Estudantes e professores homenageiam pessoas que doaram seus corpos para a ciência


Gratidão por parte dos docentes e a certeza de que seu ente querido segue ajudando outras pessoas depois da morte são sentimentos comuns nas cerimônias

Por April Rubin

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Uma reunião solene na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, no mês passado apresentou características de um serviço fúnebre tradicional. Alunos e professores tocaram música e discursaram. O capelão da universidade encerrou a cerimônia com uma reflexão.

Mas havia uma diferença fundamental: ninguém na sala conhecera as pessoas cuja vida estava sendo homenageada. Todos os participantes eram alunos e membros do corpo docente da escola de medicina da universidade e estavam reunidos para agradecer àqueles que haviam doado o corpo para o laboratório de anatomia. “Quem foram eles? Um pai, um filho, um colega de trabalho, um amigo? Que livros leram? Como estão os familiares agora? Será que sabem quanto seu ente querido nos deu?”, disse Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia.

Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia, na cerimônia de reconhecimento às pessoas que doaram o corpo para estudos no laboratório de anatomia da faculdade da Universidade Columbia. Foto: Diana Cervantes/The New York Times
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Houve cenas semelhantes em todo o país recentemente, quando estudantes de medicina, odontologia e fisioterapia se reuniram para homenagear os doadores de corpo e seus parentes. Nas cerimônias, os alunos tocam música, acendem velas, leem cartas e compartilham arte. (Foi projetado um diagrama cardíaco dos estudos de anatomia de Zhang, sobreposto a seus desenhos extravagantes de livros, raízes de árvores e figuras humanas enquanto ela discursava em Columbia.) Há, frequentemente, a participação de um líder espiritual ecumênico. Às vezes, inclui-se a designação de uma árvore ou uma oferta de flores à família de um doador.

Não se sabe quantas pessoas nos Estados Unidos doam o corpo para a pesquisa e a educação médicas, embora estimativas sugiram que cerca de 20 mil pessoas ou seus familiares o fazem anualmente. Os critérios variam de acordo com o programa e o estado; em geral, qualquer indivíduo com mais de 18 anos pode se tornar doador, mas quem sofre de certas doenças transmissíveis, como hepatite B ou C, tuberculose, HIV ou aids, normalmente é excluído. Muitos programas também recusam corpos autopsiados ou que tiveram órgãos removidos para doação.

Mesmo com a introdução de elaborados softwares de visualização 3D, há séculos a dissecção é a base da educação médica para a maioria dos alunos do primeiro ano, que passam meses estudando metodicamente as estruturas do corpo, incluindo órgãos, tendões, veias e tecidos. Essa experiência é mais enriquecedora do que os fundamentos da medicina. Tratar o doador, que é visto como o primeiro paciente de um médico, com respeito e cuidado fornece aos alunos uma base ética e profissional, explicou Joy Balta, presidente do comitê de doação de corpos humanos da Associação Americana de Anatomia.

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Reconhecendo um sacrifício

A doação de corpos é um ato altruísta dos doadores, como também de seus familiares, que podem esperar até alguns anos para receber as cinzas. As cerimônias fúnebres, chamadas muitas vezes de cerimônias de agradecimento, reconhecem o sacrifício.

“Você pensa no doador com o qual está trabalhando. É alguém que doou o corpo, que queria que ele servisse para melhorar a ciência e os tratamentos de saúde”, afirmou Balta, que também é diretor do Instituto de Aprendizado de Anatomia da Universidade Nazarena Point Loma, em San Diego.

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A Escola Vagelos de Médicos e Cirurgiões da Universidade Columbia começou a promover uma cerimônia de agradecimento aos doadores no fim da década de 1970 como uma forma de destacar uma experiência que “é muito difícil para alguns alunos e realmente transformadora”, como observou Paulette Bernd, diretora do curso básico de anatomia clínica da escola.

Os familiares dos doadores são convidados para os eventos em algumas escolas. Em outras, as cerimônias são restritas aos alunos e professores, visando manter o anonimato garantido aos doadores. Na Universidade Brown, por exemplo, apenas a idade, a causa da morte, o estado civil e a ocupação do doador são revelados aos estudantes, e as mãos e o rosto permanecem cobertos durante grande parte do processo. “Os corpos passam por todo esse processo de desidentificação. E essa é uma ótima maneira de humanizá-los. Consideramos o benefício que proporcionaram, bem como seus familiares, que ainda estão processando a perda”, explicou Nidhi Bhaskar, estudante do primeiro ano de medicina que ajudou a coordenar uma recente cerimônia de agradecimento na Brown.

O laboratório de anatomia pode ser uma experiência complicada para alunos de medicina, para os quais essa pode ser a primeira experiência com a morte, disse o dr. Daniel Topping, professor associado clínico do departamento de anatomia e biologia celular da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida.

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Evan Wright, estudante do primeiro ano de medicina, toca na cerimônia em honra das pessoas que doaram seus corpos para estudos.  Foto: Diana Cervantes/The New York Times

‘Eu sabia que ela estava ajudando alguém’

Entre os convidados da cerimônia na Universidade de Washington estava Regina Dunn. Ela estava muito perturbada para planejar o funeral quando sua mãe, Louise Dunn, morreu em julho, aos 90 anos. A homenagem aos doadores foi o primeiro memorial de Louise Dunn, contou ela. “Eles me proporcionaram conforto”, afirmou Regina Dunn sobre os alunos. “E muita gente precisa desse desfecho.”

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E acrescentou: “Minha mãe, que abriu uma escola de modelos para mulheres negras em St. Louis em 1960, sempre fez questão de ajudar as pessoas. Portanto, não foi surpreendente o fato de ela querer continuar a ajudar os outros depois da morte, mesmo que alguns parentes tenham precisado superar certa apreensão por causa de sua decisão de doar o corpo para a ciência.”

Regina Dunn contou que uma estudante negra disse a uma amiga que a acompanhou à cerimônia que o fato de haver uma doadora negra no laboratório, quando a maioria dos doadores é branca, causou um impacto profundo. “Eu me senti honrada, de verdade, porque sabia que ela estava ajudando alguém.”

Para a família de Michael Haas, que doou o corpo para a Escola de Medicina da Universidade de Indiana, a cerimônia de agradecimento foi um momento de fechar um círculo em vários aspectos. Foi promovida em 16 de abril, quatro dias antes do aniversário da morte dele, informou sua esposa, Molly Haas. A cerimônia foi celebrada no campus da universidade em Bloomington, Indiana, onde o casal ficou noivo em 1970. Os familiares receberam cravos brancos e vermelhos; Molly Haas se lembrou de que seu marido sempre lhe dava cravos vermelhos.

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Ambos decidiram doar o corpo em 2012, na época em que os sintomas da doença de Alzheimer de Michael Haas começaram a aparecer. Para ele, que foi assistente social e sacerdote episcopal, tornar-se doador foi uma forma de prolongar uma missão de serviço, explicou sua esposa: “Seus valores e sua ética sempre priorizaram a generosidade.”

‘Um grande sentimento de gratidão’

As cerimônias de agradecimento são geralmente planejadas pelos alunos, mas também dão aos membros do corpo docente que administram os laboratórios de anatomia uma maneira de processar sua relação com os doadores. “Tenho um grande sentimento de gratidão, de responsabilidade e de honra toda vez que estou perto de um doador. É uma coisa sagrada para mim”, disse Topping, da Universidade da Flórida.

