Estrela de ‘A Lagoa Azul’, Brooke Shields discute objetificação das mulheres em documentário


‘Pretty Baby: Brooke Shields’, um novo documentário do Hulu, explora o preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres

Por Rhonda Garelick

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qual é o preço de uma grande beleza celebrada comercialmente? Que dor e perda a acompanham? E o que acontece com uma jovem transformada em ícone antes mesmo de atingir a puberdade? Essas questões-chave são abordadas em Pretty Baby: Brooke Shields, um documentário ponderado e comovente sobre Brooke Shields que está disponível no Hulu e no Star+.

Estrela de 'Pretty Baby', 'A Lagoa Azul' e 'Amor Sem Fim', Brooke Shields conta sua trajetória de abusos no documentário "Pretty Baby: Brooke Shields", disponível no Star+. Foto: Taylor Jewell/Invision/AP

Shields foi um marco geracional dos anos 1970 e 1980, uma visão onipresente - em revistas, anúncios de televisão e filmes - de uma beleza natural surpreendente. Olhos azuis profundos e luminosos sob aquelas famosas sobrancelhas escuras, traços delicados, sorriso com covinhas e uma cabeleira morena brilhante. Quando ela era pré-adolescente, seu visual havia se desenvolvido - ou melhor, tinha sido transformado - em uma mistura improvável de anjo renascentista e vampira.

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Ela era uma contradição viva, transmitindo tanto a inocência de uma boneca quanto uma sabedoria prematura e sexualizada. Aos 11 anos, interpretando uma prostituta infantil no filme de Louis Malle Pretty Baby - Menina Bonita, ela teve que fazer uma cena de beijo com o ator Keith Carradine, então com 29 anos. Aos 15, ela foi a estrela de A Lagoa Azul, uma história no estilo Adão e Eva sobre adolescentes náufragos descobrindo o sexo em uma ilha deserta. (O diretor de A Lagoa Azul tentou fazer sensacionalismo com o filme insinuando, falsamente, que a jovem Shields havia perdido a própria virgindade durante a produção. “Eles queriam vender meu verdadeiro despertar erótico”, diz Shields com tristeza no documentário.)

Aos 16 anos, Shields começou a aparecer em seus infames anúncios da Calvin Klein, se contorcendo no chão em jeans justos e recitando diálogos sugestivos que ela agora admite que mal entendia.

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Em um desses anúncios, Shields olha sedutoramente para a câmera e declara: “Deixei de lado as coisas infantis e estou pronta para Calvins”. Então, estranhamente, ela enfia o polegar na boca, movimenta os olhos para baixo e franze o rosto para chorar. A mulher sexy e pronta para Calvin se transforma em uma criança perturbada.

Como Shields e outros no filme observam repetidamente, anúncios e filmes como esses nunca seriam permitidos hoje. Mas até onde realmente chegamos?

Como o filme deixa claro, Shields estava apenas vivendo uma versão pública e preocupantemente elevada das contradições que sempre estiveram no cerne da beleza e da cultura comercial: usamos a sexualidade de mulheres jovens e bonitas para vender produtos (incluindo filmes); confundimos as mulheres com os produtos; imaginamos que as mulheres precisam ser cada vez mais novas, mais jovens e mais brilhantes - como produtos. Como resultado, nos acostumamos a ver garotas ainda púberes apresentadas como “coisas”, como mercadorias eróticas. (Indo direto ao ponto, o filme apresenta um antigo anúncio de televisão de brinquedos feitos à semelhança de Shields, com o slogan “Brooke Shields: ela é uma verdadeira boneca viva”.)

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Na década de 1980, aos 15 anos,a modelo norte-americanaBrooke Shields estrelou comerciais de calças jeans da Calvin Klein. Foto: Reprodução/Calvin Klein

O filme apresenta muitos exemplos de exploração, abuso (e uma clara agressão sexual) sofridos por Shields, desde a infância até a idade adulta. Ela foi criada por uma mãe solteira amorosa, mas problemática (e alcoólatra), Teri Shields, que também atuou como sua agente, e Brooke Shields entendeu desde cedo que sua carreira fornecia a única renda da família.

Também em sua vida profissional, Shields foi forçada a lidar - em grande parte sozinha - com as demandas exageradas e inapropriadamente adultas das indústrias do cinema, da televisão e da modelagem. “O sistema nunca veio me ajudar, então eu tinha que me fortalecer sozinha”, diz ela.

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Shields diz que muitas vezes se desligou da realidade, especialmente na atuação, quando era chamada a desempenhar uma sexualidade madura com a qual não tinha experiência. Relatando as tentativas do diretor Franco Zeffirelli de extrair dela, aos 16 anos e virgem, uma cena de “êxtase” erótico no filme Amor sem Fim, Shields lembra: “Eu simplesmente me dissociei”. (Fora das câmeras, para tentar simular paixão, Zeffirelli repetidamente torceu o dedo do pé de Shields, fazendo-a gritar e contorcer o rosto de dor.) Nesses momentos, ela diz que estava “diminuindo o zoom, olhando para uma situação com a qual não estava conectada. Você instantaneamente se torna um vapor de si mesma.”

Shields acabou superando essa existência vaporosa, em grande parte por meio da graça salvadora de uma educação universitária. Incentivada por seus professores em Princeton a expressar suas próprias opiniões, Shields diz que aprendeu que “podia pensar por mim mesma”, o que “se transformou nessa grande rebelião”.

Ela estabeleceu limites com sua mãe controladora, descobriu seus talentos inexplorados para comédia e dança (com os quais ela poderia se livrar daqueles belos papéis sem expressão) e, pela primeira vez, encontrou um namorado.

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Essas primeiras libertações abriram caminho para que Shields superasse outros desafios (ela fala francamente sobre o divórcio de seu primeiro marido, Andre Agassi, sobre suas lutas contra a infertilidade e a depressão pós-parto) e para que tivesse sucesso profissionalmente (como estrela na Broadway e na televisão ) e pessoalmente (um segundo casamento feliz e duas filhas adolescentes).

No fundo, porém, esta é a história do terrível preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres. De como garotas implacavelmente jovens - especialmente aquelas nascidas de acordo com nossa ideia de beleza - podem ser capturadas, monetizadas, objetificadas e esmagadas. De como a sexualidade feminina facilmente se transforma em uma mercadoria transacional.

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Por mais triunfante e comovente que seja a história de Shields, “A História de Brooke Shields” também é uma narrativa de advertência, uma demonstração clara de como a beleza sempre é magneticamente fascinante. Quando a imagem de Shields está na tela, é quase impossível desviar o olhar. É esse magnetismo que todos querem engarrafar e vender. Foi o que lançou sua carreira. É o que torna este documentário possível.

Algumas das últimas cenas mostram Shields em casa com suas filhas, que falam com admirável autoconsciência e conhecimento sobre a exploração precoce de sua mãe e como isso foi errado. “Agora está tudo diferente”, declara uma das meninas com comovente confiança. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qual é o preço de uma grande beleza celebrada comercialmente? Que dor e perda a acompanham? E o que acontece com uma jovem transformada em ícone antes mesmo de atingir a puberdade? Essas questões-chave são abordadas em Pretty Baby: Brooke Shields, um documentário ponderado e comovente sobre Brooke Shields que está disponível no Hulu e no Star+.

Estrela de 'Pretty Baby', 'A Lagoa Azul' e 'Amor Sem Fim', Brooke Shields conta sua trajetória de abusos no documentário "Pretty Baby: Brooke Shields", disponível no Star+. Foto: Taylor Jewell/Invision/AP

Shields foi um marco geracional dos anos 1970 e 1980, uma visão onipresente - em revistas, anúncios de televisão e filmes - de uma beleza natural surpreendente. Olhos azuis profundos e luminosos sob aquelas famosas sobrancelhas escuras, traços delicados, sorriso com covinhas e uma cabeleira morena brilhante. Quando ela era pré-adolescente, seu visual havia se desenvolvido - ou melhor, tinha sido transformado - em uma mistura improvável de anjo renascentista e vampira.

Ela era uma contradição viva, transmitindo tanto a inocência de uma boneca quanto uma sabedoria prematura e sexualizada. Aos 11 anos, interpretando uma prostituta infantil no filme de Louis Malle Pretty Baby - Menina Bonita, ela teve que fazer uma cena de beijo com o ator Keith Carradine, então com 29 anos. Aos 15, ela foi a estrela de A Lagoa Azul, uma história no estilo Adão e Eva sobre adolescentes náufragos descobrindo o sexo em uma ilha deserta. (O diretor de A Lagoa Azul tentou fazer sensacionalismo com o filme insinuando, falsamente, que a jovem Shields havia perdido a própria virgindade durante a produção. “Eles queriam vender meu verdadeiro despertar erótico”, diz Shields com tristeza no documentário.)

Aos 16 anos, Shields começou a aparecer em seus infames anúncios da Calvin Klein, se contorcendo no chão em jeans justos e recitando diálogos sugestivos que ela agora admite que mal entendia.

Em um desses anúncios, Shields olha sedutoramente para a câmera e declara: “Deixei de lado as coisas infantis e estou pronta para Calvins”. Então, estranhamente, ela enfia o polegar na boca, movimenta os olhos para baixo e franze o rosto para chorar. A mulher sexy e pronta para Calvin se transforma em uma criança perturbada.

Como Shields e outros no filme observam repetidamente, anúncios e filmes como esses nunca seriam permitidos hoje. Mas até onde realmente chegamos?

Como o filme deixa claro, Shields estava apenas vivendo uma versão pública e preocupantemente elevada das contradições que sempre estiveram no cerne da beleza e da cultura comercial: usamos a sexualidade de mulheres jovens e bonitas para vender produtos (incluindo filmes); confundimos as mulheres com os produtos; imaginamos que as mulheres precisam ser cada vez mais novas, mais jovens e mais brilhantes - como produtos. Como resultado, nos acostumamos a ver garotas ainda púberes apresentadas como “coisas”, como mercadorias eróticas. (Indo direto ao ponto, o filme apresenta um antigo anúncio de televisão de brinquedos feitos à semelhança de Shields, com o slogan “Brooke Shields: ela é uma verdadeira boneca viva”.)

Na década de 1980, aos 15 anos,a modelo norte-americanaBrooke Shields estrelou comerciais de calças jeans da Calvin Klein. Foto: Reprodução/Calvin Klein

O filme apresenta muitos exemplos de exploração, abuso (e uma clara agressão sexual) sofridos por Shields, desde a infância até a idade adulta. Ela foi criada por uma mãe solteira amorosa, mas problemática (e alcoólatra), Teri Shields, que também atuou como sua agente, e Brooke Shields entendeu desde cedo que sua carreira fornecia a única renda da família.

Também em sua vida profissional, Shields foi forçada a lidar - em grande parte sozinha - com as demandas exageradas e inapropriadamente adultas das indústrias do cinema, da televisão e da modelagem. “O sistema nunca veio me ajudar, então eu tinha que me fortalecer sozinha”, diz ela.

Shields diz que muitas vezes se desligou da realidade, especialmente na atuação, quando era chamada a desempenhar uma sexualidade madura com a qual não tinha experiência. Relatando as tentativas do diretor Franco Zeffirelli de extrair dela, aos 16 anos e virgem, uma cena de “êxtase” erótico no filme Amor sem Fim, Shields lembra: “Eu simplesmente me dissociei”. (Fora das câmeras, para tentar simular paixão, Zeffirelli repetidamente torceu o dedo do pé de Shields, fazendo-a gritar e contorcer o rosto de dor.) Nesses momentos, ela diz que estava “diminuindo o zoom, olhando para uma situação com a qual não estava conectada. Você instantaneamente se torna um vapor de si mesma.”

Shields acabou superando essa existência vaporosa, em grande parte por meio da graça salvadora de uma educação universitária. Incentivada por seus professores em Princeton a expressar suas próprias opiniões, Shields diz que aprendeu que “podia pensar por mim mesma”, o que “se transformou nessa grande rebelião”.

Ela estabeleceu limites com sua mãe controladora, descobriu seus talentos inexplorados para comédia e dança (com os quais ela poderia se livrar daqueles belos papéis sem expressão) e, pela primeira vez, encontrou um namorado.

Essas primeiras libertações abriram caminho para que Shields superasse outros desafios (ela fala francamente sobre o divórcio de seu primeiro marido, Andre Agassi, sobre suas lutas contra a infertilidade e a depressão pós-parto) e para que tivesse sucesso profissionalmente (como estrela na Broadway e na televisão ) e pessoalmente (um segundo casamento feliz e duas filhas adolescentes).

