Em um cemitério turístico, a natureza assume o papel de protagonista


Père-Lachaise em Paris, onde estão enterrados Oscar Wilde, Jim Morrison, Édith Piaf e outras estrelas que o tornaram uma atração turística popular, também se tornou um paraíso para a vida selvagem

Por Constant Méheut

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Folhas secas farfalhavam sob os passos de Benoît Gallot enquanto ele vagava pelo terreno acidentado. Parando ao lado de alguns arbustos, afastou a folhagem para exibir uma colunata de pedra em ruínas. Um periquito, empoleirado em uma árvore próxima, chilreou.

Parecia uma cena nas profundezas de uma das florestas luxuriantes da França - mas ela se deu em um dos cemitérios mais visitados do mundo, o Cemitério do Père-Lachaise, que se situa entre avenidas congestionadas no leste de Paris.

O Père-Lachaise é conhecido como o lugar de descanso final de artistas célebres, incluindo Jim Morrison, Oscar Wilde e Edith Piaf. Mas, nos últimos anos, também se tornou um refúgio para a flora e a fauna da cidade. Raposas e corujas estão entre os muitos animais que o chamam de lar. “A natureza está retomando seus espaços”, disse Gallot, curador do cemitério, responsável por supervisionar a manutenção da área e alocar as sepulturas, enquanto continuava sua caminhada entre lápides cercadas de trepadeiras e ervas daninhas.

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O terreno do cemitério Père-Lachaise, antes uma paisagem com poucos sinais de vida, foi transformado em um jardim exuberante desde que Paris proibiu os pesticidas ali. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O esverdeamento da necrópole decorre de um plano de uma década para eliminar gradualmente os pesticidas e transformar o cemitério em um dos pulmões verdes de Paris, já que a densa capital está redesenhando sua paisagem urbana para torná-la mais ecológica diante do aumento das temperaturas.

Ao encorajar a vida selvagem em um lugar dedicado à morte, esses esforços também trouxeram uma pequena revolução nos costumes dos cemitérios franceses, nos quais os vestígios de vida não humana há muito são vistos como um desrespeito aos falecidos. “Foi uma reviravolta completa. O Père-Lachaise mostra que os vivos e os mortos podem coexistir”, afirmou Gallot.

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Inaugurado em 1804, o cemitério de 44,5 hectares - em homenagem ao confessor de Luís XIV, o reverendo François de La Chaise d’Aix - fica em uma encosta com vista para o centro de Paris. Suas primeiras lápides conviviam com árvores e plantas em um cenário semelhante a um parque.

Mas, à medida que a reputação do local crescia, sua vegetação exuberante recuava. Primeiro, chegaram os supostos restos mortais do dramaturgo Molière e do poeta Jean de La Fontaine, transferidos em 1817, o que levou os parisienses a buscar o próprio local de descanso final perto dos ilustres moradores. Abóbadas e capelas brotaram por toda a área irregular do cemitério, afetando a vida selvagem.

Hoje, cerca de 1,3 milhão de indivíduos, incluindo Proust, Chopin e Sarah Bernhardt, estão enterrados lá, número que equivale a cerca de metade da população viva de Paris.

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Depois, na segunda metade do século passado, a natureza recuou ainda mais, resultado de intensas operações de limpeza de ervas daninhas. Ao contrário do norte e do centro da Europa - como na Grã-Bretanha e na Áustria, onde lápides se espalham por paisagens verdejantes -, a França e outros países latinos favoreceram cemitérios bastante austeros e sem vegetação, de acordo com Bertrand Beyern, guia de cemitérios e historiador.

Nenhum sinal de vida, exceto para os enlutados, deveria ser permitido, em respeito aos mortos. “A menor plantinha tinha de ser eliminada. Era a mentalidade do ‘campo de golfe’”, comentou Jean-Claude Lévêque, jardineiro do cemitério desde 1983. Ele se lembrou de que, várias vezes por ano, se jogavam pesticidas nas sepulturas.

