THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - WINSHILL, Inglaterra - Em uma tarde ensolarada de junho, Paddy Considine passou com seu sedã por um bairro da classe trabalhadora neste subúrbio de West Midlands, apontando as tavernas impassíveis, igrejas e casas populares que se combinam para projetar as longas sombras de sua infância.
Havia o salão gospel onde ele e seus amigos cantavam hinos quando não estavam “sendo expulsos por brigar”. O pub onde os homens do local buscavam o esquecimento todas as noites. A agência dos correios onde seu pai tempestuoso “jogou uma lixeira pela janela da frente” durante um de seus frequentes ataques de raiva, um momento que Considine relembrou em seu belo e sombrio filme de 2011, Tiranossauro.
Ele parou na frente de uma casa cinza-clara para duas famílias e apontou para uma janela no andar de cima. Era seu antigo quarto, e ele contou uma história sobre um garoto desesperado para mostrar ao mundo que tinha mais a oferecer do que ele poderia imaginar.
“Eu corria para casa depois da escola, colocava música e ficava na janela, dançando Adam and the Ants, para que os pais me vissem e olhassem para cima”, ele disse. “Eu não era um exibido. Eu só queria ser visto.”
Ele olhou para mim com um sorriso que era igualmente afável e intenso. “Há uma diferença, você sabe”, ele disse.
Ao longo de uma carreira de duas décadas no cinema, na TV e em ocasionais peças de sucesso, Considine prosperou dentro dessa diferença. Ele criou performances que exigem ser vistas, em parte porque renunciam à pirotecnia performática em favor de um sentido palpável e às vezes inquietante do real. O fato de ele não ter o que você pode chamar de um papel marcante não o impediu de se tornar o ator favorito de muitos atores britânicos.
“Eu simplesmente acredito nele”, disse Olivia Colman, uma admiradora de longa data. “Você olha nos olhos dele, e ele está sentindo tudo, comunicando tudo. "
A reputação de Considine é mais modesta nos Estados Unidos, mas pode mudar: a partir deste domingo, 21 de agosto, ele estará dançando em sua maior janela até agora. É quando A Casa do Dragão, a tão esperada série que antecede Game of Thrones, chega à HBO. Um melodrama familiar com toda a violência, sexo e desejo de poder que se esperaria de uma narrativa ambientada em Westeros, a série busca recapturar a magia que tornou o original um fenômeno global antes de tropeçar em sua conclusão polarizadora em 2019.
A história, baseada em Fogo & Sangue, um romance derivado do mentor da saga, George R.R. Martin, se passa quase 200 anos antes dos eventos de Game of Thrones. Envolve uma batalha anterior pelo Trono de Ferro, que ameaça destruir o clã Targaryen muito antes de sua explosiva descendente Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) chegar na série original.
No centro de tudo está Considine, que interpreta o rei Viserys, o governante cujas decisões e fragilidades desencadearam grande parte do conflito e da carnificina que está por vir.
Caminhada
À primeira vista, é uma escalação surpreendente. Depois de estrear como um criminoso excêntrico no filme de 1999 A Room for Romeo Brass, Considine fez seu nome principalmente em dramas de pequeno porte interpretando homens emocionalmente em conflito que sentem tudo, além de: um pai imigrante de luto em Terra dos Sonhos; um ex-presidiário fanático religioso em My Summer of Love; um veterano assassino e vingativo em Vingança Redentora.
Embora tenha aparecido em franquias (O Ultimato Bourne), séries de gênero (a adaptação de Stephen King Outsider) e acumulado alguns desvios surpreendentes antes (a estúpida comédia policial Chumbo Grosso), um épico não parecia o mais adequado.
“Se você olhar para o corpo de seu trabalho e o tipo de filme que ele faz, você não pensaria necessariamente em uma grande franquia da HBO como essa”, disse Matt Smith, que estrela em A Casa do Dragão como o irmão beligerante de Viserys, Daemon. “Mas acho que ele tem bom gosto, e acho que ele percebeu que o papel era realmente interessante.”
Considine, 48, é um homem de multidões e paradoxos. Mesmo sendo um ator aclamado, ele luta com ataques de insegurança a ponto de considerar deixar projetos como “Chumbo Grosso” porque sentiu que não estava bem. Ele tem uma dureza inconfundível, mas o que o torna cativante é a sensibilidade que exala.
Ryan Condal, um dos showrunners de A Casa do Dragão, disse que Considine colocou em Viserys, um personagem relativamente passivo no roteiro, “um pouco do passado de classe trabalhadora de Paddy”.
“O que Paddy trouxe foi seu lado Targaryen, essa ferocidade”, ele disse. Mas como o outro showrunner, Miguel Sapochnik, observou: “Ele tem suas inseguranças na manga para usar”.
Essa combinação já conquistou o fã mais exigente de Thrones: Martin, que disse que o Viserys de Considine supera o do livro.
“De vez em quando, um ator ou os roteiristas levam um personagem para uma direção um pouco diferente, que acaba sendo melhor”, disse Martin. “E eu olho para isso e digo: ‘Droga, eu gostaria de ter escrito dessa maneira.’”
Considine admite que ficou lisonjeado por ser convidado a protagonizar um empreendimento tão grande, que quase certamente resultará em mais pessoas o assistindo do que nunca. Mas o que o atraiu foram as mesmas coisas que ele busca em todos os seus papéis, qualidades que seu passado e predisposição o ajudam a retratar com rara delicadeza.
“Havia apenas conflitos nele; havia dor nele”, ele disse. “Havia coisas para eu trabalhar.”
Considine passa a maior parte do tempo longe das batalhas do show business. Ele vive com sua esposa de uma relação de 20 anos, Shelley, e seus três filhos na cidade de Burton-on-Trent, perto de onde ele cresceu, localizada a cerca de 180 quilômetros a noroeste de Londres. Isso o ajuda a evitar ter que lidar com os tipos do ramo ou fazer testes para papéis, que ele detesta porque é péssimo nisso, ele disse.
Embora Considine seja geralmente imune ao clichê de Hollywood, ele certamente parecia esse clichê quando nos conhecemos. Sentado dentro de um café em um vilarejo chique perto de sua casa, ele estava vestindo preto sobre preto e óculos escuros, e passou os primeiros 20 minutos falando sobre sua banda de rock, chamada Riding the Low. Ele sabia como tudo se juntou.
“Eu sei... um ator com uma banda”, ele disse.
Mas a realidade é que ele toca música há mais tempo do que atua, e a banda não é um mero projeto de vaidade: em junho, eles tocaram no Glastonbury Festival, e seu último álbum incluiu uma participação especial do herói musical de Considine, Robert Pollard, do Guided by Voices.
Quanto aos óculos, eles contêm lentes especiais para tratar a síndrome de Irlen, um distúrbio que afeta a capacidade do cérebro de processar informações visuais. (Grande parte da comunidade científica e médica é cética sobre a condição, mas Considine e muitos outros dizem que as lentes mudaram suas vidas.) Geralmente engraçado e descontraído na conversa, Considine disse que essa condição, juntamente com uma forma leve de Asperger, ele foi diagnosticado em seus 30 anos, contribuiu para uma reputação de indiferença como um jovem ator.
reference“Eu não conseguia me concentrar ou focar em você, então eu tinha que desviar o olhar”, ele disse. “Isso me levou a esse comportamento de ir para dentro de mim e ser um pouco inacessível.”
Mas ele está acostumado a ser incompreendido - mesmo quando menino em Winshill, Considine tinha uma reputação que o precedeu. Mas não era sua.
Ele cresceu com um irmão e quatro irmãs em uma das poucas famílias com pai e mãe em seu círculo social. Sua mãe, Pauline, era uma cuidadora natural que acolhia temporariamente crianças da região quando as coisas ficavam difíceis em suas próprias casas. “Eu descia as escadas e havia, tipo, um punk de 1,80m deitado no sofá debaixo de um cobertor, com um grande moicano vermelho”, disse Considine.
Aos 16 anos, Considine começou um curso de teatro, mas “não aprendi muito e acabei saindo”, ele disse. (Ele finalmente conseguiu um diploma de fotografia.) Mas ele fez uma amizade fortuita lá com Shane Meadows, um companheiro de Midlands com gostos semelhantes em música e cinema. Vários anos depois, Meadows escalou Considine para “Romeo Brass”, em que ambos foram aclamados.