No fundo, porém, esta é a história do terrível preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres. De como garotas implacavelmente jovens - especialmente aquelas nascidas de acordo com nossa ideia de beleza - podem ser capturadas, monetizadas, objetificadas e esmagadas. De como a sexualidade feminina facilmente se transforma em uma mercadoria transacional.

Por mais triunfante e comovente que seja a história de Shields, “A História de Brooke Shields” também é uma narrativa de advertência, uma demonstração clara de como a beleza sempre é magneticamente fascinante. Quando a imagem de Shields está na tela, é quase impossível desviar o olhar. É esse magnetismo que todos querem engarrafar e vender. Foi o que lançou sua carreira. É o que torna este documentário possível.

Algumas das últimas cenas mostram Shields em casa com suas filhas, que falam com admirável autoconsciência e conhecimento sobre a exploração precoce de sua mãe e como isso foi errado. “Agora está tudo diferente”, declara uma das meninas com comovente confiança. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qual é o preço de uma grande beleza celebrada comercialmente? Que dor e perda a acompanham? E o que acontece com uma jovem transformada em ícone antes mesmo de atingir a puberdade? Essas questões-chave são abordadas em Pretty Baby: Brooke Shields, um documentário ponderado e comovente sobre Brooke Shields que está disponível no Hulu e no Star+.

Estrela de 'Pretty Baby', 'A Lagoa Azul' e 'Amor Sem Fim', Brooke Shields conta sua trajetória de abusos no documentário "Pretty Baby: Brooke Shields", disponível no Star+. Foto: Taylor Jewell/Invision/AP

Shields foi um marco geracional dos anos 1970 e 1980, uma visão onipresente - em revistas, anúncios de televisão e filmes - de uma beleza natural surpreendente. Olhos azuis profundos e luminosos sob aquelas famosas sobrancelhas escuras, traços delicados, sorriso com covinhas e uma cabeleira morena brilhante. Quando ela era pré-adolescente, seu visual havia se desenvolvido - ou melhor, tinha sido transformado - em uma mistura improvável de anjo renascentista e vampira.

Ela era uma contradição viva, transmitindo tanto a inocência de uma boneca quanto uma sabedoria prematura e sexualizada. Aos 11 anos, interpretando uma prostituta infantil no filme de Louis Malle Pretty Baby - Menina Bonita, ela teve que fazer uma cena de beijo com o ator Keith Carradine, então com 29 anos. Aos 15, ela foi a estrela de A Lagoa Azul, uma história no estilo Adão e Eva sobre adolescentes náufragos descobrindo o sexo em uma ilha deserta. (O diretor de A Lagoa Azul tentou fazer sensacionalismo com o filme insinuando, falsamente, que a jovem Shields havia perdido a própria virgindade durante a produção. “Eles queriam vender meu verdadeiro despertar erótico”, diz Shields com tristeza no documentário.)

Aos 16 anos, Shields começou a aparecer em seus infames anúncios da Calvin Klein, se contorcendo no chão em jeans justos e recitando diálogos sugestivos que ela agora admite que mal entendia.

Em um desses anúncios, Shields olha sedutoramente para a câmera e declara: “Deixei de lado as coisas infantis e estou pronta para Calvins”. Então, estranhamente, ela enfia o polegar na boca, movimenta os olhos para baixo e franze o rosto para chorar. A mulher sexy e pronta para Calvin se transforma em uma criança perturbada.

Como Shields e outros no filme observam repetidamente, anúncios e filmes como esses nunca seriam permitidos hoje. Mas até onde realmente chegamos?

Como o filme deixa claro, Shields estava apenas vivendo uma versão pública e preocupantemente elevada das contradições que sempre estiveram no cerne da beleza e da cultura comercial: usamos a sexualidade de mulheres jovens e bonitas para vender produtos (incluindo filmes); confundimos as mulheres com os produtos; imaginamos que as mulheres precisam ser cada vez mais novas, mais jovens e mais brilhantes - como produtos. Como resultado, nos acostumamos a ver garotas ainda púberes apresentadas como “coisas”, como mercadorias eróticas. (Indo direto ao ponto, o filme apresenta um antigo anúncio de televisão de brinquedos feitos à semelhança de Shields, com o slogan “Brooke Shields: ela é uma verdadeira boneca viva”.)

Na década de 1980, aos 15 anos,a modelo norte-americanaBrooke Shields estrelou comerciais de calças jeans da Calvin Klein. Foto: Reprodução/Calvin Klein

O filme apresenta muitos exemplos de exploração, abuso (e uma clara agressão sexual) sofridos por Shields, desde a infância até a idade adulta. Ela foi criada por uma mãe solteira amorosa, mas problemática (e alcoólatra), Teri Shields, que também atuou como sua agente, e Brooke Shields entendeu desde cedo que sua carreira fornecia a única renda da família.

Também em sua vida profissional, Shields foi forçada a lidar - em grande parte sozinha - com as demandas exageradas e inapropriadamente adultas das indústrias do cinema, da televisão e da modelagem. “O sistema nunca veio me ajudar, então eu tinha que me fortalecer sozinha”, diz ela.

Shields diz que muitas vezes se desligou da realidade, especialmente na atuação, quando era chamada a desempenhar uma sexualidade madura com a qual não tinha experiência. Relatando as tentativas do diretor Franco Zeffirelli de extrair dela, aos 16 anos e virgem, uma cena de “êxtase” erótico no filme Amor sem Fim, Shields lembra: “Eu simplesmente me dissociei”. (Fora das câmeras, para tentar simular paixão, Zeffirelli repetidamente torceu o dedo do pé de Shields, fazendo-a gritar e contorcer o rosto de dor.) Nesses momentos, ela diz que estava “diminuindo o zoom, olhando para uma situação com a qual não estava conectada. Você instantaneamente se torna um vapor de si mesma.”

Shields acabou superando essa existência vaporosa, em grande parte por meio da graça salvadora de uma educação universitária. Incentivada por seus professores em Princeton a expressar suas próprias opiniões, Shields diz que aprendeu que “podia pensar por mim mesma”, o que “se transformou nessa grande rebelião”.

Ela estabeleceu limites com sua mãe controladora, descobriu seus talentos inexplorados para comédia e dança (com os quais ela poderia se livrar daqueles belos papéis sem expressão) e, pela primeira vez, encontrou um namorado.

Essas primeiras libertações abriram caminho para que Shields superasse outros desafios (ela fala francamente sobre o divórcio de seu primeiro marido, Andre Agassi, sobre suas lutas contra a infertilidade e a depressão pós-parto) e para que tivesse sucesso profissionalmente (como estrela na Broadway e na televisão ) e pessoalmente (um segundo casamento feliz e duas filhas adolescentes).

No fundo, porém, esta é a história do terrível preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres. De como garotas implacavelmente jovens - especialmente aquelas nascidas de acordo com nossa ideia de beleza - podem ser capturadas, monetizadas, objetificadas e esmagadas. De como a sexualidade feminina facilmente se transforma em uma mercadoria transacional.

Por mais triunfante e comovente que seja a história de Shields, “A História de Brooke Shields” também é uma narrativa de advertência, uma demonstração clara de como a beleza sempre é magneticamente fascinante. Quando a imagem de Shields está na tela, é quase impossível desviar o olhar. É esse magnetismo que todos querem engarrafar e vender. Foi o que lançou sua carreira. É o que torna este documentário possível.

Algumas das últimas cenas mostram Shields em casa com suas filhas, que falam com admirável autoconsciência e conhecimento sobre a exploração precoce de sua mãe e como isso foi errado. “Agora está tudo diferente”, declara uma das meninas com comovente confiança. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qual é o preço de uma grande beleza celebrada comercialmente? Que dor e perda a acompanham? E o que acontece com uma jovem transformada em ícone antes mesmo de atingir a puberdade? Essas questões-chave são abordadas em Pretty Baby: Brooke Shields, um documentário ponderado e comovente sobre Brooke Shields que está disponível no Hulu e no Star+.

Estrela de 'Pretty Baby', 'A Lagoa Azul' e 'Amor Sem Fim', Brooke Shields conta sua trajetória de abusos no documentário "Pretty Baby: Brooke Shields", disponível no Star+. Foto: Taylor Jewell/Invision/AP

Shields foi um marco geracional dos anos 1970 e 1980, uma visão onipresente - em revistas, anúncios de televisão e filmes - de uma beleza natural surpreendente. Olhos azuis profundos e luminosos sob aquelas famosas sobrancelhas escuras, traços delicados, sorriso com covinhas e uma cabeleira morena brilhante. Quando ela era pré-adolescente, seu visual havia se desenvolvido - ou melhor, tinha sido transformado - em uma mistura improvável de anjo renascentista e vampira.

