E se a pandemia sumisse como num passe de mágica?


'É uma época realmente assustadora', disse um mágico sobre a situação da categoria em meio à pandemia

Por Kenneth Sturtz

Era uma noite de domingo, e o público de Ken Scott estava boquiaberto. Pais e filhos olhavam fascinados enquanto ele apresentava uma série de milagres. Um gesto com a mão sobre um cartão da Estátua da Liberdade, e a estátua desaparecera. Uma barra de cereais se transformara em um Cubo de Rubik que se dissolveu em um piscar de olhos. E uma carta escolhida por um espectador foi encontrada sem que Scott sequer mexesse nas cartas.

Em seguida, ele pediu a um menino e à sua mãe que o ajudassem; mostrou a etiqueta amarela de uma mala e disse que mandaria o seu animalzinho de estimação em uma viagem imaginária para onde eles quisessem. O menino falou o nome do seu cãozinho (Louie), um número de voo (116) e um destino (Nova York).

Com um cinegrafista gravando cada momento, Alexander Boyce realiza um truque de cartas. Foto: Pat O'Malley/The New York Times
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Instantaneamente Scott abriu a etiqueta para mostrar que era isto mesmo que estava escrito nela. “Oh meu Deus!” disse o menino sorrindo. “Não posso acreditar”, falou a mãe.

Era algo particularmente impressionante considerando as circunstâncias, graças à mágica mais prosaica do Zoom, Scott estava em Atlanta e os membros sua plateia estavam a quilômetros de distância uns dos outros. O espetáculo estava sendo realizado no estúdio que fica no porão de sua casa e estava sendo exibido em tempo real.

Não importa se as 54 pessoas que sintonizavam o show estavam buscando uma sensação de normalidade em tempos isolados e desconectados, ou se elas apenas não conseguiam decifrar este último truque, elas estavam aplaudindo de suas salas e cozinhas na Carolina do Norte, Louisiana, Texas, Califórnia e Geórgia.

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Como o coronavírus acabou com o entretenimento ao vivo, os mágicos, como muitos outros, foram obrigados a adaptar-se trocando os tradicionais espetáculos ao vivo por show virtuais. A mudança está sendo particularmente chocante para os praticantes desta especialidade, que costumam afirmar que a mágica é melhor quando experimentada pessoalmente. “Acho que muitos se deram conta de que não tinham nenhum plano B”, disse Stephen Bargatze, de 65 anos, presidente da Irmandade Internacional de Mágicos, a maior organização devotada a esta prática. (Apenas cerca de 500 dos seus mais de 14.500 membros são mulheres, mas ele disse que o número está crescendo.)

“A ideia de que algo semelhante pudesse acontecer nunca passou pelas cabeças deles”. “Esta é uma época extremamente assustadora,” afirmou. “Estamos fazendo todo o possível para pagar as contas na esperança de que as coisas voltem ao normal no começo do ano”.

Da mágica com o baralho à jardinagem

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Scott costumava se exibir ao vivo realizando de 200 a 300 espetáculos ao ano, em geral, para escolas e bibliotecas de sua área. Uma manhã, em meados de março, estava andando depois do espetáculo em uma escola quando olhou o seu telefone e percebeu que cada e-mail de sua caixa de entrada continha um pedido de cancelamento. “Tudo parou de repente”, ele disse. “Eu literalmente vi a minha agenda de compromissos desaparecer”.

Alexander Boyce, um elegante mágico de 23 anos do Brooklyn, que gosta de reinterpretar os clássicos da mágica, fazia 350 shows ao ano, em geral para empresas e no “Speakeasy Magick”, um espetáculo no hotel McKittrich em Manhattan, West Chelsea. Mas o espetáculo acabou, e o seu trabalho secou.

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“Tudo desapareceu rapidamente”, disse Boyce. “E como todo mundo, decidi esperar e me dedicar por algum tempo a trabalhar em um material novo e a ensaiar sozinho, além de desfrutar algumas semanas de descanso para depois voltar ao trabalho”. Shawn Farquhar, 58, viajava pelo mundo todo 285 dias ao ano, principalmente apresentando-se em teatros de 1.250 lugares em navios de cruzeiro da Disney. Viajava tanto que recebia cartões de Natal dos pilotos.

Mas no ano passado, trocou os longos períodos fora de cada pelo seu próprio teatro em Vancouver. Em meados de março, Farquhar estava em Las Vegas para uma apresentação na competição de mágicos “Penn & Teller: Fool Us”. No dia seguinte, ao voltar ao Canadá, entrou em quarentena por duas semanas em sua casa.

Tudo parou de repente. Relutando, fechou o seu teatro. Com poucas coisas para fazer, trocou o terno e o baralho pelos jeans e passou a se dedicar à jardinagem. Como Farquhar, os mágicos de toda parte que costumavam realizar espetáculos presenciais não voltariam tão cedo e começaram a encarar os espetáculos virtuais com vários graus de entusiasmo e equipamentos; agora precisavam de um computador e de uma webcam para criar um estúdio improvisado.

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Scott já dava aulas de mágica a classes de crianças depois da escola e decidiu continuar fazendo isso e apelar para o virtual, sem precisar ressarcir quem quer que fosse. Desse modo, no verão conseguiu salvar cerca de um terço de seu negócio de shows em bibliotecas normalmente lucrativos, com espetáculos virtuais.

Tomou emprestado alguns equipamentos e comprou o restante, transformando o seu escritório no porão de casa em um estúdio completo, com iluminação, câmeras e uma tela verde. Houve várias tentativas e erros; no começo, durante um espetáculo, o som sumiu. Contratou uma pessoas para operar o computador, trabalhou melhor o show e lentamente começou a fazer aniversários, “festas” de escritório e shows públicos.

“Estou fazendo alguns shows virtuais, mas definitivamente não como costumavam ser”, disse Scott. “É claro que quero voltar a trabalhar em tempo integral”. Boyce não pensava em fazer shows virtuais até que um associado com quem tinha trabalhado anteriormente pediu que ele fizesse um.

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A resposta foi tão positiva que decidiu que poderia fazer o trabalho virtual. Fez um estúdio à la McGyver em seu apartamento, com iluminação, pano de fundo, múltiplas câmeras e um computador. Agora usa um software de comutação de modo que pode administrar o setup por conta própria. Com os funcionários parados em casa e com os restaurantes e a Broadway fechados, clientes associados com os quais já havia trabalhado começaram a chamá-lo para incrementar os seus eventos virtuais ou impressionar sócios nos negócios.

Farquhar recorreu à mágica virtual cansado de se sentir entediado. Preso em casa e desesperado por se apresentar para um público, conseguiu um show gratuito no Facebook Live. Havia previsto uma hora, achando que conseguiria adaptar o material existente. Depois de 15 minutos já tinha dificuldades. “Eu me dei conta de que estava falando com uma luz verde em uma câmera e sem qualquer interação”, ele disse.

“Não era a Zoom, era eu somente falando e tentando manter a energia lá em cima”. Ele achava que não conseguir interagir com um público em tempo real seria algo arrasador. Tentou o Instagram Live, mas também não gostou. Quando finalmente um amigo conseguiu um número suficiente de clientes pagantes para um show na Zoom, Farquhar mudou de ideia. Encontrou algumas dificuldades, como manter o interesse das pessoas e lidar com dezenas de feeds de áudio e vídeo. Mas quando aprendeu a interagir com o público, criou um show virtual especial.

Jason Michaels, 45 anos, de Nashville, Tennessee, trabalhara bastante com espetáculos em escolas e com empresas, e também em excursões realizando mágicas para famílias de militares internamente e no exterior. “Enfiei na cabeça que não acreditava que a mágica funcionasse em um ambiente virtual,” afirmou. “Já é difícil vender um show de mágica em uma economia normal”. Mas depois de meses sem trabalho, Michaels chegou ao fundo do poço no meio do ano. Ficou com medo de que, depois de 17 anos, teria de se contentar em fazer parte das fileiras de mágicos que pegam qualquer trabalho para pagar as contas.

Encorajado por vários colegas. Michaels investiu em alguns equipamentos, montou um estúdio improvisado em seu escritório e reformulou sua mágica em dois espetáculos separados, um – uma demonstração de uma extraordinária manipulação de cartas de baralho – só para entretenimento, e outro que incorporava um componente educativo. A renda, embora escassa, o ajudou a seguir em frente.

Kayla Drescher, 30 anos, uma mágica de Los Angeles, também relutou muito a aderir à corrida ao virtual. Kayla passou os últimos três anos excursionando com o “Champions of Magic”, um espetáculo de teatro com cinco pessoas. A sua manipulação do baralho em close up foi feita na frente de uma câmera e projetada numa tela.

Mas segundo ela, o seu estilo de apresentação e a alta energia do seu show depende fundamentalmente da interação do público, o que pode ser difícil em um show virtual. “Para mim, fazer shows através de uma tela não tem o mesmo nível de satisfação, e também não tem o mesmo nível de satisfação para o público”, observou.

Para suplementar a sua renda, Kayla começou a ensinar mágica on-line, incluindo um programa de acampamento de verão e uma noite de mágica para casais que gostam de uma aula tomando vinho no conforto de casa. Ela aceitou com prazer realizar shows virtuais em hospitais infantis e em outras instituições. Mas não os vendeu para novos clientes.

“O meu medo é que eles comecem a me ver apenas como uma mágica do Zoom e não queiram reservar um show comigo em pessoa”, afirmou. “Por mais que a câmera seja interessante ou por mais que eu me esforce, não há como o espetáculo no Zoom ser a mesma coisa que o ao vivo”.

A forma transforma

A mágica – a capacidade de fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade – há muito tempo, é uma disputa presencial entre a extraordinária habilidade finamente aperfeiçoada pelo mágico e os olhos não treinados do espectador. Basta acrescentar uma câmera, e tudo muda. “Quando você vem me ver e eu enfio um anel de verdade no seu dedo, é uma experiência totalmente diferente de quando eu coloco um anel no meu dedo”, disse Garrett Thomas. “A mágica é feita para ser experimentada.”

Além de viajar com os espetáculos, Thomas, 43, apresentava o seu truque de prestidigitação em bares e restaurantes na área de Buffalo, Nova York. Este trabalho rapidamente acabou, e Thomas levou alguns meses para achar a melhor maneira de montar um show virtual.

“A maioria dos mágicos que eu vejo em geral coloca o seu show no Zoom”, ele disse. “O que funciona até certo ponto”. Mas Thomas preferiu dar um passo para trás e tentar imaginar novamente o que um espetáculo virtual permitiria que ele fizesse. O desafio principal que ele enfrentava era como convencer um público virtual de que o que as pessoas estavam vendo na tela é autêntico. Ele não poderia pedir a um espectador que pegasse uma carta de um baralho ou usar um dólar emprestado para mostrar que era uma moeda comum.

Na televisão, estas dificuldades são superadas porque há um público ao vivo ou espectadores para agirem como substitutos para o telespectador, afirmou. Para os especiais de televisão de David Blaine, disse Thomas, os programas eram apresentados quase como documentários sobre pessoas que gostam de mágica, porque não havia outro modo de convencer o telespectador de que ele estava vendo uma ilusão verdadeira em contraposição aos truques da TV.

Thomas concluiu que a melhor opção era aproveitar da oportunidade que se apresentava e fazer o espetáculo virtual. Os ângulos da câmera, a iluminação, as ilusões de ótica podem ser usados e manipulados. Muitos efeitos em seus 45 minutos de show não poderiam funcionar presencialmente. “Quero lembrar às pessoas que somente pelo fato delas verem a gente em um vídeo não significa que isto tenha acontecido dessa maneira”, ele disse.

Farquhar finalmente reabriu o seu teatro, Hidden Wonders, em um novo espaço. O lugar fica escondido por uma loja de curiosidades de aparência comum. Os convidados ficam sabendo do endereço depois de comprar um ingresso de US$ 50.

O que faz esta maçaneta sobre uma prateleira? Basta colocá-la no lugar certo e a porta escondida se abrirá. As normas locais em Vancouver permitiram que Farquhar começasse os espetáculos em finais de semana com 12 pessoas no espaço de 30 lugares. Ele está preparando um espetáculo híbrido que incluirá fisicamente a plateia no teatro e algumas dezenas de clientes virtuais. Ambos poderão se ver em uma tela grande.

E ele poderá chamar voluntários de cada público. Embora não possam realizar o truque mais espetacular de fazer desaparecer o coronavírus, os mágicos esperam uma enorme demanda reprimida para o seu negócio depois que a pandemia passar. “A mágica prospera quando as pessoas estão em um momento ruim porque em um momento ruim, as pessoas precisam de esperança”, disse Farquhar. “Mágica é isto”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Era uma noite de domingo, e o público de Ken Scott estava boquiaberto. Pais e filhos olhavam fascinados enquanto ele apresentava uma série de milagres. Um gesto com a mão sobre um cartão da Estátua da Liberdade, e a estátua desaparecera. Uma barra de cereais se transformara em um Cubo de Rubik que se dissolveu em um piscar de olhos. E uma carta escolhida por um espectador foi encontrada sem que Scott sequer mexesse nas cartas.

Em seguida, ele pediu a um menino e à sua mãe que o ajudassem; mostrou a etiqueta amarela de uma mala e disse que mandaria o seu animalzinho de estimação em uma viagem imaginária para onde eles quisessem. O menino falou o nome do seu cãozinho (Louie), um número de voo (116) e um destino (Nova York).

Com um cinegrafista gravando cada momento, Alexander Boyce realiza um truque de cartas. Foto: Pat O'Malley/The New York Times

Instantaneamente Scott abriu a etiqueta para mostrar que era isto mesmo que estava escrito nela. “Oh meu Deus!” disse o menino sorrindo. “Não posso acreditar”, falou a mãe.

Era algo particularmente impressionante considerando as circunstâncias, graças à mágica mais prosaica do Zoom, Scott estava em Atlanta e os membros sua plateia estavam a quilômetros de distância uns dos outros. O espetáculo estava sendo realizado no estúdio que fica no porão de sua casa e estava sendo exibido em tempo real.

Não importa se as 54 pessoas que sintonizavam o show estavam buscando uma sensação de normalidade em tempos isolados e desconectados, ou se elas apenas não conseguiam decifrar este último truque, elas estavam aplaudindo de suas salas e cozinhas na Carolina do Norte, Louisiana, Texas, Califórnia e Geórgia.

Como o coronavírus acabou com o entretenimento ao vivo, os mágicos, como muitos outros, foram obrigados a adaptar-se trocando os tradicionais espetáculos ao vivo por show virtuais. A mudança está sendo particularmente chocante para os praticantes desta especialidade, que costumam afirmar que a mágica é melhor quando experimentada pessoalmente. “Acho que muitos se deram conta de que não tinham nenhum plano B”, disse Stephen Bargatze, de 65 anos, presidente da Irmandade Internacional de Mágicos, a maior organização devotada a esta prática. (Apenas cerca de 500 dos seus mais de 14.500 membros são mulheres, mas ele disse que o número está crescendo.)

“A ideia de que algo semelhante pudesse acontecer nunca passou pelas cabeças deles”. “Esta é uma época extremamente assustadora,” afirmou. “Estamos fazendo todo o possível para pagar as contas na esperança de que as coisas voltem ao normal no começo do ano”.

Da mágica com o baralho à jardinagem

Scott costumava se exibir ao vivo realizando de 200 a 300 espetáculos ao ano, em geral, para escolas e bibliotecas de sua área. Uma manhã, em meados de março, estava andando depois do espetáculo em uma escola quando olhou o seu telefone e percebeu que cada e-mail de sua caixa de entrada continha um pedido de cancelamento. “Tudo parou de repente”, ele disse. “Eu literalmente vi a minha agenda de compromissos desaparecer”.

Alexander Boyce, um elegante mágico de 23 anos do Brooklyn, que gosta de reinterpretar os clássicos da mágica, fazia 350 shows ao ano, em geral para empresas e no “Speakeasy Magick”, um espetáculo no hotel McKittrich em Manhattan, West Chelsea. Mas o espetáculo acabou, e o seu trabalho secou.

“Tudo desapareceu rapidamente”, disse Boyce. “E como todo mundo, decidi esperar e me dedicar por algum tempo a trabalhar em um material novo e a ensaiar sozinho, além de desfrutar algumas semanas de descanso para depois voltar ao trabalho”. Shawn Farquhar, 58, viajava pelo mundo todo 285 dias ao ano, principalmente apresentando-se em teatros de 1.250 lugares em navios de cruzeiro da Disney. Viajava tanto que recebia cartões de Natal dos pilotos.

Mas no ano passado, trocou os longos períodos fora de cada pelo seu próprio teatro em Vancouver. Em meados de março, Farquhar estava em Las Vegas para uma apresentação na competição de mágicos “Penn & Teller: Fool Us”. No dia seguinte, ao voltar ao Canadá, entrou em quarentena por duas semanas em sua casa.

Tudo parou de repente. Relutando, fechou o seu teatro. Com poucas coisas para fazer, trocou o terno e o baralho pelos jeans e passou a se dedicar à jardinagem. Como Farquhar, os mágicos de toda parte que costumavam realizar espetáculos presenciais não voltariam tão cedo e começaram a encarar os espetáculos virtuais com vários graus de entusiasmo e equipamentos; agora precisavam de um computador e de uma webcam para criar um estúdio improvisado.

Scott já dava aulas de mágica a classes de crianças depois da escola e decidiu continuar fazendo isso e apelar para o virtual, sem precisar ressarcir quem quer que fosse. Desse modo, no verão conseguiu salvar cerca de um terço de seu negócio de shows em bibliotecas normalmente lucrativos, com espetáculos virtuais.

Tomou emprestado alguns equipamentos e comprou o restante, transformando o seu escritório no porão de casa em um estúdio completo, com iluminação, câmeras e uma tela verde. Houve várias tentativas e erros; no começo, durante um espetáculo, o som sumiu. Contratou uma pessoas para operar o computador, trabalhou melhor o show e lentamente começou a fazer aniversários, “festas” de escritório e shows públicos.

“Estou fazendo alguns shows virtuais, mas definitivamente não como costumavam ser”, disse Scott. “É claro que quero voltar a trabalhar em tempo integral”. Boyce não pensava em fazer shows virtuais até que um associado com quem tinha trabalhado anteriormente pediu que ele fizesse um.

A resposta foi tão positiva que decidiu que poderia fazer o trabalho virtual. Fez um estúdio à la McGyver em seu apartamento, com iluminação, pano de fundo, múltiplas câmeras e um computador. Agora usa um software de comutação de modo que pode administrar o setup por conta própria. Com os funcionários parados em casa e com os restaurantes e a Broadway fechados, clientes associados com os quais já havia trabalhado começaram a chamá-lo para incrementar os seus eventos virtuais ou impressionar sócios nos negócios.

Farquhar recorreu à mágica virtual cansado de se sentir entediado. Preso em casa e desesperado por se apresentar para um público, conseguiu um show gratuito no Facebook Live. Havia previsto uma hora, achando que conseguiria adaptar o material existente. Depois de 15 minutos já tinha dificuldades. “Eu me dei conta de que estava falando com uma luz verde em uma câmera e sem qualquer interação”, ele disse.

“Não era a Zoom, era eu somente falando e tentando manter a energia lá em cima”. Ele achava que não conseguir interagir com um público em tempo real seria algo arrasador. Tentou o Instagram Live, mas também não gostou. Quando finalmente um amigo conseguiu um número suficiente de clientes pagantes para um show na Zoom, Farquhar mudou de ideia. Encontrou algumas dificuldades, como manter o interesse das pessoas e lidar com dezenas de feeds de áudio e vídeo. Mas quando aprendeu a interagir com o público, criou um show virtual especial.

Jason Michaels, 45 anos, de Nashville, Tennessee, trabalhara bastante com espetáculos em escolas e com empresas, e também em excursões realizando mágicas para famílias de militares internamente e no exterior. “Enfiei na cabeça que não acreditava que a mágica funcionasse em um ambiente virtual,” afirmou. “Já é difícil vender um show de mágica em uma economia normal”. Mas depois de meses sem trabalho, Michaels chegou ao fundo do poço no meio do ano. Ficou com medo de que, depois de 17 anos, teria de se contentar em fazer parte das fileiras de mágicos que pegam qualquer trabalho para pagar as contas.

Encorajado por vários colegas. Michaels investiu em alguns equipamentos, montou um estúdio improvisado em seu escritório e reformulou sua mágica em dois espetáculos separados, um – uma demonstração de uma extraordinária manipulação de cartas de baralho – só para entretenimento, e outro que incorporava um componente educativo. A renda, embora escassa, o ajudou a seguir em frente.

Kayla Drescher, 30 anos, uma mágica de Los Angeles, também relutou muito a aderir à corrida ao virtual. Kayla passou os últimos três anos excursionando com o “Champions of Magic”, um espetáculo de teatro com cinco pessoas. A sua manipulação do baralho em close up foi feita na frente de uma câmera e projetada numa tela.

Mas segundo ela, o seu estilo de apresentação e a alta energia do seu show depende fundamentalmente da interação do público, o que pode ser difícil em um show virtual. “Para mim, fazer shows através de uma tela não tem o mesmo nível de satisfação, e também não tem o mesmo nível de satisfação para o público”, observou.

Para suplementar a sua renda, Kayla começou a ensinar mágica on-line, incluindo um programa de acampamento de verão e uma noite de mágica para casais que gostam de uma aula tomando vinho no conforto de casa. Ela aceitou com prazer realizar shows virtuais em hospitais infantis e em outras instituições. Mas não os vendeu para novos clientes.

“O meu medo é que eles comecem a me ver apenas como uma mágica do Zoom e não queiram reservar um show comigo em pessoa”, afirmou. “Por mais que a câmera seja interessante ou por mais que eu me esforce, não há como o espetáculo no Zoom ser a mesma coisa que o ao vivo”.

A forma transforma

A mágica – a capacidade de fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade – há muito tempo, é uma disputa presencial entre a extraordinária habilidade finamente aperfeiçoada pelo mágico e os olhos não treinados do espectador. Basta acrescentar uma câmera, e tudo muda. “Quando você vem me ver e eu enfio um anel de verdade no seu dedo, é uma experiência totalmente diferente de quando eu coloco um anel no meu dedo”, disse Garrett Thomas. “A mágica é feita para ser experimentada.”

Além de viajar com os espetáculos, Thomas, 43, apresentava o seu truque de prestidigitação em bares e restaurantes na área de Buffalo, Nova York. Este trabalho rapidamente acabou, e Thomas levou alguns meses para achar a melhor maneira de montar um show virtual.

“A maioria dos mágicos que eu vejo em geral coloca o seu show no Zoom”, ele disse. “O que funciona até certo ponto”. Mas Thomas preferiu dar um passo para trás e tentar imaginar novamente o que um espetáculo virtual permitiria que ele fizesse. O desafio principal que ele enfrentava era como convencer um público virtual de que o que as pessoas estavam vendo na tela é autêntico. Ele não poderia pedir a um espectador que pegasse uma carta de um baralho ou usar um dólar emprestado para mostrar que era uma moeda comum.

Na televisão, estas dificuldades são superadas porque há um público ao vivo ou espectadores para agirem como substitutos para o telespectador, afirmou. Para os especiais de televisão de David Blaine, disse Thomas, os programas eram apresentados quase como documentários sobre pessoas que gostam de mágica, porque não havia outro modo de convencer o telespectador de que ele estava vendo uma ilusão verdadeira em contraposição aos truques da TV.

