Cerca de um ano após o início da pandemia, Marcela Rafea começou a acordar com frequência às 3h da manhã, com a mente acelerada. Ela se arrastava para fora da cama e ia na ponta dos pés até a sala, onde meditava, fazia posturas de ioga e abria a janela para ouvir o farfalhar das folhas, o barulho dos carros e os cachorros latindo. Então, às 6h da manhã, ela se arrastava de volta para a cama e dormia de novo até seu filho mais novo acordar às 7h da manhã. “Eu precisava daquela vigília noturna para compensar o tempo que não tinha para mim”, disse Rafea, uma fotógrafa de 50 anos e mãe de três filhos.
Sem saber, ela naturalmente voltou a um ciclo de sono que se acreditava ser padrão em várias culturas no final da Idade Média até o início do século 19. Durante essa época, muitas pessoas iam dormir perto da hora do pôr do sol e acordavam três a quatro horas depois. Elas socializavam, liam livros, faziam pequenas refeições e tentavam conceber filhos por uma ou duas horas antes de voltar para um segundo sono por mais três a quatro horas. Foi somente quando a luz artificial foi introduzida que as pessoas começaram a se forçar a dormir durante a noite, contou A. Roger Ekirch, professor de história da Virginia Tech e autor de The Great Sleep Transformation.
Agora que muitas pessoas estão fazendo os próprios horários, trabalhando em casa e se concentrando mais no autocuidado, para alguns houve um retorno a um ciclo de sono segmentado – voluntário ou não, dados os níveis de estresse dos últimos dois anos. Então estamos voltando ao nosso ciclo natural de sono há muito esquecido? E isso poderia ser a cura para os insones do meio da noite?
Matthew Ebben, professor de psicologia em neurologia clínica
Ekirch, que tem estudado o sono segmentado nos últimos 35 anos, lembrou que há mais de 2 mil referências a ele em fontes literárias: tudo, de cartas a diários, registros judiciais, jornais, peças, romances e poesia, de Homero a Chaucer e Dickens. “O fenômeno recebeu nomes diferentes em lugares diferentes: primeiro e segundo sono, primeiro cochilo e sono morto, sono noturno e sono matinal”, explicou Benjamin Reiss, professor de inglês da Emory University e autor de Wild Nights: How Taming Sleep Created Our Restless World. Ele acrescentou que, em vez de ser uma escolha na época, isso era simplesmente algo que as pessoas faziam, pois se encaixava nos padrões de trabalho agrícola e artesanal.
Tudo mudou com a Revolução Industrial, enfatizando o lucro e a produtividade. A crença era de que quem limitava o sono a um único período obtinha vantagem. A crescente predominância de luzes artificiais permitiu dormir mais tarde, levando à compressão do sono.
DÚVIDAS
Mas os médicos divergem sobre o quão saudável é o sono segmentado. “Realmente não sabemos os impactos a longo prazo do sono segmentado porque não temos muitos dados sobre isso”, observou Matthew Ebben, professor associado de psicologia em neurologia clínica na Weill Cornell Medicine e na NewYork-Presbyterian.
Isso pode fazer com que alguns se sintam mais cansados e sonolentos ao longo do dia, avaliou Nicole Avena, psicóloga da saúde e professora-assistente de neurociência na Mount Sinai School of Medicine. Além disso, segundo ela, o sono segmentado exige que as pessoas durmam mais cedo, o que pode não funcionar para muitos.
Mas retornar aos padrões de sono da Idade Média não é para todos, revelou Nicole, sugerindo que o sono segmentado deve ser tentado apenas por aqueles que já estão tendo problemas de sono. “Acho que, embora possa promover um sono melhor para esses indivíduos, provavelmente tem mais consequências do que benefícios para aqueles que não têm dificuldade para dormir”, ela concluiu./TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES