Ex-dançarina lança livro em que questiona cultura tóxica no balé


Alex Robb examina a lenda do coreógrafo Balanchine, questionando a dinâmica de poder de seus relacionamentos com as jovens bailarinas sob seu controle

Por Alex Vadukul

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em um sábado recente, no Steps on Broadway, estúdio de ensaio no Upper West Side de Manhattan, bailarinos faziam piruetas ao som de gravações de música clássica ao piano enquanto uma instrutora os orientava.

Alguns eram profissionais aposentados que praticavam na barra. Outros eram praticantes de fim de semana que sonhavam com O Lago dos Cisnes enquanto faziam exercícios aeróbicos. A escritora Alice Robb, de collant rosa e sapatilhas de balé, destacava-se. Seu tendus parecia um pouco mais elegante que o dos demais, e, quando pulou no ar em um petit allegro, subiu um pouco mais alto.

Depois, Robb saiu do vestiário vestindo jeans e um suéter de malha cinza. Então observou uma aula de balé de uma turma avançada, detendo-se nos movimentos de uma menina que parecia ter cerca de 13 anos. “Ela é boa. Muito boa. Provavelmente, da SAB”, comentou.

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Alice Robb no Steps, estúdio de dança histórico no Upper West Side de Manhattan. Foto: Laurel Golio/The New York Times

Robb se referia à School of American Ballet (SAB), a escola de elite que serve de academia oficial de treinamento para o New York City Ballet. Quando Robb tinha a mesma idade que a garota que ela estava observando, foi aluna da SAB. Mas não chegou ao City Ballet, tendo sido dispensada da escola aos 12 anos. “Tenho pena, porque sei o que ela vai passar. Mas também tenho certa inveja, porque ela ainda tem a chance de ser bailarina.”

Há todos aqueles que vieram da SAB para integrar a companhia de destaque da nação. Mas existem muitos outros mais cujos sonhos são destruídos. No caso de Robb, ela sofreu uma crise de identidade que a acompanhou até a idade adulta. Em seu novo livro, Don’t Think, Dear: On Loving and Leaving Ballet, ela transforma sua angústia em prosa, ao mesmo tempo que lança um olhar crítico sobre a cultura do balé.

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O título é alusão a uma instrução dada às bailarinas por George Balanchine, o visionário coreógrafo nascido na Rússia que cofundou a SAB e o City Ballet e que controlou ambas as instituições até sua morte em 1983. Robb, ex-redatora da revista The New Republic, relata quando atuou como soldado de brinquedo em O Quebra-Nozes, tendo de suportar a inquietação de ver seu corpo crescer de uma maneira que não estava em conformidade com o padrão esquelético de Balanchine.

Ao propor uma questão feminista ao balé no mundo pós-#MeToo, Robb, de 31 anos, examina a lenda de Balanchine, que é reverenciado 40 anos depois de sua morte, questionando a dinâmica de poder de seus relacionamentos com as jovens bailarinas sob seu controle.

Ela disseca os quatro casamentos de Balanchine com bailarinas, entre elas Tanaquil Le Clercq, que começou a dançar para o coreógrafo no início da adolescência e se casou com ele aos 23 anos. Alguns anos depois, ela contraiu poliomielite e foi confinada a uma cadeira de rodas, e Balanchine acabou se divorciando para perseguir uma nova musa, Suzanne Farrell, de 23 anos. Quando esta recusou seus avanços para se casar com um colega bailarino, ela e o marido foram expulsos da companhia. (Balanchine e Farrell mais tarde retomaram sua colaboração.) “Nosso corpo era um instrumento. E pertencia a outras pessoas: a coreógrafos, parceiros e diretores - a homens”, escreve Robb.

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Na pesquisa para o livro, entrevistou ex-alunos da SAB que, como ela, nunca chegaram ao City Ballet. Uma delas ingressou em um grupo de dança contemporânea, outra passou a ensinar uma adaptação mais suave do método Balanchine em uma universidade cristã no Texas, e uma terceira encontrou trabalho como figurante no Central Casting. “Como conciliamos nosso passado e o nosso amor que restou pelo balé com a consciência feminista que acabamos desenvolvendo?”, escreve.

Depois que a jovem bailarina terminou o ensaio, correu para o hall para se encontrar com sua mãe. Robb não pôde deixar de olhar para a garota um pouco mais. “Meu livro luta com o balé. Se o odiasse, não teria escrito um livro. É porque luto que o escrevi. Tentei suprimi-lo durante grande parte da minha vida, mas acabei não conseguindo”, revelou. Esse conflito está no cerne do livro. Mas ela afirma não ter encontrado respostas fáceis.

Se Balanchine abusou de sua posição, por que aparentemente todos os seus bailarinos expressavam respeito e adoração por ele décadas depois de sua morte? Se seus padrões eram desumanos, por que Robb ainda se sentia atraída pela beleza de sua coreografia? “Não acho que seja fácil. Essas mulheres também nunca o condenaram realmente, e não posso impor um ponto de vista àquelas que têm direito a dar sua opinião. Não estou argumentando que devemos destruí-lo. Mas há esse foco singular em Balanchine no SAB e no City Ballet que acompanha um tipo de adoração ao herói que não acho saudável. Todo mundo está submetido a um homem morto. E não há muitas memórias no balé sobre como é ter um sonho cancelado”, declarou Robb.

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Informado sobre a essência de Don’t Think, Dear, um porta-voz da escola escreveu em um comunicado: “Seria difícil comentar o relato de Alice de seus três anos como aluna na divisão infantil da SAB sem ter lido o livro. Temos grande orgulho de nossos ex-alunos que seguem uma carreira impressionante fora do mundo da dança, e desejamos a Alice muito sucesso com seu novo livro de memórias.”

Patricia McBride, de 80 anos, bailarina de Balanchine que em 1961 se tornou a mais jovem diretora do City Ballet, relembrou em uma entrevista por telefone sobre como era dançar para ele: “Era um sonho de pessoa, um gênio. Fez com que nos tornássemos o que somos. Acreditávamos nele completamente. Se dissesse ‘pulem da ponte’, pularíamos. Mas tiramos muitas coisas dele também, porque nos deu algo extraordinário, e buscávamos avidamente por isso.”

Questionada sobre o que achava de um livro que o critica, McBride arriscou: “Ele não esperava que sua vida se tornasse um museu do balé. Balanchine sempre soube que as coisas mudariam.”

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Filha de um professor de economia e de uma ex-enfermeira, Robb frequentou a SAB dos nove aos 12 anos, quando era aluna da Dalton, escola particular no Upper East Side de Manhattan. Depois que foi dispensada da SAB em 2004, recusou-se a aceitar a decisão e se candidatou a outras academias de balé. “Eu olho para as meninas da classe e sei que nunca vou me parecer com elas, daí me pergunto por que estou perdendo meu tempo. Quando consigo voar e rodopiar en pointe - é quando amo o balé e me lembro da razão pela qual danço. Mas esses momentos são cada vez mais raros”, escreveu ela em seu diário depois de um teste desanimador.

Desde que Robb terminou de escrever seu livro, o balé não ocupa tanto sua mente. Mas ainda gosta de ir assistir a uma apresentação no Lincoln Center. Uma noite recente, estava lá para ver O Pássaro de Fogo, coreografia de Balanchine e Jerome Robbins baseada em um conto de fadas russo. Ficou encantada quando uma bailarina rodopiou no palco ao som da música de Igor Stravinsky que vinha do fosso da orquestra. Durante a cena final, em que um príncipe se casa com uma princesa, ela apontou para uma criança carregando um bolo e sussurrou: “Essa era eu.”

Enquanto o público saía do Lincoln Center, Robb atravessou a praça gelada e entrou no saguão da SAB pela primeira vez em anos. “Estar aqui ainda invoca uma inveja infantil em mim. Talvez arrependimento. Embora essa não seja a palavra certa. Traz de volta um sonho de infância que se tornou doloroso porque não se concretizou. Mas tudo isso tem menos influência sobre mim agora.”