“A natureza está recuperando seus direitos”, disse Benoit Gallot, curador do cemitério Père-Lachaise. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times
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Essa abordagem começou a mudar em 2011, quando o governo da cidade incentivou os cemitérios de Paris a eliminar gradualmente os pesticidas por causa da preocupação ambiental. Gallot trabalhava então em outro cemitério nos arredores da capital. Ele disse que inicialmente não gostou da iniciativa, mas foi conquistado pela visão das flores nascendo e dos pássaros retornando ao ninho.

Em 2015, uma proibição total de herbicidas estava em vigor, e, segundo Xavier Japiot, naturalista que trabalha para o município de Paris, um “ecossistema rico” se desenvolveu como resultado.

As folhas das flores do ciclâmen - brancas, cor-de-rosa ou lavanda - surgiram entre as criptas. Coros inteiros de pássaros, incluindo tordos e papa-moscas, instalaram-se no vasto dossel do cemitério.

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Alguns visitantes acharam as mudanças não apenas agradáveis, mas também reconfortantes. “Essa diversidade natural distrai sua atenção da morte. Fica menos assustador”, observou Philippe Lataste, aposentado de 73 anos que estava vagando pelas vielas de paralelepípedos do Père-Lachaise.

A explosão mais espetacular de vida selvagem ocorreu durante um período de luto excepcional: a crise do coronavírus. Em abril de 2020, em uma Paris fantasmagórica por causa do lockdown, Gallot se deparou com um casal de raposas e seus quatro filhotes no cemitério, avistamento raro nos limites da cidade. “Ver os filhotes naquele momento marcado por funerais ininterruptos foi muito bom”, contou ele.

O verde do local trouxe um novo tipo de visitantes, cujo número total ultrapassa três milhões em um ano típico. Agora, ao lado dos fluxos de turistas globais em busca dos túmulos mais famosos do cemitério, com o nariz enterrado em mapas de observação de celebridades, há mais andarilhos locais atraídos pela promessa de um refúgio natural.

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Em uma manhã recente, 20 desses amantes da natureza participaram de um passeio para avistar pássaros no cemitério, sem medo do frio que os deixou com o nariz vermelho. Binóculo na mão, ouviam atentamente os comentários de Philippe Rance e Patrick Suiro, dois ornitólogos amadores.

Uma das áreas mais selvagens do cemitério, perto do mausoléu de Elizaveta Demidova, uma aristocrata russa do século XIX. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O novo cenário do Père-Lachaise, semelhante ao de um parque, teve consequências inesperadas. Seus funcionários se acostumaram a lidar com visitantes bêbados perto do túmulo de Morrison ou cobrindo a lápide de Wilde com beijos de batom. Mas Gallot informou que, agora, eles se ocupam de pessoas que praticam corrida e fazem piquenique.

Mesmo assim, Gallot disse que gosta da ideia de um cemitério cheio de atividade. Em um livro recentemente publicado sobre a “vida secreta” do Père-Lachaise, descreveu o túmulo onde ele mesmo gostaria de descansar. Ficaria em um pequeno jardim, perto de um arbusto onde os tordos poderiam fazer seu ninho. Um banco seria instalado para os transeuntes. Um vaso serviria de bebedouro para as raposas e de piscina para os pássaros. “Em suma, eu gostaria que meu túmulo fosse um lugar animado.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Folhas secas farfalhavam sob os passos de Benoît Gallot enquanto ele vagava pelo terreno acidentado. Parando ao lado de alguns arbustos, afastou a folhagem para exibir uma colunata de pedra em ruínas. Um periquito, empoleirado em uma árvore próxima, chilreou.

Parecia uma cena nas profundezas de uma das florestas luxuriantes da França - mas ela se deu em um dos cemitérios mais visitados do mundo, o Cemitério do Père-Lachaise, que se situa entre avenidas congestionadas no leste de Paris.

O Père-Lachaise é conhecido como o lugar de descanso final de artistas célebres, incluindo Jim Morrison, Oscar Wilde e Edith Piaf. Mas, nos últimos anos, também se tornou um refúgio para a flora e a fauna da cidade. Raposas e corujas estão entre os muitos animais que o chamam de lar. “A natureza está retomando seus espaços”, disse Gallot, curador do cemitério, responsável por supervisionar a manutenção da área e alocar as sepulturas, enquanto continuava sua caminhada entre lápides cercadas de trepadeiras e ervas daninhas.

O terreno do cemitério Père-Lachaise, antes uma paisagem com poucos sinais de vida, foi transformado em um jardim exuberante desde que Paris proibiu os pesticidas ali. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O esverdeamento da necrópole decorre de um plano de uma década para eliminar gradualmente os pesticidas e transformar o cemitério em um dos pulmões verdes de Paris, já que a densa capital está redesenhando sua paisagem urbana para torná-la mais ecológica diante do aumento das temperaturas.

Ao encorajar a vida selvagem em um lugar dedicado à morte, esses esforços também trouxeram uma pequena revolução nos costumes dos cemitérios franceses, nos quais os vestígios de vida não humana há muito são vistos como um desrespeito aos falecidos. “Foi uma reviravolta completa. O Père-Lachaise mostra que os vivos e os mortos podem coexistir”, afirmou Gallot.

Inaugurado em 1804, o cemitério de 44,5 hectares - em homenagem ao confessor de Luís XIV, o reverendo François de La Chaise d’Aix - fica em uma encosta com vista para o centro de Paris. Suas primeiras lápides conviviam com árvores e plantas em um cenário semelhante a um parque.

Mas, à medida que a reputação do local crescia, sua vegetação exuberante recuava. Primeiro, chegaram os supostos restos mortais do dramaturgo Molière e do poeta Jean de La Fontaine, transferidos em 1817, o que levou os parisienses a buscar o próprio local de descanso final perto dos ilustres moradores. Abóbadas e capelas brotaram por toda a área irregular do cemitério, afetando a vida selvagem.

Hoje, cerca de 1,3 milhão de indivíduos, incluindo Proust, Chopin e Sarah Bernhardt, estão enterrados lá, número que equivale a cerca de metade da população viva de Paris.

Depois, na segunda metade do século passado, a natureza recuou ainda mais, resultado de intensas operações de limpeza de ervas daninhas. Ao contrário do norte e do centro da Europa - como na Grã-Bretanha e na Áustria, onde lápides se espalham por paisagens verdejantes -, a França e outros países latinos favoreceram cemitérios bastante austeros e sem vegetação, de acordo com Bertrand Beyern, guia de cemitérios e historiador.

Nenhum sinal de vida, exceto para os enlutados, deveria ser permitido, em respeito aos mortos. “A menor plantinha tinha de ser eliminada. Era a mentalidade do ‘campo de golfe’”, comentou Jean-Claude Lévêque, jardineiro do cemitério desde 1983. Ele se lembrou de que, várias vezes por ano, se jogavam pesticidas nas sepulturas.

“A natureza está recuperando seus direitos”, disse Benoit Gallot, curador do cemitério Père-Lachaise. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

Essa abordagem começou a mudar em 2011, quando o governo da cidade incentivou os cemitérios de Paris a eliminar gradualmente os pesticidas por causa da preocupação ambiental. Gallot trabalhava então em outro cemitério nos arredores da capital. Ele disse que inicialmente não gostou da iniciativa, mas foi conquistado pela visão das flores nascendo e dos pássaros retornando ao ninho.

Em 2015, uma proibição total de herbicidas estava em vigor, e, segundo Xavier Japiot, naturalista que trabalha para o município de Paris, um “ecossistema rico” se desenvolveu como resultado.

As folhas das flores do ciclâmen - brancas, cor-de-rosa ou lavanda - surgiram entre as criptas. Coros inteiros de pássaros, incluindo tordos e papa-moscas, instalaram-se no vasto dossel do cemitério.

Alguns visitantes acharam as mudanças não apenas agradáveis, mas também reconfortantes. “Essa diversidade natural distrai sua atenção da morte. Fica menos assustador”, observou Philippe Lataste, aposentado de 73 anos que estava vagando pelas vielas de paralelepípedos do Père-Lachaise.