Nirusha Lachman, presidente do departamento de anatomia clínica da Faculdade de Medicina e Ciência da Clínica Mayo, participou de sua primeira cerimônia de agradecimento há cerca de 40 anos, quando era estudante na África do Sul, e desde então discursou em várias. Elas servem, segundo ela, para mostrar que os doadores continuam vivos por meio da educação que seu corpo proporcionou. “Você quer que chegue a todos, incluindo os parentes, a ideia de que a morte não foi o fim para seus entes queridos.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Uma reunião solene na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, no mês passado apresentou características de um serviço fúnebre tradicional. Alunos e professores tocaram música e discursaram. O capelão da universidade encerrou a cerimônia com uma reflexão.

Mas havia uma diferença fundamental: ninguém na sala conhecera as pessoas cuja vida estava sendo homenageada. Todos os participantes eram alunos e membros do corpo docente da escola de medicina da universidade e estavam reunidos para agradecer àqueles que haviam doado o corpo para o laboratório de anatomia. “Quem foram eles? Um pai, um filho, um colega de trabalho, um amigo? Que livros leram? Como estão os familiares agora? Será que sabem quanto seu ente querido nos deu?”, disse Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia.

Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia, na cerimônia de reconhecimento às pessoas que doaram o corpo para estudos no laboratório de anatomia da faculdade da Universidade Columbia. Foto: Diana Cervantes/The New York Times

Houve cenas semelhantes em todo o país recentemente, quando estudantes de medicina, odontologia e fisioterapia se reuniram para homenagear os doadores de corpo e seus parentes. Nas cerimônias, os alunos tocam música, acendem velas, leem cartas e compartilham arte. (Foi projetado um diagrama cardíaco dos estudos de anatomia de Zhang, sobreposto a seus desenhos extravagantes de livros, raízes de árvores e figuras humanas enquanto ela discursava em Columbia.) Há, frequentemente, a participação de um líder espiritual ecumênico. Às vezes, inclui-se a designação de uma árvore ou uma oferta de flores à família de um doador.

Não se sabe quantas pessoas nos Estados Unidos doam o corpo para a pesquisa e a educação médicas, embora estimativas sugiram que cerca de 20 mil pessoas ou seus familiares o fazem anualmente. Os critérios variam de acordo com o programa e o estado; em geral, qualquer indivíduo com mais de 18 anos pode se tornar doador, mas quem sofre de certas doenças transmissíveis, como hepatite B ou C, tuberculose, HIV ou aids, normalmente é excluído. Muitos programas também recusam corpos autopsiados ou que tiveram órgãos removidos para doação.

Mesmo com a introdução de elaborados softwares de visualização 3D, há séculos a dissecção é a base da educação médica para a maioria dos alunos do primeiro ano, que passam meses estudando metodicamente as estruturas do corpo, incluindo órgãos, tendões, veias e tecidos. Essa experiência é mais enriquecedora do que os fundamentos da medicina. Tratar o doador, que é visto como o primeiro paciente de um médico, com respeito e cuidado fornece aos alunos uma base ética e profissional, explicou Joy Balta, presidente do comitê de doação de corpos humanos da Associação Americana de Anatomia.

Reconhecendo um sacrifício

A doação de corpos é um ato altruísta dos doadores, como também de seus familiares, que podem esperar até alguns anos para receber as cinzas. As cerimônias fúnebres, chamadas muitas vezes de cerimônias de agradecimento, reconhecem o sacrifício.

“Você pensa no doador com o qual está trabalhando. É alguém que doou o corpo, que queria que ele servisse para melhorar a ciência e os tratamentos de saúde”, afirmou Balta, que também é diretor do Instituto de Aprendizado de Anatomia da Universidade Nazarena Point Loma, em San Diego.

A Escola Vagelos de Médicos e Cirurgiões da Universidade Columbia começou a promover uma cerimônia de agradecimento aos doadores no fim da década de 1970 como uma forma de destacar uma experiência que “é muito difícil para alguns alunos e realmente transformadora”, como observou Paulette Bernd, diretora do curso básico de anatomia clínica da escola.

Os familiares dos doadores são convidados para os eventos em algumas escolas. Em outras, as cerimônias são restritas aos alunos e professores, visando manter o anonimato garantido aos doadores. Na Universidade Brown, por exemplo, apenas a idade, a causa da morte, o estado civil e a ocupação do doador são revelados aos estudantes, e as mãos e o rosto permanecem cobertos durante grande parte do processo. “Os corpos passam por todo esse processo de desidentificação. E essa é uma ótima maneira de humanizá-los. Consideramos o benefício que proporcionaram, bem como seus familiares, que ainda estão processando a perda”, explicou Nidhi Bhaskar, estudante do primeiro ano de medicina que ajudou a coordenar uma recente cerimônia de agradecimento na Brown.

O laboratório de anatomia pode ser uma experiência complicada para alunos de medicina, para os quais essa pode ser a primeira experiência com a morte, disse o dr. Daniel Topping, professor associado clínico do departamento de anatomia e biologia celular da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida.

Evan Wright, estudante do primeiro ano de medicina, toca na cerimônia em honra das pessoas que doaram seus corpos para estudos.  Foto: Diana Cervantes/The New York Times

‘Eu sabia que ela estava ajudando alguém’

Entre os convidados da cerimônia na Universidade de Washington estava Regina Dunn. Ela estava muito perturbada para planejar o funeral quando sua mãe, Louise Dunn, morreu em julho, aos 90 anos. A homenagem aos doadores foi o primeiro memorial de Louise Dunn, contou ela. “Eles me proporcionaram conforto”, afirmou Regina Dunn sobre os alunos. “E muita gente precisa desse desfecho.”

E acrescentou: “Minha mãe, que abriu uma escola de modelos para mulheres negras em St. Louis em 1960, sempre fez questão de ajudar as pessoas. Portanto, não foi surpreendente o fato de ela querer continuar a ajudar os outros depois da morte, mesmo que alguns parentes tenham precisado superar certa apreensão por causa de sua decisão de doar o corpo para a ciência.”

Regina Dunn contou que uma estudante negra disse a uma amiga que a acompanhou à cerimônia que o fato de haver uma doadora negra no laboratório, quando a maioria dos doadores é branca, causou um impacto profundo. “Eu me senti honrada, de verdade, porque sabia que ela estava ajudando alguém.”

Para a família de Michael Haas, que doou o corpo para a Escola de Medicina da Universidade de Indiana, a cerimônia de agradecimento foi um momento de fechar um círculo em vários aspectos. Foi promovida em 16 de abril, quatro dias antes do aniversário da morte dele, informou sua esposa, Molly Haas. A cerimônia foi celebrada no campus da universidade em Bloomington, Indiana, onde o casal ficou noivo em 1970. Os familiares receberam cravos brancos e vermelhos; Molly Haas se lembrou de que seu marido sempre lhe dava cravos vermelhos.

Ambos decidiram doar o corpo em 2012, na época em que os sintomas da doença de Alzheimer de Michael Haas começaram a aparecer. Para ele, que foi assistente social e sacerdote episcopal, tornar-se doador foi uma forma de prolongar uma missão de serviço, explicou sua esposa: “Seus valores e sua ética sempre priorizaram a generosidade.”

‘Um grande sentimento de gratidão’

As cerimônias de agradecimento são geralmente planejadas pelos alunos, mas também dão aos membros do corpo docente que administram os laboratórios de anatomia uma maneira de processar sua relação com os doadores. “Tenho um grande sentimento de gratidão, de responsabilidade e de honra toda vez que estou perto de um doador. É uma coisa sagrada para mim”, disse Topping, da Universidade da Flórida.

Nirusha Lachman, presidente do departamento de anatomia clínica da Faculdade de Medicina e Ciência da Clínica Mayo, participou de sua primeira cerimônia de agradecimento há cerca de 40 anos, quando era estudante na África do Sul, e desde então discursou em várias. Elas servem, segundo ela, para mostrar que os doadores continuam vivos por meio da educação que seu corpo proporcionou. “Você quer que chegue a todos, incluindo os parentes, a ideia de que a morte não foi o fim para seus entes queridos.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Uma reunião solene na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, no mês passado apresentou características de um serviço fúnebre tradicional. Alunos e professores tocaram música e discursaram. O capelão da universidade encerrou a cerimônia com uma reflexão.