Thomas concluiu que a melhor opção era aproveitar da oportunidade que se apresentava e fazer o espetáculo virtual. Os ângulos da câmera, a iluminação, as ilusões de ótica podem ser usados e manipulados. Muitos efeitos em seus 45 minutos de show não poderiam funcionar presencialmente. “Quero lembrar às pessoas que somente pelo fato delas verem a gente em um vídeo não significa que isto tenha acontecido dessa maneira”, ele disse.

Farquhar finalmente reabriu o seu teatro, Hidden Wonders, em um novo espaço. O lugar fica escondido por uma loja de curiosidades de aparência comum. Os convidados ficam sabendo do endereço depois de comprar um ingresso de US$ 50.

O que faz esta maçaneta sobre uma prateleira? Basta colocá-la no lugar certo e a porta escondida se abrirá. As normas locais em Vancouver permitiram que Farquhar começasse os espetáculos em finais de semana com 12 pessoas no espaço de 30 lugares. Ele está preparando um espetáculo híbrido que incluirá fisicamente a plateia no teatro e algumas dezenas de clientes virtuais. Ambos poderão se ver em uma tela grande.

E ele poderá chamar voluntários de cada público. Embora não possam realizar o truque mais espetacular de fazer desaparecer o coronavírus, os mágicos esperam uma enorme demanda reprimida para o seu negócio depois que a pandemia passar. “A mágica prospera quando as pessoas estão em um momento ruim porque em um momento ruim, as pessoas precisam de esperança”, disse Farquhar. “Mágica é isto”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Era uma noite de domingo, e o público de Ken Scott estava boquiaberto. Pais e filhos olhavam fascinados enquanto ele apresentava uma série de milagres. Um gesto com a mão sobre um cartão da Estátua da Liberdade, e a estátua desaparecera. Uma barra de cereais se transformara em um Cubo de Rubik que se dissolveu em um piscar de olhos. E uma carta escolhida por um espectador foi encontrada sem que Scott sequer mexesse nas cartas.

Em seguida, ele pediu a um menino e à sua mãe que o ajudassem; mostrou a etiqueta amarela de uma mala e disse que mandaria o seu animalzinho de estimação em uma viagem imaginária para onde eles quisessem. O menino falou o nome do seu cãozinho (Louie), um número de voo (116) e um destino (Nova York).

Com um cinegrafista gravando cada momento, Alexander Boyce realiza um truque de cartas. Foto: Pat O'Malley/The New York Times

Instantaneamente Scott abriu a etiqueta para mostrar que era isto mesmo que estava escrito nela. “Oh meu Deus!” disse o menino sorrindo. “Não posso acreditar”, falou a mãe.

Era algo particularmente impressionante considerando as circunstâncias, graças à mágica mais prosaica do Zoom, Scott estava em Atlanta e os membros sua plateia estavam a quilômetros de distância uns dos outros. O espetáculo estava sendo realizado no estúdio que fica no porão de sua casa e estava sendo exibido em tempo real.

Não importa se as 54 pessoas que sintonizavam o show estavam buscando uma sensação de normalidade em tempos isolados e desconectados, ou se elas apenas não conseguiam decifrar este último truque, elas estavam aplaudindo de suas salas e cozinhas na Carolina do Norte, Louisiana, Texas, Califórnia e Geórgia.

Como o coronavírus acabou com o entretenimento ao vivo, os mágicos, como muitos outros, foram obrigados a adaptar-se trocando os tradicionais espetáculos ao vivo por show virtuais. A mudança está sendo particularmente chocante para os praticantes desta especialidade, que costumam afirmar que a mágica é melhor quando experimentada pessoalmente. “Acho que muitos se deram conta de que não tinham nenhum plano B”, disse Stephen Bargatze, de 65 anos, presidente da Irmandade Internacional de Mágicos, a maior organização devotada a esta prática. (Apenas cerca de 500 dos seus mais de 14.500 membros são mulheres, mas ele disse que o número está crescendo.)

“A ideia de que algo semelhante pudesse acontecer nunca passou pelas cabeças deles”. “Esta é uma época extremamente assustadora,” afirmou. “Estamos fazendo todo o possível para pagar as contas na esperança de que as coisas voltem ao normal no começo do ano”.

Da mágica com o baralho à jardinagem

Scott costumava se exibir ao vivo realizando de 200 a 300 espetáculos ao ano, em geral, para escolas e bibliotecas de sua área. Uma manhã, em meados de março, estava andando depois do espetáculo em uma escola quando olhou o seu telefone e percebeu que cada e-mail de sua caixa de entrada continha um pedido de cancelamento. “Tudo parou de repente”, ele disse. “Eu literalmente vi a minha agenda de compromissos desaparecer”.

Alexander Boyce, um elegante mágico de 23 anos do Brooklyn, que gosta de reinterpretar os clássicos da mágica, fazia 350 shows ao ano, em geral para empresas e no “Speakeasy Magick”, um espetáculo no hotel McKittrich em Manhattan, West Chelsea. Mas o espetáculo acabou, e o seu trabalho secou.

“Tudo desapareceu rapidamente”, disse Boyce. “E como todo mundo, decidi esperar e me dedicar por algum tempo a trabalhar em um material novo e a ensaiar sozinho, além de desfrutar algumas semanas de descanso para depois voltar ao trabalho”. Shawn Farquhar, 58, viajava pelo mundo todo 285 dias ao ano, principalmente apresentando-se em teatros de 1.250 lugares em navios de cruzeiro da Disney. Viajava tanto que recebia cartões de Natal dos pilotos.

Mas no ano passado, trocou os longos períodos fora de cada pelo seu próprio teatro em Vancouver. Em meados de março, Farquhar estava em Las Vegas para uma apresentação na competição de mágicos “Penn & Teller: Fool Us”. No dia seguinte, ao voltar ao Canadá, entrou em quarentena por duas semanas em sua casa.

Tudo parou de repente. Relutando, fechou o seu teatro. Com poucas coisas para fazer, trocou o terno e o baralho pelos jeans e passou a se dedicar à jardinagem. Como Farquhar, os mágicos de toda parte que costumavam realizar espetáculos presenciais não voltariam tão cedo e começaram a encarar os espetáculos virtuais com vários graus de entusiasmo e equipamentos; agora precisavam de um computador e de uma webcam para criar um estúdio improvisado.

Scott já dava aulas de mágica a classes de crianças depois da escola e decidiu continuar fazendo isso e apelar para o virtual, sem precisar ressarcir quem quer que fosse. Desse modo, no verão conseguiu salvar cerca de um terço de seu negócio de shows em bibliotecas normalmente lucrativos, com espetáculos virtuais.

Tomou emprestado alguns equipamentos e comprou o restante, transformando o seu escritório no porão de casa em um estúdio completo, com iluminação, câmeras e uma tela verde. Houve várias tentativas e erros; no começo, durante um espetáculo, o som sumiu. Contratou uma pessoas para operar o computador, trabalhou melhor o show e lentamente começou a fazer aniversários, “festas” de escritório e shows públicos.

“Estou fazendo alguns shows virtuais, mas definitivamente não como costumavam ser”, disse Scott. “É claro que quero voltar a trabalhar em tempo integral”. Boyce não pensava em fazer shows virtuais até que um associado com quem tinha trabalhado anteriormente pediu que ele fizesse um.

A resposta foi tão positiva que decidiu que poderia fazer o trabalho virtual. Fez um estúdio à la McGyver em seu apartamento, com iluminação, pano de fundo, múltiplas câmeras e um computador. Agora usa um software de comutação de modo que pode administrar o setup por conta própria. Com os funcionários parados em casa e com os restaurantes e a Broadway fechados, clientes associados com os quais já havia trabalhado começaram a chamá-lo para incrementar os seus eventos virtuais ou impressionar sócios nos negócios.

Farquhar recorreu à mágica virtual cansado de se sentir entediado. Preso em casa e desesperado por se apresentar para um público, conseguiu um show gratuito no Facebook Live. Havia previsto uma hora, achando que conseguiria adaptar o material existente. Depois de 15 minutos já tinha dificuldades. “Eu me dei conta de que estava falando com uma luz verde em uma câmera e sem qualquer interação”, ele disse.

“Não era a Zoom, era eu somente falando e tentando manter a energia lá em cima”. Ele achava que não conseguir interagir com um público em tempo real seria algo arrasador. Tentou o Instagram Live, mas também não gostou. Quando finalmente um amigo conseguiu um número suficiente de clientes pagantes para um show na Zoom, Farquhar mudou de ideia. Encontrou algumas dificuldades, como manter o interesse das pessoas e lidar com dezenas de feeds de áudio e vídeo. Mas quando aprendeu a interagir com o público, criou um show virtual especial.

Jason Michaels, 45 anos, de Nashville, Tennessee, trabalhara bastante com espetáculos em escolas e com empresas, e também em excursões realizando mágicas para famílias de militares internamente e no exterior. “Enfiei na cabeça que não acreditava que a mágica funcionasse em um ambiente virtual,” afirmou. “Já é difícil vender um show de mágica em uma economia normal”. Mas depois de meses sem trabalho, Michaels chegou ao fundo do poço no meio do ano. Ficou com medo de que, depois de 17 anos, teria de se contentar em fazer parte das fileiras de mágicos que pegam qualquer trabalho para pagar as contas.

Encorajado por vários colegas. Michaels investiu em alguns equipamentos, montou um estúdio improvisado em seu escritório e reformulou sua mágica em dois espetáculos separados, um – uma demonstração de uma extraordinária manipulação de cartas de baralho – só para entretenimento, e outro que incorporava um componente educativo. A renda, embora escassa, o ajudou a seguir em frente.

Kayla Drescher, 30 anos, uma mágica de Los Angeles, também relutou muito a aderir à corrida ao virtual. Kayla passou os últimos três anos excursionando com o “Champions of Magic”, um espetáculo de teatro com cinco pessoas. A sua manipulação do baralho em close up foi feita na frente de uma câmera e projetada numa tela.

Mas segundo ela, o seu estilo de apresentação e a alta energia do seu show depende fundamentalmente da interação do público, o que pode ser difícil em um show virtual. “Para mim, fazer shows através de uma tela não tem o mesmo nível de satisfação, e também não tem o mesmo nível de satisfação para o público”, observou.

Para suplementar a sua renda, Kayla começou a ensinar mágica on-line, incluindo um programa de acampamento de verão e uma noite de mágica para casais que gostam de uma aula tomando vinho no conforto de casa. Ela aceitou com prazer realizar shows virtuais em hospitais infantis e em outras instituições. Mas não os vendeu para novos clientes.

“O meu medo é que eles comecem a me ver apenas como uma mágica do Zoom e não queiram reservar um show comigo em pessoa”, afirmou. “Por mais que a câmera seja interessante ou por mais que eu me esforce, não há como o espetáculo no Zoom ser a mesma coisa que o ao vivo”.

A forma transforma

A mágica – a capacidade de fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade – há muito tempo, é uma disputa presencial entre a extraordinária habilidade finamente aperfeiçoada pelo mágico e os olhos não treinados do espectador. Basta acrescentar uma câmera, e tudo muda. “Quando você vem me ver e eu enfio um anel de verdade no seu dedo, é uma experiência totalmente diferente de quando eu coloco um anel no meu dedo”, disse Garrett Thomas. “A mágica é feita para ser experimentada.”

Além de viajar com os espetáculos, Thomas, 43, apresentava o seu truque de prestidigitação em bares e restaurantes na área de Buffalo, Nova York. Este trabalho rapidamente acabou, e Thomas levou alguns meses para achar a melhor maneira de montar um show virtual.

“A maioria dos mágicos que eu vejo em geral coloca o seu show no Zoom”, ele disse. “O que funciona até certo ponto”. Mas Thomas preferiu dar um passo para trás e tentar imaginar novamente o que um espetáculo virtual permitiria que ele fizesse. O desafio principal que ele enfrentava era como convencer um público virtual de que o que as pessoas estavam vendo na tela é autêntico. Ele não poderia pedir a um espectador que pegasse uma carta de um baralho ou usar um dólar emprestado para mostrar que era uma moeda comum.

Na televisão, estas dificuldades são superadas porque há um público ao vivo ou espectadores para agirem como substitutos para o telespectador, afirmou. Para os especiais de televisão de David Blaine, disse Thomas, os programas eram apresentados quase como documentários sobre pessoas que gostam de mágica, porque não havia outro modo de convencer o telespectador de que ele estava vendo uma ilusão verdadeira em contraposição aos truques da TV.

Thomas concluiu que a melhor opção era aproveitar da oportunidade que se apresentava e fazer o espetáculo virtual. Os ângulos da câmera, a iluminação, as ilusões de ótica podem ser usados e manipulados. Muitos efeitos em seus 45 minutos de show não poderiam funcionar presencialmente. “Quero lembrar às pessoas que somente pelo fato delas verem a gente em um vídeo não significa que isto tenha acontecido dessa maneira”, ele disse.

Farquhar finalmente reabriu o seu teatro, Hidden Wonders, em um novo espaço. O lugar fica escondido por uma loja de curiosidades de aparência comum. Os convidados ficam sabendo do endereço depois de comprar um ingresso de US$ 50.

O que faz esta maçaneta sobre uma prateleira? Basta colocá-la no lugar certo e a porta escondida se abrirá. As normas locais em Vancouver permitiram que Farquhar começasse os espetáculos em finais de semana com 12 pessoas no espaço de 30 lugares. Ele está preparando um espetáculo híbrido que incluirá fisicamente a plateia no teatro e algumas dezenas de clientes virtuais. Ambos poderão se ver em uma tela grande.

E ele poderá chamar voluntários de cada público. Embora não possam realizar o truque mais espetacular de fazer desaparecer o coronavírus, os mágicos esperam uma enorme demanda reprimida para o seu negócio depois que a pandemia passar. “A mágica prospera quando as pessoas estão em um momento ruim porque em um momento ruim, as pessoas precisam de esperança”, disse Farquhar. “Mágica é isto”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Era uma noite de domingo, e o público de Ken Scott estava boquiaberto. Pais e filhos olhavam fascinados enquanto ele apresentava uma série de milagres. Um gesto com a mão sobre um cartão da Estátua da Liberdade, e a estátua desaparecera. Uma barra de cereais se transformara em um Cubo de Rubik que se dissolveu em um piscar de olhos. E uma carta escolhida por um espectador foi encontrada sem que Scott sequer mexesse nas cartas.

Em seguida, ele pediu a um menino e à sua mãe que o ajudassem; mostrou a etiqueta amarela de uma mala e disse que mandaria o seu animalzinho de estimação em uma viagem imaginária para onde eles quisessem. O menino falou o nome do seu cãozinho (Louie), um número de voo (116) e um destino (Nova York).

Com um cinegrafista gravando cada momento, Alexander Boyce realiza um truque de cartas. Foto: Pat O'Malley/The New York Times

Instantaneamente Scott abriu a etiqueta para mostrar que era isto mesmo que estava escrito nela. “Oh meu Deus!” disse o menino sorrindo. “Não posso acreditar”, falou a mãe.

Era algo particularmente impressionante considerando as circunstâncias, graças à mágica mais prosaica do Zoom, Scott estava em Atlanta e os membros sua plateia estavam a quilômetros de distância uns dos outros. O espetáculo estava sendo realizado no estúdio que fica no porão de sua casa e estava sendo exibido em tempo real.