A explosão mais espetacular de vida selvagem ocorreu durante um período de luto excepcional: a crise do coronavírus. Em abril de 2020, em uma Paris fantasmagórica por causa do lockdown, Gallot se deparou com um casal de raposas e seus quatro filhotes no cemitério, avistamento raro nos limites da cidade. “Ver os filhotes naquele momento marcado por funerais ininterruptos foi muito bom”, contou ele.

O verde do local trouxe um novo tipo de visitantes, cujo número total ultrapassa três milhões em um ano típico. Agora, ao lado dos fluxos de turistas globais em busca dos túmulos mais famosos do cemitério, com o nariz enterrado em mapas de observação de celebridades, há mais andarilhos locais atraídos pela promessa de um refúgio natural.

Em uma manhã recente, 20 desses amantes da natureza participaram de um passeio para avistar pássaros no cemitério, sem medo do frio que os deixou com o nariz vermelho. Binóculo na mão, ouviam atentamente os comentários de Philippe Rance e Patrick Suiro, dois ornitólogos amadores.

Uma das áreas mais selvagens do cemitério, perto do mausoléu de Elizaveta Demidova, uma aristocrata russa do século XIX. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O novo cenário do Père-Lachaise, semelhante ao de um parque, teve consequências inesperadas. Seus funcionários se acostumaram a lidar com visitantes bêbados perto do túmulo de Morrison ou cobrindo a lápide de Wilde com beijos de batom. Mas Gallot informou que, agora, eles se ocupam de pessoas que praticam corrida e fazem piquenique.

Mesmo assim, Gallot disse que gosta da ideia de um cemitério cheio de atividade. Em um livro recentemente publicado sobre a “vida secreta” do Père-Lachaise, descreveu o túmulo onde ele mesmo gostaria de descansar. Ficaria em um pequeno jardim, perto de um arbusto onde os tordos poderiam fazer seu ninho. Um banco seria instalado para os transeuntes. Um vaso serviria de bebedouro para as raposas e de piscina para os pássaros. “Em suma, eu gostaria que meu túmulo fosse um lugar animado.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Folhas secas farfalhavam sob os passos de Benoît Gallot enquanto ele vagava pelo terreno acidentado. Parando ao lado de alguns arbustos, afastou a folhagem para exibir uma colunata de pedra em ruínas. Um periquito, empoleirado em uma árvore próxima, chilreou.

Parecia uma cena nas profundezas de uma das florestas luxuriantes da França - mas ela se deu em um dos cemitérios mais visitados do mundo, o Cemitério do Père-Lachaise, que se situa entre avenidas congestionadas no leste de Paris.

O Père-Lachaise é conhecido como o lugar de descanso final de artistas célebres, incluindo Jim Morrison, Oscar Wilde e Edith Piaf. Mas, nos últimos anos, também se tornou um refúgio para a flora e a fauna da cidade. Raposas e corujas estão entre os muitos animais que o chamam de lar. “A natureza está retomando seus espaços”, disse Gallot, curador do cemitério, responsável por supervisionar a manutenção da área e alocar as sepulturas, enquanto continuava sua caminhada entre lápides cercadas de trepadeiras e ervas daninhas.

O terreno do cemitério Père-Lachaise, antes uma paisagem com poucos sinais de vida, foi transformado em um jardim exuberante desde que Paris proibiu os pesticidas ali. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O esverdeamento da necrópole decorre de um plano de uma década para eliminar gradualmente os pesticidas e transformar o cemitério em um dos pulmões verdes de Paris, já que a densa capital está redesenhando sua paisagem urbana para torná-la mais ecológica diante do aumento das temperaturas.

Ao encorajar a vida selvagem em um lugar dedicado à morte, esses esforços também trouxeram uma pequena revolução nos costumes dos cemitérios franceses, nos quais os vestígios de vida não humana há muito são vistos como um desrespeito aos falecidos. “Foi uma reviravolta completa. O Père-Lachaise mostra que os vivos e os mortos podem coexistir”, afirmou Gallot.