Ela era uma contradição viva, transmitindo tanto a inocência de uma boneca quanto uma sabedoria prematura e sexualizada. Aos 11 anos, interpretando uma prostituta infantil no filme de Louis Malle Pretty Baby - Menina Bonita, ela teve que fazer uma cena de beijo com o ator Keith Carradine, então com 29 anos. Aos 15, ela foi a estrela de A Lagoa Azul, uma história no estilo Adão e Eva sobre adolescentes náufragos descobrindo o sexo em uma ilha deserta. (O diretor de A Lagoa Azul tentou fazer sensacionalismo com o filme insinuando, falsamente, que a jovem Shields havia perdido a própria virgindade durante a produção. “Eles queriam vender meu verdadeiro despertar erótico”, diz Shields com tristeza no documentário.)

Aos 16 anos, Shields começou a aparecer em seus infames anúncios da Calvin Klein, se contorcendo no chão em jeans justos e recitando diálogos sugestivos que ela agora admite que mal entendia.

Em um desses anúncios, Shields olha sedutoramente para a câmera e declara: “Deixei de lado as coisas infantis e estou pronta para Calvins”. Então, estranhamente, ela enfia o polegar na boca, movimenta os olhos para baixo e franze o rosto para chorar. A mulher sexy e pronta para Calvin se transforma em uma criança perturbada.

Como Shields e outros no filme observam repetidamente, anúncios e filmes como esses nunca seriam permitidos hoje. Mas até onde realmente chegamos?

Como o filme deixa claro, Shields estava apenas vivendo uma versão pública e preocupantemente elevada das contradições que sempre estiveram no cerne da beleza e da cultura comercial: usamos a sexualidade de mulheres jovens e bonitas para vender produtos (incluindo filmes); confundimos as mulheres com os produtos; imaginamos que as mulheres precisam ser cada vez mais novas, mais jovens e mais brilhantes - como produtos. Como resultado, nos acostumamos a ver garotas ainda púberes apresentadas como “coisas”, como mercadorias eróticas. (Indo direto ao ponto, o filme apresenta um antigo anúncio de televisão de brinquedos feitos à semelhança de Shields, com o slogan “Brooke Shields: ela é uma verdadeira boneca viva”.)

Na década de 1980, aos 15 anos,a modelo norte-americanaBrooke Shields estrelou comerciais de calças jeans da Calvin Klein. Foto: Reprodução/Calvin Klein

O filme apresenta muitos exemplos de exploração, abuso (e uma clara agressão sexual) sofridos por Shields, desde a infância até a idade adulta. Ela foi criada por uma mãe solteira amorosa, mas problemática (e alcoólatra), Teri Shields, que também atuou como sua agente, e Brooke Shields entendeu desde cedo que sua carreira fornecia a única renda da família.

Também em sua vida profissional, Shields foi forçada a lidar - em grande parte sozinha - com as demandas exageradas e inapropriadamente adultas das indústrias do cinema, da televisão e da modelagem. “O sistema nunca veio me ajudar, então eu tinha que me fortalecer sozinha”, diz ela.

Shields diz que muitas vezes se desligou da realidade, especialmente na atuação, quando era chamada a desempenhar uma sexualidade madura com a qual não tinha experiência. Relatando as tentativas do diretor Franco Zeffirelli de extrair dela, aos 16 anos e virgem, uma cena de “êxtase” erótico no filme Amor sem Fim, Shields lembra: “Eu simplesmente me dissociei”. (Fora das câmeras, para tentar simular paixão, Zeffirelli repetidamente torceu o dedo do pé de Shields, fazendo-a gritar e contorcer o rosto de dor.) Nesses momentos, ela diz que estava “diminuindo o zoom, olhando para uma situação com a qual não estava conectada. Você instantaneamente se torna um vapor de si mesma.”