Mas havia uma diferença fundamental: ninguém na sala conhecera as pessoas cuja vida estava sendo homenageada. Todos os participantes eram alunos e membros do corpo docente da escola de medicina da universidade e estavam reunidos para agradecer àqueles que haviam doado o corpo para o laboratório de anatomia. “Quem foram eles? Um pai, um filho, um colega de trabalho, um amigo? Que livros leram? Como estão os familiares agora? Será que sabem quanto seu ente querido nos deu?”, disse Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia.

Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia, na cerimônia de reconhecimento às pessoas que doaram o corpo para estudos no laboratório de anatomia da faculdade da Universidade Columbia. Foto: Diana Cervantes/The New York Times

Houve cenas semelhantes em todo o país recentemente, quando estudantes de medicina, odontologia e fisioterapia se reuniram para homenagear os doadores de corpo e seus parentes. Nas cerimônias, os alunos tocam música, acendem velas, leem cartas e compartilham arte. (Foi projetado um diagrama cardíaco dos estudos de anatomia de Zhang, sobreposto a seus desenhos extravagantes de livros, raízes de árvores e figuras humanas enquanto ela discursava em Columbia.) Há, frequentemente, a participação de um líder espiritual ecumênico. Às vezes, inclui-se a designação de uma árvore ou uma oferta de flores à família de um doador.

Não se sabe quantas pessoas nos Estados Unidos doam o corpo para a pesquisa e a educação médicas, embora estimativas sugiram que cerca de 20 mil pessoas ou seus familiares o fazem anualmente. Os critérios variam de acordo com o programa e o estado; em geral, qualquer indivíduo com mais de 18 anos pode se tornar doador, mas quem sofre de certas doenças transmissíveis, como hepatite B ou C, tuberculose, HIV ou aids, normalmente é excluído. Muitos programas também recusam corpos autopsiados ou que tiveram órgãos removidos para doação.

Mesmo com a introdução de elaborados softwares de visualização 3D, há séculos a dissecção é a base da educação médica para a maioria dos alunos do primeiro ano, que passam meses estudando metodicamente as estruturas do corpo, incluindo órgãos, tendões, veias e tecidos. Essa experiência é mais enriquecedora do que os fundamentos da medicina. Tratar o doador, que é visto como o primeiro paciente de um médico, com respeito e cuidado fornece aos alunos uma base ética e profissional, explicou Joy Balta, presidente do comitê de doação de corpos humanos da Associação Americana de Anatomia.

Reconhecendo um sacrifício

A doação de corpos é um ato altruísta dos doadores, como também de seus familiares, que podem esperar até alguns anos para receber as cinzas. As cerimônias fúnebres, chamadas muitas vezes de cerimônias de agradecimento, reconhecem o sacrifício.

“Você pensa no doador com o qual está trabalhando. É alguém que doou o corpo, que queria que ele servisse para melhorar a ciência e os tratamentos de saúde”, afirmou Balta, que também é diretor do Instituto de Aprendizado de Anatomia da Universidade Nazarena Point Loma, em San Diego.

A Escola Vagelos de Médicos e Cirurgiões da Universidade Columbia começou a promover uma cerimônia de agradecimento aos doadores no fim da década de 1970 como uma forma de destacar uma experiência que “é muito difícil para alguns alunos e realmente transformadora”, como observou Paulette Bernd, diretora do curso básico de anatomia clínica da escola.

Os familiares dos doadores são convidados para os eventos em algumas escolas. Em outras, as cerimônias são restritas aos alunos e professores, visando manter o anonimato garantido aos doadores. Na Universidade Brown, por exemplo, apenas a idade, a causa da morte, o estado civil e a ocupação do doador são revelados aos estudantes, e as mãos e o rosto permanecem cobertos durante grande parte do processo. “Os corpos passam por todo esse processo de desidentificação. E essa é uma ótima maneira de humanizá-los. Consideramos o benefício que proporcionaram, bem como seus familiares, que ainda estão processando a perda”, explicou Nidhi Bhaskar, estudante do primeiro ano de medicina que ajudou a coordenar uma recente cerimônia de agradecimento na Brown.

O laboratório de anatomia pode ser uma experiência complicada para alunos de medicina, para os quais essa pode ser a primeira experiência com a morte, disse o dr. Daniel Topping, professor associado clínico do departamento de anatomia e biologia celular da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida.

Evan Wright, estudante do primeiro ano de medicina, toca na cerimônia em honra das pessoas que doaram seus corpos para estudos.  Foto: Diana Cervantes/The New York Times

‘Eu sabia que ela estava ajudando alguém’

Entre os convidados da cerimônia na Universidade de Washington estava Regina Dunn. Ela estava muito perturbada para planejar o funeral quando sua mãe, Louise Dunn, morreu em julho, aos 90 anos. A homenagem aos doadores foi o primeiro memorial de Louise Dunn, contou ela. “Eles me proporcionaram conforto”, afirmou Regina Dunn sobre os alunos. “E muita gente precisa desse desfecho.”

E acrescentou: “Minha mãe, que abriu uma escola de modelos para mulheres negras em St. Louis em 1960, sempre fez questão de ajudar as pessoas. Portanto, não foi surpreendente o fato de ela querer continuar a ajudar os outros depois da morte, mesmo que alguns parentes tenham precisado superar certa apreensão por causa de sua decisão de doar o corpo para a ciência.”

Regina Dunn contou que uma estudante negra disse a uma amiga que a acompanhou à cerimônia que o fato de haver uma doadora negra no laboratório, quando a maioria dos doadores é branca, causou um impacto profundo. “Eu me senti honrada, de verdade, porque sabia que ela estava ajudando alguém.”

Para a família de Michael Haas, que doou o corpo para a Escola de Medicina da Universidade de Indiana, a cerimônia de agradecimento foi um momento de fechar um círculo em vários aspectos. Foi promovida em 16 de abril, quatro dias antes do aniversário da morte dele, informou sua esposa, Molly Haas. A cerimônia foi celebrada no campus da universidade em Bloomington, Indiana, onde o casal ficou noivo em 1970. Os familiares receberam cravos brancos e vermelhos; Molly Haas se lembrou de que seu marido sempre lhe dava cravos vermelhos.

Ambos decidiram doar o corpo em 2012, na época em que os sintomas da doença de Alzheimer de Michael Haas começaram a aparecer. Para ele, que foi assistente social e sacerdote episcopal, tornar-se doador foi uma forma de prolongar uma missão de serviço, explicou sua esposa: “Seus valores e sua ética sempre priorizaram a generosidade.”

‘Um grande sentimento de gratidão’

As cerimônias de agradecimento são geralmente planejadas pelos alunos, mas também dão aos membros do corpo docente que administram os laboratórios de anatomia uma maneira de processar sua relação com os doadores. “Tenho um grande sentimento de gratidão, de responsabilidade e de honra toda vez que estou perto de um doador. É uma coisa sagrada para mim”, disse Topping, da Universidade da Flórida.

Nirusha Lachman, presidente do departamento de anatomia clínica da Faculdade de Medicina e Ciência da Clínica Mayo, participou de sua primeira cerimônia de agradecimento há cerca de 40 anos, quando era estudante na África do Sul, e desde então discursou em várias. Elas servem, segundo ela, para mostrar que os doadores continuam vivos por meio da educação que seu corpo proporcionou. “Você quer que chegue a todos, incluindo os parentes, a ideia de que a morte não foi o fim para seus entes queridos.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Uma reunião solene na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, no mês passado apresentou características de um serviço fúnebre tradicional. Alunos e professores tocaram música e discursaram. O capelão da universidade encerrou a cerimônia com uma reflexão.

Mas havia uma diferença fundamental: ninguém na sala conhecera as pessoas cuja vida estava sendo homenageada. Todos os participantes eram alunos e membros do corpo docente da escola de medicina da universidade e estavam reunidos para agradecer àqueles que haviam doado o corpo para o laboratório de anatomia. “Quem foram eles? Um pai, um filho, um colega de trabalho, um amigo? Que livros leram? Como estão os familiares agora? Será que sabem quanto seu ente querido nos deu?”, disse Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia.

Bree Zhang, aluna do primeiro ano de odontologia, na cerimônia de reconhecimento às pessoas que doaram o corpo para estudos no laboratório de anatomia da faculdade da Universidade Columbia. Foto: Diana Cervantes/The New York Times

Houve cenas semelhantes em todo o país recentemente, quando estudantes de medicina, odontologia e fisioterapia se reuniram para homenagear os doadores de corpo e seus parentes. Nas cerimônias, os alunos tocam música, acendem velas, leem cartas e compartilham arte. (Foi projetado um diagrama cardíaco dos estudos de anatomia de Zhang, sobreposto a seus desenhos extravagantes de livros, raízes de árvores e figuras humanas enquanto ela discursava em Columbia.) Há, frequentemente, a participação de um líder espiritual ecumênico. Às vezes, inclui-se a designação de uma árvore ou uma oferta de flores à família de um doador.

Não se sabe quantas pessoas nos Estados Unidos doam o corpo para a pesquisa e a educação médicas, embora estimativas sugiram que cerca de 20 mil pessoas ou seus familiares o fazem anualmente. Os critérios variam de acordo com o programa e o estado; em geral, qualquer indivíduo com mais de 18 anos pode se tornar doador, mas quem sofre de certas doenças transmissíveis, como hepatite B ou C, tuberculose, HIV ou aids, normalmente é excluído. Muitos programas também recusam corpos autopsiados ou que tiveram órgãos removidos para doação.

Mesmo com a introdução de elaborados softwares de visualização 3D, há séculos a dissecção é a base da educação médica para a maioria dos alunos do primeiro ano, que passam meses estudando metodicamente as estruturas do corpo, incluindo órgãos, tendões, veias e tecidos. Essa experiência é mais enriquecedora do que os fundamentos da medicina. Tratar o doador, que é visto como o primeiro paciente de um médico, com respeito e cuidado fornece aos alunos uma base ética e profissional, explicou Joy Balta, presidente do comitê de doação de corpos humanos da Associação Americana de Anatomia.

Reconhecendo um sacrifício

A doação de corpos é um ato altruísta dos doadores, como também de seus familiares, que podem esperar até alguns anos para receber as cinzas. As cerimônias fúnebres, chamadas muitas vezes de cerimônias de agradecimento, reconhecem o sacrifício.

“Você pensa no doador com o qual está trabalhando. É alguém que doou o corpo, que queria que ele servisse para melhorar a ciência e os tratamentos de saúde”, afirmou Balta, que também é diretor do Instituto de Aprendizado de Anatomia da Universidade Nazarena Point Loma, em San Diego.

A Escola Vagelos de Médicos e Cirurgiões da Universidade Columbia começou a promover uma cerimônia de agradecimento aos doadores no fim da década de 1970 como uma forma de destacar uma experiência que “é muito difícil para alguns alunos e realmente transformadora”, como observou Paulette Bernd, diretora do curso básico de anatomia clínica da escola.