Não importa se as 54 pessoas que sintonizavam o show estavam buscando uma sensação de normalidade em tempos isolados e desconectados, ou se elas apenas não conseguiam decifrar este último truque, elas estavam aplaudindo de suas salas e cozinhas na Carolina do Norte, Louisiana, Texas, Califórnia e Geórgia.

Como o coronavírus acabou com o entretenimento ao vivo, os mágicos, como muitos outros, foram obrigados a adaptar-se trocando os tradicionais espetáculos ao vivo por show virtuais. A mudança está sendo particularmente chocante para os praticantes desta especialidade, que costumam afirmar que a mágica é melhor quando experimentada pessoalmente. “Acho que muitos se deram conta de que não tinham nenhum plano B”, disse Stephen Bargatze, de 65 anos, presidente da Irmandade Internacional de Mágicos, a maior organização devotada a esta prática. (Apenas cerca de 500 dos seus mais de 14.500 membros são mulheres, mas ele disse que o número está crescendo.)

“A ideia de que algo semelhante pudesse acontecer nunca passou pelas cabeças deles”. “Esta é uma época extremamente assustadora,” afirmou. “Estamos fazendo todo o possível para pagar as contas na esperança de que as coisas voltem ao normal no começo do ano”.

Da mágica com o baralho à jardinagem

Scott costumava se exibir ao vivo realizando de 200 a 300 espetáculos ao ano, em geral, para escolas e bibliotecas de sua área. Uma manhã, em meados de março, estava andando depois do espetáculo em uma escola quando olhou o seu telefone e percebeu que cada e-mail de sua caixa de entrada continha um pedido de cancelamento. “Tudo parou de repente”, ele disse. “Eu literalmente vi a minha agenda de compromissos desaparecer”.

Alexander Boyce, um elegante mágico de 23 anos do Brooklyn, que gosta de reinterpretar os clássicos da mágica, fazia 350 shows ao ano, em geral para empresas e no “Speakeasy Magick”, um espetáculo no hotel McKittrich em Manhattan, West Chelsea. Mas o espetáculo acabou, e o seu trabalho secou.

“Tudo desapareceu rapidamente”, disse Boyce. “E como todo mundo, decidi esperar e me dedicar por algum tempo a trabalhar em um material novo e a ensaiar sozinho, além de desfrutar algumas semanas de descanso para depois voltar ao trabalho”. Shawn Farquhar, 58, viajava pelo mundo todo 285 dias ao ano, principalmente apresentando-se em teatros de 1.250 lugares em navios de cruzeiro da Disney. Viajava tanto que recebia cartões de Natal dos pilotos.

Mas no ano passado, trocou os longos períodos fora de cada pelo seu próprio teatro em Vancouver. Em meados de março, Farquhar estava em Las Vegas para uma apresentação na competição de mágicos “Penn & Teller: Fool Us”. No dia seguinte, ao voltar ao Canadá, entrou em quarentena por duas semanas em sua casa.

Tudo parou de repente. Relutando, fechou o seu teatro. Com poucas coisas para fazer, trocou o terno e o baralho pelos jeans e passou a se dedicar à jardinagem. Como Farquhar, os mágicos de toda parte que costumavam realizar espetáculos presenciais não voltariam tão cedo e começaram a encarar os espetáculos virtuais com vários graus de entusiasmo e equipamentos; agora precisavam de um computador e de uma webcam para criar um estúdio improvisado.

Scott já dava aulas de mágica a classes de crianças depois da escola e decidiu continuar fazendo isso e apelar para o virtual, sem precisar ressarcir quem quer que fosse. Desse modo, no verão conseguiu salvar cerca de um terço de seu negócio de shows em bibliotecas normalmente lucrativos, com espetáculos virtuais.

Tomou emprestado alguns equipamentos e comprou o restante, transformando o seu escritório no porão de casa em um estúdio completo, com iluminação, câmeras e uma tela verde. Houve várias tentativas e erros; no começo, durante um espetáculo, o som sumiu. Contratou uma pessoas para operar o computador, trabalhou melhor o show e lentamente começou a fazer aniversários, “festas” de escritório e shows públicos.

“Estou fazendo alguns shows virtuais, mas definitivamente não como costumavam ser”, disse Scott. “É claro que quero voltar a trabalhar em tempo integral”. Boyce não pensava em fazer shows virtuais até que um associado com quem tinha trabalhado anteriormente pediu que ele fizesse um.

A resposta foi tão positiva que decidiu que poderia fazer o trabalho virtual. Fez um estúdio à la McGyver em seu apartamento, com iluminação, pano de fundo, múltiplas câmeras e um computador. Agora usa um software de comutação de modo que pode administrar o setup por conta própria. Com os funcionários parados em casa e com os restaurantes e a Broadway fechados, clientes associados com os quais já havia trabalhado começaram a chamá-lo para incrementar os seus eventos virtuais ou impressionar sócios nos negócios.

Farquhar recorreu à mágica virtual cansado de se sentir entediado. Preso em casa e desesperado por se apresentar para um público, conseguiu um show gratuito no Facebook Live. Havia previsto uma hora, achando que conseguiria adaptar o material existente. Depois de 15 minutos já tinha dificuldades. “Eu me dei conta de que estava falando com uma luz verde em uma câmera e sem qualquer interação”, ele disse.

“Não era a Zoom, era eu somente falando e tentando manter a energia lá em cima”. Ele achava que não conseguir interagir com um público em tempo real seria algo arrasador. Tentou o Instagram Live, mas também não gostou. Quando finalmente um amigo conseguiu um número suficiente de clientes pagantes para um show na Zoom, Farquhar mudou de ideia. Encontrou algumas dificuldades, como manter o interesse das pessoas e lidar com dezenas de feeds de áudio e vídeo. Mas quando aprendeu a interagir com o público, criou um show virtual especial.

Jason Michaels, 45 anos, de Nashville, Tennessee, trabalhara bastante com espetáculos em escolas e com empresas, e também em excursões realizando mágicas para famílias de militares internamente e no exterior. “Enfiei na cabeça que não acreditava que a mágica funcionasse em um ambiente virtual,” afirmou. “Já é difícil vender um show de mágica em uma economia normal”. Mas depois de meses sem trabalho, Michaels chegou ao fundo do poço no meio do ano. Ficou com medo de que, depois de 17 anos, teria de se contentar em fazer parte das fileiras de mágicos que pegam qualquer trabalho para pagar as contas.

Encorajado por vários colegas. Michaels investiu em alguns equipamentos, montou um estúdio improvisado em seu escritório e reformulou sua mágica em dois espetáculos separados, um – uma demonstração de uma extraordinária manipulação de cartas de baralho – só para entretenimento, e outro que incorporava um componente educativo. A renda, embora escassa, o ajudou a seguir em frente.

Kayla Drescher, 30 anos, uma mágica de Los Angeles, também relutou muito a aderir à corrida ao virtual. Kayla passou os últimos três anos excursionando com o “Champions of Magic”, um espetáculo de teatro com cinco pessoas. A sua manipulação do baralho em close up foi feita na frente de uma câmera e projetada numa tela.

Mas segundo ela, o seu estilo de apresentação e a alta energia do seu show depende fundamentalmente da interação do público, o que pode ser difícil em um show virtual. “Para mim, fazer shows através de uma tela não tem o mesmo nível de satisfação, e também não tem o mesmo nível de satisfação para o público”, observou.

Para suplementar a sua renda, Kayla começou a ensinar mágica on-line, incluindo um programa de acampamento de verão e uma noite de mágica para casais que gostam de uma aula tomando vinho no conforto de casa. Ela aceitou com prazer realizar shows virtuais em hospitais infantis e em outras instituições. Mas não os vendeu para novos clientes.

“O meu medo é que eles comecem a me ver apenas como uma mágica do Zoom e não queiram reservar um show comigo em pessoa”, afirmou. “Por mais que a câmera seja interessante ou por mais que eu me esforce, não há como o espetáculo no Zoom ser a mesma coisa que o ao vivo”.

