Filarmônica de Hong Kong. A regente era Yip Wing-sie, uma das relativamente poucas mulheres na área. “Na minha cabeça”, disse ela, “não havia a menor dúvida de que as mulheres pudessem ser regentes.”

Ela regeu pela primeira vez aos 13 anos, liderando o coral feminino de sua escola secundária em Hong Kong. Ela se lembra de ter sido inspirada por Mickey Mouse em Fantasia. “Eu queria ter uma varinha mágica”, disse ela, “e queria fazer umas coisas malucas.”

Chan estava convencida de que precisaria ir para o exterior se quisesse levar a música mais a sério. Na Smith, ela também teve aulas sobre psicologia anormal e literatura alemã e italiana. E começou a praticar regência com uma orquestra estudantil. Um belo dia, enquanto ensaiava Dies Irae do Réquiem de Verdi, ficou implicada com o som do bumbo, achando que não estava agitado o suficiente para evocar o inferno.

Naquele momento, percebeu que queria ser regente. “Parecia que um raio tinha me atingido bem forte na cabeça”, disse Chan. “Ouvi uma voz que dizia: ‘Elim, é isso. É isso. Você tem que fazer isso.’”

Enquanto estava na Smith, ela começou a frequentar retiros de regência no acampamento Medomak, no Maine, e tempos depois se matriculou em um programa de doutorado na Universidade de Michigan. Seu professor lá, Kenneth Kiesler, se lembra de ela praticar por horas seguidas em frente a uma janela, onde ela podia ver o próprio reflexo. Ela emanava alegria durante os ensaios, disse ele, como quando exortava os violoncelos: “Cantem sua música!”

“Desde o início, ela demonstrou o dom especial de expressar sua música, de mostrar o que sentia, de ficar vulnerável e depois deixar tudo isso transparecer, para que as pessoas pudessem testemunhar”, disse Kiesler. “É um dom cinestésico e também uma espécie de resposta camaleônica à música.”

No ano de 2014, ainda em Michigan, ela participou da competição Flick. Na rodada final, os competidores se apresentaram com a Orquestra Sinfônica de Londres no Barbican Center. Ela estava nervosa enquanto se preparava para reger Scheherazade. Mas ficou aliviada quando um violoncelista lhe disse nos bastidores que ela deveria se concentrar em ser ela mesma, e não em impressionar os músicos da orquestra.

Chan ficou orgulhosa com a vitória, mas também se sentiu desconfortável com o foco no seu gênero e etnia. “Não quero receber nenhum tratamento especial por ser mulher”, escreveu ela no jornal The Guardian. “Não quero que meu gênero, minha feminilidade, se torne uma muleta para mim.”

O prêmio, entregue pelo então futuro rei Charles III, incluiu um ano como regente assistente na Sinfônica de Londres. Ela trabalhou com o maestro russo Valery Gergiev, então titular da orquestra, que a convidou para participar de uma turnê no México com sua Orquestra Mariinsky.

Outro mentor foi o renomado maestro Bernard Haitink. Durante uma masterclass, ele pediu a Chan, sem aviso prévio, que conduzisse o segundo movimento da Sinfonia nº 6 de Bruckner. Ela ficou apavorada, mas tomou coragem quando ele disse que a regência dela o fizera ouvir a música de verdade.

Chan disse que quando outros artistas a julgam à primeira vista, ela apenas ri consigo mesma: 'Eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.' Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Chan começou a praticar boxe quando se mudou para Londres, uma década atrás, em busca de um jeito de clarear a mente e de prevenir dores nas costas e nos ombros. Ela pratica várias vezes por semana. “Quando estou lutando boxe, não consigo pensar em mais nada, senão ficaria com o olho roxo”, disse ela. “Eu adoro.”

Como regente principal da orquestra da Antuérpia desde 2019, Chan recebeu elogios por sua energia e motivação. No futuro, disse ela, gostaria de passar um tempo explorando o repertório da ópera. E quer muito, um dia, assumir um cargo de tempo integral em alguma orquestra americana ou europeia.

Agora que está em Nova York, Chan tentou avaliar a acústica do recentemente reformado Geffen Hall. Ela disse que estava ansiosa para se apresentar com Gabetta, sua amiga, e retornar para Scheherazade. “Estou muito animada e curiosa, mas muito calma”, disse ela. “Parece que chegou a hora.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA YORK — Quando Elim Chan chegou a Nova York no fim de fevereiro para se preparar para sua estreia na Filarmônica de Nova York, sua primeira parada não foi o David Geffen Hall, casa da orquestra, nem o estúdio de ensaios. Não foi nem na cidade.