Shields acabou superando essa existência vaporosa, em grande parte por meio da graça salvadora de uma educação universitária. Incentivada por seus professores em Princeton a expressar suas próprias opiniões, Shields diz que aprendeu que “podia pensar por mim mesma”, o que “se transformou nessa grande rebelião”.

Ela estabeleceu limites com sua mãe controladora, descobriu seus talentos inexplorados para comédia e dança (com os quais ela poderia se livrar daqueles belos papéis sem expressão) e, pela primeira vez, encontrou um namorado.

Essas primeiras libertações abriram caminho para que Shields superasse outros desafios (ela fala francamente sobre o divórcio de seu primeiro marido, Andre Agassi, sobre suas lutas contra a infertilidade e a depressão pós-parto) e para que tivesse sucesso profissionalmente (como estrela na Broadway e na televisão ) e pessoalmente (um segundo casamento feliz e duas filhas adolescentes).

No fundo, porém, esta é a história do terrível preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres. De como garotas implacavelmente jovens - especialmente aquelas nascidas de acordo com nossa ideia de beleza - podem ser capturadas, monetizadas, objetificadas e esmagadas. De como a sexualidade feminina facilmente se transforma em uma mercadoria transacional.

Por mais triunfante e comovente que seja a história de Shields, “A História de Brooke Shields” também é uma narrativa de advertência, uma demonstração clara de como a beleza sempre é magneticamente fascinante. Quando a imagem de Shields está na tela, é quase impossível desviar o olhar. É esse magnetismo que todos querem engarrafar e vender. Foi o que lançou sua carreira. É o que torna este documentário possível.

Algumas das últimas cenas mostram Shields em casa com suas filhas, que falam com admirável autoconsciência e conhecimento sobre a exploração precoce de sua mãe e como isso foi errado. “Agora está tudo diferente”, declara uma das meninas com comovente confiança. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qual é o preço de uma grande beleza celebrada comercialmente? Que dor e perda a acompanham? E o que acontece com uma jovem transformada em ícone antes mesmo de atingir a puberdade? Essas questões-chave são abordadas em Pretty Baby: Brooke Shields, um documentário ponderado e comovente sobre Brooke Shields que está disponível no Hulu e no Star+.

Estrela de 'Pretty Baby', 'A Lagoa Azul' e 'Amor Sem Fim', Brooke Shields conta sua trajetória de abusos no documentário "Pretty Baby: Brooke Shields", disponível no Star+. Foto: Taylor Jewell/Invision/AP

Shields foi um marco geracional dos anos 1970 e 1980, uma visão onipresente - em revistas, anúncios de televisão e filmes - de uma beleza natural surpreendente. Olhos azuis profundos e luminosos sob aquelas famosas sobrancelhas escuras, traços delicados, sorriso com covinhas e uma cabeleira morena brilhante. Quando ela era pré-adolescente, seu visual havia se desenvolvido - ou melhor, tinha sido transformado - em uma mistura improvável de anjo renascentista e vampira.

Ela era uma contradição viva, transmitindo tanto a inocência de uma boneca quanto uma sabedoria prematura e sexualizada. Aos 11 anos, interpretando uma prostituta infantil no filme de Louis Malle Pretty Baby - Menina Bonita, ela teve que fazer uma cena de beijo com o ator Keith Carradine, então com 29 anos. Aos 15, ela foi a estrela de A Lagoa Azul, uma história no estilo Adão e Eva sobre adolescentes náufragos descobrindo o sexo em uma ilha deserta. (O diretor de A Lagoa Azul tentou fazer sensacionalismo com o filme insinuando, falsamente, que a jovem Shields havia perdido a própria virgindade durante a produção. “Eles queriam vender meu verdadeiro despertar erótico”, diz Shields com tristeza no documentário.)

Aos 16 anos, Shields começou a aparecer em seus infames anúncios da Calvin Klein, se contorcendo no chão em jeans justos e recitando diálogos sugestivos que ela agora admite que mal entendia.

Em um desses anúncios, Shields olha sedutoramente para a câmera e declara: “Deixei de lado as coisas infantis e estou pronta para Calvins”. Então, estranhamente, ela enfia o polegar na boca, movimenta os olhos para baixo e franze o rosto para chorar. A mulher sexy e pronta para Calvin se transforma em uma criança perturbada.

Como Shields e outros no filme observam repetidamente, anúncios e filmes como esses nunca seriam permitidos hoje. Mas até onde realmente chegamos?