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Duas alunas de balé entraram no saguão e esperaram por um elevador. Em forma e esguias, irradiavam confiança. As portas se abriram e elas entraram.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em um sábado recente, no Steps on Broadway, estúdio de ensaio no Upper West Side de Manhattan, bailarinos faziam piruetas ao som de gravações de música clássica ao piano enquanto uma instrutora os orientava.

Alguns eram profissionais aposentados que praticavam na barra. Outros eram praticantes de fim de semana que sonhavam com O Lago dos Cisnes enquanto faziam exercícios aeróbicos. A escritora Alice Robb, de collant rosa e sapatilhas de balé, destacava-se. Seu tendus parecia um pouco mais elegante que o dos demais, e, quando pulou no ar em um petit allegro, subiu um pouco mais alto.

Depois, Robb saiu do vestiário vestindo jeans e um suéter de malha cinza. Então observou uma aula de balé de uma turma avançada, detendo-se nos movimentos de uma menina que parecia ter cerca de 13 anos. “Ela é boa. Muito boa. Provavelmente, da SAB”, comentou.

Alice Robb no Steps, estúdio de dança histórico no Upper West Side de Manhattan. Foto: Laurel Golio/The New York Times

Robb se referia à School of American Ballet (SAB), a escola de elite que serve de academia oficial de treinamento para o New York City Ballet. Quando Robb tinha a mesma idade que a garota que ela estava observando, foi aluna da SAB. Mas não chegou ao City Ballet, tendo sido dispensada da escola aos 12 anos. “Tenho pena, porque sei o que ela vai passar. Mas também tenho certa inveja, porque ela ainda tem a chance de ser bailarina.”

Há todos aqueles que vieram da SAB para integrar a companhia de destaque da nação. Mas existem muitos outros mais cujos sonhos são destruídos. No caso de Robb, ela sofreu uma crise de identidade que a acompanhou até a idade adulta. Em seu novo livro, Don’t Think, Dear: On Loving and Leaving Ballet, ela transforma sua angústia em prosa, ao mesmo tempo que lança um olhar crítico sobre a cultura do balé.

O título é alusão a uma instrução dada às bailarinas por George Balanchine, o visionário coreógrafo nascido na Rússia que cofundou a SAB e o City Ballet e que controlou ambas as instituições até sua morte em 1983. Robb, ex-redatora da revista The New Republic, relata quando atuou como soldado de brinquedo em O Quebra-Nozes, tendo de suportar a inquietação de ver seu corpo crescer de uma maneira que não estava em conformidade com o padrão esquelético de Balanchine.

Ao propor uma questão feminista ao balé no mundo pós-#MeToo, Robb, de 31 anos, examina a lenda de Balanchine, que é reverenciado 40 anos depois de sua morte, questionando a dinâmica de poder de seus relacionamentos com as jovens bailarinas sob seu controle.

Ela disseca os quatro casamentos de Balanchine com bailarinas, entre elas Tanaquil Le Clercq, que começou a dançar para o coreógrafo no início da adolescência e se casou com ele aos 23 anos. Alguns anos depois, ela contraiu poliomielite e foi confinada a uma cadeira de rodas, e Balanchine acabou se divorciando para perseguir uma nova musa, Suzanne Farrell, de 23 anos. Quando esta recusou seus avanços para se casar com um colega bailarino, ela e o marido foram expulsos da companhia. (Balanchine e Farrell mais tarde retomaram sua colaboração.) “Nosso corpo era um instrumento. E pertencia a outras pessoas: a coreógrafos, parceiros e diretores - a homens”, escreve Robb.

Na pesquisa para o livro, entrevistou ex-alunos da SAB que, como ela, nunca chegaram ao City Ballet. Uma delas ingressou em um grupo de dança contemporânea, outra passou a ensinar uma adaptação mais suave do método Balanchine em uma universidade cristã no Texas, e uma terceira encontrou trabalho como figurante no Central Casting. “Como conciliamos nosso passado e o nosso amor que restou pelo balé com a consciência feminista que acabamos desenvolvendo?”, escreve.