A forma transforma

A mágica – a capacidade de fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade – há muito tempo, é uma disputa presencial entre a extraordinária habilidade finamente aperfeiçoada pelo mágico e os olhos não treinados do espectador. Basta acrescentar uma câmera, e tudo muda. “Quando você vem me ver e eu enfio um anel de verdade no seu dedo, é uma experiência totalmente diferente de quando eu coloco um anel no meu dedo”, disse Garrett Thomas. “A mágica é feita para ser experimentada.”

Além de viajar com os espetáculos, Thomas, 43, apresentava o seu truque de prestidigitação em bares e restaurantes na área de Buffalo, Nova York. Este trabalho rapidamente acabou, e Thomas levou alguns meses para achar a melhor maneira de montar um show virtual.

“A maioria dos mágicos que eu vejo em geral coloca o seu show no Zoom”, ele disse. “O que funciona até certo ponto”. Mas Thomas preferiu dar um passo para trás e tentar imaginar novamente o que um espetáculo virtual permitiria que ele fizesse. O desafio principal que ele enfrentava era como convencer um público virtual de que o que as pessoas estavam vendo na tela é autêntico. Ele não poderia pedir a um espectador que pegasse uma carta de um baralho ou usar um dólar emprestado para mostrar que era uma moeda comum.

Na televisão, estas dificuldades são superadas porque há um público ao vivo ou espectadores para agirem como substitutos para o telespectador, afirmou. Para os especiais de televisão de David Blaine, disse Thomas, os programas eram apresentados quase como documentários sobre pessoas que gostam de mágica, porque não havia outro modo de convencer o telespectador de que ele estava vendo uma ilusão verdadeira em contraposição aos truques da TV.

Thomas concluiu que a melhor opção era aproveitar da oportunidade que se apresentava e fazer o espetáculo virtual. Os ângulos da câmera, a iluminação, as ilusões de ótica podem ser usados e manipulados. Muitos efeitos em seus 45 minutos de show não poderiam funcionar presencialmente. “Quero lembrar às pessoas que somente pelo fato delas verem a gente em um vídeo não significa que isto tenha acontecido dessa maneira”, ele disse.

Farquhar finalmente reabriu o seu teatro, Hidden Wonders, em um novo espaço. O lugar fica escondido por uma loja de curiosidades de aparência comum. Os convidados ficam sabendo do endereço depois de comprar um ingresso de US$ 50.

O que faz esta maçaneta sobre uma prateleira? Basta colocá-la no lugar certo e a porta escondida se abrirá. As normas locais em Vancouver permitiram que Farquhar começasse os espetáculos em finais de semana com 12 pessoas no espaço de 30 lugares. Ele está preparando um espetáculo híbrido que incluirá fisicamente a plateia no teatro e algumas dezenas de clientes virtuais. Ambos poderão se ver em uma tela grande.

E ele poderá chamar voluntários de cada público. Embora não possam realizar o truque mais espetacular de fazer desaparecer o coronavírus, os mágicos esperam uma enorme demanda reprimida para o seu negócio depois que a pandemia passar. “A mágica prospera quando as pessoas estão em um momento ruim porque em um momento ruim, as pessoas precisam de esperança”, disse Farquhar. “Mágica é isto”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Era uma noite de domingo, e o público de Ken Scott estava boquiaberto. Pais e filhos olhavam fascinados enquanto ele apresentava uma série de milagres. Um gesto com a mão sobre um cartão da Estátua da Liberdade, e a estátua desaparecera. Uma barra de cereais se transformara em um Cubo de Rubik que se dissolveu em um piscar de olhos. E uma carta escolhida por um espectador foi encontrada sem que Scott sequer mexesse nas cartas.

Em seguida, ele pediu a um menino e à sua mãe que o ajudassem; mostrou a etiqueta amarela de uma mala e disse que mandaria o seu animalzinho de estimação em uma viagem imaginária para onde eles quisessem. O menino falou o nome do seu cãozinho (Louie), um número de voo (116) e um destino (Nova York).

Com um cinegrafista gravando cada momento, Alexander Boyce realiza um truque de cartas. Foto: Pat O'Malley/The New York Times

Instantaneamente Scott abriu a etiqueta para mostrar que era isto mesmo que estava escrito nela. “Oh meu Deus!” disse o menino sorrindo. “Não posso acreditar”, falou a mãe.

Era algo particularmente impressionante considerando as circunstâncias, graças à mágica mais prosaica do Zoom, Scott estava em Atlanta e os membros sua plateia estavam a quilômetros de distância uns dos outros. O espetáculo estava sendo realizado no estúdio que fica no porão de sua casa e estava sendo exibido em tempo real.

Não importa se as 54 pessoas que sintonizavam o show estavam buscando uma sensação de normalidade em tempos isolados e desconectados, ou se elas apenas não conseguiam decifrar este último truque, elas estavam aplaudindo de suas salas e cozinhas na Carolina do Norte, Louisiana, Texas, Califórnia e Geórgia.

Como o coronavírus acabou com o entretenimento ao vivo, os mágicos, como muitos outros, foram obrigados a adaptar-se trocando os tradicionais espetáculos ao vivo por show virtuais. A mudança está sendo particularmente chocante para os praticantes desta especialidade, que costumam afirmar que a mágica é melhor quando experimentada pessoalmente. “Acho que muitos se deram conta de que não tinham nenhum plano B”, disse Stephen Bargatze, de 65 anos, presidente da Irmandade Internacional de Mágicos, a maior organização devotada a esta prática. (Apenas cerca de 500 dos seus mais de 14.500 membros são mulheres, mas ele disse que o número está crescendo.)

“A ideia de que algo semelhante pudesse acontecer nunca passou pelas cabeças deles”. “Esta é uma época extremamente assustadora,” afirmou. “Estamos fazendo todo o possível para pagar as contas na esperança de que as coisas voltem ao normal no começo do ano”.

Da mágica com o baralho à jardinagem

Scott costumava se exibir ao vivo realizando de 200 a 300 espetáculos ao ano, em geral, para escolas e bibliotecas de sua área. Uma manhã, em meados de março, estava andando depois do espetáculo em uma escola quando olhou o seu telefone e percebeu que cada e-mail de sua caixa de entrada continha um pedido de cancelamento. “Tudo parou de repente”, ele disse. “Eu literalmente vi a minha agenda de compromissos desaparecer”.

Alexander Boyce, um elegante mágico de 23 anos do Brooklyn, que gosta de reinterpretar os clássicos da mágica, fazia 350 shows ao ano, em geral para empresas e no “Speakeasy Magick”, um espetáculo no hotel McKittrich em Manhattan, West Chelsea. Mas o espetáculo acabou, e o seu trabalho secou.

“Tudo desapareceu rapidamente”, disse Boyce. “E como todo mundo, decidi esperar e me dedicar por algum tempo a trabalhar em um material novo e a ensaiar sozinho, além de desfrutar algumas semanas de descanso para depois voltar ao trabalho”. Shawn Farquhar, 58, viajava pelo mundo todo 285 dias ao ano, principalmente apresentando-se em teatros de 1.250 lugares em navios de cruzeiro da Disney. Viajava tanto que recebia cartões de Natal dos pilotos.

Mas no ano passado, trocou os longos períodos fora de cada pelo seu próprio teatro em Vancouver. Em meados de março, Farquhar estava em Las Vegas para uma apresentação na competição de mágicos “Penn & Teller: Fool Us”. No dia seguinte, ao voltar ao Canadá, entrou em quarentena por duas semanas em sua casa.

Tudo parou de repente. Relutando, fechou o seu teatro. Com poucas coisas para fazer, trocou o terno e o baralho pelos jeans e passou a se dedicar à jardinagem. Como Farquhar, os mágicos de toda parte que costumavam realizar espetáculos presenciais não voltariam tão cedo e começaram a encarar os espetáculos virtuais com vários graus de entusiasmo e equipamentos; agora precisavam de um computador e de uma webcam para criar um estúdio improvisado.