Em vez disso, ela visitou o Smith College, sua alma mater em Massachusetts, para se encontrar com jovens interessadas em artes. Numa sala de aula, Chan, 37 anos, disse francamente que sentia que está cada vez mais difícil para as mulheres terem sucesso na regência.

“A pressão agora é insana”, ela se lembra de ter dito. “Tive muita sorte.”

Elim Chan, nascida em Hong Kong e que chamou a atenção do mundo ao vencer o Concurso de Regência Donatella Flick, estreou na Filarmônica de Nova York no início de março Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Foi apenas dez anos atrás que Chan, natural de Hong Kong, apareceu em cena como a primeira mulher a vencer o estimado Concurso de Regência Donatella Flick, na Inglaterra. Desde então, ela entrou no circuito global de concertos e assumiu postos como o de regente principal da Orquestra Sinfônica da Antuérpia, na Bélgica.

Na quinta-feira, ela vai conduzir a Filarmônica nas apresentações do Primeiro Concerto para Violoncelo de Martinu, com a solista Sol Gabetta; a estreia mundial de Pisachi, de Jerod Tate; e Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, peça que ajudou Chan a conquistar sua vitória na rodada final da competição Flick.

Chan adora superar as expectativas sobre regência e sobre si mesma. Ela desafiou seus parentes quando eles a desencorajaram a seguir na música porque temiam que essa carreira não pagaria as contas. Ela revidou quando colegas questionaram suas credenciais porque ela não frequentara o conservatório e começara a reger relativamente tarde – no segundo ano da faculdade, ainda interessada por psicologia e medicina.

E ela sorriu consigo mesma sempre que os músicos a consideraram muito baixinha ou jovem demais para estar no pódio. Ela também fez questão de manter uma vida ativa fora da música: virou uma boxeadora dedicada, treinando com um técnico entre os compromissos profissionais.

“Já ouvi gente rindo ou olhando para mim, tipo: ‘Meu Deus, será que vamos conseguir vê-la lá em cima? Será que dá para levantar um pouco o pódio? Quantos anos ela tem? Nove? Ha ha ha’”, disse Chan. “Podem rir o quanto quiserem. Mas eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.”

Seus colaboradores dizem que ela é uma maestrina extraordinária, que consegue conquistar a confiança dos músicos rapidamente.“Ela é totalmente ela mesma, o que é muito maravilhoso”, disse a violinista Leila Josefowicz. “Ela é uma musicista muito ousada e tenta todo tipo de coisa, todo tipo de trabalho, todo tipo de jeito de fazer música.”

No ano passado, Chan anunciou que deixaria seu cargo na Antuérpia em maio de 2024, um ano antes do fim do contrato. (A pandemia, disse ela, fez com que ela repensasse em “como quero gastar minha energia, meu tempo e o que é mais urgente”). Ela não sabe exatamente qual será o próximo passo na carreira de regente, mas muitos imaginam que ela continuará sendo uma força no pódio.

“Ela é uma das luzes mais brilhantes da sua geração”, disse Chad Smith, presidente e executivo-chefe da Orquestra Sinfônica de Boston, que ajudou a contratar Chan quando esteve na Filarmônica de Los Angeles. “Ela tem essa musculatura e também uma eficiência que é muito incomum.”

O pianista Igor Levit, um colaborador frequente, disse que Chan tem grandes expectativas tanto para si mesma quanto para os músicos com quem se apresenta. “E, ainda assim, ela não confunde essa expectativa com arrogância ou com um comportamento ditatorial”, acrescentou. “É uma mistura maravilhosa da mais alta expectativa com o mais alto grau de generosidade.”

Chan cresceu em Kowloon. Seu pai trabalhava como professor de artes e pintor, sua mãe era funcionária pública. Quando criança, gostava de histórias sobre crimes e pensava que poderia se tornar legista ou detetive. Mas também alimentou um amor pela música, cantando no coral da escola e aprendendo violoncelo.

Quando ela tinha 8 anos, assistiu a um concerto da Filarmônica de Hong Kong. A regente era Yip Wing-sie, uma das relativamente poucas mulheres na área. “Na minha cabeça”, disse ela, “não havia a menor dúvida de que as mulheres pudessem ser regentes.”

Ela regeu pela primeira vez aos 13 anos, liderando o coral feminino de sua escola secundária em Hong Kong. Ela se lembra de ter sido inspirada por Mickey Mouse em Fantasia. “Eu queria ter uma varinha mágica”, disse ela, “e queria fazer umas coisas malucas.”

Chan estava convencida de que precisaria ir para o exterior se quisesse levar a música mais a sério. Na Smith, ela também teve aulas sobre psicologia anormal e literatura alemã e italiana. E começou a praticar regência com uma orquestra estudantil. Um belo dia, enquanto ensaiava Dies Irae do Réquiem de Verdi, ficou implicada com o som do bumbo, achando que não estava agitado o suficiente para evocar o inferno.

Naquele momento, percebeu que queria ser regente. “Parecia que um raio tinha me atingido bem forte na cabeça”, disse Chan. “Ouvi uma voz que dizia: ‘Elim, é isso. É isso. Você tem que fazer isso.’”

Enquanto estava na Smith, ela começou a frequentar retiros de regência no acampamento Medomak, no Maine, e tempos depois se matriculou em um programa de doutorado na Universidade de Michigan. Seu professor lá, Kenneth Kiesler, se lembra de ela praticar por horas seguidas em frente a uma janela, onde ela podia ver o próprio reflexo. Ela emanava alegria durante os ensaios, disse ele, como quando exortava os violoncelos: “Cantem sua música!”

“Desde o início, ela demonstrou o dom especial de expressar sua música, de mostrar o que sentia, de ficar vulnerável e depois deixar tudo isso transparecer, para que as pessoas pudessem testemunhar”, disse Kiesler. “É um dom cinestésico e também uma espécie de resposta camaleônica à música.”

No ano de 2014, ainda em Michigan, ela participou da competição Flick. Na rodada final, os competidores se apresentaram com a Orquestra Sinfônica de Londres no Barbican Center. Ela estava nervosa enquanto se preparava para reger Scheherazade. Mas ficou aliviada quando um violoncelista lhe disse nos bastidores que ela deveria se concentrar em ser ela mesma, e não em impressionar os músicos da orquestra.

Chan ficou orgulhosa com a vitória, mas também se sentiu desconfortável com o foco no seu gênero e etnia. “Não quero receber nenhum tratamento especial por ser mulher”, escreveu ela no jornal The Guardian. “Não quero que meu gênero, minha feminilidade, se torne uma muleta para mim.”

O prêmio, entregue pelo então futuro rei Charles III, incluiu um ano como regente assistente na Sinfônica de Londres. Ela trabalhou com o maestro russo Valery Gergiev, então titular da orquestra, que a convidou para participar de uma turnê no México com sua Orquestra Mariinsky.

Outro mentor foi o renomado maestro Bernard Haitink. Durante uma masterclass, ele pediu a Chan, sem aviso prévio, que conduzisse o segundo movimento da Sinfonia nº 6 de Bruckner. Ela ficou apavorada, mas tomou coragem quando ele disse que a regência dela o fizera ouvir a música de verdade.

Chan disse que quando outros artistas a julgam à primeira vista, ela apenas ri consigo mesma: 'Eu sei muito bem o que estou fazendo. E, geralmente, quando começo, depois de uns cinco minutos, tudo fica quieto. Resta só a música.' Foto: Lanna Apisukh/The New York Times

Chan começou a praticar boxe quando se mudou para Londres, uma década atrás, em busca de um jeito de clarear a mente e de prevenir dores nas costas e nos ombros. Ela pratica várias vezes por semana. “Quando estou lutando boxe, não consigo pensar em mais nada, senão ficaria com o olho roxo”, disse ela. “Eu adoro.”

Como regente principal da orquestra da Antuérpia desde 2019, Chan recebeu elogios por sua energia e motivação. No futuro, disse ela, gostaria de passar um tempo explorando o repertório da ópera. E quer muito, um dia, assumir um cargo de tempo integral em alguma orquestra americana ou europeia.

Agora que está em Nova York, Chan tentou avaliar a acústica do recentemente reformado Geffen Hall. Ela disse que estava ansiosa para se apresentar com Gabetta, sua amiga, e retornar para Scheherazade. “Estou muito animada e curiosa, mas muito calma”, disse ela. “Parece que chegou a hora.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

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/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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