Depois que a jovem bailarina terminou o ensaio, correu para o hall para se encontrar com sua mãe. Robb não pôde deixar de olhar para a garota um pouco mais. “Meu livro luta com o balé. Se o odiasse, não teria escrito um livro. É porque luto que o escrevi. Tentei suprimi-lo durante grande parte da minha vida, mas acabei não conseguindo”, revelou. Esse conflito está no cerne do livro. Mas ela afirma não ter encontrado respostas fáceis.

Se Balanchine abusou de sua posição, por que aparentemente todos os seus bailarinos expressavam respeito e adoração por ele décadas depois de sua morte? Se seus padrões eram desumanos, por que Robb ainda se sentia atraída pela beleza de sua coreografia? “Não acho que seja fácil. Essas mulheres também nunca o condenaram realmente, e não posso impor um ponto de vista àquelas que têm direito a dar sua opinião. Não estou argumentando que devemos destruí-lo. Mas há esse foco singular em Balanchine no SAB e no City Ballet que acompanha um tipo de adoração ao herói que não acho saudável. Todo mundo está submetido a um homem morto. E não há muitas memórias no balé sobre como é ter um sonho cancelado”, declarou Robb.

Informado sobre a essência de Don’t Think, Dear, um porta-voz da escola escreveu em um comunicado: “Seria difícil comentar o relato de Alice de seus três anos como aluna na divisão infantil da SAB sem ter lido o livro. Temos grande orgulho de nossos ex-alunos que seguem uma carreira impressionante fora do mundo da dança, e desejamos a Alice muito sucesso com seu novo livro de memórias.”

Patricia McBride, de 80 anos, bailarina de Balanchine que em 1961 se tornou a mais jovem diretora do City Ballet, relembrou em uma entrevista por telefone sobre como era dançar para ele: “Era um sonho de pessoa, um gênio. Fez com que nos tornássemos o que somos. Acreditávamos nele completamente. Se dissesse ‘pulem da ponte’, pularíamos. Mas tiramos muitas coisas dele também, porque nos deu algo extraordinário, e buscávamos avidamente por isso.”

Questionada sobre o que achava de um livro que o critica, McBride arriscou: “Ele não esperava que sua vida se tornasse um museu do balé. Balanchine sempre soube que as coisas mudariam.”

Filha de um professor de economia e de uma ex-enfermeira, Robb frequentou a SAB dos nove aos 12 anos, quando era aluna da Dalton, escola particular no Upper East Side de Manhattan. Depois que foi dispensada da SAB em 2004, recusou-se a aceitar a decisão e se candidatou a outras academias de balé. “Eu olho para as meninas da classe e sei que nunca vou me parecer com elas, daí me pergunto por que estou perdendo meu tempo. Quando consigo voar e rodopiar en pointe - é quando amo o balé e me lembro da razão pela qual danço. Mas esses momentos são cada vez mais raros”, escreveu ela em seu diário depois de um teste desanimador.

Desde que Robb terminou de escrever seu livro, o balé não ocupa tanto sua mente. Mas ainda gosta de ir assistir a uma apresentação no Lincoln Center. Uma noite recente, estava lá para ver O Pássaro de Fogo, coreografia de Balanchine e Jerome Robbins baseada em um conto de fadas russo. Ficou encantada quando uma bailarina rodopiou no palco ao som da música de Igor Stravinsky que vinha do fosso da orquestra. Durante a cena final, em que um príncipe se casa com uma princesa, ela apontou para uma criança carregando um bolo e sussurrou: “Essa era eu.”

Enquanto o público saía do Lincoln Center, Robb atravessou a praça gelada e entrou no saguão da SAB pela primeira vez em anos. “Estar aqui ainda invoca uma inveja infantil em mim. Talvez arrependimento. Embora essa não seja a palavra certa. Traz de volta um sonho de infância que se tornou doloroso porque não se concretizou. Mas tudo isso tem menos influência sobre mim agora.”