Inaugurado em 1804, o cemitério de 44,5 hectares - em homenagem ao confessor de Luís XIV, o reverendo François de La Chaise d’Aix - fica em uma encosta com vista para o centro de Paris. Suas primeiras lápides conviviam com árvores e plantas em um cenário semelhante a um parque.

Mas, à medida que a reputação do local crescia, sua vegetação exuberante recuava. Primeiro, chegaram os supostos restos mortais do dramaturgo Molière e do poeta Jean de La Fontaine, transferidos em 1817, o que levou os parisienses a buscar o próprio local de descanso final perto dos ilustres moradores. Abóbadas e capelas brotaram por toda a área irregular do cemitério, afetando a vida selvagem.

Hoje, cerca de 1,3 milhão de indivíduos, incluindo Proust, Chopin e Sarah Bernhardt, estão enterrados lá, número que equivale a cerca de metade da população viva de Paris.

Depois, na segunda metade do século passado, a natureza recuou ainda mais, resultado de intensas operações de limpeza de ervas daninhas. Ao contrário do norte e do centro da Europa - como na Grã-Bretanha e na Áustria, onde lápides se espalham por paisagens verdejantes -, a França e outros países latinos favoreceram cemitérios bastante austeros e sem vegetação, de acordo com Bertrand Beyern, guia de cemitérios e historiador.

Nenhum sinal de vida, exceto para os enlutados, deveria ser permitido, em respeito aos mortos. “A menor plantinha tinha de ser eliminada. Era a mentalidade do ‘campo de golfe’”, comentou Jean-Claude Lévêque, jardineiro do cemitério desde 1983. Ele se lembrou de que, várias vezes por ano, se jogavam pesticidas nas sepulturas.

“A natureza está recuperando seus direitos”, disse Benoit Gallot, curador do cemitério Père-Lachaise. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

Essa abordagem começou a mudar em 2011, quando o governo da cidade incentivou os cemitérios de Paris a eliminar gradualmente os pesticidas por causa da preocupação ambiental. Gallot trabalhava então em outro cemitério nos arredores da capital. Ele disse que inicialmente não gostou da iniciativa, mas foi conquistado pela visão das flores nascendo e dos pássaros retornando ao ninho.

Em 2015, uma proibição total de herbicidas estava em vigor, e, segundo Xavier Japiot, naturalista que trabalha para o município de Paris, um “ecossistema rico” se desenvolveu como resultado.

As folhas das flores do ciclâmen - brancas, cor-de-rosa ou lavanda - surgiram entre as criptas. Coros inteiros de pássaros, incluindo tordos e papa-moscas, instalaram-se no vasto dossel do cemitério.

Alguns visitantes acharam as mudanças não apenas agradáveis, mas também reconfortantes. “Essa diversidade natural distrai sua atenção da morte. Fica menos assustador”, observou Philippe Lataste, aposentado de 73 anos que estava vagando pelas vielas de paralelepípedos do Père-Lachaise.

A explosão mais espetacular de vida selvagem ocorreu durante um período de luto excepcional: a crise do coronavírus. Em abril de 2020, em uma Paris fantasmagórica por causa do lockdown, Gallot se deparou com um casal de raposas e seus quatro filhotes no cemitério, avistamento raro nos limites da cidade. “Ver os filhotes naquele momento marcado por funerais ininterruptos foi muito bom”, contou ele.

O verde do local trouxe um novo tipo de visitantes, cujo número total ultrapassa três milhões em um ano típico. Agora, ao lado dos fluxos de turistas globais em busca dos túmulos mais famosos do cemitério, com o nariz enterrado em mapas de observação de celebridades, há mais andarilhos locais atraídos pela promessa de um refúgio natural.

Em uma manhã recente, 20 desses amantes da natureza participaram de um passeio para avistar pássaros no cemitério, sem medo do frio que os deixou com o nariz vermelho. Binóculo na mão, ouviam atentamente os comentários de Philippe Rance e Patrick Suiro, dois ornitólogos amadores.

