POVALIKHINO, RÚSSIA – Perto do dia das eleições, Nikolai Loktev estava em pânico: prefeito de um vilarejo de casas de toras de madeira, fogões a lenha e estradas de terra marcadas por sulcos profundos, a 480 quilômetros de Moscou, ele estava concorrendo à reeleição sem nenhum adversário.
Em uma democracia ocidental, o fato não soaria necessariamente um alarme; seria até comemorado. Mas, na Rússia, onde as eleições costumam ser fraudadas e o partido governista Rússia Unida praticamente sempre tem a vitória assegurada, o princípio político básico é criar a ilusão de uma escolha democrática. Por isso, Loktev precisava de um concorrente. No entanto, estava difícil encontrar alguém na região.
Ele já havia pedido a diversos moradores de Povalikhino, até mesmo ao seu assistente na prefeitura e a um membro do Partido Comunista que concorrera e perdera nas eleições de 2011, mas ambos declinaram. Quando finalmente ele encontrou quem poderia ser, pensou que os seus problemas haviam acabado. Sua adversária seria Marina Udgodskaya, a faxineira da prefeitura.
Mas ela ganhou a eleição.
Ninguém ficou mais surpreso do que a própria Udgodskaya, que não fez nenhuma campanha e disse que concordara em concorrer somente para ajudar o seu patrão. “Ele só precisava de alguém, qualquer pessoa, para que houvesse a eleição”, afirmou. Primeiramente, ela disse, ficou “preocupada e confusa” quando os resultados saíram, mas agora está se acostumando à ideia de ter o cargo de prefeita.
“Você não deve esperar nada em uma eleição”, comentou. Concordou em prestar o juramento, afinal, passaria a ganhar mais do que o dobro do salário, para 29 mil rublos, ou cerca de US$ 380 por mês, e se instalou no gabinete do prefeito antes de isolar-se em casa por medo do coronavírus. Como primeira medida – depois de encontrar quem a substituísse na faxina, é claro – ela pretendia instalar a iluminação das ruas, uma antiga reivindicação dos moradores.
Os acontecimentos em Povalikhino provocaram um frenesi na mídia russa, evidentemente concentrada no caráter farsesco de toda a história. Mas destacando o cinismo essencial que está corroendo a democracia no mundo todo, a eleição de Udgodskaya atende a um propósito mais sério. Além de algumas monarquias árabes e das remanescentes ditaduras comunistas, como a Coreia do Norte, as eleições democráticas são o único método em quase todo o mundo hoje usado para conferir legitimidade ao poder político.
É por isso que a Rússia, algumas outras antigas repúblicas soviéticas e um número cada vez maior de partidos praticam a chamada democracia administrada, em que as eleições ocorrem na data fixada, com a precisão de um relógio, mas aqueles que buscam reeileição praticamente nunca perdem.
Para conseguir este feito, a polícia silencia a verdadeira oposição política, e as comissões eleitorais excluem candidatos promissores do pleito lançado mão de subterfúgios técnicos – como a proibição eleitoral, na Rússia, contra o líder da oposição, Alexei Navalny, que este ano foi também incapacitado por meio de envenenamento antes das eleições locais. Estas medidas repressivas revelaram-se bastante eficientes.
O problema então será encontrar supostos concorrentes para desempenharem o papel de derrotados, a fim de manter a fachada do processo democrático. Na Rússia, Vladimir Putin conseguiu, por três vezes, a presidência contra o mesmo candidato, Gennady Zyuganov, um sujeito sem senso de humor com uma voz sonolenta sem flexões de tom, convenientemente apresentado pelo Partido Comunista.
Em 2018, Putin concorreu contra uma frente na qual se encontrava a sua respeitada afilhada, Ksenia Sobchak, que evidentemente foi derrotada. No Turcomenistão, certa vez, o presidente concorreu contra o seu ministro dos recursos hídricos. No Cazaquistão, o candidato que concorria contra o presidente deu o seu apoio ao titular do cargo. “Eu não quis me tornar presidente porque isto não é possível”, afirmou o candidato à presidência cazaque, Mels Yeleusizov, em uma entrevista inusitadamente sincera na época do seu papel no processo democrático.
Andrei Kolesnikov, um analista político do Carnegie Center de Moscou, disse que, na Rússia, os assessores políticos do Kremlin fecham um olho para a política nacional e local, buscando talentos para os candidatos ao governo e para os que de maneira plausível e segura deverão desempenhar o papel de derrotados.
“Este é um dos instrumentos que legitimam as eleições na Rússia”, afirmou Kolesnikov em entrevista por telefone falando dos fracos adversários em campo. “Parecem eleições, mas não são eleições de verdade”. O sistema ocasionalmente acaba produzindo o resultado errado. Na região siberiana de Khabarovsk, o candidato da oposição venceu e se elegeu governador; mais tarde foi preso, dando origem a meses de protestos.
“Estas rachaduras podem ocorrer em pequenas comunidades”, acrescentou. Foi, evidentemente, o que ocorreu em Povalikhino. Irina Nechayeva, a assistente da prefeita, disse que não foi a suposta desesperança de candidatar-se contra Loktev que afastou a maioria das pessoas, mas, na realidade, foi a remota possibilidade de ganhar.
Ugdoskaya, de 35 anos, mora com o marido, um trabalhador manual, e dois filhos adolescentes em uma casa acolhedora, batida pelas intempéries, e no quintal, cria galinhas, patos, coelhos e gansos. Em uma entrevista, ela disse que nunca se interessou por política, e não tinha ideia de que a sua história refletia problemas maiores. “Eu gosto é do trabalho no campo”, afirmou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.