Duas alunas de balé entraram no saguão e esperaram por um elevador. Em forma e esguias, irradiavam confiança. As portas se abriram e elas entraram.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em um sábado recente, no Steps on Broadway, estúdio de ensaio no Upper West Side de Manhattan, bailarinos faziam piruetas ao som de gravações de música clássica ao piano enquanto uma instrutora os orientava.

Alguns eram profissionais aposentados que praticavam na barra. Outros eram praticantes de fim de semana que sonhavam com O Lago dos Cisnes enquanto faziam exercícios aeróbicos. A escritora Alice Robb, de collant rosa e sapatilhas de balé, destacava-se. Seu tendus parecia um pouco mais elegante que o dos demais, e, quando pulou no ar em um petit allegro, subiu um pouco mais alto.

Depois, Robb saiu do vestiário vestindo jeans e um suéter de malha cinza. Então observou uma aula de balé de uma turma avançada, detendo-se nos movimentos de uma menina que parecia ter cerca de 13 anos. “Ela é boa. Muito boa. Provavelmente, da SAB”, comentou.

Alice Robb no Steps, estúdio de dança histórico no Upper West Side de Manhattan. Foto: Laurel Golio/The New York Times

Robb se referia à School of American Ballet (SAB), a escola de elite que serve de academia oficial de treinamento para o New York City Ballet. Quando Robb tinha a mesma idade que a garota que ela estava observando, foi aluna da SAB. Mas não chegou ao City Ballet, tendo sido dispensada da escola aos 12 anos. “Tenho pena, porque sei o que ela vai passar. Mas também tenho certa inveja, porque ela ainda tem a chance de ser bailarina.”

Há todos aqueles que vieram da SAB para integrar a companhia de destaque da nação. Mas existem muitos outros mais cujos sonhos são destruídos. No caso de Robb, ela sofreu uma crise de identidade que a acompanhou até a idade adulta. Em seu novo livro, Don’t Think, Dear: On Loving and Leaving Ballet, ela transforma sua angústia em prosa, ao mesmo tempo que lança um olhar crítico sobre a cultura do balé.

O título é alusão a uma instrução dada às bailarinas por George Balanchine, o visionário coreógrafo nascido na Rússia que cofundou a SAB e o City Ballet e que controlou ambas as instituições até sua morte em 1983. Robb, ex-redatora da revista The New Republic, relata quando atuou como soldado de brinquedo em O Quebra-Nozes, tendo de suportar a inquietação de ver seu corpo crescer de uma maneira que não estava em conformidade com o padrão esquelético de Balanchine.

Ao propor uma questão feminista ao balé no mundo pós-#MeToo, Robb, de 31 anos, examina a lenda de Balanchine, que é reverenciado 40 anos depois de sua morte, questionando a dinâmica de poder de seus relacionamentos com as jovens bailarinas sob seu controle.

Ela disseca os quatro casamentos de Balanchine com bailarinas, entre elas Tanaquil Le Clercq, que começou a dançar para o coreógrafo no início da adolescência e se casou com ele aos 23 anos. Alguns anos depois, ela contraiu poliomielite e foi confinada a uma cadeira de rodas, e Balanchine acabou se divorciando para perseguir uma nova musa, Suzanne Farrell, de 23 anos. Quando esta recusou seus avanços para se casar com um colega bailarino, ela e o marido foram expulsos da companhia. (Balanchine e Farrell mais tarde retomaram sua colaboração.) “Nosso corpo era um instrumento. E pertencia a outras pessoas: a coreógrafos, parceiros e diretores - a homens”, escreve Robb.

Na pesquisa para o livro, entrevistou ex-alunos da SAB que, como ela, nunca chegaram ao City Ballet. Uma delas ingressou em um grupo de dança contemporânea, outra passou a ensinar uma adaptação mais suave do método Balanchine em uma universidade cristã no Texas, e uma terceira encontrou trabalho como figurante no Central Casting. “Como conciliamos nosso passado e o nosso amor que restou pelo balé com a consciência feminista que acabamos desenvolvendo?”, escreve.

Depois que a jovem bailarina terminou o ensaio, correu para o hall para se encontrar com sua mãe. Robb não pôde deixar de olhar para a garota um pouco mais. “Meu livro luta com o balé. Se o odiasse, não teria escrito um livro. É porque luto que o escrevi. Tentei suprimi-lo durante grande parte da minha vida, mas acabei não conseguindo”, revelou. Esse conflito está no cerne do livro. Mas ela afirma não ter encontrado respostas fáceis.

Se Balanchine abusou de sua posição, por que aparentemente todos os seus bailarinos expressavam respeito e adoração por ele décadas depois de sua morte? Se seus padrões eram desumanos, por que Robb ainda se sentia atraída pela beleza de sua coreografia? “Não acho que seja fácil. Essas mulheres também nunca o condenaram realmente, e não posso impor um ponto de vista àquelas que têm direito a dar sua opinião. Não estou argumentando que devemos destruí-lo. Mas há esse foco singular em Balanchine no SAB e no City Ballet que acompanha um tipo de adoração ao herói que não acho saudável. Todo mundo está submetido a um homem morto. E não há muitas memórias no balé sobre como é ter um sonho cancelado”, declarou Robb.

Informado sobre a essência de Don’t Think, Dear, um porta-voz da escola escreveu em um comunicado: “Seria difícil comentar o relato de Alice de seus três anos como aluna na divisão infantil da SAB sem ter lido o livro. Temos grande orgulho de nossos ex-alunos que seguem uma carreira impressionante fora do mundo da dança, e desejamos a Alice muito sucesso com seu novo livro de memórias.”

Patricia McBride, de 80 anos, bailarina de Balanchine que em 1961 se tornou a mais jovem diretora do City Ballet, relembrou em uma entrevista por telefone sobre como era dançar para ele: “Era um sonho de pessoa, um gênio. Fez com que nos tornássemos o que somos. Acreditávamos nele completamente. Se dissesse ‘pulem da ponte’, pularíamos. Mas tiramos muitas coisas dele também, porque nos deu algo extraordinário, e buscávamos avidamente por isso.”

Questionada sobre o que achava de um livro que o critica, McBride arriscou: “Ele não esperava que sua vida se tornasse um museu do balé. Balanchine sempre soube que as coisas mudariam.”

Filha de um professor de economia e de uma ex-enfermeira, Robb frequentou a SAB dos nove aos 12 anos, quando era aluna da Dalton, escola particular no Upper East Side de Manhattan. Depois que foi dispensada da SAB em 2004, recusou-se a aceitar a decisão e se candidatou a outras academias de balé. “Eu olho para as meninas da classe e sei que nunca vou me parecer com elas, daí me pergunto por que estou perdendo meu tempo. Quando consigo voar e rodopiar en pointe - é quando amo o balé e me lembro da razão pela qual danço. Mas esses momentos são cada vez mais raros”, escreveu ela em seu diário depois de um teste desanimador.

Desde que Robb terminou de escrever seu livro, o balé não ocupa tanto sua mente. Mas ainda gosta de ir assistir a uma apresentação no Lincoln Center. Uma noite recente, estava lá para ver O Pássaro de Fogo, coreografia de Balanchine e Jerome Robbins baseada em um conto de fadas russo. Ficou encantada quando uma bailarina rodopiou no palco ao som da música de Igor Stravinsky que vinha do fosso da orquestra. Durante a cena final, em que um príncipe se casa com uma princesa, ela apontou para uma criança carregando um bolo e sussurrou: “Essa era eu.”

Enquanto o público saía do Lincoln Center, Robb atravessou a praça gelada e entrou no saguão da SAB pela primeira vez em anos. “Estar aqui ainda invoca uma inveja infantil em mim. Talvez arrependimento. Embora essa não seja a palavra certa. Traz de volta um sonho de infância que se tornou doloroso porque não se concretizou. Mas tudo isso tem menos influência sobre mim agora.”