Scott já dava aulas de mágica a classes de crianças depois da escola e decidiu continuar fazendo isso e apelar para o virtual, sem precisar ressarcir quem quer que fosse. Desse modo, no verão conseguiu salvar cerca de um terço de seu negócio de shows em bibliotecas normalmente lucrativos, com espetáculos virtuais.

Tomou emprestado alguns equipamentos e comprou o restante, transformando o seu escritório no porão de casa em um estúdio completo, com iluminação, câmeras e uma tela verde. Houve várias tentativas e erros; no começo, durante um espetáculo, o som sumiu. Contratou uma pessoas para operar o computador, trabalhou melhor o show e lentamente começou a fazer aniversários, “festas” de escritório e shows públicos.

“Estou fazendo alguns shows virtuais, mas definitivamente não como costumavam ser”, disse Scott. “É claro que quero voltar a trabalhar em tempo integral”. Boyce não pensava em fazer shows virtuais até que um associado com quem tinha trabalhado anteriormente pediu que ele fizesse um.

A resposta foi tão positiva que decidiu que poderia fazer o trabalho virtual. Fez um estúdio à la McGyver em seu apartamento, com iluminação, pano de fundo, múltiplas câmeras e um computador. Agora usa um software de comutação de modo que pode administrar o setup por conta própria. Com os funcionários parados em casa e com os restaurantes e a Broadway fechados, clientes associados com os quais já havia trabalhado começaram a chamá-lo para incrementar os seus eventos virtuais ou impressionar sócios nos negócios.

Farquhar recorreu à mágica virtual cansado de se sentir entediado. Preso em casa e desesperado por se apresentar para um público, conseguiu um show gratuito no Facebook Live. Havia previsto uma hora, achando que conseguiria adaptar o material existente. Depois de 15 minutos já tinha dificuldades. “Eu me dei conta de que estava falando com uma luz verde em uma câmera e sem qualquer interação”, ele disse.

“Não era a Zoom, era eu somente falando e tentando manter a energia lá em cima”. Ele achava que não conseguir interagir com um público em tempo real seria algo arrasador. Tentou o Instagram Live, mas também não gostou. Quando finalmente um amigo conseguiu um número suficiente de clientes pagantes para um show na Zoom, Farquhar mudou de ideia. Encontrou algumas dificuldades, como manter o interesse das pessoas e lidar com dezenas de feeds de áudio e vídeo. Mas quando aprendeu a interagir com o público, criou um show virtual especial.

Jason Michaels, 45 anos, de Nashville, Tennessee, trabalhara bastante com espetáculos em escolas e com empresas, e também em excursões realizando mágicas para famílias de militares internamente e no exterior. “Enfiei na cabeça que não acreditava que a mágica funcionasse em um ambiente virtual,” afirmou. “Já é difícil vender um show de mágica em uma economia normal”. Mas depois de meses sem trabalho, Michaels chegou ao fundo do poço no meio do ano. Ficou com medo de que, depois de 17 anos, teria de se contentar em fazer parte das fileiras de mágicos que pegam qualquer trabalho para pagar as contas.

Encorajado por vários colegas. Michaels investiu em alguns equipamentos, montou um estúdio improvisado em seu escritório e reformulou sua mágica em dois espetáculos separados, um – uma demonstração de uma extraordinária manipulação de cartas de baralho – só para entretenimento, e outro que incorporava um componente educativo. A renda, embora escassa, o ajudou a seguir em frente.

Kayla Drescher, 30 anos, uma mágica de Los Angeles, também relutou muito a aderir à corrida ao virtual. Kayla passou os últimos três anos excursionando com o “Champions of Magic”, um espetáculo de teatro com cinco pessoas. A sua manipulação do baralho em close up foi feita na frente de uma câmera e projetada numa tela.

Mas segundo ela, o seu estilo de apresentação e a alta energia do seu show depende fundamentalmente da interação do público, o que pode ser difícil em um show virtual. “Para mim, fazer shows através de uma tela não tem o mesmo nível de satisfação, e também não tem o mesmo nível de satisfação para o público”, observou.

Para suplementar a sua renda, Kayla começou a ensinar mágica on-line, incluindo um programa de acampamento de verão e uma noite de mágica para casais que gostam de uma aula tomando vinho no conforto de casa. Ela aceitou com prazer realizar shows virtuais em hospitais infantis e em outras instituições. Mas não os vendeu para novos clientes.

“O meu medo é que eles comecem a me ver apenas como uma mágica do Zoom e não queiram reservar um show comigo em pessoa”, afirmou. “Por mais que a câmera seja interessante ou por mais que eu me esforce, não há como o espetáculo no Zoom ser a mesma coisa que o ao vivo”.

A forma transforma

A mágica – a capacidade de fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade – há muito tempo, é uma disputa presencial entre a extraordinária habilidade finamente aperfeiçoada pelo mágico e os olhos não treinados do espectador. Basta acrescentar uma câmera, e tudo muda. “Quando você vem me ver e eu enfio um anel de verdade no seu dedo, é uma experiência totalmente diferente de quando eu coloco um anel no meu dedo”, disse Garrett Thomas. “A mágica é feita para ser experimentada.”

Além de viajar com os espetáculos, Thomas, 43, apresentava o seu truque de prestidigitação em bares e restaurantes na área de Buffalo, Nova York. Este trabalho rapidamente acabou, e Thomas levou alguns meses para achar a melhor maneira de montar um show virtual.

“A maioria dos mágicos que eu vejo em geral coloca o seu show no Zoom”, ele disse. “O que funciona até certo ponto”. Mas Thomas preferiu dar um passo para trás e tentar imaginar novamente o que um espetáculo virtual permitiria que ele fizesse. O desafio principal que ele enfrentava era como convencer um público virtual de que o que as pessoas estavam vendo na tela é autêntico. Ele não poderia pedir a um espectador que pegasse uma carta de um baralho ou usar um dólar emprestado para mostrar que era uma moeda comum.

Na televisão, estas dificuldades são superadas porque há um público ao vivo ou espectadores para agirem como substitutos para o telespectador, afirmou. Para os especiais de televisão de David Blaine, disse Thomas, os programas eram apresentados quase como documentários sobre pessoas que gostam de mágica, porque não havia outro modo de convencer o telespectador de que ele estava vendo uma ilusão verdadeira em contraposição aos truques da TV.

Thomas concluiu que a melhor opção era aproveitar da oportunidade que se apresentava e fazer o espetáculo virtual. Os ângulos da câmera, a iluminação, as ilusões de ótica podem ser usados e manipulados. Muitos efeitos em seus 45 minutos de show não poderiam funcionar presencialmente. “Quero lembrar às pessoas que somente pelo fato delas verem a gente em um vídeo não significa que isto tenha acontecido dessa maneira”, ele disse.

Farquhar finalmente reabriu o seu teatro, Hidden Wonders, em um novo espaço. O lugar fica escondido por uma loja de curiosidades de aparência comum. Os convidados ficam sabendo do endereço depois de comprar um ingresso de US$ 50.

O que faz esta maçaneta sobre uma prateleira? Basta colocá-la no lugar certo e a porta escondida se abrirá. As normas locais em Vancouver permitiram que Farquhar começasse os espetáculos em finais de semana com 12 pessoas no espaço de 30 lugares. Ele está preparando um espetáculo híbrido que incluirá fisicamente a plateia no teatro e algumas dezenas de clientes virtuais. Ambos poderão se ver em uma tela grande.

E ele poderá chamar voluntários de cada público. Embora não possam realizar o truque mais espetacular de fazer desaparecer o coronavírus, os mágicos esperam uma enorme demanda reprimida para o seu negócio depois que a pandemia passar. “A mágica prospera quando as pessoas estão em um momento ruim porque em um momento ruim, as pessoas precisam de esperança”, disse Farquhar. “Mágica é isto”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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