Como o filme deixa claro, Shields estava apenas vivendo uma versão pública e preocupantemente elevada das contradições que sempre estiveram no cerne da beleza e da cultura comercial: usamos a sexualidade de mulheres jovens e bonitas para vender produtos (incluindo filmes); confundimos as mulheres com os produtos; imaginamos que as mulheres precisam ser cada vez mais novas, mais jovens e mais brilhantes - como produtos. Como resultado, nos acostumamos a ver garotas ainda púberes apresentadas como “coisas”, como mercadorias eróticas. (Indo direto ao ponto, o filme apresenta um antigo anúncio de televisão de brinquedos feitos à semelhança de Shields, com o slogan “Brooke Shields: ela é uma verdadeira boneca viva”.)

Na década de 1980, aos 15 anos,a modelo norte-americanaBrooke Shields estrelou comerciais de calças jeans da Calvin Klein. Foto: Reprodução/Calvin Klein

O filme apresenta muitos exemplos de exploração, abuso (e uma clara agressão sexual) sofridos por Shields, desde a infância até a idade adulta. Ela foi criada por uma mãe solteira amorosa, mas problemática (e alcoólatra), Teri Shields, que também atuou como sua agente, e Brooke Shields entendeu desde cedo que sua carreira fornecia a única renda da família.

Também em sua vida profissional, Shields foi forçada a lidar - em grande parte sozinha - com as demandas exageradas e inapropriadamente adultas das indústrias do cinema, da televisão e da modelagem. “O sistema nunca veio me ajudar, então eu tinha que me fortalecer sozinha”, diz ela.

Shields diz que muitas vezes se desligou da realidade, especialmente na atuação, quando era chamada a desempenhar uma sexualidade madura com a qual não tinha experiência. Relatando as tentativas do diretor Franco Zeffirelli de extrair dela, aos 16 anos e virgem, uma cena de “êxtase” erótico no filme Amor sem Fim, Shields lembra: “Eu simplesmente me dissociei”. (Fora das câmeras, para tentar simular paixão, Zeffirelli repetidamente torceu o dedo do pé de Shields, fazendo-a gritar e contorcer o rosto de dor.) Nesses momentos, ela diz que estava “diminuindo o zoom, olhando para uma situação com a qual não estava conectada. Você instantaneamente se torna um vapor de si mesma.”

Shields acabou superando essa existência vaporosa, em grande parte por meio da graça salvadora de uma educação universitária. Incentivada por seus professores em Princeton a expressar suas próprias opiniões, Shields diz que aprendeu que “podia pensar por mim mesma”, o que “se transformou nessa grande rebelião”.

Ela estabeleceu limites com sua mãe controladora, descobriu seus talentos inexplorados para comédia e dança (com os quais ela poderia se livrar daqueles belos papéis sem expressão) e, pela primeira vez, encontrou um namorado.

Essas primeiras libertações abriram caminho para que Shields superasse outros desafios (ela fala francamente sobre o divórcio de seu primeiro marido, Andre Agassi, sobre suas lutas contra a infertilidade e a depressão pós-parto) e para que tivesse sucesso profissionalmente (como estrela na Broadway e na televisão ) e pessoalmente (um segundo casamento feliz e duas filhas adolescentes).

No fundo, porém, esta é a história do terrível preço que a objetificação sexual e comercial cobra das mulheres. De como garotas implacavelmente jovens - especialmente aquelas nascidas de acordo com nossa ideia de beleza - podem ser capturadas, monetizadas, objetificadas e esmagadas. De como a sexualidade feminina facilmente se transforma em uma mercadoria transacional.

Por mais triunfante e comovente que seja a história de Shields, “A História de Brooke Shields” também é uma narrativa de advertência, uma demonstração clara de como a beleza sempre é magneticamente fascinante. Quando a imagem de Shields está na tela, é quase impossível desviar o olhar. É esse magnetismo que todos querem engarrafar e vender. Foi o que lançou sua carreira. É o que torna este documentário possível.

Algumas das últimas cenas mostram Shields em casa com suas filhas, que falam com admirável autoconsciência e conhecimento sobre a exploração precoce de sua mãe e como isso foi errado. “Agora está tudo diferente”, declara uma das meninas com comovente confiança. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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