Duas alunas de balé entraram no saguão e esperaram por um elevador. Em forma e esguias, irradiavam confiança. As portas se abriram e elas entraram.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em um sábado recente, no Steps on Broadway, estúdio de ensaio no Upper West Side de Manhattan, bailarinos faziam piruetas ao som de gravações de música clássica ao piano enquanto uma instrutora os orientava.

Alguns eram profissionais aposentados que praticavam na barra. Outros eram praticantes de fim de semana que sonhavam com O Lago dos Cisnes enquanto faziam exercícios aeróbicos. A escritora Alice Robb, de collant rosa e sapatilhas de balé, destacava-se. Seu tendus parecia um pouco mais elegante que o dos demais, e, quando pulou no ar em um petit allegro, subiu um pouco mais alto.

Depois, Robb saiu do vestiário vestindo jeans e um suéter de malha cinza. Então observou uma aula de balé de uma turma avançada, detendo-se nos movimentos de uma menina que parecia ter cerca de 13 anos. “Ela é boa. Muito boa. Provavelmente, da SAB”, comentou.

Alice Robb no Steps, estúdio de dança histórico no Upper West Side de Manhattan. Foto: Laurel Golio/The New York Times

Robb se referia à School of American Ballet (SAB), a escola de elite que serve de academia oficial de treinamento para o New York City Ballet. Quando Robb tinha a mesma idade que a garota que ela estava observando, foi aluna da SAB. Mas não chegou ao City Ballet, tendo sido dispensada da escola aos 12 anos. “Tenho pena, porque sei o que ela vai passar. Mas também tenho certa inveja, porque ela ainda tem a chance de ser bailarina.”

Há todos aqueles que vieram da SAB para integrar a companhia de destaque da nação. Mas existem muitos outros mais cujos sonhos são destruídos. No caso de Robb, ela sofreu uma crise de identidade que a acompanhou até a idade adulta. Em seu novo livro, Don’t Think, Dear: On Loving and Leaving Ballet, ela transforma sua angústia em prosa, ao mesmo tempo que lança um olhar crítico sobre a cultura do balé.

O título é alusão a uma instrução dada às bailarinas por George Balanchine, o visionário coreógrafo nascido na Rússia que cofundou a SAB e o City Ballet e que controlou ambas as instituições até sua morte em 1983. Robb, ex-redatora da revista The New Republic, relata quando atuou como soldado de brinquedo em O Quebra-Nozes, tendo de suportar a inquietação de ver seu corpo crescer de uma maneira que não estava em conformidade com o padrão esquelético de Balanchine.

Ao propor uma questão feminista ao balé no mundo pós-#MeToo, Robb, de 31 anos, examina a lenda de Balanchine, que é reverenciado 40 anos depois de sua morte, questionando a dinâmica de poder de seus relacionamentos com as jovens bailarinas sob seu controle.

Ela disseca os quatro casamentos de Balanchine com bailarinas, entre elas Tanaquil Le Clercq, que começou a dançar para o coreógrafo no início da adolescência e se casou com ele aos 23 anos. Alguns anos depois, ela contraiu poliomielite e foi confinada a uma cadeira de rodas, e Balanchine acabou se divorciando para perseguir uma nova musa, Suzanne Farrell, de 23 anos. Quando esta recusou seus avanços para se casar com um colega bailarino, ela e o marido foram expulsos da companhia. (Balanchine e Farrell mais tarde retomaram sua colaboração.) “Nosso corpo era um instrumento. E pertencia a outras pessoas: a coreógrafos, parceiros e diretores - a homens”, escreve Robb.

Na pesquisa para o livro, entrevistou ex-alunos da SAB que, como ela, nunca chegaram ao City Ballet. Uma delas ingressou em um grupo de dança contemporânea, outra passou a ensinar uma adaptação mais suave do método Balanchine em uma universidade cristã no Texas, e uma terceira encontrou trabalho como figurante no Central Casting. “Como conciliamos nosso passado e o nosso amor que restou pelo balé com a consciência feminista que acabamos desenvolvendo?”, escreve.