Uma das áreas mais selvagens do cemitério, perto do mausoléu de Elizaveta Demidova, uma aristocrata russa do século XIX. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O novo cenário do Père-Lachaise, semelhante ao de um parque, teve consequências inesperadas. Seus funcionários se acostumaram a lidar com visitantes bêbados perto do túmulo de Morrison ou cobrindo a lápide de Wilde com beijos de batom. Mas Gallot informou que, agora, eles se ocupam de pessoas que praticam corrida e fazem piquenique.

Mesmo assim, Gallot disse que gosta da ideia de um cemitério cheio de atividade. Em um livro recentemente publicado sobre a “vida secreta” do Père-Lachaise, descreveu o túmulo onde ele mesmo gostaria de descansar. Ficaria em um pequeno jardim, perto de um arbusto onde os tordos poderiam fazer seu ninho. Um banco seria instalado para os transeuntes. Um vaso serviria de bebedouro para as raposas e de piscina para os pássaros. “Em suma, eu gostaria que meu túmulo fosse um lugar animado.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Folhas secas farfalhavam sob os passos de Benoît Gallot enquanto ele vagava pelo terreno acidentado. Parando ao lado de alguns arbustos, afastou a folhagem para exibir uma colunata de pedra em ruínas. Um periquito, empoleirado em uma árvore próxima, chilreou.

Parecia uma cena nas profundezas de uma das florestas luxuriantes da França - mas ela se deu em um dos cemitérios mais visitados do mundo, o Cemitério do Père-Lachaise, que se situa entre avenidas congestionadas no leste de Paris.

O Père-Lachaise é conhecido como o lugar de descanso final de artistas célebres, incluindo Jim Morrison, Oscar Wilde e Edith Piaf. Mas, nos últimos anos, também se tornou um refúgio para a flora e a fauna da cidade. Raposas e corujas estão entre os muitos animais que o chamam de lar. “A natureza está retomando seus espaços”, disse Gallot, curador do cemitério, responsável por supervisionar a manutenção da área e alocar as sepulturas, enquanto continuava sua caminhada entre lápides cercadas de trepadeiras e ervas daninhas.

O terreno do cemitério Père-Lachaise, antes uma paisagem com poucos sinais de vida, foi transformado em um jardim exuberante desde que Paris proibiu os pesticidas ali. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O esverdeamento da necrópole decorre de um plano de uma década para eliminar gradualmente os pesticidas e transformar o cemitério em um dos pulmões verdes de Paris, já que a densa capital está redesenhando sua paisagem urbana para torná-la mais ecológica diante do aumento das temperaturas.

Ao encorajar a vida selvagem em um lugar dedicado à morte, esses esforços também trouxeram uma pequena revolução nos costumes dos cemitérios franceses, nos quais os vestígios de vida não humana há muito são vistos como um desrespeito aos falecidos. “Foi uma reviravolta completa. O Père-Lachaise mostra que os vivos e os mortos podem coexistir”, afirmou Gallot.

Inaugurado em 1804, o cemitério de 44,5 hectares - em homenagem ao confessor de Luís XIV, o reverendo François de La Chaise d’Aix - fica em uma encosta com vista para o centro de Paris. Suas primeiras lápides conviviam com árvores e plantas em um cenário semelhante a um parque.

Mas, à medida que a reputação do local crescia, sua vegetação exuberante recuava. Primeiro, chegaram os supostos restos mortais do dramaturgo Molière e do poeta Jean de La Fontaine, transferidos em 1817, o que levou os parisienses a buscar o próprio local de descanso final perto dos ilustres moradores. Abóbadas e capelas brotaram por toda a área irregular do cemitério, afetando a vida selvagem.

Hoje, cerca de 1,3 milhão de indivíduos, incluindo Proust, Chopin e Sarah Bernhardt, estão enterrados lá, número que equivale a cerca de metade da população viva de Paris.