Os familiares dos doadores são convidados para os eventos em algumas escolas. Em outras, as cerimônias são restritas aos alunos e professores, visando manter o anonimato garantido aos doadores. Na Universidade Brown, por exemplo, apenas a idade, a causa da morte, o estado civil e a ocupação do doador são revelados aos estudantes, e as mãos e o rosto permanecem cobertos durante grande parte do processo. “Os corpos passam por todo esse processo de desidentificação. E essa é uma ótima maneira de humanizá-los. Consideramos o benefício que proporcionaram, bem como seus familiares, que ainda estão processando a perda”, explicou Nidhi Bhaskar, estudante do primeiro ano de medicina que ajudou a coordenar uma recente cerimônia de agradecimento na Brown.

O laboratório de anatomia pode ser uma experiência complicada para alunos de medicina, para os quais essa pode ser a primeira experiência com a morte, disse o dr. Daniel Topping, professor associado clínico do departamento de anatomia e biologia celular da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida.

Evan Wright, estudante do primeiro ano de medicina, toca na cerimônia em honra das pessoas que doaram seus corpos para estudos.  Foto: Diana Cervantes/The New York Times

‘Eu sabia que ela estava ajudando alguém’

Entre os convidados da cerimônia na Universidade de Washington estava Regina Dunn. Ela estava muito perturbada para planejar o funeral quando sua mãe, Louise Dunn, morreu em julho, aos 90 anos. A homenagem aos doadores foi o primeiro memorial de Louise Dunn, contou ela. “Eles me proporcionaram conforto”, afirmou Regina Dunn sobre os alunos. “E muita gente precisa desse desfecho.”

E acrescentou: “Minha mãe, que abriu uma escola de modelos para mulheres negras em St. Louis em 1960, sempre fez questão de ajudar as pessoas. Portanto, não foi surpreendente o fato de ela querer continuar a ajudar os outros depois da morte, mesmo que alguns parentes tenham precisado superar certa apreensão por causa de sua decisão de doar o corpo para a ciência.”

Regina Dunn contou que uma estudante negra disse a uma amiga que a acompanhou à cerimônia que o fato de haver uma doadora negra no laboratório, quando a maioria dos doadores é branca, causou um impacto profundo. “Eu me senti honrada, de verdade, porque sabia que ela estava ajudando alguém.”

Para a família de Michael Haas, que doou o corpo para a Escola de Medicina da Universidade de Indiana, a cerimônia de agradecimento foi um momento de fechar um círculo em vários aspectos. Foi promovida em 16 de abril, quatro dias antes do aniversário da morte dele, informou sua esposa, Molly Haas. A cerimônia foi celebrada no campus da universidade em Bloomington, Indiana, onde o casal ficou noivo em 1970. Os familiares receberam cravos brancos e vermelhos; Molly Haas se lembrou de que seu marido sempre lhe dava cravos vermelhos.

Ambos decidiram doar o corpo em 2012, na época em que os sintomas da doença de Alzheimer de Michael Haas começaram a aparecer. Para ele, que foi assistente social e sacerdote episcopal, tornar-se doador foi uma forma de prolongar uma missão de serviço, explicou sua esposa: “Seus valores e sua ética sempre priorizaram a generosidade.”

‘Um grande sentimento de gratidão’

As cerimônias de agradecimento são geralmente planejadas pelos alunos, mas também dão aos membros do corpo docente que administram os laboratórios de anatomia uma maneira de processar sua relação com os doadores. “Tenho um grande sentimento de gratidão, de responsabilidade e de honra toda vez que estou perto de um doador. É uma coisa sagrada para mim”, disse Topping, da Universidade da Flórida.

Nirusha Lachman, presidente do departamento de anatomia clínica da Faculdade de Medicina e Ciência da Clínica Mayo, participou de sua primeira cerimônia de agradecimento há cerca de 40 anos, quando era estudante na África do Sul, e desde então discursou em várias. Elas servem, segundo ela, para mostrar que os doadores continuam vivos por meio da educação que seu corpo proporcionou. “Você quer que chegue a todos, incluindo os parentes, a ideia de que a morte não foi o fim para seus entes queridos.”

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