Depois que a jovem bailarina terminou o ensaio, correu para o hall para se encontrar com sua mãe. Robb não pôde deixar de olhar para a garota um pouco mais. “Meu livro luta com o balé. Se o odiasse, não teria escrito um livro. É porque luto que o escrevi. Tentei suprimi-lo durante grande parte da minha vida, mas acabei não conseguindo”, revelou. Esse conflito está no cerne do livro. Mas ela afirma não ter encontrado respostas fáceis.

Se Balanchine abusou de sua posição, por que aparentemente todos os seus bailarinos expressavam respeito e adoração por ele décadas depois de sua morte? Se seus padrões eram desumanos, por que Robb ainda se sentia atraída pela beleza de sua coreografia? “Não acho que seja fácil. Essas mulheres também nunca o condenaram realmente, e não posso impor um ponto de vista àquelas que têm direito a dar sua opinião. Não estou argumentando que devemos destruí-lo. Mas há esse foco singular em Balanchine no SAB e no City Ballet que acompanha um tipo de adoração ao herói que não acho saudável. Todo mundo está submetido a um homem morto. E não há muitas memórias no balé sobre como é ter um sonho cancelado”, declarou Robb.

Informado sobre a essência de Don’t Think, Dear, um porta-voz da escola escreveu em um comunicado: “Seria difícil comentar o relato de Alice de seus três anos como aluna na divisão infantil da SAB sem ter lido o livro. Temos grande orgulho de nossos ex-alunos que seguem uma carreira impressionante fora do mundo da dança, e desejamos a Alice muito sucesso com seu novo livro de memórias.”

Patricia McBride, de 80 anos, bailarina de Balanchine que em 1961 se tornou a mais jovem diretora do City Ballet, relembrou em uma entrevista por telefone sobre como era dançar para ele: “Era um sonho de pessoa, um gênio. Fez com que nos tornássemos o que somos. Acreditávamos nele completamente. Se dissesse ‘pulem da ponte’, pularíamos. Mas tiramos muitas coisas dele também, porque nos deu algo extraordinário, e buscávamos avidamente por isso.”

Questionada sobre o que achava de um livro que o critica, McBride arriscou: “Ele não esperava que sua vida se tornasse um museu do balé. Balanchine sempre soube que as coisas mudariam.”

Filha de um professor de economia e de uma ex-enfermeira, Robb frequentou a SAB dos nove aos 12 anos, quando era aluna da Dalton, escola particular no Upper East Side de Manhattan. Depois que foi dispensada da SAB em 2004, recusou-se a aceitar a decisão e se candidatou a outras academias de balé. “Eu olho para as meninas da classe e sei que nunca vou me parecer com elas, daí me pergunto por que estou perdendo meu tempo. Quando consigo voar e rodopiar en pointe - é quando amo o balé e me lembro da razão pela qual danço. Mas esses momentos são cada vez mais raros”, escreveu ela em seu diário depois de um teste desanimador.

Desde que Robb terminou de escrever seu livro, o balé não ocupa tanto sua mente. Mas ainda gosta de ir assistir a uma apresentação no Lincoln Center. Uma noite recente, estava lá para ver O Pássaro de Fogo, coreografia de Balanchine e Jerome Robbins baseada em um conto de fadas russo. Ficou encantada quando uma bailarina rodopiou no palco ao som da música de Igor Stravinsky que vinha do fosso da orquestra. Durante a cena final, em que um príncipe se casa com uma princesa, ela apontou para uma criança carregando um bolo e sussurrou: “Essa era eu.”

Enquanto o público saía do Lincoln Center, Robb atravessou a praça gelada e entrou no saguão da SAB pela primeira vez em anos. “Estar aqui ainda invoca uma inveja infantil em mim. Talvez arrependimento. Embora essa não seja a palavra certa. Traz de volta um sonho de infância que se tornou doloroso porque não se concretizou. Mas tudo isso tem menos influência sobre mim agora.”

Duas alunas de balé entraram no saguão e esperaram por um elevador. Em forma e esguias, irradiavam confiança. As portas se abriram e elas entraram.

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