Papéis de maior destaque se seguiram em filmes como a crônica sobre a Factory Records A Festa Nunca Termina (2002) e a melancólica narrativa sobre imigrantes Terra dos Sonhos (2003). Então veio Vingança Redentora, um riff nervoso e lo-fi de terror que estrela Considine em uma performance assustadora, mas fundamentada, como um ex-soldado perseguindo os ex-torturadores de seu irmão.
O filme ainda é reverenciado na Grã-Bretanha - quase todo mundo com quem conversei sobre Considine o mencionou - embora o ator tenha se cansado de discuti-lo há muito tempo. (“Parte de mim quer morrer” quando as pessoas falam sobre o filme, ele disse, mas ele fez as pazes com isso.)
Essa performance indelével permitiu indiretamente que Considine a subvertesse, mudando novamente as percepções. Ele conheceu Simon Pegg e Edgar Wright no circuito de prêmios por “Vingança Redentora” - tanto esse como o filme deles Todo Mundo Quase Morto foram ambos lançados na Grã-Bretanha em 2004 - e o resultado foi um papel como um detetive idiota em Chumbo Grosso.
“Conhecer Paddy pessoalmente foi uma revelação; ele era incrivelmente caloroso e engraçado”, escreveu Wright em um e-mail. “Sabíamos que ele tinha uma presença cômica que ainda não havia sido totalmente desencadeada.”
Foi em “Chumbo Grosso” que Considine conheceu Colman, uma co-protagonista, que acabou atuando em seu primeiro longa como diretor, “Tiranossauro”. O filme, que ele também escreveu, conta uma história árdua, mas poderosa, sobre um viúvo melancólico (Peter Mullan) que faz amizade com uma mulher devota (Colman) presa em um casamento abusivo.
Considine disse que baseou Viserys, fisicamente doente, em parte em sua mãe, que passou por várias amputações resultantes de diabetes antes de morrer de ataque cardíaco. Colegas disseram que vê-lo atuar às vezes é preocupante.
“Ele se vira do avesso em sua performance, e essa metamorfose às vezes é realmente dolorosa de assistir”, disse Olivia Cooke, que interpreta Alicent Hightower, uma mulher próxima de Viserys. “Nós conversamos sobre isso, e a única maneira que ele tem de acessar o papel, às vezes, é ir para esse lugar horrível e doloroso.”
Sapochnik disse que quando Considine luta com esse material ou qualquer outra coisa, “seu padrão é a raiva”. Dirigi-lo envolveu “ajudar a trabalhar com isso, ser paciente com isso, às vezes dizendo a ele: ‘Cara, acalme-se’”, ele explicou. “Mas também vendo como ele trouxe isso para Viserys.”
Ao mesmo tempo, seus colegas de elenco, de veteranos como Smith a relativamente novatos como Emily Carey, que interpreta uma versão mais jovem de Alicent, elogiaram muito Considine como um colega e colaborador engraçado, caloroso e solidário. A pessoa com quem ele é mais duro é com ele mesmo.
“Parece que sou um idiota miserável, mas também me divirto fazendo essas coisas”, disse Considine. “É que quando eu atuo, tenho esses desafios na minha frente novamente.”
O que o mantém em movimento são os lampejos de transcendência. Ele mencionou um monólogo no final da temporada que Viserys faz diante de sua família que “tocou um pouco no velho Hopkins”, Sir Anthony, um de seus heróis de atuação.
“Nos momentos em que você está totalmente envolvido, tudo o que acontece - toda essa consciência, toda essa auto-observação, todas essas coisas, essa crítica interna”, disse Considine. “Essa coisa horrível simplesmente sai de você. E, em última análise, é isso que estou procurando.”
E na medida em que qualquer uma dessas coisas horríveis está ligada ao seu passado, ele está aprendendo a deixar um pouco disso sair dele também, à medida que as conquistas aumentam e os anos que passam trazem distância e perspectiva.
“Aquele garoto na janela não precisa morrer, mas não pode continuar dominando sua vida”, ele disse. “Você tem que explorar outras coisas, e Game of Thrones é parte disso.”
“Quem pensaria que aquele garoto acabaria interpretando um rei?” ele acrescentou. “Quem imaginaria que eu seria um rei de qualquer coisa?” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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