Depois, na segunda metade do século passado, a natureza recuou ainda mais, resultado de intensas operações de limpeza de ervas daninhas. Ao contrário do norte e do centro da Europa - como na Grã-Bretanha e na Áustria, onde lápides se espalham por paisagens verdejantes -, a França e outros países latinos favoreceram cemitérios bastante austeros e sem vegetação, de acordo com Bertrand Beyern, guia de cemitérios e historiador.

Nenhum sinal de vida, exceto para os enlutados, deveria ser permitido, em respeito aos mortos. “A menor plantinha tinha de ser eliminada. Era a mentalidade do ‘campo de golfe’”, comentou Jean-Claude Lévêque, jardineiro do cemitério desde 1983. Ele se lembrou de que, várias vezes por ano, se jogavam pesticidas nas sepulturas.

“A natureza está recuperando seus direitos”, disse Benoit Gallot, curador do cemitério Père-Lachaise. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

Essa abordagem começou a mudar em 2011, quando o governo da cidade incentivou os cemitérios de Paris a eliminar gradualmente os pesticidas por causa da preocupação ambiental. Gallot trabalhava então em outro cemitério nos arredores da capital. Ele disse que inicialmente não gostou da iniciativa, mas foi conquistado pela visão das flores nascendo e dos pássaros retornando ao ninho.

Em 2015, uma proibição total de herbicidas estava em vigor, e, segundo Xavier Japiot, naturalista que trabalha para o município de Paris, um “ecossistema rico” se desenvolveu como resultado.

As folhas das flores do ciclâmen - brancas, cor-de-rosa ou lavanda - surgiram entre as criptas. Coros inteiros de pássaros, incluindo tordos e papa-moscas, instalaram-se no vasto dossel do cemitério.

Alguns visitantes acharam as mudanças não apenas agradáveis, mas também reconfortantes. “Essa diversidade natural distrai sua atenção da morte. Fica menos assustador”, observou Philippe Lataste, aposentado de 73 anos que estava vagando pelas vielas de paralelepípedos do Père-Lachaise.

A explosão mais espetacular de vida selvagem ocorreu durante um período de luto excepcional: a crise do coronavírus. Em abril de 2020, em uma Paris fantasmagórica por causa do lockdown, Gallot se deparou com um casal de raposas e seus quatro filhotes no cemitério, avistamento raro nos limites da cidade. “Ver os filhotes naquele momento marcado por funerais ininterruptos foi muito bom”, contou ele.

O verde do local trouxe um novo tipo de visitantes, cujo número total ultrapassa três milhões em um ano típico. Agora, ao lado dos fluxos de turistas globais em busca dos túmulos mais famosos do cemitério, com o nariz enterrado em mapas de observação de celebridades, há mais andarilhos locais atraídos pela promessa de um refúgio natural.

Em uma manhã recente, 20 desses amantes da natureza participaram de um passeio para avistar pássaros no cemitério, sem medo do frio que os deixou com o nariz vermelho. Binóculo na mão, ouviam atentamente os comentários de Philippe Rance e Patrick Suiro, dois ornitólogos amadores.

Uma das áreas mais selvagens do cemitério, perto do mausoléu de Elizaveta Demidova, uma aristocrata russa do século XIX. Foto: Dmitry Kostyukov/The New York Times

O novo cenário do Père-Lachaise, semelhante ao de um parque, teve consequências inesperadas. Seus funcionários se acostumaram a lidar com visitantes bêbados perto do túmulo de Morrison ou cobrindo a lápide de Wilde com beijos de batom. Mas Gallot informou que, agora, eles se ocupam de pessoas que praticam corrida e fazem piquenique.

Mesmo assim, Gallot disse que gosta da ideia de um cemitério cheio de atividade. Em um livro recentemente publicado sobre a “vida secreta” do Père-Lachaise, descreveu o túmulo onde ele mesmo gostaria de descansar. Ficaria em um pequeno jardim, perto de um arbusto onde os tordos poderiam fazer seu ninho. Um banco seria instalado para os transeuntes. Um vaso serviria de bebedouro para as raposas e de piscina para os pássaros. “Em suma, eu gostaria que meu túmulo fosse um lugar animado.”

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